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UM LIVRO, SUA TRAJETÓRIA E SEUS DESDOBRAMENTOS

Parte 6: Documentário

2.3 UM LIVRO, SUA TRAJETÓRIA E SEUS DESDOBRAMENTOS

O que pode um livro diante de seu tempo? Artefato de ideias, um livro é uma história a ser narrada. Livro também tem biografia, percurso, trajetória. Não tem sido diferente com O negro no Pará: sob o regime da escravidão. Depois de sua primeira edição, em 1971, foi reeditado em 1988 e em 2005, com revisão e ampliação de conteúdo. Sua aparição na historiografia da Amazônia, no contexto já conhecido até aqui, colocou-o na estante das leituras obrigatórias nas ciências sociais e na área das ciências humanas. Ao voltar o telescópio da história para a história social do negro na região, mostrou a existência de uma constelação de outras histórias possíveis: gênero, religião, literatura, música, desenho, humor, trabalho, cidade, infância, geografia, memória.

O crítico e pesquisador musical José Ramos Tinhorão, que foi amigo de Vicente Salles, em depoimento a Maria Vicência Pugliesi, em 2006, integralmente dedicado ao historiador paraense, respondeu a ela sobre a repercussão de O negro no Pará após o lançamento:

As pessoas que estudam a área do negro no Brasil reconheceram imediatamente a importância do livro. Tanto que você pega livro sobre negro no Brasil que continua, ainda, a privilegiar o negro na área que era mais conhecida – de Pernambuco até São Paulo; depois o Paraná, onde o sociólogo aqui de São Paulo, Octavio Ianni, mostrou que também houve uma importância do negro um pouco deixada em segundo plano. Todas as pessoas que têm uma certa intimidade com os estudos nesta área sabem que, para o caso do negro no Grão-Pará, não tem para ninguém, é o livro do Vicente Salles. É como eu disse: é um livro seminal. Não se pode escrever sobre a presença do negro no Brasil, sem conhecer e citar esse livro do Vicente Salles (TINHORÃO, 2006).

Em depoimento à produção do documentário O negro no Pará: cinco décadas depois..., a socióloga Edna Castro, professora e pesquisadora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da UFPA (NAEA/UFPA), assim se referiu sobre a importância da obra no subsídio aos estudos que trazem o negro em sua temática e, em especial, o mapeamento e pesquisa de comunidades de remanescentes de quilombos no Pará, trabalho que ela realiza:

Utilizamos em nossas pesquisas na Universidade Federal do Pará o livro de Vicente Salles como um livro de referência. Por isso, ele é importante. Ele faz parte, talvez, de um acervo muito mais precioso que nós temos na produção de conhecimento sobre o negro no Pará.

É um tema que reaparece. A questão do negro esteve sempre presente na literatura brasileira, como é um tema importante nas ciências sociais. Porém, ele reaparece na década de 80, uma perspectiva de se analisar, interpretar e debater questões que estão relacionadas a identidades de grupos

remanescentes de quilombos. É demonstrada pela literatura uma presença demográfica muito forte no século XVIII, no século XIX, e que isso explica porque tem tantas comunidades negras em tantos municípios do Tocantins. Percorremos também, nos estudos, regiões como Gurupi, como Grande Belém, Ilha do Marajó, Guajarina, Região do Salgado, porque todas essas áreas foram de uma presença importante do negro. Então, a história dessas regiões, a economia, a formação social, a formação cultural, elas têm muito a ver com a presença do negro, não é? Parte desse processo não chegou a ser entendido, como, por exemplo, toda a dimensão cultural das músicas, dos ritmos, do teatro. [...] Então, todas essas dimensões, que o NAEA, que não é evidentemente completo, mas são novas pistas que podem ajudar a continuar os estudos sobre esse grande tema, que é a presença do negro no Pará.

Em 10 de agosto de 1980 foi fundado em Belém o Centro de Estudos e Defesa do Negro no Pará (CEDENPA),117 que tem atuação política predominante sobre questões relacionadas à “superação do racismo, preconceito e discriminação que produzem as desigualdades sociorraciais, de gênero e outras”, conforme o site da entidade. Seus representantes estiveram envolvidos no programa de celebração do Centenário da Abolição em 1988, no Pará, e uma de suas reivindicações ao Governo do Estado foi a reedição da Vicente Salles, esgotada àquela altura. Assim foi produzida a segunda edição, com nova capa. Interessava ao movimento, entre outros assuntos, o mapeamento das áreas de quilombos apresentado no livro e que ajudaria na identificação dessas áreas para reconhecimento dos direitos de propriedade sobre elas, à luz da nova Constituição Federal.

No prefácio à segunda edição (1988), Vicente Salles informa que, à época, representantes do CEDENPA discutiram diretamente com ele sobre as questões levantadas pela obra e credita aos esforços do grupo a nova tiragem do livro. A atriz e professora do curso de Letras da UFPA Zélia Amador de Deus, uma das fundadoras do CEDENPA, afirma, no documentário O negro no Pará: cinco décadas depois..., que o livro é importante para o movimento negro, “porque quebra paradigmas”.

A presença dos negros que fugiram e formaram suas comunidades alternativas, você tem tudo lá. Quer dizer, a Constituição de 88, que coloca o título da propriedade de terra para os remanescentes de quilombos, o Vicente Salles já dá a identificação lá, no Negro no Pará, da presença, da existência desses grupos que estavam invisíveis para a sociedade brasileira secularmente.

Vem mostrar que, na verdade, há uma importância grande, que [o negro] participou de todos os ciclos econômicos aqui. Quer dizer, vem mostrar que essa presença existe. É importantíssima, sim (O NEGRO NO PARÁ: CINCO DÉCADAS DEPOIS, 2005).

Na terceira edição foram feitos ajustes técnicos de paginação e acrescentados notas e documentos. A reedição do livro integrou as ações do Programa Raízes, da Secretaria Especial de Defesa Social, voltadas para a defesa de direitos de comunidades quilombolas e indígenas no Pará. No convênio com o IAP, o programa objetivava a publicação de livros e produção de documentários e mídias relacionados àquelas temáticas.

As obras do historiador Vicente Salles se ajustavam àquele contexto, sendo realizadas, além da terceira edição revista e ampliada de O negro no Pará (2005), o documentário O negro no Pará: cinco décadas depois..., lançado junto com o livro; e Vocabulário crioulo (2003a). Fazia parte dessa série, ainda, a publicação de Os mocambeiros, mas a obra ficou engavetada até seu lançamento pelo IAP em 2013. A batalha pela edição das obras de Salles é assunto do quarto capítulo.

Para relembrar, os outros livros que bem representam esses estudos são Vocabulário crioulo, O negro na formação da sociedade paraense e Lundu: canto e dança do negro no Pará (Figura 28, tríptico), este ainda sob forma de MicroEdição do Autor, nº 48. Na catalogação desta série, pelo menos 14 das 51 são evidentemente relacionadas à temática, embora algumas tenham sido reunidas na edição de O negro na

Figura 28 (Tríptico) As obras que complementam os Estudos sobre o Negro no Pará.

formação da sociedade paraense. As ocorrências podem ser ampliadas, se forem considerados os entrelaçamentos temáticos – por exemplo, os contos populares e as obras sobre música e teatro. Não é o interesse por ora, e sim a apresentação das obras que ampliam a pesquisa inicial.

Vocabulário crioulo: contribuição do negro ao falar regional amazônico (IAP; Programa Raízes, 2003a, 272 p.) é um desdobramento imediato de O negro no Pará. A reunião e a organização dos verbetes começaram paralelamente àquela pesquisa, e o livro foi concluído em 1981.

O “gancho” para a organização desse vocabulário foi a opinião do escritor José Veríssimo, no livro As populações indígenas e mestiças da Amazônia (1886), de que só conhecia duas palavras legadas pelos africanos ao falar regional e conhecidas pela população: mocambo e muxinga (chicote). Salles, além de criticar o escritor, considerando-o apressado em sua avaliação, demonstra que ele mesmo se corrige em outro livro, A educação nacional (1890), ao afirmar que o africano foi o mais importante “agente de comunicação” do folclore regional.

Ele também critica o “descaso dos filólogos do passado pelo registro de vocábulos e expressões africanas no linguajar regional. Mais do que o descaso, porém, foi a negação desse vocabulário” (SALLES, 2003a, p. 23). Mas adverte que sua preocupação com esse vocabulário não é realizar uma análise linguística. “Fico na posição de folclorista que se auxilia da História, para entender os intrincados e/ou controvertidos problemas da cultura na região que me ocupa habitualmente” (SALLES, 2003a, p. 40).

Salles utiliza o termo “crioulo” na acepção de “negro nascido nas terras americanas” ou “qualquer negro”. Assim, ele fez uma listagem de 406 termos africanos, ou de “provável origem africana”, com todos os seus hibridismos, obtidos em fontes escritas, incluindo a literatura regional e a científica. Bem mais que o Glossário paraense ou coleção de vocábulos peculiares à Amazônia e especialmente à ilha do Marajó (1906), de Vicente Chermont de Miranda, com 15 vocábulos.

O negro na formação da sociedade paraense (Paka-Tatu, 2004, 250 p.) é uma coletânea de textos provenientes de palestras e artigos, nos quais Salles retoma e, e m certos casos, aprofunda temas de O negro no Pará. São nove temas gerais: “A escravidão africana e a Amazônia”; “A Cabanagem, os escravos, os engenhos”; “O negro e as transformações sociais no fim do século XIX no Grão-Pará”; “Guerras aos quilombos no Grão-Pará”; “Memória sobre a rede de dormir que fazem as mulheres índias e negras no Grão-Pará, conforme anotações de cronistas antigos e modernos”; “A defesa pessoal do

negro – A capoeira no Pará”; “Sociedades de mulheres negras no Grão-Pará”; “Bagatelas” e “A folga do negro”. Temas como os da “rede de dormir” e da “defesa pessoal” foram, originalmente, microedições.

No conjunto, ele reitera que as culturas sudanesa e banto não se contrapuseram no Grão-Pará, pois não há indícios de antagonismos tribais. Ele vê inclusive, o que é outra reiteração, que o negro e o caboclo foram “solidários nas mesmas vicissitudes” diante do sistema escravista que os oprimia. Também reafirma o ponto de vista da luta de classes sobre o movimento da Cabanagem.

Apresenta neste livro a sua pesquisa sobre os engenhos da cidade de Abaetetuba, realizada em 1968, juntamente com sua esposa, Marena, mostrando uma documentação fotográfica, talvez as únicas testemunhas do que foram aquelas propriedades. Os indícios dessa pesquisa já estão presentes no Negro no Pará, assim como a investigação sobre as sociedades emancipadoras que surgiram no Pará quando a campanha abolicionista se tornou mais intensa a partir de 1870. Nesta coletânea, ele lista as sociedades e informa sobre suas atividades.

É particularmente interessante o artigo “Sociedades de mulheres negras”, no qual enfoca três organizações femininas que há muito desapareceram da cena urbana de Belém, mas deixaram vestígios em músicas, na literatura e em documentação oficial: primeiro, as talheiras, ou taieiras, lavadeiras cujo canto podia ser ouvido em diversos bairros de Belém. Salles apurou uma letra dessa música e suas variações, e, em 1958, solicitou ao eminente compositor Waldemar Henrique a transcrição em partitura. Depois, o grupo Estrelas do Oriente, cordão formado por “negras e mulatas”, criado em 1886, com a finalidade de celebrar festividades religiosas, como a do nascimento do Menino Deus. Possuía também uma Caixa de Socorros, uma espécie de seguro e pecúlio. Finalmente, as Irmãs de São Raimundo, uma organização vinculada à igreja de Nossa Senhora de Santana, embora sem estatutos, formada por negras escravizadas, em 1870. Inicialmente eram sete, depois chegaram a registrar mais de mil mulheres, que se empenhavam em realizar a festa em louvor a São Raimundo, durante a qual havia muita dança, e a arrecadar recursos para o benefício das associadas.

Merece referência também o capítulo “Bagatelas” pelo que evidencia do modo como Salles vê a história. O termo, ele explica, é tomado de empréstimo de Ludwig van Beethoven, que o utilizou para definir pequenas peças musicais. Bagatelas são a notícias curtas, fatos fortuitos, lampejos de informações que ele vai encontrando e dos quais pode começar um processo de investigação ou indicar possibilidade para uma pesquisa. Ou

como ele mesmo explica ao se referir sobre um fazendeiro que “aparece na crônica da escravidão” como querelante de outro indivíduo por questões pessoais:

O exame dessas bagatelas esclarece muitos dos usos e costumes da gente que exercia o poder nas pequenas comunidades da monarquia agrária e extrativista, das brigas em torno de propriedades, inclusive da propriedade mais protegida pelo Escravo, a dos semoventes pretos, os escravos (SALLES, 2004, p. 164)

Avaliando outro caso, o homicídio do feitor João Antônio Luiz Coelho por um escravo de nome Cirilo, que foi condenado à força, ele percebe o peso desigual da justiça, pois esse feitor seria dado a desmandos na região, sem ser punido. Enquanto isso, Cirilo foi condenado à forca. Vendo a história do micro para o macro universo, ele conclui:

Registro estes episódios na pequena Moju que, com suas oligarquias, constituídas nas priscas eras, continua a representar os donos do poder, oprimindo e excluindo parcela considerável da população neste mundo, o melhor de todos os mundos possíveis, comandado por insígnes sofismógrafos do capitalismo (SALLES, 2004, p 166).

Este livro também inclui uma boa amostra da pesquisa realizada sobre o lundu, ou lundum. Segundo Salles (2004, p. 200), entre as danças brasileiras de origem africana, “é o lundum a de maior penetração no vale amazônico”. Ele faz um bom apanhado de referências sobre essa manifestação desde as narrativas de viajantes até as anotações de Oneyda Alvarenga, apresenta partituras e letras, fazendo o mesmo com as informações que lhe foram prestadas pelo compositor negro Tó Teixeira.

Finalmente, essa coletânea traz o prefácio da professora Anaíza Vergolino, que faz uma excelente leitura da obra de Vicente Salles e, observando que o conjunto não obedece a um rigor temporal, ela aproveita para organizar esses marcos, do século XVII ao século XX, indicando assim por onde se movem as “bagatelas” históricas.

Os mocambeiros e outros ensaios (IAP, 2013a, 140 p.) relaciona-se aos quilombos do baixo Amazonas, em tom de denúncia contra a invasão dessas terras pelo capital privado. Esses ensaios foram inicialmente publicados entre maio e agosto de 1984, no (hoje extinto) jornal A Província do Pará. A motivação para esses artigos foi uma notícia lida em 1974, no jornal O Liberal, anunciando a suposta “descoberta” da presença de negros em regiões de quilombos às proximidades do Projeto Trombetas, pelo qual, desde 1968, a Mineração Rio do Norte explorava bauxita do vale do rio Trombetas. Segundo a nota, os negros teriam se aproximado dos “brancos” espontaneamente.

Note-se que O negro no Pará já havia sido lançado, com todas essas informações sobre a localização de áreas de quilombos detalhadas. Dez anos mais tarde, o historiador

leu outra notícia dando conta do aumento da extração de bauxita, de 3,3 milhões de toneladas para 4,7 milhões de toneladas, no que ele observou o quanto o capital se recusa a reconhecer as populações negras como legítimas donas das terras. Foi então que começou a publicar na Província os artigos a respeito da formação de mocambos naquela região.

O conjunto referente a esses artigos compõe a primeira das duas partes principais em que o livro se divide. Salles faz uma introdução breve, porém oportuna, abordando a relação histórica da população negra com aquela área e as frequentes ameaças sofridas. Não deixa escapar a indignação com mais notícias que lhe chegam anunciando a contenda entre a população e o empresário húngaro Kálman Somody, da Xingu S/A, que apresentava documentos que comprovariam a propriedade dele sobre as mesmas terras. A população foi expulsa do local com a anuência dos órgãos governamentais. Salles relaciona imediatamente esse fato às lutas dos negros na Cabanagem.

Debaixo dessa história podre, que é a história da espoliação da Amazônia, continua invisível a epopeia dos negros que, atacados no seu refúgio, onde reconstruíram sociedade pacífica e trabalhadora, resolveram incendiá-lo, num gesto de extremo sacrifício. [...] Não sei se isso é tema de ficção; sei que é um dos tantos temas abomináveis desta Amazônia espoliada (SALLES, 2013, p. 19).

A primeira parte, “Os mocambeiros”, é uma sequência das incríveis histórias protagonizadas pela viajante francesa Otille (ou Octavie) Coudreau, Mme Coudreau, pela Amazônia do século XIX, a bordo de um barco, acompanhada por um séquito de homens negros. Viúva do explorador Henry Coudreau, que morreu em 1899 vitimado por doença tropical no meio da floresta, quando desenvolvia viagens de exploração contratadas pelo Governo do Pará, ela decidiu honrar o compromisso do marido e continuou a empreitada pelos rios Cuminá, Curuá e Mapuera, no Oeste do Pará. Mme Coudreau realizou todo serviço de cartografia e fotografia daquelas viagens, deixando uma vasta documentação das áreas habitadas pelas populações negras naquela região. Deixou também relatos sobre seu modo de vida, apesar de serem narrativas impregnadas por sua visão eurocêntrica e preconceituosa, da qual faz mea culpa em determinados momentos. Deixou também anotações preciosas sobre os homens que a acompanhavam. Vicente Salles a admirava profundamente pela coragem, segundo mencionou várias vezes em suas entrevistas.

A segunda parte do livro, “Quilombos na Amazônia: um enfoque interdisciplinar”, começa com duas perguntas: “Qual o conceito de comunidade? Qual o critério para defini- lo?”. Trata-se de uma proposta de estudo interdisciplinar sobre a questão do negro, que

começou a ser desenhada durante o Seminário sobre Abolição/Escravidão, realizado em maio de 1988, em Belém, coordenado pelo professor Arthur Napoleão Figueiredo. Finalizada em 1998, a proposta traz uma atualização do tema das comunidades de remanescentes de quilombos, com dados relativos à demarcação de terras no baixo Amazonas e baixo Tocantins; indicação de onde estão as principais fontes de informação sobre a história dos mocambos no Pará e as diretrizes do estudo.

Ele ainda entrega nesse livro a “Memória Bibliográfica dos Quilombos na Amazônia”, atualizando a bibliografia sobre o tema com a indicação de dezenas de pesquisas produzidas em ambiente acadêmico a respeito. Não é de se admirar que essas pesquisas incorporem, na própria bibliografia, o nome de Vicente Salles.

Finalmente, Lundu: canto e dança do negro no Pará (MicroEdição do Autor, n. 48, 2012a, 225 p.), a obra com a qual Salles programou o encerramento de suas pesquisas sobre o negro no Pará, reúne todas as características que marcaram as suas investigações. O uso de fontes heterogêneas (literatura de ficção, iconografia, mapas, partituras musicais, arquivos sonoros, arquivos audiovisuais, depoimentos orais, relatos de viajantes, anúncios de jornal e documentos oficiais); o recorte temporal que abarca quatro séculos, como se pode depreender pelas fontes; o uso de notas adicionais para aprofundar determinados aspectos (14 notas); a utilização de um generoso Índice Onomástico, facilitando a identificação de personagens e autores citados no texto; e a elaboração de biografias curtas de personagens anônimos, como Mestre Martinho, Tó Teixeira e o cubano Máximo Gil.

Cabe, ainda, um destaque no campo teórico-metodológico. A revisão bibliográfica, que oferece ao leitor um largo panorama de obras e autores fundamentais não só para o tema central, como para a historiografia da Amazônia, estudos da música, do folclore e da literatura na região e no Brasil. Assim fazendo, Salles vincula o local e o global, mostrando a dinâmica em que a Amazônia se insere no processo colonial e no tempo presente. Essa dinâmica é, afinal, o que tece a sua historiografia. Também repassa a própria bibliografia, sobretudo à relacionada ao negro no Pará, articulando-a às demais referências, seja a do período colonial, seja a do tempo presente.

Feitas essas considerações, vale uma descrição da obra, a partir do seu eixo temático: a trajetória do lundu na Amazônia, suas recriações, interposições e difusão. A edição se divide em 36 tópicos, sendo: introdução, trajetória em 18 seções, 14 Notas Adicionais, dois anexos, bibliografia, discografia e índice onomástico.

As seções: 2. O lundu no tempo dos cabanos; 3. Índios e caboclos, os tapuias, aceitaram a dança; 4. Características do lundu; 6. a) a chula; 7. b) Bambiá; 8. c) Carimbó e gambá; 9. d) O maxixe e o tango; 10. Pagodes e súcias; 11. Os sambas; 12. Intercessões do lundu nos folguedos tradicionais; 13. O Palhaço Comunicador; 14. Inventário de Referências Culturais; 15. Volta às raízes. Batuque, Macumba e Pajelança; 16. Afinidades latino-americanas do lundu; 17. A Reciprocidade no espaço; 18. Máximo Gil, embaixador da cultura cubana na Amazônia; e 19. O papel do editor de música.

Observando o lundu e a modinha, Salles afirma ter havido um processo de recriação desses gêneros na região amazônica. E, analisando especificamente o lundu, afirma ter ele se desdobrado em outras danças na região, “além da fusão com outras