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Entre o contexto de produção de uma série de reportagem e sua premiação em um concurso, há um percurso que reorganiza as relações intersubjetivas estruturantes de qualquer comunicação discursiva. A produção da série compreende várias atividades:

75 apuração, recolhimento de depoimentos, pesquisa de dados estatísticos, fotografar, redação dos textos, legendas, títulos, diagramação de página, edição, entre tantas outras. A inscrição num concurso envolve, basicamente, a decisão de um editor. O que é entregue para exame e julgamento de uma banca não é o conjunto das atividades listadas, mas o produto dessas ações. Na condição de produto final, a série é, então, publicada, cada etapa em um dia. Depois de ter circulado nessa esfera, é reformatada conforme as normas do concurso e deslocada para outra esfera de circulação, onde nem o produto nem os sujeitos em interação são mais os mesmos.

Na situação de produção e publicação, o trabalho do jornalista envolve registrar fatos verbal ou fotograficamente, coletar o discurso de outros e tecer um texto articulando fatos do mundo biossocial, testemunhos, dados estatísticos etc., procurando deixar o mínimo de marcas possível de si. Em seguida, há o processo de seleção do material que irá compor a página efetivamente, o que implica decidir o que dos fatos será representado discursivamente no texto final, escolher de fotografias, redigir legendas, formular títulos e subtítulos. Por fim, a impressão e distribuição das edições.

A situação de concurso envolve a decisão de um editor em inscrever algum material sob sua responsabilidade. Negociando ou não com os jornalistas que assinaram a matéria, o agir nesse contexto é de natureza diferente. Enquanto na produção podemos identificar pessoas que prestam serviço para uma empresa de informação, no concurso uma pessoa age como empresa, e não como profissional a serviço dela. Ao inscrever determinada matéria, o agir de quem inscreve não é apenas orientado para a instituição, mas constitui um agir da própria instituição. Esse deslocamento do material jornalístico de um contexto para o outro transforma as relações intersubjetivas que se entretecem.

A situação de concurso constitui um fator motivacional, por um lado, para os jornalistas que tem seu trabalho reconhecido pela empresa a qual são vinculados e, por outro, para a empresa que busca destaque entre seus concorrentes. A premiação configura uma resposta positiva nos dois níveis. Isso evidencia que o agir, seja dos profissionais, seja da instituição, não é autônomo, mas engajado numa teia de tantas outras ações.

De uma perspectiva dialógica de linguagem, compreendemos que a situação de concurso e premiação das séries de reportagens constitui um fenômeno social disposto numa ininterrupta cadeia comunicativa (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 1929/1999;

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BAKHTIN, 1979/2003). Isso porque qualquer instância de uso da linguagem não se dá num vácuo social, mas necessariamente sucede e precede outras manifestações discursivas com as quais estabelece diálogo. Ao enunciarmos, posicionamo-nos responsivamente a enunciados anteriores e abrimos espaço para respostas àquilo que enunciamos. Dessa maneira, entendemos o discurso como um fenômeno dinâmico e o uso da língua como um engajamento sócio-histórico na cadeia comunicativa.

Esse ponto de vista amplia a noção de diálogo, que não se resume apenas à interação verbal face a face, mas abrange toda e qualquer interação verbal, mesmo aquela cujos interlocutores se encontram espacial, temporal e socialmente distantes (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 1929/1999; BAKHTIN, 1979/2003). Assim, conversa do quotidiano configura a forma mais primária e popular do princípio que dá vida à linguagem. Esse modo de conceber o discurso atualiza sócio-historicamente o uso da linguagem e nos dá acesso à interface entre a organização discursiva e a social. Dessa perspectiva, o diálogo não é apenas uma metáfora, e sim o princípio fundador da linguagem (MARCHEZAN, 2006) e, consequentemente, da interação social.

A perspectiva dialógica, arquitetada ao longo das obras do Círculo Bakhtiniano, localiza o acontecimento linguístico numa cena emoldurada espacial e temporalmente e na qual os sujeitos se circunscrevem. Mais do que mero enquadramento físico situacional, a maneira como o arcabouço teórico define a noção de diálogo situa os sujeitos num horizonte social onde o contexto interacional toca a instância histórica mais ampla. O encontro corresponde aos dois planos de relações de alteridade que engendram os processos de subjetivação: a relação com o outro e com o Outro (cf. seção 1.1). Antes de detalharmos a correspondência e tomar o modo como o Círculo constrói a noção dialógica de enunciado/enunciação, é importante considerar o problema das assinaturas das obras a partir das quais tecemos nosso ponto de vista teórico.

O momento histórico em que o Círculo produzia com grande fôlego o que hoje podemos recolher como teoria dialógica não era favorável a reflexões que tangenciassem a questão social. Exílios, perseguições, coibições marcaram o contexto de produção, conforme apontam diferentes estudiosos (HOLQUIST, 1981; CLARK, HOLQUIST, 1998; EMERSON, 2003; entre outros). Nesse período de turbulência, várias obras foram escritas, porém publicadas anos depois, alguns originais foram recuperados em mal estado e incompletos e, em alguns casos, não foi precisada a

77 assinatura de quem do Círculo efetivamente escreveu determinada obra. A recepção no ocidente desse conjunto de trabalhos teóricos, além das apreciações particulares das traduções para a língua francesa, inglesa, espanhola e portuguesa, por exemplo, enfrentou o problema de acesso às obras do Círculo fora da ordem em que foram escritas e/ou publicadas originalmente. A chegada de Bakhtin ao Ocidente se deu, num primeiro momento, pela Teoria da Literatura e, num segundo momento, pelos estudos da linguagem. Cada campo de conhecimento assimilou obras diferentes (BRAIT, 2006). Naquele momento, a questão da assinatura dos textos era resolvida pelos créditos dado à Bakhtin como mentor e articulador teórico do grupo.

Atualmente, com o acesso a um maior número de obras do Círculo e com o avanço dos estudos tanto da teoria do grupo quanto de sua história, entendemos que, a despeito da confluência entre os pontos tratados nos diferentes livros e ensaios, podemos recuperar posicionamentos filosóficos que permitem creditar determinadas obras a outros autores que não Bakhtin. Estar atento aos conflitos de assinatura no conjunto de obras em que a alteridade é constitutiva da identidade é importante não apenas para a organização da origem do pensamento, mas também para os desdobramentos epistemológicos da tomada de posição no momento de apropriação desse pensamento (BRAIT, 2006).

Numa investigação em que a questão da autoria de textos escritos configura ponto chave, seria incoerente ignorar o que tem sido discutido em torno das assinaturas no Círculo. Não obstante, como essa disputa ultrapassa os limites do que pretendemos investigar, optamos por fazer as referências aos livros tais como são recuperados nas edições consultadas. Assim, fazemos referência aos textos disputados pelo nome de Bakhtin/autor mais recentemente creditado. Como a questão das datas também tem um sentido importante nessa teoria, apresentamos a data de produção ou publicação original/data de publicação da edição traduzida consultada. Essa postura reconhece as outras assinaturas e resguarda as coerções de produção do texto desta investigação, submetido a regras de referência específicas. Destacamos, porém, que, ao introduzirmos o nome do autor mais recentemente creditado, estamos identificando uma orientação fortemente sociológica nos textos disputados por Voloshinov e uma preocupação mais marcada com as questões estéticas e literárias nos textos de Bakhtin ele mesmo. Esse reconhecimento não deve sugerir uma cisão na teoria dialógica, e sim uma manifestação

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da diferença na simultaneidade que atravessa as ideias do Círculo. Isso posto, voltemos às noções teóricas propriamente ditas que embasam este trabalho.

Sem nos atermos à ordem cronológica de produção e publicação original dos textos, propomos uma leitura não linear de algumas obras para construir a noção de enunciado concreto, de enunciação e dos sujeitos que os estruturam e organizam e descrever o modo como entendemos a situação de concurso e premiação das séries que compõem corpus de análise.

Um dos primeiros trabalhos a influenciar os estudos linguísticos no Brasil foi um livro de autoria disputada: Marxismo e filosofia da linguagem, publicado originalmente em 1929. Nessa obra, como o próprio título aponta, Bakhtin/Voloshinov discutem a importância de uma abordagem filosófica da linguagem para a apreciação sociológica das relações humanas. O subtítulo da edição brasileira detalha ainda mais o foco sociológico: problemas fundamentais do Método Sociológico na Ciência da Linguagem. Desde o título e do subtítulo recuperamos os pontos chave para a tese desenvolvida: de um lado, o empenho em destacar a pertinência dos estudos linguísticos para a orientação marxista e, de outro, o cuidado em sinalizar uma proposta então inovadora de conceber a “Ciência da Linguagem”. Para chegar aos conceitos que mobilizamos nesta investigação, retomemos a proposta do todo da obra.

O livro está organizado em três grandes partes, cada uma delas pontuando um aspecto da tese que propõe um diálogo da Ciência da Linguagem com o Marxismo. Na primeira, os autores fundamentam a perspectiva sociológica de que partem. Desde o primeiro capítulo, apontam para o caráter social implicado no uso da linguagem, desconstruindo uma postura individualizante do sujeito como fonte do sentido e também do sentido dado num sistema abstrato. Os autores demonstram como o material semiótico está vinculado ao horizonte social e só funciona na construção de sentidos se referendados por uma comunidade. Ressaltam ainda que a organização de um grupo social não é a justaposição de dois ou mais homo sapiens, mas a articulação desses sujeitos num funcionamento cultural. Dessa parte, resgatamos principalmente o conceito de signo ideológico discutido adiante neste trabalho (cf. seção 2.2).

Na segunda parte, os autores desenvolvem o raciocínio filosófico e detalham a perspectiva dialógica do fenômeno linguístico, que se diferenciava das abordagens dos estudos até então desenvolvidos. Reformulam as perspectivas personalista e

79 desconstrucionista da linguagem ao apresentar a concepção dialógica de entender a interação humana. Associada a Wilhelm Wundt, Karl Vossler e Benedetto Croce, a perspectiva personalista localiza o significado no interior do sujeito, no eu. Desse ponto de vista, o uso da linguagem consiste de um movimento de exprimir um conteúdo interior individual para a realidade objetiva exterior. Esse processo de objetivação do sentido subjetivo individual muitas vezes projeta um caráter de deformação naquilo que é exteriorizado. Essa visão se encontra arraigada à tradição humanista ocidental, que concebe a identidade do ser humano a partir de um ponto de vista absolutamente individualista. Bakhtin/Voloshinov (1929/1999), apesar de não aderirem à abordagem, reconhecem sua importância para a construção da noção de língua nacional. Devido ao apelo ao subjetivismo da perspectiva personalista, o destaque na produção do sentido é dado ao ser humano. Os autores criticam, porém, que esse movimento do interior para o exterior não dá conta do que fazemos quando interagimos. Se o sentido está no interior do sujeito, a perspectiva histórica que sustenta a própria situação de interlocução se perde, sinalizando uma abordagem monológica da linguagem. A essa vertente dos estudos linguísticos, os autores chamam subjetivismo individualista.

Diferentemente, a orientação desconstrucionista se posiciona no pólo oposto, e o significado não está em ninguém. Retomando criticamente a abordagem saussureana dos estudos linguísticos, os autores pontuam que a dicotomia língua/fala, que separa o língua de sua atualização, cinde o fenômeno da comunicação humana e localiza o sentido fora dos sujeitos, num sistema abstrato. A fala – o uso da língua –, por ser de natureza individual, segundo a postulação saussureana, não constituiria objeto da Ciência Linguística. O sistema – a língua –, na condição de conjunto de propriedades formais estabilizadas e disponíveis a uma comunidade, é passível de se tornar objeto de uma ciência. Novamente sem negar a existência de um sistema formal, Bakhtin/Voloshinov (1929/1999) argumentam que localizar o sentido, o conteúdo da comunicação humana, num sistema externo ao sujeito também se fundamenta numa abordagem monológica da linguagem, que não leva em conta a tecedura social a qual qualquer realização do uso linguístico está necessariamente vinculada. Essa vertente é denominada pelos autores objetivista abstrata.

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Para Bakhtin/Voloshinov (1929/1999), o sentido não está no interior nem no exterior dos sujeitos, mas entre os sujeitos, na interação. Aqui citamos a tradução de suas palavras:

A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das formas, é verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas pode-se compreender a palavra diálogo num sentido

amplo, isto é, não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja (idem, p. 123)

Conceber a noção de diálogo como princípio fundador de qualquer comunicação verbal significa trazer uma ideia de permanente movimento à interação humana, já que o diálogo envolve o movimento de um em relação ao outro e esse movimento não acontece no intervalo entre dois vazios. Assim, fica evidente a metáfora da cadeia comunicativa que se resgata na obra do Círculo. Num outro texto, escrito na década de 1950, porém publicado originalmente apenas em 1979, e dessa vez assinado por Bakhtin ele mesmo, a precisão da unidade da cadeia comunicativa recolhe as principais características dessa abordagem interacional.

Nesse texto, intitulado “os gêneros do discurso”, Bakhtin (1979/2003) detalha a natureza da unidade comunicativa para postular mais amadurecidamente o conceito de

gêneros do discurso já rascunhado em obras anteriores, desde a década de 1920 (BAKHTIN/MEDVEDEV, 1928/1991; BAKHTIN/VOLOSHINOV, 1929/1999). Antes de descrever as especificidades dessa unidade – o enunciado –, o autor afirma:

[O enunciado é] a real unidade da comunicação discursiva [...]

Porque o discurso só pode existir de fato na forma de enunciações concretas de determinados falantes, sujeitos do discurso. O discurso sempre está fundido em forma de enunciado pertencente a um determinado sujeito do discurso, e fora dessa forma não pode existir

(BAKHTIN, 1979/2003:274).

A primazia pela comunicação entre sujeitos corrobora o aspecto sócio-histórico da perspectiva de linguagem do Círculo e confere um destaque à noção de enunciado. Do ponto de vista enunciativo-dialógico, não há como nos engajarmos em uma produção discursiva a não ser por meio de um enunciado concreto. Isso porque, no enunciado, entrelaçamos a interação situacional com outras de diferentes ordens, o que a localiza social e historicamente.

81 Esse modo de compreender o elo da ininterrupta cadeia comunicativa sinaliza como a perspectiva dialógica de linguagem opera não apenas com o nível situacional, mas também com ordens sociais mais abrangentes. Em outras palavras, o enunciado atualiza, ao mesmo tempo, uma interação imediata e diálogos de uma esfera sócio- histórica mais ampla, de natureza ideológica. Mas como lançar mão de um conceito tão complexo do fenômeno sócio-discursivo nos estudos da linguagem? Como lidar com essa articulação dos sentidos imbricados em dada produção discursiva? Ainda Bakhtin (1979/2003) nos sugere algumas maneiras de reconhecermos e delimitarmos o elo dessa cadeia – o enunciado –, o que o torna um conceito operacional.

Retomando a tradução das palavras do próprio autor, o primeiro e mais

importante critério de conclusibilidade do enunciado é a possibilidade de responder a ele, em termos mais precisos e amplos, de ocupar em relação a ele uma posição

responsiva (idem, 280). Assim, qualquer manifestação linguística que abra espaço para uma possível resposta configura um elo da cadeia comunicativa. Isso pode abranger desde um único vocábulo até organizações textuais mais extensas, como um romance, por exemplo. O que vai caracterizar determinada produção verbal como um enunciado é justamente o convite ao diálogo que tal produção traz.

Certamente o reconhecimento do convite está também vinculado ao momento da enunciação e prenhe de uma atitude responsiva, conforme sugere Bakhtin (1979/2003). Aqui está o segundo passo para identificarmos o limite de um enunciado. O dinamismo da cadeia comunicativa não está encerrado nas amarras da intenção de um enunciador, mas está garantido nas possibilidades de interação abertas por uma enunciação. Desse modo, a atitude responsiva ativa do co-enunciador constitui um segundo critério para delimitação de um enunciado. Como defende o próprio autor, a simples compreensão já traduz uma resposta, porque compreender um enunciado implica orientar-se em relação a ele (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 1929/1999; BAKHTIN, 1979/2003). Ao orientar-se, o co-enunciador assume uma atitude responsiva ativa – ainda que manifesta pelo silêncio – que conclamará outro enunciado alimentando e movimentando a cadeia comunicativa.

A resposta, dentro dessa abordagem enunciativa, configura um processo que vai desde a assimilação da palavra do outro até sua reacentuação. Da perspectiva dialógico-

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enunciativa, não nos relacionamos com as palavras da língua, de um sistema; antes, tomamo-nas do outro. Retomando a tradução das palavras de Bakhtin, citamos:

Nosso discurso, isto é, todos os nossos enunciados (incluindo as obras criadas), é pleno de palavras dos outros, de um grau vário de alteridade ou assimilabilidade, de um grau vário de aperceptibilidade e de relevância. Essas palavras dos outros trazem consigo a sua expressão, o seu tom valorativo que assimilamos, reelaboramos e reacentuamos (BAKHTIN, 1979/2003:295 – grifos nossos).

Aquilo que enunciamos, então, consiste de um rearranjo de algo já anteriormente enunciado. Não é do dicionário que obtemos as palavras que utilizamos, mas da enunciação do outro (idem). Isso quer dizer que nossa fala é a reverberação das falas alheias, que tomamos emprestadas – assimilamos –, redistribuímos na trama discursiva – reelaboramos – e imprimimos nosso timbre pessoal – reacentuamos, que marca nossa posição singular na cadeia comunicativa. A natureza dialógica está na multiplicidade de sentidos que construímos nesses movimentos e é manifesta no grau de abertura do discurso a esses processos. Notemos, ainda, que esse movimento em três atos não simplesmente articula formas linguísticas, porém implica uso da linguagem. Assimilamos, reelaboramos e reacentuamos palavras dos outros que trazem consigo a

sua expressão, o seu tom valorativo (idem). Certamente lidamos com formas, porém, com formas revestidas por uma apreciação, uma entoação expressiva a que efetivamente respondemos. Dito de outra maneira, a ininterrupta cadeia comunicativa é dinâmica não por conta das formas linguísticas, mas por conta do que fazemos dessas formas a partir das relações que entretecemos com o outro.

A ideia de orientação apreciativa desempenha um papel central na compreensão teórica, porque marca a não isenção social, a evidência de que um enunciado é um elo na cadeia comunicativa. Não há outro modo de nos engajarmos na ininterrupta comunicação discursiva, senão assumindo posições frente à posição do outro. Na condição de resposta, e não mera reação instintiva, um enunciado só adquire tal estatuto se assinalado por uma orientação apreciativa. Nos diferentes trabalhos de Bakhtin e seu Círculo, o tratamento dessa noção privilegia a apreciação como um comprometimento social inerente ao enunciado. Em Bakhtin (1919/1993), quando o autor desenvolve seu posicionamento filosófico estruturante de todo o arcabouço teórico que se seguiria pelas décadas subsequentes, a questão da avaliação já é introduzida como elemento chave

83 que fundamenta e justifica a postulação de que não há álibi para a existência. O agir humano é necessária e essencialmente situado na sócio-história, na cadeia comunicativa discursiva.

Em uma obra publicada quase uma década depois, outra obra de autoria disputada, Bakhtin/Medvedev (1928/1991) propõem uma reformulação do problema da construção poética a partir da avaliação social. Na parte IV desse livro, os autores discutem sobre os limites do formalismo russo para o estudo da poética. Mais precisamente no capítulo 6, tratam da questão do material e do artifício como componentes da construção poética e, nesse ponto, retomam a noção de avaliação para apontar a imbricação social dos enunciados e o comprometimento ético implicado na enunciação. Como afirmam os autores, é impossível entender o enunciado concreto sem

que alguém se familiarize com seus valores, sem entender a orientação de sua avaliação no ambiente ideológico (BAKHTIN/MEDVEDEV, 1928/1991: 121 – tradução nossa).

Também em Marxismo e filosofia da linguagem, Bakhtin/Voloshinov (1929/1999) apontam a questão da apreciação como chave para sua atualização, já que aquele que enuncia não pode prescindir de seu lugar social nem subtrair as marcas desse lugar do enunciado. Entre outros termos, a ausência de álibi, avaliação, tom valorativo, a necessária orientação apreciativa ou apreciação, designam o tom que singulariza qualquer manifestação discursiva, noção que traduz os valores referendados ou negados no enunciado e por meio dele.

Diante dessa maneira de recortar o elo da ininterrupta cadeia comunicativa, fica claro que o enunciado/enunciação tem natureza constitutivamente social, histórica e

que, por isso, liga-se a enunciações anteriores e a enunciações posteriores, produzindo e fazendo circular discursos (BRAIT; MELO, 2005:68).

No contexto do qual recolhemos as séries de reportagens que compõem o corpus de análise desta investigação, a situação de concurso e premiação, identificamos o ato de um editor inscrever determinada matéria já publicada em um concurso e o ato de uma banca examinadora constituída por uma instituição diferente daquelas que