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Trechos com especificidades ligadas ao conteúdo na CBN

3 DISCUSSÃO E ANÁLISE

3.4 RÁDIO CBN – CENTRAL BRASILEIRA DE NOTÍCIAS TRECHOS

3.4.2 Trechos com especificidades ligadas ao conteúdo na CBN

Trecho 08 - 8h33 – Chamada para o programa ‘Dois na WEB’, um programa com conteúdo voltado para a internet, que fala das novidades e ensina como utilizar a internet.

Uma mostra de que o rádio não é inimigo da internet. Neste programa, o ouvinte aprende a usar a internet no rádio, fazendo com que o meio se transforme em indutor de público para uma nova plataforma midiática. A emissora, que possui uma grande quantidade de conteúdo disponível em seu site83, estimula e ensina neste programa o ouvinte a acessar as informações, demonstrando crer na afirmação do jornalista Heródoto Barbeiro, ex-integrante da equipe da emissora: “A sobrevivência passa pela reinvenção, interatividade, nova via de propagação – a internet – e a busca constante de credibilidade.” (BARBEIRO, 2004, p. 146)

A relação do rádio com a internet é polêmica entre autores e pode ser resumida na análise de Ana Carolina Almeida:

A relação entre o rádio e a internet pode suscitar duas vias de desenvolvimento: uma de ação complementar e outra de ação concorrente. Na primeira perspectiva teríamos a internet como protagonista de uma etapa de evolução do rádio. Ela se fundamenta na argumentação de que, em pouco mais de uma década, a internet tornou-se a principal hospedeira e difusora de uma série de meios, mensagens e tecnologias desenvolvidas paralelamente e que se juntaram numa plataforma comum de comunicação multilateral e mundial. Com a expansão da web, o rádio passou a contar com plataforma multimídia complementar para ampliar seu alcance de sintonia e diversificar sua audiência. Na segunda perspectiva, a internet teria um desenvolvimento concorrente ao rádio. (ALMEIDA, 2010, p. 276)

83 www.cbn.com.br

A World Wide Web84, com sua quantidade incalculável de informações disponíveis e suas variadas formas de acesso, é uma mídia cada vez mais massiva, sobretudo nas zonas urbanas onde o acesso a internet populariza-se. Ensinar os ouvintes a desvendá-la e utilizá-la, de maneira apropriada, é aproximar-se dela e um estímulo para que estes migrem para a mídia digital. Contudo, a intenção é a de que estes ouvintes, com a mesma facilidade que migraram para a internet, retornem para o rádio e mantenham esse ‘trânsito’, de maneira natural, entre as duas mídias. Percebe-se a nova especificidade que é esta proximidade, parceria e permuta com a nova mídia digital, atualmente com características dominantes, com o rádio se inserindo como participante e dialogando com ela.

Trecho 06 - 7h45 – São anunciadas novas participações de ouvintes, avisos de problemas de trânsito em vias pela cidade. Destaque-se que os nomes dos ouvintes que enviaram as mensagens via web85 são anunciados no início de cada relato, procurando com isto a personalização da notícia, dando-lhe origem, credibilidade, e ao mesmo tempo valorizando o ouvinte que a enviou.

A participação do ouvinte no conteúdo jornalístico é polemizada por diversos autores, como Doris Fagundes Haussen:

A participação do ouvinte e as possibilidades da interatividade nas programações radiofônicas têm sido tema de inúmeras especulações. Uma das principais é a de que, hoje, o ouvinte se faz muito mais presente. No entanto, é preciso uma atenção maior sobre estas afirmações para se detectar de que tipo de participação está se falando. Será de um desejo original do ouvinte ou da intervenção de um “imaginário midiatizado”, conforme Steinberger? Ou quem sabe, de uma mescla de ambos? (2010, p. 157)

Em outros pontos do corpus revelam-se mais ações com a utilização de populares, com a intenção da emissora de validar a especificidade da credibilidade do conteúdo veiculado. Às 9h15 é apresentado um jornal com diversas notícias curtas, todas as matérias possuem sonoras86 de entrevistados no meio da locução dos dois apresentadores, sejam autoridades sobre o tema ou populares com comentários. Este artifício comum ao formato do radiojornalismo, em um primeiro momento é utilizado para dar credibilidade à notícia, como

84 Nome original em inglês da Rede Mundial de Computadores que são os conteúdos disponíveis para acesso via

Internet. World Wide Web e Internet confundem-se em seus significados, sendo comumente chamado de “internet” a interconexão entre computadores e o seu conteúdo.

85 Abreviatura de World Wide Web – Rede Mundial de Computadores.

um reforço muitas vezes desnecessário e redundante, pois uma das especificidades do rádio, reconhecida e ressaltada por muitos pesquisadores, é a sua credibilidade.

Em uma reflexão mais aprofundada sobre este fenômeno percebe-se que o emprego de áudios de ouvintes, com vozes ‘comuns’, sotaques e falas com falhas gramaticais, faz com que estes se sintam inseridos na emissão radiofônica e apropriem-se do meio, pois entendem que poderiam ser eles, ou um conhecido, falando naquela entrevista ou opinião. Isto desencadeia uma dominação no sentido gramsciano, em que o ouvinte, sentindo-se integrante e integrado no sistema, alterna na posição de dominante e de dominado e sente-se um partícipe do sistema hegemônico e de sua ideologia.

No corpus, às 7h53, foram ouvidas novas informações sobre trânsito pelo repórter da emissora que está circulando na cidade. O locutor informa sobre um acidente e solicita que ouvintes que estiverem nas proximidades do ocorrido enviem a confirmação do fato. A geração de conteúdo pelo ouvinte é, portanto, desejada pelo emissor e pelo receptor.

Trecho 11 - 10h05 – Neste ponto é apresentado o programa chamado ‘CBN comunitária’. Um programa local, ao vivo, onde o apresentador define um tema, comenta-o, realiza uma entrevista e um debate com dois especialistas (via telefone), e ainda, ao final, lê e- mails enviados por ouvintes. O programa tem 20 minutos, ininterruptos, de duração. Os especialistas são autoridades governamentais ou estudiosos sobre o assunto. São falas longas que destrincham o tema a fundo, sem pressa, refletem sobre alternativas e consequências.

O rádio, que até agora, nesta discussão, é um lugar para notícias rápidas e sucintas, também se apresenta como um meio que permite debates longos, lentos, com aprofundamentos em determinados temas. Podem ser apontadas duas especificidades: a função social, em que atua como agente de informação; e a formação do coletivo, que contribui para a formação e a informação da comunidade, segundo Barbosa Filho:

Desde a sua gênese vem se firmando como um serviço de utilidade pública, o qual exerce uma comunicação que em muito contribui para a história da humanidade. Deixa como legado princípios como ação, atuação, transformação e mobilização. (2009, p. 49)

Bertold Brecht, dramaturgo, poeta e teórico alemão, na obra ‘Teorias do Rádio’, produzida entre 1927 e 1932, quando o rádio era apenas uma nova tecnologia de comunicação

e se iniciava na definição dos seus modos de produção e na sua linguagem, já vislumbrava o potencial, as características e os recursos do meio, que mais tarde se evidenciariam. (ZUCULOTO, 2005, p. 48). Brecht, à época, destacou a função social e a importância da participação do ouvinte na elaboração de conteúdo para o novo veículo:

A tarefa da radiodifusão, contudo, não se esgota ao transmitir essas informações. Além disso, tem que organizar a maneira de pedir informações, isto é, converter os informes dos governantes em respostas às perguntas dos governados. A radiodifusão tem que tornar possível o intercâmbio. Apenas ela pode organizar, em conjunto, as falas entre os ramos do comércio e os consumidores sobre a normalização dos artigos de consumo, os debates sobre altas de preço do pão, as disputas municipais. (BRECHT, 2005, p. 42)

Segundo a pesquisadora Valci Zuculoto, que realizou uma análise dos textos do dramaturgo alemão:

O pensador encerra, nesta sua opinião, toda uma conceituação de comunicação que precisa, pela sua já tão evidenciada função social, ir além de simplesmente retransmitir um fato ou veicular uma notícia radiofônica que esteja limitada a um sintético e duro relato de acontecimento. Realmente, se ficar restrito a este tipo de comunicação, o rádio não dará conta do papel social reservado à comunicação, ao jornalismo, porque não basta a estes informar no sentido mais restrito desta palavra. (ZUCULOTO, 2005, p. 49)

Além da função social, Brecht também enfatizou a importância da interação no rádio, já discutida em outro trecho aqui analisado.

A segunda característica apontada neste trecho é o baixo custo pelo lado do emissor, que, no rádio, desfruta da possibilidade preencher 20 minutos de sua programação, de forma interessante, com uma conversa entre três pessoas. Ortriwano reforça:

[...] a produção radiofônica é mais barata do que a televisiva, justamente por ser menos complexa. Se levarmos em consideração o grande número de pessoas que recebe a mensagem radiofônica, esse custo de produção se dilui, tornando o rádio o meio de mais baixo custo de produção em relação ao público atingido. (1985, p. 80)

Os debatedores externos, como participam via telefone, podem estar em qualquer lugar e com isso dedicam somente o tempo necessário ao programa, sem necessidade de deslocamentos e respectivos custos. Um paralelismo com esta característica, presente neste trecho da programação, pode ser feito com as emissoras que veiculam programações religiosas. Transmitem missas e cultos com horas de duração, sem interrupção, sem a preocupação de tempo e com baixo custo de produção.

Todavia, além do custo de produção há o valor de veiculação. A Rádio CBN permite- se colocar e manter no ar durante 20 minutos, em um horário considerado de alta audiência, apresentador e entrevistados conversando sobre um tema. Mesmo em um horário nobre, em uma emissora de alta audiência o ‘tempo’ no rádio é ‘barato’. Um formato (longas entrevistas) que na TV só é permitido a canais pagos, com audiência segmentada e em horários menos concorridos. Pode-se concluir que o tempo no rádio não é mais ‘precioso’ e de alto custo, está hoje barato, transformando suas características e sua programação e permitindo transmissões mais longas com maior aprofundamento dos temas. Característica esta que pode ser considerada ideal para disseminação de ideologias.