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A ludicidade é uma ferramenta valiosa para a formação da criança. As atividades lúdicas possibilitam a

assimilação de novos conhecimentos, troca de ideias e o desenvolvimento das capacidades tanto sociais como

criativas (Bordignon & Camargo, 2013). Por este motivo, não devem ser vistas como mero passatempo, visto

que tem um papel importante na construção do mundo da criança, em que esta encontra um equilíbrio entre o

real e o imaginário (Bordignon & Camargo, 2013).

Luckesi (1998) define a atividade lúdica “como aquela que propicia a plenitude da experiência.

Comumente se pensa que uma atividade lúdica é uma atividade divertida. Poderá sê-la ou não. O que mais

caracteriza a ludicidade é a experiência de plenitude que ela possibilita a quem a vivencia nos seus atos”

(Luckesi, 1998, p. 9).

Brincar é uma necessidade humana que facilita a integração do indivíduo na sociedade, facilitando a

comunicação – é assim um modo de expressão. No entanto, a ludicidade não é um sinónimo direto de brincar,

ao contrário do que é frequentemente suposto (Luckesi, 1998). O brincar só será lúdico se atingir os interesses

e necessidades da criança através de elementos como a curiosidade ou a competição, despertando a vontade de

participar na atividade, utilizando elementos que a mantenham dedicada durante o seu período de realização;

ou seja, torna-se lúdico quando leva a criança a vivenciar e experienciar a atividade de forma plena e total no

momento da sua efetivação (Bordignon & Camargo, 2013).

Bruner (1996 apud Bordignon & Camargo, 2013) defende que a ludicidade deve ser uma parte ativa no

processo de ensino. As atividades lúdicas proporcionam às crianças estratégias para solucionar problemas bem

como, se bem estruturadas, possibilidades de dar voz a crianças de idades, culturas e contextos sociais

diferentes. Apesar de valorizar a possibilidade que a criança deve ter para brincar livremente sem qualquer tipo

de pressão, Bruner (1996 apud Bordignon & Camargo, 2013) chama a atenção para o papel do educador como

mediador e instigador de aprendizagem, pois é através dessa orientação que os conteúdos intuitivos se podem

também desenvolver em processos lógico-científicos. Desta forma, a possibilidade de misturar o brincar

espontâneo da criança com atividades orientadas pelo educador seria uma forma eficiente de organizar e

estruturar a aprendizagem (Bordignon & Camargo, 2013).

O uso de métodos lúdicos multimodo como modo de expressar uma narrativa tem vindo a definir uma

nova forma de interações e comunicação em diferentes contextos significativos do universo infantil (Lankshear

& Knobel, 2007). Pahl e Rowsell definem este tipo de metodologia como “a comunicação no seu sentido mais

amplo, incluindo a gestualidade, a verbalização, as práticas artística, linguísticas, eletrónicas e gráficas e a

criação de artefactos” (Pahl & Rowsell, 2006, p. 6), estando encaixada na construção de meaning making nas

representações da prática social, bem como nas construções do discurso em torno da identidade (Binder &

Kotsopoulos, 2011).

Jewitt e Kress (2003) apresentam uma teoria de multimodalidade que pode ajudar a planear atividades com

crianças, caracterizada por quatro componentes simbólicos de meaning making: materialidade, design,

enquadramento e produção. A materialidade refere-se aos recursos utilizados e nas narrativas participativas

com crianças é importante o uso de materiais, experiências e objetos variados, para lhes proporcionar

oportunidades de tomarem decisões e resolverem problemas (Binder & Kotsopoulos, 2011). O design

relaciona-se com os aspetos da expressão representacional. Ao permitir que as crianças sejam os designers do

processo, estamos a facultar-lhes experiências criativas que ilustram o seu pensamento gráfico e estético

(Binder & Kotsopoulos, 2011). O enquadramento diz respeito ao modo como os componentes funcionam em

conjunto, ou seja, a forma de como o design interage. É nesta componente que as crianças podem relacionar

os vários artefactos criativos que concebem e perceber de que forma é que estes resultam num todo. Por fim, a

produção trata-se da incorporação de todos os elementos anteriormente mencionados, resultando no processo

coletivo de construção (Jewitt & Kress, 2003).

O uso de métodos narrativos participativos em trabalhos com crianças permite também que o educador ou

investigador faça parte do processo (Binder & Kotsopoulos, 2011), de forma a que este possa refletir e fazer

observações valiosas para futuras investigações. Deste modo é possível incluir diversos pontos de vista sobre

a investigação.

Existem várias razões para as crianças, que têm opiniões e ideias sobre múltiplas questões, não

expressarem essas opiniões aos adultos que com elas trabalham. Essas razões podem incluir falta de confiança,

timidez, baixa autoestima, experiências anteriores de não terem sido ouvidas ou sentirem que expressar as suas

opiniões é improdutivo (Shier, 2001).

Desta forma, é necessário que os adultos que trabalham com as crianças tomem medidas positivas que as

ajudem a expressar os seus pontos de vista abertamente e com confiança, e assim ultrapassar as barreiras que

possam existir para a comunicação (Shier, 2001).

O investigador ou a organização deve também ter uma gama de atividades que ajudem as crianças a

comunicar. Shier (2001) refere que devem ser considerados métodos adequados à idade das crianças para as

consultar de forma correta; estes métodos podem envolver recursos visuais, atividades artísticas, e também

questionários e entrevistas. Os investigadores devem também possuir capacidades de comunicação avançadas

para estimular as opiniões de crianças portadoras de deficiência cuja primeira linguagem seja diferente dos

restantes. No entanto, para atingir estes objetivos, pode ser necessário treino específico dos investigadores de

forma a facilitar a participação (Shier, 2001).

Os níveis mais altos de comunicação ocorrem quando a narrativa é construída com base na criatividade

colaborativa e no pensamento narrativo partilhado. Isto é, as histórias mais ricas e versáteis são normalmente

construídas de modo colaborativo (Kangas, Kultima & Ruokamo, 2016). O pensamento narrativo partilhado é

caracterizado como sendo associativo, transformativo e emocional. Quando as crianças partilham, redefinem

e desenvolvem ideias narrativas atuam não só como guias e inovadores, mas tornam-se também alvos de

imitação e aprendizagem uns dos outros.

Devido à natureza colaborativa de elaborar e refinar ideias, o pensamento narrativo compartilhado pode

ser considerado transformativo. Durante o processo colaborativo de construção de uma narrativa participativa,

as ideias dos outros não são tomadas per se; são sim construídas e melhoradas (Faulkner & Miell, 2004). Assim

sendo, o pensamento narrativo transformativo está conectado com a ideia de criatividade recíproca. As ideias

são criadas e aperfeiçoadas de tal maneira que o indivíduo seria incapaz de as conceber sozinho (Kangas,

Kultima & Ruokamo, 2016).

Kangas, Kultima e Ruokamo (2016) consideram que a idealização partilhada é baseada na imitação. A

imitação tem um papel importante na imaginação coletiva e na construção de pontos de vista comuns.

Especialmente para as crianças mais pequenas, a imitação é uma das formas de anunciar aos outros

participantes que a ideia foi aceite (Faulkner & Miell, 2004).

Também é típico destas narrativas serem criadas por associação. Kangas, Kultima e Ruokamo (2016)

referem um episódio de uma sessão lúdica que desenvolveram, na qual uma das crianças participantes desenhou

uma casa de cabeça para baixo e as restantes desenvolveram a ideia ao transformar a casa num parque de

diversões, que foi construído, de forma associada, a partir das experiências dos outros.

Kangas, Kultima e Ruokamo (2016) apresentaram um estudo intitulado Children’s creative collaboration

- a view of narrativity, cujo propósito foi desenvolver e criar espaços lúdicos e educacionais inovativos que

possuam ferramentas e capacidades para agir numa sociedade criativa e que se adequem à criança no mundo

tecnológico.

O estudo apresentou dois objetivos principais: estudar a colaboração criativa das crianças e o papel

desempenhado pela narrativa no processo de co-design; e a criação de uma base para o desenvolvimento de

um Playful Learning Environment, assim como o desenvolvimento de um quadro teórico que o enquadre. Este

Playful Learning Environment pretende encorajar as crianças a solidificar as suas próprias ideias e a construir

uma realidade, partilhando diretamente informações com os investigadores. Estes referem as seguintes

conclusões:

“Participar em sessões lúdicas de co-design é adequado para as crianças, porque

imaginar, desenhar, colorir e brincar são formas naturais de expressar as suas intenções

e desejos. Assim, o método de pesquisa segue (...) a ideia subjacente de que o aluno

funciona como um todo integrado, não só com a inclusão da mente, mas também do

corpo, das emoções e da imaginação.” (Kangas & Kultima & Ruokamo, 2011, p. 69)

O método inicia-se pela narração de frame stories — histórias introdutórias que permitem encaminhar os

ouvintes para outras narrativas — como forma de estimular a imaginação e dar liberdade para o

desenvolvimento de um espaço criativo. Com este cariz lúdico, as crianças são orientadas para pensar num

mundo sem restrições. Depois de estabelecido o caminho de cada frame story pelas crianças, estas passam à

elaboração de desenhos e à discussão de design de narrativas e dos papéis que desempenham como “jogadores”

(Figura 6). Durante as sessões, os investigadores participam através de discussões e também desenham

juntamente com as crianças, apesar destas terem o papel principal.

Figura 6: Disposição das crianças em relação ao desenho e à câmara (2011).

As diversas narrativas foram consolidadas com representações através de desenhos, de forma espontânea.

Estes desenhos funcionam como descrições das discussões e expressões do universo fictício da narrativa. Numa

das sessões foi proposto às crianças que desenhassem um tigre. Em seguida, foi-lhes perguntado se este tigre

poderia falar, mas as crianças não mostraram reações de grande interesse à questão. No entanto, os animais

tornaram-se em escorregas nos quais se poderia deslizar pela língua dos mesmos. Esta ideia formou-se em

conjunto, decidindo-se que as crianças poderiam escalar pelas costas do tigre e escorregar pela sua língua,

sendo este elemento do escorrega considerado bastante fascinante pelas crianças. Este princípio levou a

modificações como por exemplo, na transformação de vulcões (Figura 7). O elemento surpresa – a

possibilidade do tigre falar – estimulou a imaginação das crianças, criando uma ideia de proposta mais

apelativa. Existe, assim, uma combinação de facto e ficção, na qual se motiva a fuga às tendências da narrativa

convencional.

Figura 7: Playground ideal desenhado por uma das crianças (2011).

Paul: “Vou fazer um vulcão!”

Nico: “Vou fazer vulcões também!”

Paul: “Mas estes não são a sério. São vulcões a fingir!”

Nico: “Vou fazer um grande pelo menos! Tem lava por todo o lado!”

Investigador: “Porque é que há lava?”

Nico: “Hmm… Pode-se nadar aqui.”

Investigador: “Na lava?”

Nico: “Sim.”

Paul: “Então é preciso fato de banho!”

Nico: “Sim!”

Paul: “E tem de ser à prova de lava!”

Investigador: “Oh, um super fato de banho.”

Paul: “Podia haver água com cor, água vermelha.”

Investigador: “Sim, podia ser água falsa.”

Paul: “Como uma roupa vermelha para saltar em cima.”

Investigador: “Exato. Assim as tuas roupas não se molham e a lava não te queima.”

Paul: “Assim podíamos escalar um vulcão! …Que sítio tão estranho para escalar!”

Excerto de Children’s creative collaboration - a view of narrativity (Kangas & Kultima & Ruokamo, 2011)

Neste excerto podemos verificar como as crianças diferenciam realidade e fantasia, facto e ficção, mas

parecem mais fascinadas com os elementos fantasiosos. A suposição de poder nadar em lava, por exemplo,

estimulou uma narrativa mais elaborada, com descrições de mundos alternativos (Figura 7). A conjugação de

facto e ficção torna a visão da realidade numa espécie de teste de possíveis mundos através de juízos

consciencializados.

Outro exemplo pertinente é o estudo de Maria Conceição Lopes (2017), intitulado Os Bons e os Maus da

Fita: as crianças explicam, não complicam. À semelhança do projeto anterior, este estudo sublinha a

importância do adulto como estimulador das possibilidades do pensar, agir e argumentar da criança (Lopes,

2017). Partindo da base de que os filmes que visionamos, assim como qualquer outro tipo de media a que

estamos expostos, nos influenciam e produzem efeitos dos nossos comportamentos na sociedade (Potter, 2013),

este projeto definiu-se como uma proposta de realização de filmes de animação 2D por parte de crianças do 5º

ano do Ensino Básico. Assenta, novamente, numa metodologia lúdica e participativa, na qual a criança

desempenha o papel principal. Neste caso, numa primeira fase, o papel do adulto é de assessoria às crianças

nas suas ações individuais ou de grupo e só mais tarde se torna colaborador (Lopes, 2017).

Depois de uma primeira fase de apresentação e diálogo com os investigadores, as crianças definiram os

seus “Bons” e “Maus” preferidos, o que lhes permitiu, em seguida, pensar e desenhar as suas próprias

personagens. Neste caso, a criança criou e desenhou ela própria todos os elementos da narrativa: heróis (Figura

8), vilões (Figura 9), cenários e história.

Figura 8: O “Bom” da Fita (2017); Figura 9: O “Mau” da Fita (2017).

Pretendeu-se compreender as preferências do público: “Para ti, quais são os heróis e os vilões que

convivem nos filmes da tua preferência? Qual a razão dessas preferências? Quais são os atributos que um herói

pode ter? Quais são os valores que um vilão pode ter?” (Lopes, 2017). As representações que surgiram dos

heróis e vilões estão intimamente ligadas às perceções dos media existentes e das próprias vivências e relações

experienciadas pelas crianças.

Em seguida, já com o auxílio dos desenhos realizados anteriormente como base da narrativa visual, as

crianças escreveram as suas histórias (Fitas). Ao contrário do exemplo anterior, a criação foi seccionada: em

primeiro lugar as crianças contactaram com os elementos verbais e em seguida com os visuais (desenhos).

Escreveram em sequência as histórias baseadas nos elementos que lhes tinham sido fornecidos (Figura 10).

No entanto, não foi possível por questões de tempo as crianças trabalharem diretamente na animação,

apesar de terem construído o guião e o storyboard

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.

Figura 10: Construção de cena de “O Rapto do Presidente” (2017).

A autora refere que o estudo demonstrou que as crianças revelam práticas e pensamentos com níveis

elevados de literacia mediática, bem como a habilidade de argumentar sobre autoria e receção (Lopes, 2017).

Desta forma, é um estudo que vem, também, realçar o sentido crítico das crianças e as suas capacidades para

realizar narrativas, principalmente através de métodos participativos lúdicos.

Binder e Kotsopoulos (2011) desenvolveram um estudo que examina de que forma as crianças elaboram

narrativas visuais participativas através de métodos de construção multimodo. O estudo contou com a

participação de um grupo de doze crianças de idade pré-escolar. No decorrer de nove semanas, as

investigadoras trabalharam com as crianças durante duas horas por semana, com o objetivo de construir com

as crianças quadrados de tecido que no todo formaram uma manta de retalhos. O conteúdo destes quadrados

centrou-se na elaboração de narrativas visuais com base em artefactos pessoais das crianças.

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Storyboard é uma sequência de desenhos, tipicamente acompanhados de algumas direções e diálogos,

que representam os planos e enquadramentos pensados para uma produção em vídeo (Oxford Dictionary,

2019).

Nas primeiras sessões foi utilizado um livro de ilustrações para apresentar às crianças histórias contadas

através de mantas de retalhos, refletindo o seu potencial artístico e criativo. Este objeto estimulou a troca de

diálogos entre crianças e investigadoras sobre as atividades seguintes, fazendo a conexão para a fase seguinte

do processo: planear os seus retalhos. Os conceitos empregados para desenvolver os retalhos foram os motivos

de “serem especiais”, os seus artefactos importantes e poesia autobiográfica.

A elaboração dos retalhos envolveu o uso dos artefactos das crianças que estas trouxeram para as

atividades. Antes de construir o retalho final, as crianças planificaram a sua composição através do desenho,

com o auxílio dos seus artefactos pessoais (Figura 11). Só depois da criação de imagens é que surgiu a escrita

dos poemas. Através do tema “porque é que sou especial?” as crianças incluíram aspetos do seu quotidiano,

como os seus brinquedos preferidos, os seus familiares, os seus amigos ou os seus animais de estimação, bem

como as suas características de personalidade que as tornam únicas através de diferentes métodos como o

desenho, a escrita e a colagem (Figura 12). O conceito de representação simbólica foi uma preocupação inicial

para algumas das crianças. Por exemplo, questões de como desenhar a “mãe” ou o “animal de estimação” no

retalho passaram de um foco literal para um foco de interpretação. Deste modo, as crianças compreenderam

que era o processo de representação que estavam a procurar dominar e não a conceção adulta do que constitui

um símbolo adequado.

Figura 12: Pintura e artefactos pessoais (2011).

Depois de passar as suas ideias para os retalhos e montar a manta (Figura 13), foi elaborada uma instalação

com o objeto e, de seguida, foi realizada uma sessão de leitura dos poemas de cada criança.

Durante o desenvolvimento do processo, as investigadoras notaram uma mudança clara da perspetiva

individual para a perspetiva de grupo. No início do projeto, as crianças estavam concentradas nos seus

elementos individuais: os artefactos pessoais que iriam representar no seu retalho. À medida que as crianças

passaram pelas diferentes atividades, ocorreu uma mudança: a manta de retalhos tornou-se no objetivo

principal.

Figura 13: A manta de retalhos completa (2011).

Reparou-se numa maior interação entre todas as crianças, que não se limitou apenas a amigos a trabalharem

juntos, por exemplo. O sentido de comunidade tornou-se evidente à medida que as crianças interagiram na

criação dos seus desenhos, poemas e retalhos. Foi também observado que, a certa altura durante o processo, as

crianças se focaram nos trabalhos dos seus pares, ao invés de colocar sempre o seu próprio trabalho em primeiro

lugar. Esta reciprocidade de preocupação e zelo redefiniu as qualidades sociais e interacionais do contexto de

aprendizagem.

A mudança foi evidente pela primeira vez durante uma sessão de pintura na qual as crianças

experimentaram embeber tecidos em tintas de forma a criar diferentes bases para os seus retalhos. Este trabalho

foi desenvolvido no chão, o que provocou um diferente tipo de fisicalidade comparado a sentar a uma mesa.

Esta fisicalidade deu espaço à troca de conceitos e ideias. A partilha de tintas fez crescer as suas relações, e as

crianças mostraram um interesse genuíno nos trabalhos uns dos outros através do uso das cores. As

investigadoras relatam ter ouvido exclamações como “Olhem, fiz cor-de-laranja!” ou “Olhem para todas as

cores que eu fiz!” na criação de um ambiente de alegria e satisfação. Apesar da atividade ter sido planeada por

adultos, foram as crianças que tomaram controlo da experiência e a trouxeram para um patamar mais elevado

de colaboração e comunidade (Binder & Kotsopoulos, 2011).

As investigadoras relatam também uma transformação marcante que observaram numa das crianças. A sua

jornada identitária iniciou-se pela validação do motivo que a tornava especial. A criança viu-se a si própria

como um super-herói cuja missão era “ajudar a mãe e o pai”, o que a tornava feliz (Figura 14). Ao longo das

várias semanas, tornou-se evidente que esta criança se sentia angustiada sobre a suas capacidades de desenhar,

pintar e até de conceber um retalho. As suas representações iniciais eram frequentemente executadas de forma

apressada.

Figura 14: Desenho da criança como super-herói (2011).

O momento mais decisivo no projeto para esta criança foi quando estava a tentar desenhar as coisas que

considerava mais importantes para si. Uma das investigadoras decidiu sentar-se com a criança enquanto esta

desenhava. Esta começou por desenhar um carro; após um diálogo com a investigadora, a criança decidiu que

o carro precisava de rodas, janelas e portas. Houve também uma discussão sobre os artefactos da criança, e por

que razão estes eram importantes para ela. De seguida, a criança quis desenhar um cão de peluche, mas acabou

por dizer à investigadora que não sabia desenhar.

A investigadora falou assim de como imaginar os objetos como formas básicas pode ajudar a desenhá-los.

A criança referiu então que o corpo do brinquedo era “como uma pista de corrida”; de seguida, conclui que

esta se tratava de uma forma oval. Através deste processo, a criança determinou a forma de vários elementos

como a cabeça, as orelhas e os olhos. Também considerou que seria importante mostrar as quatro patas do

brinquedo, visto que os cães não se conseguem manter em pé sobre duas patas. Depois de algum tempo com a

investigadora, este processo foi autodirigido pela criança. Esta troca de ideias com a investigadora validou o

processo de desenho da criança. Esta mudança continuou na planificação e elaboração do retalho (Figura 15).

Após esta experiência, a criança passou a desenhar mais frequentemente, e as outras crianças começaram a

pedir-lhe que lhes desenhasse carros ou cães. Esta experiência ajudou a criança a desenvolver processos

criativos e de making meaning, bem como a ter mais confiança nas suas capacidades.

Figura 15: O retalho da criança (2011).

Este estudo torna evidente como o uso de métodos narrativos multimodo pode ajudar as crianças na