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Capítulo 3 Unidade de Ensino

3.1. Unidades de ensino

Ensinar matemática é uma tarefa cada vez mais complexa que exige ao professor o conhecimento aprofundado do currículo e a capacidade de se adaptar à constante mudança que caracteriza a sociedade do conhecimento. Isto acontece pois, por um lado, o professor é, em última instância, o gestor do currículo e, por outro lado, a qualidade das aprendizagens dos alunos, em sala de aula, depende do currículo (Moyer, Cai, Laughlin & Wang, 2009). O desenvolvimento e aperfeiçoamento de unidades de ensino é uma forma de gerar artefactos úteis ao professor para introduzir novas formas de tra- balho na sua prática letiva (Wittmann, 1984, 1998). Ao mesmo tempo, estas unidades permitem testar teorias sobre o modo como os alunos aprendem em condições diferen- tes das que usualmente lhes são proporcionadas (Sandoval, 2004).

Niss (1999) sustenta que, enquanto disciplina científica, a Didática da Matemáti- ca tem duas dimensões: (i) uma descritiva/interpretativa, relacionada com a identifica- ção, caracterização e compreensão dos fenómenos e processos relacionados com o ensi-

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no-aprendizagem, em todos os níveis de ensino; e (ii) outra normativa, relacionada com a construção do currículo, abordagens de ensino, sequências de instrução, ambientes de aprendizagem e materiais para o ensino-aprendizagem. No âmbito desta segunda dimensão, tem-se vindo a investigar o pensamento matemático dos alunos tendo por base a conceção (design) de objetos didáticos para o ensino da Matemática.

Wittmann (1984, 1998) diz que a Educação Matemática tem como cerne a cons- trução de artefactos e a investigação dos seus efeitos em diferentes ecologias educativas. Estes artefactos incluem unidades de ensino, conjuntos coerentes de unidades de ensino e o próprio currículo. Jones, Langrall, Thornton e Nisbet (2002) apontam o paralelo entre a abordagem de Wittmann (1984, 1998), o modelo de investigação desenvolvido pela Educação Matemática Realista, apresentado por Gravemeijer (1998), e as experiên- cias de ensino desenvolvidas nos Estados Unidos da América e descritas por Cobb (1999) e Steffe e Thompson (2000). Existe também um paralelo entre estas investiga- ções e as numerosas experiências de ensino que se têm vindo a desenvolver em Portugal (Branco, 2008; Pinto, 2011; Silvestre, 2006). Estes estudos procuram construir sequên- cias de ensino articuladas com o conhecimento informal e as representações matemáti- cas dos alunos, que, através de um processo de reiteração e modificação, possam ser aperfeiçoadas, levando-os a desenvolver um conhecimento progressivamente mais for- mal. Importa referir que uma unidade de ensino não é um mero conjunto de tarefas nem uma listagem de tópicos e subtópicos do programa. Na verdade, uma unidade de ensino tem por base uma teoria sobre o modo como os alunos aprendem, ou seja, uma conjetu- ra de ensino-aprendizagem, sendo constituída por uma sequência de tarefas organizadas de modo coerente e apelando ao uso de diversos recursos didáticos. Esta conjetura de ensino-aprendizagem, na perspetiva de Sandoval (2004), tem uma natureza eminente- mente teórica, sendo baseada no currículo e no conhecimento matemático a ensinar. Além disso, é refinada ao longo do tempo, através de investigação empírica. A constru- ção de uma unidade de ensino procura estabelecer um caminho de aprendizagem, orien- tado por esta conjetura. Este é um trabalho complexo que obriga a mobilizar conheci- mento sobre o tópico e sobre as orientações curriculares, bem como a tomar decisões relativas ao que os alunos têm de aprender e como os ensinar. A este respeito, Lobato, Ellis, Charles e Zbiek, (2010) indicam que:

Para planificar uma boa experiência de aprendizagem, é preciso com- preender os diferentes modelos e representações (...), um conhecimento sobre os materiais curriculares e o modo de construir lições. Para escolher

45 e desenvolver as tarefas de aprendizagem é preciso saber o que enfatizar e

justificar porque é que essas ideias são matematicamente importantes. (p. vii)

Embora subestimada com frequência, a planificação é uma ação de particular importância do ensino da Matemática pois é neste momento que se tomam decisões que marcam as oportunidades de aprendizagem dos alunos (Stein & Smith, 2010a; Stigler & Hiebert, 1999). A importância da planificação na melhoria das aprendizagens dos alu- nos tem vindo a ser reconhecida (Jones & Smith, 1997; Sekiguchi, 2006) o que, por um lado, alerta para as fragilidades das práticas de planificação linear, que envolvem somente a seleção de tópicos do programa e escolha de tarefas (Gellerd, 2004) e, por outro lado, dá sugestões para aperfeiçoar as práticas de planificação, que passam pela indicação do modo como se vai ensinar e aprender (Sandoval, 2004), escolha criteriosa de materiais didáticos, previsão do envolvimento dos alunos no desenvolvimento das tarefas e orquestração do desenvolvimento da aula (Gellerd, 2004; Hiebert, Morris & Glass, 2003; Stein, Engle, Smith, & Hughes, 2008; Swan, 2005, 2006).

Gellerd (2004) defende que os materiais curriculares ou didáticos têm um papel muito importante no envolvimento dos alunos na atividade matemática, consideran- do-os como artefactos mediadores entre os objetivos de ensino e as aprendizagens dos alunos. Os recursos didáticos são essencialmente de dois tipos, não estruturados e estru- turados. Os recursos didáticos não estruturados são os objetos de uso diário e os estrutu- rados são os manuais, os materiais manipuláveis, as tecnologias (TIC) e as tarefas matemáticas construídas com certos objetivos específicos (por exemplo, uma unidade de ensino). Deve notar-se, como refere Ball (1992), que os materiais didáticos só por si não promovem aprendizagem significativa nos alunos, pelo contrário, o seu potencial depende do conhecimento prévio destes e está associado ao modo como os materiais didáticos são usados, em particular na sala de aula (Moyer, 2001; Stein & Smith, 2010b).

Boaler e Staples (2008) e Gellerd (2004), defendem que os educadores matemáticos devem construir e desenvolver materiais didáticos que posteriormente os professores possam adaptar e ser usados nas suas turmas, constituindo uma via de aproximar e investigação e a prática.

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