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4 CORPOS COLORIDOS E HETEROSSEXUAIS: INTRANQUILIDADES

4.2.4 Uma propaganda arbitrária

No ano de 2012, a cidade do Recife sediava o II Congresso Nacional de Direito Homoafetivo, contando com a participação da desembargadora aposentada Maria Berenice Dias, conhecida como a juíza dos afetos. No texto de apresentação que antecedia uma entrevista dada por ela ao Diário de Pernambuco194, um pequeno registro da manifestação dos crimes de ódio ocorridos no Brasil, intercalado por alguns posicionamentos políticos da magistrada e a sua atual preocupação em relação aos direitos dos homossexuais no cenário nacional:

Maria Berenice Dias: A juíza dos afetos

A cada 36 horas um homossexual é morto no Brasil por crime de ódio. A intolerância ainda é o principal vilão no combate à homofobia. A violência atual põe na berlinda as políticas públicas de combate aos crimes de gênero no país. Hoje, quem mata responde por homicídio, segundo o Código Penal. O crime motivado por homofobia, no entanto, não é agravado. Segundo especialistas, o gargalo está na lei. Como não existe uma norma específica que criminalize a homofobia, não há como punir o agressor. “Hoje, temos um legislador perverso, preconceituoso, medroso, que se esconde atrás de preceitos bíblicos. Nós temos que aceitar o outro como ele é, enxergar a dor do outro, sempre ser solidário”, enfatiza a advogada e desembargadora aposentada, Maria Berenice dias. Para blindar a intolerância, ela defende a aprovação do Estatuto da Diversidade. Na prática, o documento teria efeito semelhante aos estatutos da Criança e do Idoso. Conhecida como “juíza dos afetos” e criadora do termo “homoafetividade”, a ativista é considerada uma das maiores especialistas em direito homoafetivo do país. Maria Berenice Dias esteve no Recife para participar do II Congresso Nacional de Direito Homoafetivo (grifo de titulação do próprio documento, grifos meus no texto).

Um mês após a realização do II Congresso Nacional de Direito Homoafetivo, no Recife, a Parada da Diversidade de Pernambuco traria como proposta pedagógica a ser trabalhada o tema Democracia em todos os cantos: vamos cantar um Pernambuco sem

homofobia. Na diagramação do cartaz, o mapa do estado de Pernambuco, desenhado como

um quebra-cabeça colorido. Nele, palavras como coragem, carinho, liberdade, diversidade,

luta, família, amor, afeto, direito, respeito e democracia se uniam para dar forma aos limites

geográficos do território pernambucano, tal como a Figura 24.

Dias antes da realização da Parada da Diversidade de Pernambuco, no mês de setembro, o Instituto Pró-vida divulgaria uma polêmica propaganda contra os homossexuais. Esta construiria a homossexualidade como algo ruim e repugnante, referindo-se ao termo

homossexualismo, quando esse a classificava como doença. O cartaz publicitário usava muitas cores e a referência ao estado de Pernambuco para afirmar, entre outras, a frase “Homossexualismo – Pernambuco não te quer”. Na montagem do panfleto, o enunciado central – “Pernambuco não te quer” – era circundado por referências às práticas de pedofilia,

exploração sexual de menores, prostituição, turismo sexual e homossexualismo. Conforme

mostra a Figura 25.

Figura 24 – 11ª Parada da Diversidade de PE

Fonte: <htht://paradparadadivpar.blogspbl.com.br/> acessado em 31/07/2017

Figura 25 – Uma propaganda arbitrária (panfleto publicitário)

Fonte: <http://zygon.digital/blog/salve-amanha-e-sexta-feira-e-feriado-18/> acessado em 30/08/2016

Esta propaganda foi alvo de uma ação civil pública de indenização por danos

coletivos difusos com pedido de liminar antecipada, encabeçada pela Oitava promotoria de

Justiça de Defesa da Cidadania da Cidade do Recife – Promoção dos Direitos Humanos, assinada por seis promotores de justiça, incluindo o promotor titular da dita promotoria, o

senhor Maxwell Vignoli. O desdobramento da ação civil pública não chegou a ser acompanhado por esta pesquisa. Contudo, num texto de 23 páginas não numeradas, foi possível destacar uma pequena parte que compõe a justificativa da ação civil. No documento, observa-se:

Em 31 de agosto de 2012, o Instituto Pró Vida, sem personalidade jurídica instituída, através da empresa Borba Consultoria e Projetos S/S, por seu representante e diretor, MÁRCIO LUIZ TADEU DE SEIXAS BORBA, contratou propaganda publicitária, no 09/083522/12, com o veículo de comunicação escrita “Jornal Folha de Pernambuco”, e, na data de 03 de

setembro de 2012, foi veiculada na primeira página do caderno Recife, a campanha com conteúdo intolerante, discriminatório e ilegal afirmando

o seguinte texto e arte “Pernambuco não te quer – homossexualismo”. Ao divulgar publicamente tal expressão, o Instituto Pró Vida e o cidadão Márcio Borba ofenderam a dignidade humana, igualdade,

liberdade de orientação sexual dos homossexuais, bissexuais, transexuais e transgêneros, contribuíram para não solidariedade e instigaram conflitos.

Atitudes assim reproduzem a homofobia, levando a mortes e suicídios, muitos deles não registrados com essa causa, em razão do medo de exposição das vítimas.

Considerando que a população desse grupo social é de aproximadamente 10% (dez por cento) da população, temos, em Pernambuco (Estado com 8.000.000 habitantes), aproximadamente 800.000

(oitocentos mil) cidadãos ofendidos em sua dignidade, liberdade e igualdade. Considerando, ainda, as possíveis mortes e suicídios

desencadeados após esta atitude, há ofensa coletiva capaz de ensejar ações

de reparação por danos. (MPPE, Ação Civil Pública Nº4432581 com

número do auto 2012/856787, p.8-9, grifos meus).

O texto da ação civil pública trazia dados estatísticos em relação ao tamanho da população LGBT em Pernambuco e de sua vulnerabilidade como segmento social e tentava, de alguma forma, impedir que ataques aos homossexuais, como o promovido pelo Instituto

Pró-vida, tornassem-se recorrentes. Nesse sentido, o documento articulou a punição através

de um pedido de indenização por danos morais, proporcional ao coletivo atingido, no caso os 10% de homossexuais residentes no estado pernambucano. Mais uma vez, construía-se a ideia discursiva de um inimigo comum, que seria o corpo homossexual195. Este seria abstrato e sem fisionomia, como divulgava a propaganda, ou seja, o inimigo comum era o segmento homossexual como um todo.