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Unidade de Saúde Familiar: da concepção política

CAPÍTULO I – DO CENTRO DE SAÚDE COMO ORGANIZAÇÃO SOCIAL

1. Unidade de Saúde Familiar: da concepção política

Em Fevereiro de 2006 é aprovado, pelo Despacho Normativo nº 9/2006, de 16 de Fevereiro, o regulamento para lançamento e implementação das unidades de saúde familiar. A criação destas unidades é justificada no Programa do XVII Governo Constitucional pela importância atribuída aos CSP e à necessidade de se proceder a uma

reforma do sector. Correia de Campos (2008, 91) atribui a premência da criação destas unidades a razões, que diz serem, "antes de mais, de inteligência, depois por imposição social, por solidariedade." Traça o retrato dos CSP antes do início da reforma como "dispendioso, ineficiente, e inequitativo", com recursos consideráveis, que embora cobrindo todo o país, eram sub-aproveitados, com um elevado número de inscritos que não frequentavam os centros de saúde, preferindo recorrer directamente às urgências, às consultas externas dos hospitais ou ao médico privado.

A transformação do centro de saúde convencional, que Correia de Campos considera como um modelo "esforçado mas esgotado", em unidades de saúde familiar, de "geometria, estrutura e titularidades variáveis, ajustadas ao espaço e ao tempo, às necessidades e aos meios" era uma prioridade do plano governativo, assumindo este que os CSP representavam a maior aposta do governo (Campos, 2008, 91). De facto, no Programa do XVII Governo Constitucional assume-se que os CSP são um pilar central do sistema de saúde, que os CS constituem a entidade enquadradora das USF e estabelecem- se as linhas directivas para a criação destas unidades. Quatro anos depois, o Programa do XVIII Governo Constitucional salienta os resultados alcançados pelas USF em funcionamento e afirma a determinação em incrementar a reforma dos CSP para que, até 2013, as USF "abranjam todo o território nacional" (Programa do XVIII Governo Constitucional, 2005/2009, 74).

As USF são o desenvolvimento lógico do projecto RRE (MCSP, 2006), e de outras experiências levadas a cabo no final da década de noventa, como os projectos "Alfa" e "Tubo de Ensaio" (Miguel, 2010), que já abordamos no Capítulo I, da Parte I,e traduzem a primeira concretização no terreno de uma reforma de maior amplitude que pretende reestruturar todo o sector dos CSP. Embora não representando a reforma, adquirem uma visibilidade social e mediática e uma atenção por parte das entidades responsáveis (Missão para os Cuidados de Saúde Primários e Ministros da Saúde) que não é comparável à das unidades criadas mais recentemente. Parece, por vezes, que a reforma é a USF e a USF é a reforma. Não o é. Mas é certo que detém o protagonismo e o pioneirismo das medidas reformadoras e devem ser consideradas a célula organizacional elementar de prestação de cuidados de saúde individuais e familiares (Biscaia et al, 2008, 220).

As USF são formadas por equipas, ditas, multiprofissionais, geralmente, compostas por enfermeiros, médicos e administrativos, podendo vir a integrar profissionais de outras áreas. A adesão ao modelo USF inicia-se com a apresentação voluntária de uma candidatura à MCSP, cuja dimensão depende da população inscrita. A equipa compromete-se à prestação de cuidados de saúde de forma "personalizada, garantindo a continuidade e a globalização dos mesmos à população inscrita" (Despacho Normativo nº 9/2006, de 16 de Fevereiro). Para tal, assume um acordo assistencial, anualmente formalizado mediante uma carta de compromisso acordada entre o coordenador da USF e o CS, consubstanciada num "Plano de Acção", onde se define: a carteira básica de serviços (e a carteira adicional, caso exista); o horário de funcionamento; o sistema de marcação, atendimento, renovação da prescrição e mecanismo de intersubstituição. A população inscrita não deverá ser inferior a 4000 nem superior a 18000 utentes, e deverá ser definida em função das características geodemográficas de cada área (Decreto-Lei nº 298/2007, de 22 de Agosto).

As candidaturas são efectuadas electronicamente, através da página na internet da MCSP47. Em cada Administração Regional de Saúde existe uma Equipa Técnica Operacional, constituída por cinco elementos, três oriundos da Equipa Regional de Apoio e Acompanhamento, e dois elementos do Departamento de Contratualização da ARS – IP da respectiva área geográfica de cada proposta, que aprecia os elementos da candidatura e elabora, no prazo de 30 dias, o parecer que fundamentará o despacho da sua aceitação ou recusa por parte da respectiva ARS48 (Despacho Normativo nº 9/2006, de 16 de Fevereiro).

A carteira básica de serviços (ou compromisso assistencial nuclear) define o que é obrigatoriamente contratualizado em cuidados de medicina geral e familiar,

47 A MCSP foi criada pela Resolução do Conselho de Ministros nº 157/2005, de 12 de Outubro,

com a incumbência de, entre outras, apoiar a reconfiguração dos CS em USF, coordenar tecnicamente o processo de implementação das mesmas e desempenhar funções de avaliação e apoio às candidaturas para USF.

48 O despacho da ARS será proferido nos 15 dias seguintes ao parecer emitido pela Equipa

Técnica Operacional e, após a aceitação da candidatura, a ARS deve desencadear os procedimentos adequados para que a USF inicie a actividade no prazo máximo dos 60 dias seguintes (Despacho Normativo nº 9/2006, de 16 de Fevereiro).

descriminando especificamente o núcleo base de serviços clínicos, secretariado clínico/administrativo, dimensão da lista de utentes e formação contínua, podendo ainda ser contratualizado um conjunto de serviços adicionais que podem incluir cuidados continuados integrados, colaboração com outras unidades funcionais em programas específicos de intervenção na comunidade ou outros cuidados que se revistam de importância para o cumprimento dos objectivos do Plano Nacional de Saúde (Portaria nº 1368/2007, de 18 de Outubro). "As USF distinguem-se, assim, dos Centros de Saúde, essencialmente pela contratualização de um compromisso assistencial, que se vem a traduzir num conjunto de serviços prestados à população abrangida" (Entidade Reguladora da Saúde, 2009, 10).

As USF possuem autonomia funcional e técnica, devendo manterem-se integradas em rede com as restantes unidades funcionais do CS. A estrutura orgânica é constituída pelo coordenador da equipa (médico), o conselho técnico (composto por um médico e um enfermeiro) e o conselho geral (constituído por todos os elementos da equipa). Podem organizar-se em três modelos diferentes: A, B e C, consoante o grau de autonomia organizacional, a diferenciação do modelo retributivo e de incentivos dos profissionais, o modelo de financiamento e respectivo estatuto jurídico.

Ao modelo A corresponde uma fase de aprendizagem e aperfeiçoamento do trabalho em equipa e compreende as USF do sector público administrativo, e aplicasse-lhes as regras e remunerações definidas pela administração pública. As USF em modelo A podem contratualizar uma carteira adicional de serviços, remunerada em regime de trabalho extraordinário, e o cumprimento de metas, que se traduzirá em incentivos institucionais a reverter para a USF. Na realidade, estes incentivos institucionais representam uma forma de diferenciação dentro das USF modelo A, ou, como diz Afonso (2010, 60), uma qualificação do investimento que a administração em saúde faz nas unidades que cumpram os objectivos contratualizados.

O modelo B aplica-se às equipas com "maior amadurecimento organizacional", que apresentem um nível de desempenho mais exigente. Aplica-se-lhes um regime retributivo para todos os profissionais, que integra a remuneração base e um sistema de suplementos e compensações pelo desempenho (Despacho nº 24100/2007, de 22 de Outubro).

USF do sector social, cooperativo e privado. Este modelo nunca chegou a ser implementado.49.

Inerente aos modelos A e B está um sistema de contratualização e um modelo de gestão/avaliação da produção de cuidados e do trabalho dos profissionais, associado a modelos de diferenciação salarial ou a incentivos institucionais. Para Afonso (2010, 59) a contratualização

" consubstancia-se, numa primeira fase, na negociação de um conjunto de objectivos associados ao desempenho de unidades, resultando daí o compromisso entre ambas as partes – administração em saúde e prestadores de cuidados de saúde."

Na prática, a contratualização representa um conjunto de princípios e lógicas de gestão importados do sector empresarial, a que as abordagens mais recentes (da sociologia e de outras disciplinas) vieram designar por "nova gestão pública", que já abordamos no quadro teórico.

O Regulamento para o Lançamento e Implementação das USF (Despacho Normativo nº 9/2006, de 16 de Fevereiro), que vem regular o funcionamento das primeiras USF, estipulava como instrumento de avaliação e acompanhamento das USF um painel de indicadores de monitorização (recomendando-se já que estes indicadores deveriam, em fase posterior, ser objecto de desenvolvimento pela MCSP), estruturados em torno de cinco áreas: Disponibilidade, Acessibilidade, Produtividade, Qualidade Técnico- científica, Efectividade, Eficiência e Satisfação. Dando seguimento a esta instrução, a MCSP (2006) estabelece em documento próprio os parâmetros gerais do processo de contratualização – metodologia de contratualização, Etapa 1 – que será efectuada, nesta

49 Embora recentes, existem já vários dispositivos legais para regular o funcionamento das USF.

Dada a necessidade de expormos, com suficiente clareza, o modelo de organização e funcionamento destas unidades, optámos por apresentar uma súmula onde se procura estabelecer o quadro geral de seu funcionamento bem como as regras que se lhe aplicam. Para tal, recorremos aos diplomas legais em vigor, deles retirando as linhas gerais de orientação política. Para um maior aprofundamento deverá consultar-se os seguintes diplomas, aqui apresentados por ordem cronológica de publicação: Despacho Normativo nº 9/2006, de 16 de Fevereiro; Despacho Normativo nº 10/2007, de 8 de Janeiro; Decreto-Lei nº 298/2007, de 22 de Agosto; Portaria 1368/2007, de 18 de Outubro; Despacho 24101/2007, de 22 de Outubro; e Portaria nº 301/2008, de 18 de Abril.

primeira fase, dado que a reorganização provocada pelos ACES ainda não ocorrera, entre as Agências de Contratualização de cada ARS e as USF. É a designada contratualização externa. Cada uma das referidas áreas inclui um conjunto de indicadores a que corresponde um sistema de unidades ponderadas, variável consoante o indicador. Assim, à USF em modelo B aplica-se um sistema diferenciado de remuneração e de incentivos financeiros estabelecido com base no aumento da "lista" de cada médico para 1900 utentes; actividades específicas; número de domicílios efectuados; alargamento do período de funcionamento e a carteira adicional de serviços.

Posteriormente (em Dezembro de 2006) a MCSP dá início à designada 2ª fase de Contratualização, prevendo-se a aplicação da contratualização Etapa 1 ou Etapa 2, consoante a data de entrada em funcionamento de cada USF. Para a "Etapa 2" da contratualização é recomendando a presença de um elemento da Equipa Regional de Apoio, para desempenhar a função de observador de todo o processo.

Com a implementação dos ACES, a MCSP (ACSS e MCSP, 2009) prevê que, embora a estabilização do processo de contratualização só venha a ocorrer em 2010, deverá manter- se a sua efectivação com os Departamentos de Contratualização das ARS, mas considerando o envolvimento directo do director do ACES, devendo este participar nas reuniões e assumir a responsabilidade pelo cumprimento dos indicadores contratualizados. Durante o ano de 2010, os Departamentos de Contratualização das ARS negociarão directamente com cada director de ACES que, por sua vez, deverá negociar internamente o plano de contratualização com cada unidade funcional, passando, então, a ocorrer um processo de contratualização interna e externa (ACSS, Ministério da Saúde e MCSP, 2009). É a chamada 3ª Etapa da contratualização50. Nesta fase e indo de encontro ao que estava preconizado no Decreto-Lei nº 298/2007, de 22 de Agosto, os incentivos institucionais são ampliados às USF em modelo B. Assim, é redefinida a metodologia de contratualização (ACSS, Ministério da Saúde e MCSP, 2010) e os indicadores para a obtenção de incentivos institucionais: são definidas quatro áreas e quinze indicadores da

50 O mesmo documento define também a metodologia de contratualização para as cinco (em 2010

estarão em funcionamento seis) Unidades Locais de Saúde existentes, para o ano de 2009. Cada ULS, através de um representante indigitado pelo Conselho de Administração, deverá acompanhar o processo de contratualização com cada USF e fazer reflectir esses indicadores no contrato-programa que estabelece com a tutela.

carteira básica de serviços – treze são comuns a todas as USF e dois indicadores são acordados, assim distribuídos:

Área Nº de

indicadores Indicador

Acesso 4

• Percentagem de consultas ao utente pelo seu próprio médico; • Taxa de utilização global das consultas;

• Taxa de visitas domiciliárias médicas;

• Taxas de visitação domiciliária de enfermagem.

Desempenho

Assistencial 8

• Percentagem de mulheres entre os 25 e 64 anos com colpocitologia actualizada (uma em três anos);

• Percentagem de mulheres entre os 50 e 69 anos com mamografia registada nos últimos dois anos;

• Percentagem de diabéticos com pelo menos três HbA1C51 registada nos últimos doze meses;

• Percentagem de hipertensos com registo de pressão em cada semestre;

• Percentagem de crianças com PNV actualizado aos dois anos; • Percentagem de crianças com PNV actualizado aos seis anos; • Percentagem de primeiras consultas na vida efectuadas até aos

28 dias;

• Percentagem de primeiras consultas de gravidez no primeiro trimestre.

Qualidade

percepcionada 1

• Percentagem de utilizadores satisfeitos/muito satisfeitos.

Desempenho

económico 2

• Custo médio de medicamentos prescritos por utilizador; • Custo médio de MCDTs52 prescritos por utilizador. Fonte: ACSS, Ministério da Saúde e MCSP, 2010, 11.

51 Glicohemoglobina, utilizada para avaliação da diabetes. 52 Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica.

As metas a atingir são definidas por negociação entre o director executivo/conselho consultivo de cada ACES, acompanhado pelo respectivo Departamento de Contratualização das ARS, tendo em conta o comportamento dos indicadores em cada USF e dos centros de saúde da zona envolvente (ACSS e MCSP, 2010).

Simultaneamente ao processo de contratualização deve ser implementado um plano de acompanhamento interno, com o apoio das Equipas Regionais de Acompanhamento, para auto-avaliação da USF.

A monitorização dos indicadores é feita trimestralmente e de forma automatizada. Os indicadores respeitantes à satisfação dos utilizadores e dos profissionais são avaliados através da aplicação de questionários em modelo uniformizado a nível nacional.

A avaliação do compromisso contratualizado é feita em três níveis de resultados: "atingido", "quase atingido" e "não atingido", com pontuações de 2, 1 e zero respectivamente.

Do resultado final da contratualização resultará, ou não, a atribuição de um incentivo institucional. O não cumprimento dos indicadores propostos pode originar a passagem de uma USF em modelo B para modelo A, ou mesmo a sua extinção como USF. O valor dos incentivos institucionais varia entre os 9.600 e os 20.000 euros, consoante o número de unidades ponderadas (ACSS e MCSP, 2010).

Os incentivos profissionais para as USF em modelo B são variáveis para as três categorias profissionais. A remuneração mensal dos médicos integra o salário base e um conjunto de suplementos e compensações pelo desempenho, a que acresce para o coordenador da USF um suplemento mensal de 910 euros. O cálculo dos incentivos parte da lista padrão a nível nacional de 1550 utentes, a que corresponde uma dimensão mínima de 1917 unidades ponderadas53, podendo atingir as 2358 unidades ponderadas. A compensação começa a ser atribuída a partir das 1918 unidades contratualizadas, com um valor de 234 euros mensais e pode chegar aos 1794 euros para o máximo de unidades contratualizadas. A estes incentivos acresce um suplemento por visitação domiciliária (de 30 a 600 euros), variável consoante o número de visitas efectuadas, e um outro por alargamento do

53 As unidades ponderadas são calculadas atribuindo diferentes factores de ponderação à

período de funcionamento da USF (ACSS, Ministério da Saúde e MCSP, 2010).

Aos enfermeiros é aplicado um sistema de suplementos associado ao aumento das unidades ponderadas e ao alargamento de período de funcionamento ou cobertura assistencial, quando contratualizado, mas com valores pecuniários significativamente mais reduzidos. Por exemplo, a lista de ponderação dos utentes pode originar um aumento mínimo de 100 euros e máximo de 900 euros para os mesmos intervalos de unidades contratualizados que são definidos para a categoria dos médicos. Repare-se que o valor dos incentivos é substancialmente menor para os enfermeiros, ainda que para as mesmas unidades contratualizadas. Tratar-se-á de uma dupla distinção, simbólica e material? Que ilustra também uma concepção de compensação pelo desempenho enformada no bio- poder médico?

Os incentivos financeiros são aplicados em função da concretização das metas contratualizadas, com um valor máximo anual de 3.600 euros (ACSS, Ministério da Saúde e MCSP, 2010).

Para a categoria de administrativos é utilizado idêntico sistema de cálculo para atribuição de suplementos, mas com valores pecuniários que variam entre o mínimo de 60 euros e um máximo de 540 euros. O valor máximo dos incentivos profissionais para este grupo é de 1.150 euros (ACSS, Ministério da Saúde e MCSP, 2010).

Em Dezembro de 2010 estavam em funcionamento 258 USF, abrangendo um total de 5137 profissionais (1826 médicos, 1846 enfermeiros e 1465 administrativos) e 3.231.714 "utentes potenciais".

O sistema de contratualização agora descrito encerra o essencial do modelo USF, já que as formas de organização do trabalho – o como se faz – e o conteúdo do trabalho – o que se faz – são determinados tendo por base as regras e os pressupostos administrativos definidos por instituições externas, quer à USF quer aos próprios trabalhadores.

Como dizem Ferreira et al (2010, 427 – 430), a contratualização em saúde é muito complexa. A produção desenvolve-se em contexto de incerteza, o output não define linearmente os ganhos em saúde e a avaliação de qualidade e de desempenho são muito exigentes. Mas, consideram as autoras, os mecanismos de financiamento são um poderoso sistema de incentivos em contexto de reforma e a regulação é "endógena" à

contratualização porque os contratos determinam níveis de produção que satisfaçam as necessidades previstas, os preços e modalidades de pagamento e as exigências de qualidade e desempenho, e estabelecem ainda os mecanismos de acompanhamento dos contratos, sendo, eles próprios, formas de regulação do sector (Ferreira et al, 2010, 429). Afonso (2010, 60) anota que a contratualização não deverá esgotar-se na produção legislativa, deverá estar associada a um processo de acompanhamento e de avaliação rigoroso, já que a implementação de boas práticas de contratualização tem subjacente um maior sentido de exigência e responsabilização.

Como se pode perceber da exposição que fizemos, no caso da USF a contratualização é um dispositivo normativo criado para regular a actividade profissional e definir padrões de produtividade de cuidados com base em critérios de racionalidade técnica e científica, determinados por agências e agentes externos à realidade concreta da prestação de cuidados, sendo, uniformizados por padrões de ideologia biomédica. O desempenho é monitorizado permanentemente – uma nova mão invisível está constantemente a vigiar o trabalho através da imposição de registos informáticos de tudo o que se faz e dos tempos de execução, bem como do que não se faz. Este polícia informático quantifica e qualifica os níveis de desempenho e, mediante o alcance de metas pré-determinadas, recompensa ou não o trabalhador.

Assim, o sistema de contratualização pode ser considerado como o principal definidor do funcionamento, da organização do trabalho e da produção dos cuidados, já que, do projecto à realidade, todas as actividades são desenvolvidas em função das regras definidas em sede de contratualização. Esta nova forma de estruturar o trabalho e gerir a produção origina mudanças profundas na estrutura organizacional e profissional. Como vimos no quadro teórico, estar-se-ão a gerar, para além de processos de re-hirarquização das profissões, novas formas de reforço da biomedicina na prática clínica, em contradição com a ideologia da medicina holística e biográfica que tem caracterizado a MGF. É para discutir estas e outras questões que agora se inicia percurso analítico pela realidade concreta das duas USF objecto deste estudo.