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PARTE II A INVESTIGAÇÃO

2. O Inquérito por Questionário

3.1 Uma aula especial

A primeira aula lecionada tendo como tema, “Da União Ibérica à Restauração”, teve uma importância extrema para este estudo, uma vez que como modo de motivação para a temática recorremos a uma fonte histórica. Apresentamos aos alunos um excerto da Carta de Pero Vaz de Caminha ao Rei D. Manuel I.

O recurso a fontes históricas na sala de aula possibilitam demonstrar ao aluno que a História é feita de vestígios deixados pelos homens do passado. Esta ferramenta auxilia “o professor na difícil tarefa de estimulação do imaginário do aluno na aprendizagem da História”125, através da qual o aluno atribui novos significados aos conceitos históricos. Potencializar o gosto por esta disciplina passa sobretudo pela exploração de fontes históricas e é neste momento que estes documentos se tornam um verdadeiro desafio para o professor. Por isso, é necessário encará-las como marcas do passado, descritores de situações vividas repletas de um saber e de significado único126. Em síntese, os documentos históricos contribuem para “o desenvolvimento de uma consciência histórica, que favoreça a construção de uma grade de leitura de mundo reflexiva, voltada para a superação dos desafios e problemas contemporâneos”127.

Como forma de captar a atenção dos alunos o excerto selecionado foi projetado através de um “PowerPoint”, sendo que o primeiro diapositivo continha o título “Carta de Pero Vaz de Caminha a El-Rei D. Manuel I sobre o achamento do Brasil”.

Investigadora: Quem é o remetente e o destinatário desta carta?

Alunos: O remetente é Pero Vaz de Caminha e o destinatário é o Rei D. Manuel

I.

A partir desta análise seguiu-se uma “chuva de ideias” sobre o possível assunto que esta carta poderia abordar. Posto isto, foi concretizada uma pequena exploração do

125 XAVIER, Érica – Ensino e História, o.c., p, 641

126 CAIMI, Flávia – Fontes históricas na sala de aula: uma possibilidade de produção de conhecimento

histórico escolar?, Revista Anos 90. Porto Alegre, Vol. 25, n.º 28, 2008, p. 147 consultado em 21-01-2015 Disponível na Internet: http://seer.ufrgs.br/index.php/anos90/article/view/7963/4751

127TAVARES, Luísa – As fontes escritas como recurso didático: uma experiência do PIBID História UFRJ. XXVII Simpósio Nacional de História. Natal, 2013, p. 2 consultado em 21-01-2015 Disponível na Internet:

http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1364939086_ARQUIVO_ASFONTESESCRITASCOMO RECURSODIDATICO_LuisaTavares.pdf

93 documento escrito na época por Pero Vaz de Caminha, alertando os alunos para a ciência que estuda os documentos antigos – a Paleografia.

Figura 1 - Excerto original da Carta de Pero Vaz de Caminha sobre o Achamento do Brasil

Tendo em conta que os alunos nunca haviam contactado com nada do género a reação foi deveras engraçada.

Alunos: A escrita parece chinês.

Investigadora: Nesta época o português era diferente do atual, chamamos-lhe

português arcaico.

Alunos: Não vamos conseguir ler.

Investigadora: É claro que vão. Vamos começar a ler a carta de Pero Vaz de

Caminha.

Quando iniciamos a leitura da carta os alunos ficaram espantados pela escrita portuguesa da época ser tão distinta da atual. A leitura de vários excertos foi uma mais- valia para a aprendizagem dos alunos, uma vez que possibilitou a colocação de questões relacionadas com o tema referenciado na carta, como forma de se perceber e compreender a sociedade que se encontrava a ser descrita.

Um momento que consideramos especial encontra-se relacionado com a análise do excerto aquando Pero Vaz de Caminha tem o primeiro contacto com os indígenas:

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“A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andavam nus, sem cobertura alguma. Não fazem o menor caso de encobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto. Ambos traziam os beiços de baixo furados e metidos neles seus ossos brancos e verdadeiros (…). Trazia (…) uma espécie de cabeleira de penas de aves amarelas (…) E andava pegada aos cabelos, pena por pena.”128

À medida que a análise ia decorrendo os alunos foram convidados a visualizar um pequeno vídeo que ilustra a vivência da tribo Xingu, habitantes do Brasil. A escolha desta tribo recaiu sobre o facto de os seus costumes habitacionais e de vestuário serem muito idênticos ao relato que Pero Vaz de Caminha escreve sobre o primeiro contacto que os portugueses tiveram com os indígenas. Conjugar uma fonte histórica com a visualização do vídeo possibilitou aos alunos uma perceção mais aproximada da realidade, face a um acontecimento passado que ainda nos dias de hoje se pode verificar, com certas diferenças embora estas sejam escassas.

Alunos: Esta tribo existe atualmente?

Investigadora: Sim, existe. É uma das escassas tribos que resistiu às mudanças

no tempo. Reparem nas penas que trazem na cabeça.

Alunos: São iguais às que Pero Vaz de Caminha descreveu.

A análise da carta preconizou uma análise mais intensiva de determinados elementos específicos e que são características da estrutura da carta, nomeadamente o remetente, o destinatário, a data, o local, o assunto, a saudação e a despedida. Estes dois últimos aspetos foram particularmente interessantes para os alunos, uma vez que perceberam que todas as cartas obedecem a estas características sendo distintas consoante a pessoa a quem se dirigem. Neste caso, Pero Vaz de Caminha teve uma linguagem mais cuidada, uma vez que a sua carta se dirigia à personalidade com maior poder num país – o rei.

No final da aula constatamos que através da análise deste excerto que o contacto e exploração de documentos históricos não faz parte do quotidiano escolar. Porém,

128 CAETANO, Maria Paula; ÁGUAS, Neves – A Carta de Pero Vaz de Caminha a El-Rei D. Manuel sobre o

95 centramo-nos no entusiasmo e motivação demonstrada para dar asas a esta investigação, uma vez que a exploração das fontes históricas são um ponto de partida para a moldagem do “pensamento sobre a História, seria o barro para o artesão, que forja entre seus dedos uma representação daquilo em que ele próprio está envolvido”129.