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União estável e homoafetiva

No documento Sucessão no direito homoafetivo (páginas 34-39)

Para tratar a respeito da união homoafetiva, primeiramente faz-se necessário abordar alguns aspectos esclarecedores sobre o instituto, qual foi a lógica de sua criação e se ele atinge os objetivos para o qual foi criado.

A matriz histórica da união estável como já abordado anteriormente foi para assegurar os direitos daquelas pessoas que viviam em um concubinato puro, ou seja, não havia nenhuma proibição para o casamento, mas por escolha dos próprios companheiros que não queriam oficializar a relação, tendo como consequência a não proteção na seara judicial dos direitos aplicados aos relacionamentos familiares, excluídos do direito de família e incluídos no direito obrigacional, como se dita relação fosse uma mera parceria lucrativa entre sócios.

E essa analogia com uma sociedade de fato, gerava grandes transtornos ao se findar a relação, pois muitas vezes na constância da união era normal o aumento do patrimônio por auxílio mútuo, ou seja, com o trabalho de ambos ou pelo esforço laboral de um (geralmente do homem) e do suporte emocional (da mulher).

Fundamenta-se aqui e não era somente com o auxilio monetário que os companheiros ajudam uns aos outros. A dedicação também deve ser levada em conta. Muitas vezes, cabia ao homem trabalhar e sua esposa cuidava da casa, da criação e educação dos filhos, sem nenhuma renda para ajudar na aquisição de bens, porém não a faz menos merecedora da divisão patrimonial em decorrência disto. No entanto, como era o homem o chefe da família e a ele cabia, normalmente a obrigação de sustentá-la. Encarado como normal que ao

adquirirem um bem ficasse em seu próprio nome. O problema decorria quando a relação chegava ao fim.

Surgia desse modo o aspecto do desamparo o qual, a mulher passava a enfrentar. Coube a ela gerenciar cuidados e problemas domésticos, sem chances de amealhar bens que garantissem a sua sobrevivência. A solução primeiramente encontrada pela jurisprudência, surgida do direito trabalhista foi o de aplicar nesse tipo de caso uma indenização à mulher pelos serviços prestados. Paliativo solucionável, porém não adequado e o mais digno, pois a mulher sairia da relação quase sem condições de reconstruir sua vida.

Com o passar do tempo substituiu-se a referida indenização pela aplicação analógica do direito obrigacional, ou seja, mais especificamente sobre as sociedades de fato, na qual, o patrimônio seria dividido conforme a contribuição de cada companheiro.

Comprova-se que com esta solução a mulher continuava sendo discriminada e sem nenhum respaldo judicial de maneira justa. Muitas vezes ocorria o enriquecimento ilícito por parte de seu companheiro, ficando com praticamente a totalidade do patrimônio, coisa que não se admite no direito. Então se criou o instituto da união estável já exposto acima, não deixa de ser um concubinato puro, porém agora protegido legalmente.

No âmbito contextual, salienta-se que se considera a união estável como uma entidade familiar na nova concepção de família moderna. Formata assim um dos tipos de família reconhecida constitucionalmente no art. 226, §3°. da CF/88, o qual dispõe: “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Além de ser estabelecida pelos arts. 1.723 a 1.727 do Código Civil (CC/2002) e pelas Leis n. 8.971/94 e 9.278/96.

Vislumbra-se, contudo, não abranger os mesmos direitos reconhecidos ao casamento. Constata-se no próprio teor de seu parágrafo terceiro do art. 223 da CF/88 dispõe que a mesma poderá ser convertida em casamento, ou seja, o legislador quis facilitar a sua conversão, pois ainda se matem a ideia de que o casamento é a base de uma entidade familiar. Isso se evidencia quando se lê o disposto no art. 1.723 do CC/2002, devendo ser observado os impedimentos para o casamento constantes no ar. 1.521 do CC/2002. Pois os mesmos são

aplicados à união estável, porém as causas suspensivas aplicadas ao casamento não são reconhecidas na união estável.

Cabe ao art. 1.724 do CC/2002 dispor os deveres que ambos os companheiros deverão ter na constância da união estável, ou seja, os deveres de lealdade, respeito e assistência.

No que tange ao patrimônio, o art. 1.525 do CC/2002 é claro ao mencionar que nessas relações se aplica o regime da comunhão parcial de bens, regime legalmente adotado atualmente pelo Brasil, em todas as relações que não dispuserem a respeito do mesmo. Regulamenta o que for amealhado durante a união será de ambos os companheiros e o que cada um tiver ou receber futuramente a título de herança considera-se como sendo um patrimônio particular, não se comunicam entre os companheiros. Porém, é bom ressaltar que nada impede dos companheiros estipularem outra condição, mas para isso deverão fazer uso do contrato por escrito, ou então celebrarem um contrato de convivência, estipulando tudo, para que não seja aplicado o que constar no regime da comunhão parcial.

Evidencia-se a referida postura jurídica nas observações de Paulo Luiz Netto Lôbo (2003, p. 282) quando expõe:

O que caracteriza o regime, considerado por muitos o mais equitativo, é a separação e convivência entre dois tipos de bens: os comunicáveis, ou comuns, e os não comunicáveis, ou particulares. Resultam três massas patrimoniais distintas, cada uma com seus respectivos ativos e passivos: duas particulares e uma comum. A linha divisória é traçada na data do casamento, ou seja, de sua celebração e não do registro. Até o casamento, os bens adquiridos pelos cônjuges permanecem particulares, inclusive os adquiridos posteriormente com os valores derivados de suas alienações. Após o casamento, os bens comunicam-se. Há, também, bens particulares transversais, cuja aquisição ocorre após o casamento, principalmente os que são frutos de liberalidade dos alienantes, por doação ou testamento.

É importante mencionar que o contrato de convivência pode ser modificado e revogado pelas partes a qualquer momento. e como já abordado anteriormente o mesmo instituto facilita na hora de converter-se em casamento, não tendo grandes burocratizações a se cumprir.

Visto esta parte mais geral da união estável, chega-se na discussão do item, ou seja, acerca de sua aplicação aos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo.

Resta enfatizar que a Carta Constitucional proíbe expressamente qualquer forma de discriminação e distinção entre as pessoas devido a sua orientação sexual. Porém, a mesma acaba fazendo referida distinção entre os relacionamentos heteros e homoafetivos como consta no art. 226, §3°. da CF/88 ao expor que se reconhece somente a união estável como uma entidade familiar resultante de uma relação entre um homem e uma mulher.

Tal hipótese, tornou-se discriminatória pois o mesmo dispositivo deve ser aplicado da mesma forma aos casais homossexuais, pois o que os une é o afeto e o amor, presentes tanto numa quanto noutra orientação sexual. Além do mais, se preencher os requisitos elencados de forma taxativa no art. 1.723 do CC/2002, quais sejam, a convivência pública18, continua e

duradoura com o objetivo de constituir uma família, não há o que se discutir.

E não se pode mais evitar tal configuração, pois hoje reconhece-se companheiros homossexuais como um dos tipos de família existentes atualmente, não cabe excluí-los novamente da interpretação legal acerca da união estável, pois nesse aspecto Dias (2011a, p. 135) expõe que: “a exclusão dos homossexuais do regime da união estável significaria declarar que eles não são merecedores de igual respeito, que seu universo afetivo e jurídico é

de ‘menos-valia’: menos importante, menos correto, menos digno.”

Não se tem mais porque excluir tal instituto aos casais homossexuais, pois desde a entrada em vigor da nova Carta Constitucional diversas outras relações familiares foram tidas como uma entidade familiar, a exemplo da própria união estável que anteriormente era considerada como um concubinato puro não sendo reconhecida nem protegida legalmente. Fora que atualmente não se tem mais a tríplice identidade: casamento - sexo- procriação19 para constituir-se como uma entidade familiar.

Sabe-se que hoje existe o sexo recreativo20 e o procriativo21, ou seja, não precisa estar casado para fazer sexo e muito menos o sexo ser tido como uma justificativa para a

18Dias (2011a, p. 134) faz uma importante observação, qual seja: “assim, a convivência pública não cabe ser

considerada como requisito para a configuração da união homoafetiva, mas meio de prova para o seu reconhecimento”. Pois, geralmente esses casais não se declaram publicamente para não virem a ser discriminados, ou seja, sofrerem alguma agressão pela exteriorização do preconceito social.

19Termo utilizado por Dias (2011a, p. 143-144).

20É o sexo ligado ao prazer, onde duas pessoas não estão preocupadas com o casamento e com a perpetuação da

espécie por se ter hoje muitos contraceptivos no mercado.

21

É o sexo ligado exclusivamente a ideia dos dogmas da Igreja, no qual, somente poderia haver conjunção carnal entre os cônjuges e principalmente para se perpetuar a espécie humana, não estando ligado ao prazer.

perpetuação da espécie em vez do prazer que duas pessoas sentem uma pela outra. Logo, não há motivo plausível para a mesma não ser aplicada aos casais homossexuais, nesse sentido, Vecchiatti (2008, p. 319-320), pondera que

[...] há identidade de situações entre as uniões homoafetivas e heteroafetivas, visto que ambas são pautadas pela vida em comum, respeito, afeto, solidariedade mútua, assistência e tantos outros, donde, superada a letra fria da norma e tendo em conta a sua substância, seu fim social (em suma, acrescento, sua interpretação teleológica), percebe-se que as uniões homoafetivas representam efetivas entidades familiares e têm, portanto, que receber o mesmo tratamento jurídico dispensado às uniões heteroafetivas, razão pela qual é cabível o tratamento analógico para que isto seja possível.

Outra forma de tentar resolver esse conflito foi o de aplicar-se a essas relações o

contrato de união estável homoafetiva22. Sendo basicamente regido pelo direito das

obrigações, o qual, deveria estar presente o principio da pacta sunt servanda, ou seja, que o que estaria presente no contrato deveria ser cumprido por ambos os companheiros(as). Desse modo, determinado contrato não alteraria o nome dos companheiros(as), ou seja, permaneceriam com o nome de solteiros(as).

Salienta-se que a vontade de os companheiros(as) se desvincularem dessa união deverá ser proposta uma dissolução de união estável homossexual, a qual, haverá divisão do patrimônio amealhado durante a união conforme o regime estabelecido ou o contrato firmado por ambos. Portanto, é injustificável qualquer outro tratamento dirigido aos homossexuais no tocante ao reconhecimento de sua união que não seja o instituto da união estável nos mesmos moldes do que é aplicado aos companheiros heterossexuais, pois desta forma, excluem-se e se discrimina pessoas devido a sua orientação sexual totalmente vedada pela carta constitucional em vigor.

Além do mais, considera-se também que a referida união estável poderá ser convertida em casamento sem nenhuma burocratização, ou seja, facilitada e isso se mostra que também poderá os casais homossexuais unidos estavelmente requererem que lhes seja convertida essa união em casamento.

No documento Sucessão no direito homoafetivo (páginas 34-39)

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