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Usar ou não a bicicleta nas cidades?

SUSTENTÁVEL 31 2.1 Mobilidade urbana sustentável

3 TECNOLOGIA PARA O INCENTIVO AO USO DA BICICLETA

3.1 Um veículo ativo: a bicicleta

3.1.2 Usar ou não a bicicleta nas cidades?

Abordar a bicicleta como meio de transporte para as cidades requer a compreensão das características específicas deste instrumento, integrando-o ao sistema geral de mobilidade e oferecendo mais segurança e conforto a todos os usuários. Usualmente, o discurso usado para estimular o uso de bicicletas nas cidades aborda estritamente questões relacionadas ao desenvolvimento urbano sustentável e ao bem estar da população. Estas justificativas são importantes para a implantação de estruturas cicloviárias e adoção de políticas em favor das bicicletas em cidades que têm poucos ciclistas nas ruas.

O trânsito não vai dar conta, as vias não vão dar conta da quantidade de carros, o SUS não vai dar conta da quantidade de gente cada vez mais sedentária e com um estilo de vida – as crianças vão ficar doentes mais cedo, já estão ficando doentes cada

dia mais cedo. Há uma série de indicadores que mostram que a gente precisa adotar um estilo de vida ativo, e a bicicleta representa isso (LAGE, 2016, p. 27).

Héran (2014, p. 160) apresenta uma discussão interessante sobre os três principais argumentos favoráveis ao uso da bicicleta como meio de transporte nas cidades. O primeiro argumento é a questão ambiental, que tem como principal ponto de vista o senso comum de que a bicicleta é o único meio de transporte mecanizado verdadeiramente ecológico – ela não consome energia, não emite CO2, é silenciosa e

utiliza pouco material em sua maioria reciclável.

A Figura 15 e a Figura 16 a seguir demostram que a bicicleta tem uma melhor eficiência energética e que emitem menos poluentes do que veículos motorizados. Figura 15 - Consumo de energia por modo de transporte, Mega joule consumido

por passageiro/quilômetro

Fonte: Instituto de Políticas para el Transporte y Desarrollo e Interface for Cycling Expertise (2011a).

Figura 16 - Distribuição de emissões de gases de efeito estufa por modo de transporte, equivalente a gramas de CO2 por passageiro/quilômetro

Nota: as emissões são provocadas pela respiração e os processos fisiológicos de pedestres e ciclistas. O ônibus deve estar ocupado por 75% de ocupação de sua capacidade.

Ao observar que este argumento está muito mais presente no discurso político do que entre as justificativas utilizadas por ciclistas para adoção da bicicleta em seus deslocamentos diários, Héran (2014, p. 160) conclui que as questões ambientais justificam somente a necessidade de redução do número de veículos nas vias públicas provocando, assim, políticas equivocadas que não contribuem para o aumento do número de ciclistas nas cidades.

O segundo argumento analisado por Héran (2014, p. 161) é o resgate da saúde da população. Duas questões são importantes: (1) o fato de que a caminhada e a bicicleta são importantes na luta contra o sedentarismo e seus impactos sobre a saúde da população uma vez que são os únicos modos de deslocamento que exigem esforço físico de seus usuários e (2) o impacto da poluição na saúde dos cidadãos. Os relatórios da Saúde pública na França confirmam este argumento ao constatar que os benefícios de uma atividade física superam os riscos de acidentes e de exposição à poluição no trânsito.

Por fim, Héran (2014, p. 164) aborda a questão da economia como terceiro argumento que estimula o uso da bicicleta na cidade. Este argumento ganha consistência com a crise econômica e a diminuição de recursos naturais do planeta. Razémon (2014, p. 74) complementa a argumentação econômica ao ressaltar que a economia ligada à bicicleta é mais sutil, complexa, pulverizada e complexa do que a economia gerada pela produção de objetos de luxo (como o carro, por exemplo). As cidades “amigas da bicicleta”, hoje em dia, são aquelas que têm a economia em crescimento porque os planejadores conseguiram compreender modos de transporte “ativos” beneficiam a economia local e favorecem a revitalização do bairro.

A abordagem econômica é também tratada Ciclociudades, mas a partir da competitividade das cidades nos países periféricos em um cenário globalizado. Para atrair e reter investimento e talentos em seu território, as cidades precisam ofertar modos de transportes eficientes para melhorar a produtividade. “Cidades como Nova York, Paris, Amsterdam, Copenhague e Bogotá conseguiram se posicionar como cidades competitivas, em grande medida por impulsionar uma mudança no paradigma relativo ao transporte.” (INSTITUTO DE POLÍTICAS PARA EL TRANSPORTE Y DESARROLLO; INTERFACE FOR CYCLING EXPERTISE, 2011a, p. 21)

Além dos argumentos citados acima –ambiental, de saúde e econômico – Flemming (2012, p. 86) e Razémon (2014, p. 60) consideram que o prazer e o amor à bicicleta são os principais fatores para convencer mais pessoas a adotarem

diariamente modos de deslocamento ativos, afinal a bicicleta permite minimizar o estresse provocado pelo trânsito ao mostrar que existe prazer em se deslocar pela cidade. Esta justificativa se relaciona com a questão da liberdade que a bicicleta dá aos seus usuários.

O tipo de estado que promove o ciclismo é do tipo que promove a liberdade individual. Ciclismo concede a liberdade de mobilidade para todas as faixas etárias, desde crianças a idosos, e em todos os espectros sociais, desde executivos aos que estão à margem da economia.19 (FLEMING, 2012, p. 101)

De acordo com o manual Caderno de referência para elaboração de Plano de Mobilidade por Bicicleta nas cidades Brasil (2007b, p. 61), as características desfavoráveis ao uso da bicicleta são: (1) raio de ação limitado, (2) sensibilidade às rampas, (3) exposição às intempéries e à poluição, (4) vulnerabilidade física do ciclista e (5) vulnerabilidade ao furto.

Ao enumerar as resistências encontradas para o uso da bicicleta como meio de transporte, Héran (2014, p. 153) reconhece que muitos dos problemas ligados ao desestímulo ao ciclismo estão, em sua maioria, relacionados ao desconhecimento deste modal. Pessoas que já fazem o uso regular da bicicleta não concordam com estes argumentos, como Hebede Barroso explica ao ser questionado sobre a questão do relevo de Belo Horizonte:

Para quem, tipo assim, o cara que mora no Centro e trabalha no [Bairro] Mangabeiras, aí é realmente é um empecilho para ele: “Nó, véio, vou para o trabalho de bicicleta, beleza, mas eu tenho que subir a [Avenida] Afonso Pena inteira?” Aí eu concordo que para ele vai ser um empecilho. [...] Mas isso aí tem soluções. Tem bicicleta hoje em dia que tem motor elétrico e aí chega na subida você aciona o motorzinho lá e ela te ajuda a subir. Para isso tem solução (LAGE, 2016, p. 31).

Héran (2014, p. 153) conclui que os argumentos contra o uso da bicicleta nas cidades existem porque os ciclistas tornaram-se tão raros nas cidades que os outros usuários, técnicos e políticos acabaram por desconsiderá-los. Uma geração inteira acabou por não se interessar pela alternativa da bicicleta, o know-how técnico se perdeu e os habitantes não são capazes de imaginar pedalar no trânsito.

19 The kind of state that promotes cycling is the kind that promotes individual freedom. Cycling grants freedom of mobility to every age group, from children to the elderly, and across all social spectrums, from executives to complete non-participants in the economy.

Em entrevistas com alguns ciclistas de Belo Horizonte, somente questões ligadas à violência (vulnerabilidade do ciclista e vulnerabilidade ao furto) apareceram como verdadeiros problemas para o ciclista.

Não, eu não mudo a minha rota para fugir do trânsito. Mas eu mudo a minha rota quando eu vou treinar com uma outra bicicleta, que é uma bicicleta com maior valor, eu tenho que mudar a minha rota [por causa de] que é um grande problema, que é o assalto, que é o roubo de bicicleta que está acontecendo na cidade de Belo Horizonte (LAGE, 2016, p. 11).

Faltava era o poder público abraçar isso em infraestrutura para que mais pessoas pudessem pedalar e não só um grupo hegemônico – jovem, forte – que é o público que agita a cidade culturalmente, por assim dizer, né. E, eu acho que do ponto de vista cultural, a gente está muito bem resolvido, está muito bem encaminhado. O que eu sinto falta mesmo é uma política de incentivo à pessoa comum de pedalar na cidade, para efetivar a bicicleta como um modal viável em Belo Horizonte, e seguro (LAGE, 2016, p. 27).