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TRICOTILOMANIA NA INFÂNCIA E ADULTEZ Carina Correia*

Clínica na Universidade de Salamanca, Espanha

Luis Maia**

Departamento de Psicologia e Educação da Universidade da Beira Interior, Portugal

Resumo

Este trabalho tem como objectivo fazer uma revisão da literatura acerca da perturba- ção tricotilomania em crianças e adultos. Numa primeira fase é feita uma descrição dos principais aspectos que caracterizam esta perturbação, seguido de dados em relação à sua etiologia, diagnóstico diferencial, curso/prognóstico e comorbilidade. Dado que é uma per- turbação pouco conhecida, são identificados alguns instrumentos de avaliação e formas de tratamento. No final, são apresentadas algumas considerações globais.

PALAVRAS-CHAVE: Tricotilomania, perturbação do desenvolvimento, psicopatologia infantil. A tricotilomania é uma doença psiquiátrica (Diefenbach, Reitman e Wil- liamson, 2000) cuja designação provém do grego thrix (cabelo) e tillein (ar- rancar/puxar), significando arrancar ou puxar o cabelo. Os primeiros casos de tricotilomania foram descritos há cerca de 100 anos pelo dermatologista francês Hallopeu (1889; in Diefenbach et al., 2000).

Inicialmente esta perturbação estava confinada aos meandros da derma- tologia, e só posteriormente passou a ser alvo de atenção no âmbito da psi- quiatria (Napolitano, 1998). De acordo com Diefenbach et al. (2000), nos úl- timos 10 anos a investigação em torno desta perturbação prosperou consideravelmente. É considerada por uns como uma doença rara (Cohen, Stein, Simeon, Spadaccini, Rosen, Aronowitz e Hollander, 1995), e por outros como uma doença mais frequente do que aquilo que se pensa (Kurt, 2004; Christenson, Pyle & Mitchell, 1991, Rothbaum, Shaw, Morris & Ninan, 1993, in Diefenbach et al., 2000; Krishman, Davidson & Guajardo, 1985). Contudo, dado que é uma perturbação cuja causa e mesmo tratamento são pouco co- nhecidos «muitos pacientes expressam frustração nos seus esforços para obte-

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Morada (address): Luis Maia, Universidade da Beira Interior, Departamento de Psicologia e Educação, 6200 – Covilhã, Portugal. E-mail: lmaia@ubi.pt

* Neuropsicóloga Clínica e Doutoranda em Neuropsicologia Clínica na Universidade de Salamanca, Espanha.

** Neuropsicólogo do Serviço de Neurologia do Centro Hospitalar Cova da Beira e Professor Auxiliar do Departamento de Psicologia e Educação da Universidade da Beira Interior, Portugal.

rem tratamento e serviços de apoio para o problema de arrancar os cabelos» (Diefenbach et al., 2000).

De acordo com o DSM-IV (American Psychological Association, 2002) a tricotilomania é categorizada como uma perturbação do controlo dos impul- sos e sugere que a motivação para o recorrente puxar de cabelos é a redução de um estado de tensão (Mansueto, Stemberger, Thomas, McCombs e Go- lomb, 1997; Boughn e Holdom, 2002). Todavia, aquilo que tem vindo a ser mencionado na literatura é que nem todos os indivíduos que sofrem desta per- turbação relatam tensão antes, ou mesmo gratificação, após arrancarem o ca- belo (Christenson, Mackenzie & Mitchell, 1991, in Pélisser & O’Connor, 2004; Tay, Muise, Levy, Denise & Metry, 2004). Desta forma, King, Scahill, Vitulano, Schwab-Stone, Tercyak e Riddle, (1995) referem que o aumento de tensão, se- guido por alívio ou prazer (após o episódio tricotilomaníaco), pode não ser um critério de diagnóstico apropriado para esta perturbação. Exemplo da in- certeza acerca deste tópico é o que relatamos e que está de acordo com estu- dos realizados por Christenson, Mackenzie e Mitchell (1991, in Diefenbach et al, 2000) numa amostra de 60 pacientes, em que 5% dos mesmos não men- cionaram aumento da tensão antes de arrancar cabelo e 12% revelavam pra- zer ou gratificação nesse acto.

Para se realizar um diagnóstico de tricotilomania, a área de perda capi- lar ou alopecia não pode dever-se a doença dermatológica (Alom e Mateo, 2004; Höring e Greler, 2002). Esta perturbação é mesmo uma das causas mais frequentes de alopecia na infância (Tay et al., 2004).

Na literatura, a tricotilomania é enquadrada em várias perturbações, pa- ra além da perturbação de controlo de impulsos, como sejam, o do espectro afectivo (Christenson, Mackenzie e Mitchell, 1991, McElroy, Hudson, Pope, Keck e Aizley, 1992, in Diefenbach et al., 2000), de ansiedade (Christenson, Mackenzie, Mitchell e Callies, 1991b), de conversão (Manasievska, Pavlova, Jovanovska e Georgievska, 2001), e como variante da perturbação obsessivo- compulsiva (Swedo e Leonard, 1992; Jenike, 1989).

É fundamental distinguir a tricotilomania do puxar cabelos habitual que não raras vezes ocorre nas crianças mais jovens (com menos de 5 anos), «também conhecidos como tiques do bebé, em que se observa que os infantes usualmente puxam os cabelos das mães ao serem alimentados ou quando es- tão ao colo das mesmas. Propôs-se que este comportamento seja uma varian- te da exploração táctil e ambiental normal, e assim estes infantes seriam con- siderados geralmente com um prognóstico benigno, mais favorável do que crianças pré-púberes.» (Tay et al., 2004, p. 495). Segundo Tay et al. (2004) a

ocorrência do puxar cabelo em crianças com um ano de idade ou menos é muito raro (menos 1% dos casos).

O cabelo que é puxado/arrancado é frequentemente de vários locais (Christenson, Mackenzie e Mitchell, 1991, in Diefenbach et al., 2000), desde axilas, áreas púbicas e perirectais (Winchell, 1992; in Napolitano, 1998). Os lugares mais comuns são a cabeça, sobrancelhas e zonas púbicas (Schlosser, Black, Blum e Goldstein, 1994), contudo, o cabelo da cabeça é o mais fre- quente (Christenson, Mackenzie, Mitchell e Callies, 1991b), nomeadamente da zona frontal, seguida do parietal, occipital e temporal (Tay et al., 2004). A alopecia, que resulta do arrancar do cabelo, pode ser uma área indetectável ou uma falha considerável (Christenson et al., 1991b).

De acordo com alguns autores, estes comportamentos são frequentes, ocorrem em estados emocionais e afectivos mais negativos – disfuncionais (Christenson, Ristvedt e Mackenzie, 1993), usualmente antes da menstruação (Keuthen et al.; 1997, in Diefenbach et al, 2000), e no decurso de actividades sedentárias como ler, ver televisão, falar ao telefone, conduzir (Christenson, Mackenzie e Mitchell, 1991, Schloner et al.; 1994, in Diefenbach et al., 2000). Outros autores mencionam que «uma alta frequência de outros com- portamentos repetitivos focalizados no corpo (por exemplo, chuchar o dedo, mascar a língua, bater com a cabeça, movimento mandibulares) foi também relatada nos pacientes com TTM.» (Christenson et al., 1991, Simeon et al., 1997a, in Lochner, Seedat, Hemmings, Kinnear, Corfield, Niehaus, Moolman- Smook e Stein, 2004, p. 83).

Este comportamento pode ocorrer desde minutos a horas (Diefenbach et al., 2000), de um mês a 10 anos (Tay et al., 2004; Chaudhury, Raju, Salujha, Srivastava e Choudhary, 2003). Existe uma correlação positiva entre o lado em que o paciente arranca o cabelo e aquele que é geralmente utilizado pela mão (Tay et al., 2004). O número de cabelos arrancados, a quantidade de tempo dispensado no comportamento, o tempo de duração e o padrão de ar- ranque varia consideravelmente de sujeito para sujeito (Lochner et al., 2002). Pode ocorrer com ou sem consciência disso, contudo «muitos pacientes apre- sentam uma combinação de comportamentos automatizados e focalizados de arrancar cabelos» (Christenson et al., 1991, p. 291; Christenson e Crow, 1996). Os pacientes podem experienciar uma ou outra forma, ou mesmo as duas simultaneamente (automática ou focada) (Begotka, Woods e Wetterneck, 2004). Daí ter surgido na literatura um subtipo de tricotilomania, o adissocia- tivo, caracterizado por arrancar o cabelo num estado dissociativo (Watson, Wu, Cutshall, in press, in Lochner et al., 2004). A primeira refere-se a um há- bito motor que não está muito relacionado com estados emocionais, e geral-

mente ocorre fora da consciência da pessoa. A focada, parece ser muito mais intencional e relacionada com experiências emocionais pelo que exista uma probabilidade muito maior de verificar-se sinais de evitamento nesta modali- dade (Begotka et al., 2004), aspecto este que será posteriormente fulcral para o processo psicoterapêutico.

Algumas crianças já foram observadas a arrancar cabelos enquanto dor- miam (Tay et al., 2004) e algumas são descritas como “natural fiddlers”, ou seja, crianças com uma necessidade de estimulação táctil, especificamente na região dos dedos, que pode servir como uma função calmante.

Segundo um estudo de Christenson, Mackenzie e Mitchell (1991, in Diefenbach et al, 2000), depois de arrancar o cabelo, cerca de 48% das pessoas enveredam por comportamentos orais como passar o cabelo pelos lábios, morder a raiz ou co- mer o cabelo (tricotilofagia). De acordo com estes autores, a observação mais cu- riosa é a alienação social que geralmente acompanha este comportamento.

São várias as consequências da tricotilomania, não só físicas como também psicológicas. São frequentes ferimentos devido a movimentos repetitivos com o cabelo, irritação ou sangramento do escalpe (O’Sullivan, Keuthen e Gumley, 1996), etc. No caso de haver comorbilidade com tricotilofagia, é frequente verifi- carem-se danos nos dentes devido à mastigação do cabelo e formação de bolas de cabelo no estômago (Keuthen, Stein e Christenson, 2001; in Begotka et al., 2004). Do ponto de vista psicológico, são mencionados sentimentos de embara- ço, vergonha, (Cohen et al., in Napolitano, 1998), culpa e de não atractividade, dificuldades interpessoais, baixa auto-estima, frustração associada a não conse- guir controlar o arrancar de cabelo (Diefenbach, Tolin, Hannan, Crocetto e Wor- hunsky, 2004) bem como o impacto na própria família (Napolitano, 1998). Nas crianças, esta problemática costuma estar associada a problemas escolares e de aprendizagem (Greenberg e Sarner, 1965, Orange et al., 1986; in Napolitano, 1998). Nos adultos, a tricotilomania pode ser incapacitante ao ponto de colocar restrições na escolha de carreira, dado que evitar a visibilidade pública é fre- quente nestes pacientes (Lochner et al., 2004). Daí que, frequentemente, sejam diagnosticadas perturbações de humor ou de ansiedade (Schloner, Black, Blum e Goldstein, 1994; Townsley-Stemberger, Thomas, Mansueto e Cárter, 2000). Para além disso, estes autores concluem que a «TTM está associada com disfuncionali- dade psicosocial, embora para algumas variáveis esta relação possa ser media- da pela presença de sintomatologia depressiva» (Diefenbach, Tolin, Hannan, Crocetto e Worhunsky, 2004, p.130; Keuthen, O’Sullivan, Goodchild, Rodriguez, Jenike e Baer, 1998). Geralmente as pessoas que padecem desta perturbação re- correm a estratégias para encobrir as zonas de alopecia, como é o caso de usar diferentes cortes de cabelo, maquilhagem e chapéus (Diefenbach et al., 2000; Napolitano, 1998).