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Uma denúncia é encaminhada ao promotor eleitoral

3 IDENTIDADES COLORIDAS, ELEIÇÕES MUNICIPAIS E LEGISLAÇÃ

3.2.1 Do processo de 2004

3.2.1.2 Uma denúncia é encaminhada ao promotor eleitoral

A primeira grande disputa travada contra o PSC foi deflagrada pelo presidente da ONG Gay Leões do Norte, o Sr. José Weligton Silva de Medeiros. Este se posicionou contra as peças de propaganda exibidas pelo partido, nos dias 10 e 13 de setembro122, via denúncia ao MPPE. Em ofício123 datado de 14 de setembro de 2004, Medeiros mencionou a Lei Municipal 16.780/2002, para justificar o pedido de retirada do guia eleitoral e um possível direito de resposta.

O presidente da ONG Gay Leões do Norte arguiu:

Não questionamos o posicionamento divergente de ideias. Porém a divergência manifestada está baseada em flagrante desrespeito às

liberdades individuais, porque constrange e inibe a livre manifestação da afetividade e da sexualidade. Além do que, desrespeita frontalmente e

explicitamente a Lei Municipal 16.780/2002 que constitui como crime

toda forma de discriminação contra a pessoa e aos direitos humanos como um todo, e no Parágrafo 20 do artigo 10 caracteriza como discriminação “o constrangimento, exposição vexatória e tratamento

diferenciado ao cidadão com base em sua orientação sexual”. (TRE-PE,

Ofício no 538/2004-CAOPPJDC referente ao guia eleitoral de 2004 com protocolo: 12448/2004, grifos meus).

É de extrema relevância observar, no texto documental, a apresentação e o pedido de aplicação da legislação sancionada pelo prefeito João Paulo, diante dos fatos ocorridos, ao mencionar o cumprimento da lei 16.780/2002. Já que a peça publicitária explicitava um posicionamento muito claro de aversão às práticas homossexuais, como também imenso repúdio à isonomia de direitos contida na sanção da lei que garantia o direito previdenciário

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A descrição do guia eleitoral apresentado nesta pesquisa refere-se ao dia 13/09/2004. Não foi localizada a propaganda do dia 10/09/2004, não sendo possível afirmar se tratar da mesma peça publicitária ou não. Este guia foi adquirido através de solicitação à empresa comercial VTV PRODUÇÕES; ou seja, é uma fonte editada, contendo apenas a peça publicitária do PSC.

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Ofício no 538/2004 – CAOPPJDC, conseguido no Tribunal Regional Eleitoral (TRE), mediante solicitação ao processo que envolvia o guia eleitoral de 2004, tendo como número de protocolo: 12448/2004. Adicionado ao documento, o despacho do promotor eleitoral sobre o entendimento dele no caso analisado.

aos parceiros dos servidores municipais homoafetivos pela normativa nº 16.730/2001. Na documentação consultada sobre esse episódio124, não houve nenhuma referência à cópia da propaganda eleitoral exibida pelo PSC, em forma de anexo nos autos processuais. Julgo esta ausência uma grande falha, pois dificulta uma melhor comprovação da denúncia formalizada pelo ofício.

Ainda no ofício-denúncia, a descrição das práticas discriminatórias consideradas graves apresentadas por José de Medeiros:

Entendemos que qualquer pessoa possa usar argumentação dentro de sua ótica religiosa para expressar divergência. Mas, quando afirma que a ação da referia Lei “não pensou na família”, “não pensou nos cristãos e não

pensou na palavra de Deus” e menciona os homossexuais como

“abomináveis” e “torpes”, incita um comportamento social que leva a

justificar e favorecer violências contra os homossexuais – que já têm uma estatística muito alta de violência com morte. A composição deste quadro nos leva a caracterizar a atitude de incitamento ao ódio.

A manipulação praticada por pessoas através dos meios de comunicação para convencer a sociedade a não aceitar um direito garantido ao cidadão e cidadã brasileiros, coloca em perigo as legislações vigentes de garantia dos Direitos Humanos.

Pelo exposto, solicitamos de V. Excia., enquanto entidade pública de defesa de direitos humanos o enquadramento dos citados senhores pelo crime praticado, solicitação ao Tribunal Regional Eleitoral de

Pernambuco – TRE-PE da suspensão do programa e o direito de defesa do exercício da cidadania dos homossexuais. (TRE-PE, Ofício no

538/2004-CAOPPJDC referente ao guia eleitoral de 2004 com protocolo: 12448/2004, grifos meus).

Como pode-se observar, primeiro, o ofício comprova a formalização de denúncia contra a propaganda eleitoral do PSC, no MPPE. Segundo, o documento exibe uma solicitação de cumprimento da lei nº 16.780/2002, que criminaliza a discriminação com base na orientação sexual do indivíduo. Terceiro, há a descrição da propaganda minuciada, enfatizando, dentre outros detalhes, os qualificativos extremamente pejorativos e violentos para se referir aos homossexuais, tais como abomináveis e torpes. Quarto, a intenção da denúncia é que ela seja encaminhada ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) para que a propaganda seja suspensa, de modo a existir o direito de resposta em relação aos insultos direcionados às identidades homossexuais.

Assim, o MPPE protocola o ofício-denúncia, direcionando-o ao Centro de Apoio

Operacional as Promotorias de Justiça de Defesa da Cidadania (CAOPJDC). Este, por sua

124 Referente à análise feita no texto do ofício-denúncia e no conteúdo veiculado pelo PSC no guia eleitoral de 2004.

vez, encaminha-o conforme a solicitação, ao TRE via Promotoria de Justiça e Propaganda

Eleitoral da Capital.

Já na análise da denúncia, o promotor eleitoral, o senhor José Bispo de Melo, dá o seguinte entendimento sobre os fatos:

Temos a dizer que em momento eleitoral de permissão a veiculação de propaganda eleitoral, a crítica, discussão, comentários e/ou interpretações de leis municipais, quanto a sua adesão ou não, são formas exploradas pelos candidatos para chamar a atenção do eleitor, em busca do voto. E normalmente destituída de dolo.

No presente caso dita lei já teve a sua publicidade e conhecimento da população, quando sancionada com entrada em vigor desde junho de 2002.

Na forma eleitoral como foi veiculada não vislumbramos nenhuma violação aos dispositivos constitucionais. Também não observamos como propaganda irregular, ou possibilidade de direito de resposta.

Assim sendo, opinamos pelo arquivamento do pedido, por falta de amparo legal na legislação eleitoral. (TRE-PE, referente ao guia eleitoral de 2004 com protocolo: 12448/2004, grifos meus).

O promotor eleitoral organiza a sua argumentação e menciona que “no presente caso dita lei já teve a sua publicidade e conhecimento da população, quando sancionada com entrada em vigor desde junho de 2002”, sendo possível especular que o mesmo faz referência à legislação municipal nº 16.780/2002, que criminaliza a discriminação por orientação sexual. E, sendo assim, o susto, o espanto, o improvável: José Bispo de Melo argumenta entender que a solicitação da aplicação da normativa, pelo ofício-denúncia, seria inadequada para julgar a situação apresentada, posto que, na sua visão, não houve dolo algum a quem quer que seja. O seu despacho foi assinado em 24 de setembro de 2004. Quatro dias após o pedido de arquivamento do caso, o Dr. Juiz coordenador da propaganda eleitoral125 acatou o requerimento.