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O uso da droga pode ser controlado por uma farmácia central, que a envie

No documento Mente.e.cérebro.ed.290.Março.2017 (páginas 56-58)

para clínicas autorizadas a administrá-

la num contexto terapêutico específico.

Não se trata de receber uma prescrição,

comprar e levar para casa. A analogia

seria mais com um anestésico sendo

receitado e gerido por um anestesista”

Mente e Cérebro:Quais foram as suas preo- cupações quando se voltou para o estudo do câncer?

Roland Griffiths: Vários voluntários vieram até nós muito estressados e exauridos tanto pela doença quanto pelo tratamento médi- co, em geral extenuante. Tive receio no iní- cio, perguntei às pessoas se não temiam que a participação no experimento agra- vasse questões dolorosas ligadas à morte e ao morrer. Expliquei que não tínhamos como saber se nossas experiências com o composto poderiam exacerbar sentimentos de desorientação e angústia. Mas isso não acontece. Ele faz exatamente o oposto. A ex- periência parece ser profundamente signifi- cativa do ponto de vista espiritual e pessoal, funcionando como uma espécie de “cura emocional”, pois ajuda na compreensão do contexto da própria doença, na relação com as pessoas queridas e em como elas conse- guirão seguir em frente.

Mente e Cérebro: O senhor pode descrever seu procedimento?

Roland Griffiths: Passamos pelo menos oito horas conversando com as pessoas sobre câncer, ansiedade, suas preocupações e as- sim por diante para desenvolver um bom relacionamento com cada uma. Durante as sessões, não havia intervenção psicológica predeterminada, os pacientes eram apenas convidados a se deitar no sofá e a falar de seus sentimentos.

Mente e Cérebro: O que os voluntários con- tavam sobre o uso da psilocibina?

Roland Griffiths: Há algo no núcleo dessa experiência que abre as pessoas para o gran- de mistério que nos envolve. Claro, não é todo mundo que diz: “Ah, agora eu acredito em vida após a morte”. Não é esse o caso. Mas a experiência com psilocibina permi- te às pessoas entrar em contato com uma maior compreensão de si mesmas, com sig- nificados mais profundos. É como se paras- sem de se agarrar à vida e se dessem conta de que “está tudo bem”, que não há nada para ter medo. Existe uma variação do que vem para cada um, o que é bastante notá- vel. Sempre me chamam atenção os partici- pantes que estão muito abatidos pela doen- ça e depois da experiência se sentem mais serenos, a ponto de tranquilizar aqueles que amam. Para nós, pesquisadores, é admirá- vel ver uma pessoa que está morrendo po- der oferecer conforto para seus cuidadores.

Mente e Cérebro: Todos reagiram assim?

Roland Griffiths:A resposta variou de acor- do com a dose. A dose maior despertou resposta muito mais intensa que a menor. Descobrimos também que a ocorrência de experiências místicas é positivamente cor- relacionada a resultados positivos: aqueles que eram mais propensos a apresentá-las eram também os que tinham maior magni- tude de recuperação duradoura da depres- são e da ansiedade.

Mente e Cérebro: Algum dos voluntários teve dificuldades?

Roland Griffiths:Não podemos nos enganar. Existem riscos potenciais associados a esses compostos. É possível nos proteger contra muitos desses riscos, por meio do rastreio e controle rigoroso do procedimento de prepa- ração do composto no ambiente médico. Cer- ca de 30% dos nossos voluntários relataram ter sentido medo ou desconforto em algum momento durante a experiência. Se os indi- víduos estão ansiosos, então podemos dizer algumas palavras, ou segurar sua mão. Ofe- recemos acolhimento e dados de realidade, lembrando a eles que tomaram psilocibina, que a sensação ruim vai passar e tudo vai ficar bem. Muitas vezes, essas experiências curtas oferecem uma espécie de desafio psi- cológico que pode ter efeito catártico e servir de portas para a pessoa se aproximar da ideia de transcendência, mas é algo muito subjeti- vo, pessoal. É importante lembrar que nem todos vivem a situação da mesma maneira, mesmo em condições protegidas, do ponto de vista médico e psicológico.

Mente e Cérebro:Quais os passos seguintes?

Roland Griffiths: O Instituto de Pesquisa Heffter, que financiou nosso estudo, acaba de abrir um canal de diálogo com o Food and Drug Administration (FDA) a respeito do início de uma investigação de fase 3. Um ensaio clínico de fase 3 é o padrão-ouro para determinar se algo é clinicamente eficaz e atende aos padrões necessários para que possa ser lançado como um produto farma- cêutico. Inicialmente, a aprovação é subme- tida a condições muito estreitas e restriti- vas. O produto pode ser controlado por uma farmácia central, que o envia para clínicas autorizadas a administrar psilocibina num contexto terapêutico específico. Não se trata de receber uma prescrição, comprar numa drogaria e levar para casa. A analogia seria mais com um anestésico sendo receitado e gerido por um anestesista.

Mente e Cérebro: Estão atualmente realizan- do também pesquisas sobre psilocibina e tabagismo.

Roland Griffiths: Estamos usando a psiloci- bina em conjunto com psicoterapia para tra- tar de fumantes que não tiveram êxito repe- tidamente no propósito de deixar o cigarro. A ideia é averiguar se as experiências vividas como profundamente significativas por boa parte das pessoas podem ser associadas à intenção e ao compromisso de parar de fu- mar. Desenvolvemos um trabalho prelimi- nar e publicamos um estudo piloto não con- trolado em que, num total de 50 voluntários, tivemos taxas de abstinência de 80% que se mantinham após seis meses, quando fi- zemos o acompanhamento. Agora estamos fazendo um ensaio clínico controlado, com acompanhamento dessa população.

Mente e Cérebro: O que o senhor destaca como resultados mais notáveis nesse estudo?

Roland Griffiths: Pessoas que tomaram psi- locibina parecem ter mais confiança em sua capacidade de mudar o comportamento e gerir a própria dependência. Antes dessa experiência, muitas vezes o indivíduo sen- te que não tem a liberdade em relação à adicção, que não tem a capacidade de mu- dar. Mas, depois de uma experiência desse tipo, muitos começam a acreditar que são autônomos para escolher deixar de fazer algo que faz tão mal. Quando o uso da psi- locibina é associado a psicoterapia, o po- tencial da ferramenta que oferecemos aos fumantes se torna muito potente.

Mente e Cérebro: O senhor está trabalhando também com praticantes de meditação...

Roland Griffiths: Temos feito um estudo inédito com meditadores iniciantes. Desco- brimos que a psilocibina potencializa o seu compromisso com a sua prática espiritual e parece aumentar características como dis- posição, gratidão, compaixão, altruísmo, sensibilidade e predisposição ao perdão. Es- távamos interessados em saber se a psilo- cibina usada em conjunto com a meditação poderia criar mudanças a longo prazo nas pessoas, reforçando seus valores sociais e morais. E parece mesmo ser o caso.

Mente e Cérebro:O senhor fala em reforçar valores morais. Podemos pensar em mudan- ças de traços de personalidade?

Roland Griffiths:Sim. Isso é realmente inte- ressante porque a personalidade é conside- rada fixa. Muitos pesquisadores acreditam que está “pronta” e sem grandes possibi- lidades de alteração quando a pessoa tem 20 e poucos anos. Mesmo assim, estamos vendo aqui aumentos significativos da ca- pacidade de abertura, da flexibilidade e de outras dimensões sociais da personalidade, correlacionadas à criatividade, algo que con- sidero verdadeiramente surpreendente.

Mente e Cérebro: Mas sabemos o que está acontecendo no cérebro dessas pessoas?

Roland Griffiths: Temos feito estudos de

neuroimagem. O grupo do professor Robin de Carhart-Harris, do Imperial College de Londres, também tem desenvolvido estudos usando o imageamento cerebral. Trata-se de uma área de investigação muito ativa. Talvez os efeitos sejam explicados, pelo menos ini- cialmente, por alterações numa área do cére- bro que chamamos “rede de modo padrão”, que está envolvida no processamento autor- referencial, desvinculada da sustentação de nosso senso de eu. Acontece que esse siste- ma se torna hiperativo em casos de depres- são. Sem dúvida, a rede de modo padrão é muito mais complexa por causa da grande in- terconexão da função cerebral. Curiosamen-

te, tanto a meditação quanto a psilocibina se relacionam com a experiência de clareza do momento presente. Talvez isso nos ajude a entender os efeitos agudos da droga, mas os efeitos duradouros são ainda muito menos claros, e, sinceramente, não acho que temos um bom controle sobre muitos de nossos processos mentais.

Mente e Cérebro: Quais são as implicações práticas desse tipo de conhecimento neu- rológico e da terapêutica dos psicodélicos?

Roland Griffiths: Em última análise, não é real- mente sobre psicodélicos que estamos falan- do. A ciência caminhará para além dos psico- délicos quando começarmos a compreender os mecanismos cerebrais subjacentes a essas substâncias e pudermos aproveitar esses be- nefícios para a humanidade. A experiência mís- tica se baseia numa interconexão de todas as pessoas e coisas, traduz a consciência de que estamos todos juntos nisso. É precisamente a falta desse sentimento de pertencimento mú- tuo que coloca nossa espécie em risco agora, com a mudança climática e o desenvolvimen- to de armas que podem destruir a vida no planeta. Portanto, a resposta não é que todo mundo precisa tomar psicodélicos. Não é dis- so que falamos nem é isso que defendemos. A questão é compreender que há mecanismos para maximizar certos tipos de experiências, e aprender a utilizá-los pode nos ajudar a não aniquilarmos uns aos outros.

No documento Mente.e.cérebro.ed.290.Março.2017 (páginas 56-58)