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ANIMAÇÃO E INFÂNCIA PARTICIPAÇÃO DO PÚBLICO INFANTOJUVENIL NA CONSTRUÇÃO DE NARRATIVAS PARA A ANIMAÇÃO

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ANIMAÇÃO E INFÂNCIA

PARTICIPAÇÃO DO PÚBLICO INFANTOJUVENIL NA CONSTRUÇÃO DE NARRATIVAS PARA A ANIMAÇÃO

Sara Barbosa Bairinhas

Orientador

Professora Doutora Ana Lúcia Pinto

Coorientador

Professora Doutora Sara Pereira

Projeto apresentado

ao Instituto Politécnico do Cávado e do Ave

para obtenção do Grau de Mestre em Ilustração e Animação

junho, 2020

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ANIMAÇÃO E INFÂNCIA

PARTICIPAÇÃO DO PÚBLICO INFANTOJUVENIL NA CONSTRUÇÃO DE NARRATIVAS PARA A ANIMAÇÃO

Sara Barbosa Bairinhas

Orientador

Professora Doutora Ana Lúcia Pinto

Coorientador

Professora Doutora Sara Pereira

Projeto apresentado

ao Instituto Politécnico do Cávado e do Ave

para obtenção do Grau de Mestre em Ilustração e Animação

junho, 2020

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DECLARAÇÃO

Nome: Sara Barbosa Bairinhas

Endereço eletrónico: sarabairinhas@gmail.com Título do Projeto: Animação e Infância

Subtítulo do Projeto: Participação do Público Infantojuvenil na Construção de Narrativas para a Animação Orientador: Professora Doutora Ana Lúcia Pinto

Coorientador: Professora Doutora Sara Pereira Ano de conclusão: 2020

Designação do Curso de Mestrado: Mestrado em Ilustração e Animação

Nos exemplares das Dissertações /Projetos/ Relatórios de Estágio de mestrado ou de outros trabalhos entregues para prestação de Provas Públicas, e dos quais é obrigatoriamente enviado exemplares para depósito legal, deve constar uma das seguintes declarações:

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA DISSERTAÇÃO/TRABALHO

APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE;

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO PARCIAL DESTA DISSERTAÇÃO/TRABALHO (indicar, caso tal seja necessário, nº máximo de páginas, ilustrações, gráficos, etc.), APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE;

DE ACORDO COM A LEGISLAÇÃO EM VIGOR, NÃO É PERMITIDA A REPRODUÇÃO DE QUALQUER PARTE DESTA DISSERTAÇÃO/TRABALHO

Instituto Politécnico do Cávado e do Ave,08/06/2020

Assinatura:

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ANIMAÇÃO E INFÂNCIA

PARTICIPAÇÃO DO PÚBLICO INFANTOJUVENIL NA CONSTRUÇÃO DE NARRATIVAS PARA A ANIMAÇÃO

RESUMO

As contribuições das audiências mais jovens na criação dos seus próprios conteúdos mediáticos permitem que as suas vozes sejam ouvidas e as suas opiniões tidas em conta. De forma a compreender o potencial criativo das crianças, é indispensável ter em consideração a natureza multimodo dos seus processos de criação, uma vez que englobam uma variedade de campos e estratégias como o desenho, a escrita, a dramatização, a oralidade e a música. As crianças têm sido tratadas como “proto-pessoas” e os seus pensamentos, experiências, capacidades e conhecimentos são muitas vezes ignorados – só se tornarão válidas quando atingirem a idade adulta. Por este motivo, tem sido um dos principais objetivos da sociologia da infância dar um lugar de destaque às crianças através da participação, de modo a que as suas perspetivas sejam valorizadas.

Gosma! é um projeto teórico-prático cujo objetivo principal é desenvolver uma curta metragem de animação, acompanhada de uma antologia de banda-desenhada, num trabalho de grupo de cinco elementos. A construção da narrativa desta curta metragem envolveu a colaboração de crianças entre os 8 e os 12 anos, que participaram numa série de sessões de atividades em escolas, nas quais foram empregues estratégias interativas.

Deste modo, este relatório pretende apresentar os métodos participativos e lúdicos utilizados neste projeto, referenciando outros casos semelhantes de investigação com crianças. É também indispensável refletir sobre o impacto que estas metodologias tiveram não só na construção do guião da curta metragem Gosma!, mas também no amadurecimento das capacidades cognitivas, criativas e sociais e no crescimento do pensamento narrativo das crianças.

Palavras-chave: Infância, animação, narrativa, ludicidade, métodos participativos.

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ANIMATION AND CHILDHOOD

PARTICIPATION OF CHILDREN IN THE CREATION OF NARRATIVES FOR ANIMATION

ABSTRACT

The contributions of younger audiences in the creation of their own media contents allows their voices to be heard and their opinions to be taken into account. In order to understand the creative potential of children, it is mandatory to consider the multimodal nature of their creative processes, as it encompasses a variety of fields and strategies such as drawing, writing, role play, speech and music. Children have been treated as

“proto-people” and their thoughts, experiences, skills and knowledge are often overlooked – they will become valid only when reaching adulthood. For this reason, one of the main objectives of Sociology of Childhood has been to give children prominent place through participation, so that their perspectives are valued.

Gosma! is a theoretical-practical project that aims to develop an animated short film, complemented with a comics anthology, in a group work of five elements. The animation’s narrative involved the collaboration of children aged 8-12, who participated in a series of activities during school sessions, using interactive strategies.

Thus, this report intends to present the participative and playful methods used in this project, addressing also other similar cases of investigation with children. It is also necessary to think about the impact that these methodologies had, not only in the making of the script for Gosma!, but also on the development of cognitive, creative and social skills and the growth of children’s narrative thinking.

Keywords: Childhood, animation, narrative, ludic strategies, participative methods.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a todas as pessoas que de alguma forma apoiaram o desenvolvimento deste projeto, pelo que não seria possível concluí-lo sem os seus contributos.

Em primeiro lugar, agradeço às minhas colegas e amigas Adriana Bica, Lina Dantas, Sara Costa e Sara Covelo por todo o esforço, dedicação, empenho e entusiasmo durante toda a jornada que percorremos juntas, de forma a concretizar este projeto.

Agradeço à Professora Doutora Ana Lúcia Pinto e à Professora Doutora Sara Pereira pela sua paciência, compreensão, apoio e disponibilidade, por partilharem o seu conhecimento e ideias, pelas suas críticas e considerações, e por toda a ajuda providenciada face aos dilemas que surgiram ao longo deste projeto. Agradeço também à Professora Doutora Paula Tavares, ao Professor Doutor Pedro Mota Teixeira, ao Professor Doutor Manuel Albino e ao Mestre Jorge Marques pelas mais sinceras opiniões e auxílio nos diversos problemas que enfrentámos.

Agradeço aos meus pais e ao meu irmão José Pedro por todo o apoio e incentivo, que me encorajaram e motivaram nos momentos mais difíceis deste percurso, pelo que sem eles seria impossível completar esta etapa da minha vida.

Agradeço a todos os meus amigos que me incentivaram e apoiaram e, apesar de muitos deles estarem distantes, se mantiveram sempre presentes. Agradeço especialmente à Mariana, ao João e à Fátima. Agradeço também aos meus colegas de turma por todo o interesse e partilha de ideias que contribuíram de alguma forma na realização deste projeto.

Por último, gostaria de agradecer especialmente às crianças, professores e escolas

que participaram na investigação deste projeto, enriquecendo-o de forma notável.

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ÍNDICE

RESUMO ... II ABSTRACT ... IV AGRADECIMENTOS ... VI ÍNDICE ... VIII ÍNDICE DE FIGURAS ... X

INTRODUÇÃO ... 1

1.STORYTELLING: FERRAMENTA DE CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA ... 3

1.1 INTRODUÇÃO ... 3

1.2IMPORTÂNCIA SOCIAL E PESSOAL ... 5

1.3PROCESSOS PEDAGÓGICOS ORGANIZADOS PELA NARRATIVA ... 8

2.A IMPORTÂNCIA DA NARRATIVA NA INFÂNCIA... 11

2.1 A SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA ... 12

2.2 INVESTIGAÇÃO NA INFÂNCIA – A PARTICIPAÇÃO ... 17

2.3 CARACTERÍSTICAS DA NARRATIVA PARA CRIANÇAS ... 25

2.4 PROCESSOS CRIATIVOS DA CRIANÇA ... 27

3.NARRATIVAS PARTICIPATIVAS COM CRIANÇAS – O PÚBLICO PARTICIPATIVO 35 3.1 POTENCIALIDADES DE NARRATIVAS PARTICIPATIVAS ... 36

3.2 UTILIZAÇÃO DE MÉTODOS PARTICIPATIVOS E LÚDICOS... 39

4.AS CONTRIBUIÇÕES DAS CRIANÇAS – PESQUISA DE CAMPO ... 53

4.1 INTENÇÕES NARRATIVAS ... 53

4.2 DINÂMICA DE GRUPO ... 56

4.3 CONCEÇÃO DE MATERIAIS E PLANEAMENTO DAS ATIVIDADES ... 57

4.4 AS SESSÕES ... 64

4.4.1 CARACTERIZAÇÃO DAS TURMAS ...64

4.4.2 ATIVIDADES ...64

4.4.2.1 Primeira Sessão ...64

4.4.2.2 Segunda Sessão ...75

4.4.3 RESULTADOS E FEEDBACK ...79

5.PROJETO PRÁTICO – APLICAÇÃO DE RESULTADOS ... 83

5.1 ANÁLISE DE DADOS ... 83

5.2 TRABALHO APÓS AS SESSÕES ... 85

5.3 RESULTADOS NA NARRATIVA DA ANIMAÇÃO ... 90

5.4 RESULTADOS NA BANDA-DESENHADA ... 92

5.5 DESENVOLVIMENTOS FUTUROS ... 96

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 97

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 99

WEBGRAFIA ... 107

ANEXOS ... 109

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ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1: The Ladder of Participation por Roger Hart (1992). ... 21

Figura 2: Ilustração de The Tale of Peter Rabbit, por Beatrix Potter (1902)……….………27

Figura 3: Ilustração de The Wind in the Willows, por E. H. Shepard (1931). ... 27

Figura 4: Desenhos de quatro lanternas diferentes do inventário (2008). ... 33

Figura 5: Demonstração de como funciona o sistema on/off (2008). ... 34

Figura 6: Disposição das crianças em relação ao desenho e à câmara (2011). ... 43

Figura 7: Playground ideal desenhado por uma das crianças (2011). ... 44

Figura 8: O “Bom” da Fita (2017)………45

Figura 9: O “Mau” da Fita (2017). ... 45

Figura 10: Construção de cena de “O Rapto do Presidente” (2017). ... 46

Figura 11: Desenho de uma das crianças: “Porque é que sou especial?” (2011). ... 47

Figura 12: Pintura e artefactos pessoais (2011). ... 48

Figura 13: A manta de retalhos completa (2011). ... 49

Figura 14: Desenho da criança como super-herói (2011). ... 50

Figura 15: O retalho da criança (2011). ... 51

Figura 16: Line up das personagens (2018). ... 54

Figura 17: Desenvolvimento de storyboard (2018). ... 55

Figura 18: Sessão de brainstorming (2018). ... 57

Figura 19: Informações sobre as personagens (2018). ... 58

Figura 20: Folha de Silhueta (2018). ... 58

Figura 21: Cenário por Sara Covelo (2018)………..59

Figura 22: Cenário por Adriana Bica (2018)……….……….59

Figura 23: Cenário por Lina Dantas (2018)………...………...59

Figura 24: Cenário por Sara Bairinhas (2018)……….……….………59

Figura 25: Cenário por Sara Costa (2018) ... 60

Figura 26: Frames do animatic (2018). ... 60

Figura 27: Tabuleiro de jogo / mapa da floresta (2018). ... 61

Figura 28: Abas e respetivos símbolos (2018). ... 62

Figura 29: Cartas do jogo (2018)………63

Figura 30: Cogumelos (2018). ... 63

Figura 31: Aprés la Pluie (2008)……….67

Figura 32: Kagemono (2012)……….……….67

Figura 33: Tsunami (2015)……….……….………67

Figura 34: Afternoon Class (2014). ... 67

Figura 35: Exemplos de cadáveres esquisitos elaborados pelas investigadoras (2018). ... 68

Figura 36: Amostra de cadáveres esquisitos elaborados pelas crianças (2018). ... 69

Figura 37: Elaboração de cadáveres esquisitos e design de personagens (2018). ... 70

Figura 38: Design de personagens pelas crianças (2018). ... 73

Figura 39: O jogo de tabuleiro posto em ação. Uma das crianças está “infetada” (2018). ... 75

Figura 40: As grutas no tabuleiro de jogo (2018). ... 78

Figura 41: Esboço do mapa (2018). ... 85

Figura 42: Produção de storyboard (2018). ... 86

Figura 43: Colorscript (2018). ... 87

Figura 44: Amostra de adereços de cenários por Adriana Bica, Sara Covelo e Sara Costa (2018). ... 88

Figura 45: Exemplos de layouts por Lina Dantas e Sara Covelo (2018). ... 88

Figura 46: Exemplos de cenários por Sara Costa, Lina Dantas e Adriana Bica (2018). ... 90

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Figura 47: Design de Mafalda por Sara Bairinhas (2019)………...………93

Figura 48: Design de Beatriz por Adriana Bica (2019). ... 93

Figura 49: Dupla página de “Do outro lado” por Lina Dantas (2019). ... 93

Figura 50: Página de “A última demanda XVII: a torre sombria” por Sara Covelo (2019). ... 94

Figura 51: Design da versão RPG de Neves por Sara Covelo e design de Neves por uma das crianças (2019). .... 95

Figura 52: Dupla página de “E o motorista?” por Sara Costa (2019). ... 96

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INTRODUÇÃO

As crianças são dos grupos sociais mais suscetíveis às influências dos media. Segundo Lopes (2017), a relação que as crianças têm com conteúdos mediáticos está equiparada com a relação que estas têm com jogos ou brinquedos. Ficam deste modo especialmente expostas a estes conteúdos, principalmente aqueles que lhes são particularmente dirigidos (Lopes, 2017). A animação é um dos tipos de media que têm mais influência no público infantil.

Assim sendo, é importante considerar o conteúdo da animação infantil, uma vez que as crianças têm uma maior tendência a absorver e assimilar o que lhes é apresentado. Apesar das crianças serem grande parte da audiência do cinema de animação, raramente lhes são dadas oportunidades de contribuir na sua produção.

Deste modo, a componente teórica deste projeto incidiu sobre a investigação do universo criativo da criança e de que modo esta pode contribuir na construção de uma narrativa de animação, dirigida à sua faixa etária.

Quanto à parte prática do projeto, pretendeu-se desenvolver uma curta metragem de animação intitulada Gosma!, num trabalho de grupo de cinco elementos – Adriana Bica, Lina Dantas, Sara Bairinhas, Sara Costa e Sara Covelo. Gosma! é uma animação 2D com cerca de dez minutos, dirigida ao público infantojuvenil, que contou com a participação de crianças dos 8 aos 12 anos na construção da sua narrativa. A história centra-se num grupo de cinco crianças que se perde numa floresta fantástica e precisa de encontrar a saída.

O projeto conta ainda com a elaboração de uma compilação de bandas-desenhadas realizadas individualmente por cada uma das autoras, sendo que cada capítulo tem cerca de dez páginas. O objetivo desta compilação foi cada autora explorar o universo narrativo com uma linguagem mais autoral, ao contrário do que acontece na animação, onde se procurou encontrar uma linguagem visual homogénea.

Uma vez que se pretendeu trabalhar no universo infantojuvenil, foi imprescindível, numa primeira fase, estudar casos de investigação em que se verifica a participação de crianças, bem como a análise de processos criativos que utilizem estratégias participativas similares às deste projeto.

Para completar esta pesquisa, foram desenvolvidas sessões de atividades em três escolas diferentes, utilizando estratégias de construção narrativa através de uma dinâmica participativa e lúdica. Foi necessário definir algumas âncoras visuais e verbais e as principais intenções narrativas para realizar estas sessões com sucesso. Os resultados das sessões foram posteriormente analisados, retirando-se as contribuições pertinentes para a narrativa final da animação.

Este relatório encontra-se organizado em cinco capítulos. O primeiro procura introduzir as noções de

narrativa e storytelling, explicando de que forma construímos significado, identidade e comunidade através do

ato de contar histórias. O segundo foca-se na importância que a narrativa tem para as crianças, procurando

também compreender os direitos da infância, tendo em especial atenção o direito à participação e de que modo

este deve ser posto em prática na investigação com crianças. No terceiro capítulo abordamos o conceito de

narrativa participativa, demonstrando através de casos de estudo a sua natureza multimodo. Este capítulo

apresenta também metodologias para criar narrativas participativas com a colaboração de crianças. O quarto

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capítulo descreve a pesquisa de campo realizada com crianças em escolas públicas, na qual se utilizaram os métodos colaborativos anteriormente mencionados. Por último, o quinto capítulo documenta os resultados desta pesquisa, e mostra de que forma os contributos das crianças foram incorporados na animação e bandas- desenhadas desenvolvidas.

Uma parte desta investigação, correspondente ao capítulo V, foi apresentada na sexta edição da

International Conference on Ilustration and Animation – CONFIA, em 2018. Este capítulo foi apresentado

como um artigo, intitulado “Animation and Childhood: Participation of Children in the Creation of Narratives

for Animation”.

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1. STORYTELLING: FERRAMENTA DE CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA

“As narrativas são fundamentais para as nossas vidas. Sonhamos, planeamos, reclamamos, apoiamos, entretemos, ensinamos, aprendemos e relembramos através do contar de histórias. Estas oferecem esperança, enfatizam ou atenuam a desilusão, desafiam ou apoiam a ordem moral, e testam teorias universais tanto a nível pessoal como comunitário.” (Schiffrin, De Fina & Nylund, 2010, p. 1)

Com o vasto espetro de significados e ideias que a narrativa engloba, não é surpreendente que esta seja objeto de estudo de uma longa lista de disciplinas; literatura, linguística, folclore, psicologia clínica, ensino, antropologia e sociologia são apenas alguns dos campos nos quais investigadores têm encarado a narrativa como uma valiosa ferramenta de pesquisa e análise. Na atualidade, a narrativa ocupa um lugar de destaque na imaginação pública (Schiffrin, De Fina & Nylung, 2010) e providencia modos de categorizar cada vez mais práticas sociais.

Neste capítulo pretende-se averiguar de que modo a narrativa contribui para experiências de crescimento e construção pessoal de cada indivíduo e, consequentemente, os resultados que estas experiências têm na sociedade.

1.1 INTRODUÇÃO

A narrativa é, indubitavelmente, uma das mais importantes formas de discurso do quotidiano. Através de narrativas é possível dar sentido às nossas experiências, bem como partilhá-las com os outros. Um dos principais fatores a ter em conta quando falamos de narrativa – seja esta de conteúdo real ou fictício – é a sua ligação inerente à perspetiva, pois os mesmos eventos ou experiências podem ser apresentados de mais de uma forma dependendo do contexto, da audiência e das intenções do narrador. No entanto, no ato de narrar uma história, existe uma ordem de eventos que define o objetivo que motivou o contar da história e lhe concede sentido e forma (Bruner, 1990; Labov & Waletzky, 1967).

Podemos definir a narrativa como a apresentação, através de linguagens, de uma sequência temporal de

acontecimentos reais ou ficcionais, elaborada em torno de um tema e motivada por estados cognitivos e afetivos

dos sujeitos envolvidos. Deste modo, uma narrativa bem estruturada tem tanto uma função referencial

desempenhada por disposições de tipo plot-forwarding (ou seja, de desenvolvimento do enredo) – informando

sobre o quem, onde e quando da ação – como também uma função avaliativa que expressa a intenção por detrás

das ações (Laboy & Waletzky, 1967). Estas correspondem, respetivamente, ao que Bruner (1986) denomina

de “plano de ação” e “plano de consciência”. Em acréscimo, uma boa narrativa baseia-se também no uso de

formas linguísticas apropriadas para assim conseguir um relato coeso (Halliday & Hasan, 1976). Estes recursos

linguísticos vão desde morfemas gramaticais e itens lexicais a estruturas sintáticas complexas, sendo algumas

das funções textuais a temporalidade, a referenciação e a perspetiva (Aksu-Koç & Akton, 2018). Outra

característica de uma narrativa competente é a sua qualidade comunicativa, que se relaciona com a forma como

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é estruturada e expressa, para assim garantir a compreensão e processamento por parte da audiência (Johnston, 2008).

Para nos tornarmos narradores eficientes, devemos ter em conta três tipos de capacidades. A primeira é o conhecimento de dois tipos de esquemas mentais: scripts (guião) e story schemas (esquemas de história).

Segundo Nelson (1996), scripts são representações generalizadas que incorporam o conhecimento de certos eventos que acontecem em contextos específicos. Por outro lado, os story schemas são representações cognitivas de ligações temporais que constituem a estrutura da ação e as motivações que lhes conferem significado, estabelecem a macroestrutura da narrativa (Mandler, 1987). Enquanto que scripts são construídos através de experiências quotidianas e fornecem conteúdo para a narrativa, o desenvolvimento de story schemas baseia-se, por exemplo, em diálogos sobre eventos passados, contar de histórias ou interpretações de livros (Schick & Melzi, 2010).

O segundo tipo de capacidade diz respeito ao conhecimento linguístico que envolve o uso da capacidade gramatical para proporcionar ao ouvinte um discurso coeso e compreensível (Bamberg, 1987). Por volta dos três anos de idade, o ser humano já desenvolveu as estruturas gramaticais básicas para a comunicação; a partir desse ponto, dá-se a aprendizagem das relações função-forma de uma narrativa, que implica o desenvolvimento de recursos linguísticos que conectem eventos e os sintetizem em estruturas coerentes – ou seja, em cenas, em episódios ou, de uma forma geral, num enredo (Berman & Slobin, 1994).

O terceiro tipo de conhecimento é o pragmatismo. De modo a assegurar que a comunicação seja feita de forma correta e clara, o narrador deve decidir o conteúdo e o foco do que contar dependendo de quem constitui a audiência e suas respetivas expetativas e pressupostos, para assim estruturar a informação adequadamente e utilizar as formas linguísticas mais apropriadas (Hickmann, 2003). Todas estas características requerem não só o uso de perspetiva, mas também o uso de recursos da memória (Arnold & Griffin, 2007).

Em suma, a competência narrativa requer a integração de certos níveis de coerência conceptual, níveis linguísticos e níveis pragmáticos que resultem na adequação social, interacional e comunicacional.

Apesar destas competências, Bruner (2010) considera que a capacidade narrativa é inerente ao próprio ser humano, pois o domínio do contar de histórias não é dependente da aprendizagem, mas sim da sujeição a elementos da narrativa:

“Já alguma vez alguém achou necessário ensinar a uma criança o que é uma história e como compreendê-la? É claro, isto não significa que as crianças não se tornem melhores contadoras de histórias com a exposição. Os Andre Gides e os Thomas Manns deste mundo podem nascer ao invés de serem feitos, mas tal não significa que não tenham nada para aprender – tanto nas suas formas de dar sentido ao mundo como nos seus modos de as contar.” (Bruner, 2010, p. 45).

Vários investigadores consideram que os conceitos de narrativa e storytelling podem ser utilizados

interpoladamente. Tal deve-se ao facto de o storytelling ser o objeto de estudo da narrativa, seja este verbal,

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escrito ou visual. Uma metodologia para desconstruir a narrativa (Sunwolf, 2001) é dividi-la por questões: o conteúdo e linguagem da história (forma); a motivação para contar a história (porquê); métodos de contar a história (como); o impacto da história (efeitos). Sunwolf (2001) defende que o papel do público deve ser ativo na criação de storytelling, o que obriga a ter em conta de que forma a narrativa se torna num trabalho colaborativo entre quem conta narrativas (sejam elas verbais, visuais ou escritas) e quem as recebe. A prevalência da narrativa na cultura coloca-nos numa posição em que nos são imprescindíveis processos cognitivos que são organizados através de métodos narrativos. Assim sendo, a inteligência narrativa – a habilidade de organizar experiências humanas em formas narrativas – é essencial para a perceção e compreensão de uma variedade de experiências, desde o entretenimento à educação (Riedl & Bulitko, 2013).

1.2 IMPORTÂNCIA SOCIAL E PESSOAL

“Fico fascinado como a narrativa, a história, é capaz de dar forma à nossa experiência imediata, e até de influenciar profundamente as nossas conceções do que é real, do que deve ser real. De facto, estamos a começar a compreender como as culturas confiam nas convenções narrativas para manter coerência e para formar os seus membros de acordo com os seus requerimentos. Certamente, as histórias comuns e os géneros narrativos proporcionam uma forma ponderosa de as culturas transmitirem as suas normas às gerações que lhes sucedem. A narrativa é um assunto sério.” (Bruner, 2010, p. 45)

A narrativa funciona como um veículo para vários fins. Não só modela os nossos métodos de comunicar com os outros e de experienciarmos o mundo, mas dá também forma ao que imaginamos, tornando o irreal de certo modo “possível”.

Para Ricoeur (1983) a narrativa não é apenas uma forma de construir literatura realista, mas também uma forma de conhecer o mundo de uma forma metafórica. Utilizando a questão de como o ser o humano “conhece”

o tempo, Ricoeur afirma: “Vejo através dos enredos que inventamos os meios privilegiados pelos quais reconfiguramos a nossa experiência temporal, confusa, sem forma e com um limite mudo. ‘O que é então o tempo?’ pergunta Augustine. ‘Eu sei bem o que é, desde que ninguém me pergunte; mas se me perguntarem o que é e eu tentar explicar, deixa-me desconcertado.’” (Ricoeur, 1983, p. 11). A narrativa permite assim que o ser humano reestruture o seu próprio espaço e tempo.

As narrativas fornecem-nos métodos de saber e relembrar experiências, o que nos faz vivenciar acontecimentos através de storytelling. É também uma forma que nos permite ligar episódios de vida isolados.

Segundo Sarbin (1986) o ser humano pensa, perceciona, imagina e constrói juízos morais através de estruturas

narrativas. O estudo da narrativa é ele próprio storytelling, uma vez que recai sobre múltiplas audiências e é

contado e recontado através de inúmeras perspetivas. Os nossos planos do dia a dia, recordações e até

sentimentos são guiados por narrativas:

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“A sobrevivência num mundo de significado seria problemática com a ausência da habilidade de criar e interpretar histórias sobre vidas entrelaçadas. Desde o terreno conceptual da teoria da comunicação ao domínio ético da filosofia moral, desde procedimento de pesquisa na antropologia, na sociologia e na linguística a determinadas práticas pragmáticas da saúde, educação e jurisprudência, a narrativa é, ao mesmo tempo, uma forma de ver o mundo, uma área de estudo, uma metodologia e um modo corporativo de existir no mundo.” (Sunwolf, 2001, p. 119)

Segundo Bruner (1986), a narrativa pode ser vista como um método de organização dos princípios do comportamento humano, fazendo de nós, intrinsecamente, seres narrativos. As pessoas utilizam histórias tanto para organizar a suas próprias vivências como para as partilhar com os outros. Polkinghorne (1988) limita o conceito de narrativa para o tipo de esquema que é utilizado no formato de história, incluindo ambos os processos cognitivos de fazer uma história, assim como o resultado desta prática.

O ato de contar histórias atua como uma forma de interligar pessoas, uma forma de conhecer o mundo, bem como uma maneira de relembrar o passado e visionar o futuro. Segundo Schafer (1981), storytelling é uma forma de self making

1

. Um dos primeiros padrões discursivos adquiridos na infância é a capacidade de contar narrativas pessoais que se estende ao longo da vida. Assim sendo, construir uma narrativa pessoal é um fator de importância na formação de identidade.

A ideia de identidade pode ser explorada através de histórias que contamos sobre nós próprios, tendo em conta que o individuo seleciona, estrutura e relaciona-se nos momentos apropriados. A ênfase subjacente encontra-se na reflexividade e convicção de que storytellling é um processo ativo de síntese, com o qual reapresentamos um certo aspeto ou circunstância das nossas vidas. Giddens (1991) considera que o “eu” e a autorreflexão estão entrelaçados, pelo que a definição de identidade não passa apenas pelas características de personalidade, mas principalmente pela habilidade de conceber uma narrativa reflexiva do próprio.

Consequentemente, a identidade é constituída pelas várias narrativas que um indivíduo constrói relativamente ao seu “eu”, considerando variantes como o tempo e a ocasião.

Logo, os teóricos da narrativa deduzem que ao analisar histórias que as pessoas contam sobre si próprias conseguimos compreender como organizam as suas vivências de forma coerente e significativa. A narrativa identitária torna-se assim numa importante ferramenta para analisar as particularidades das relações em sociedade, pois mostra como as pessoas experienciam as suas vivências como membros de certos grupos sociais (Hyland, 2018). Este é também um aspeto bastante significativo quando falamos das relações entre indivíduos e instituições, e como resultado está ínsito nas escolhas discursivas feitas pelos membros da comunidade. Sempre que falamos, fazemo-lo de acordo com um certo tipo de “regime linguístico” (Kroskrity, 2000), o que não é apenas uma questão de consciência individual, mas principalmente uma questão de rotinas e de hábitos acumulados, adquiridos e modificados através de inúmeras repetições de interações. Bourdieu

1

Self making é o processo de formação da identidade individual (Schafer, 1981).

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(192) apelida este conceito de habitus – os padrões discursivos que tomamos como garantidos, mas com que operamos eficazmente.

Podemos então entender a narrativa como uma ferramenta de socialização e construção de identidades comunitárias. Apesar da dificuldade de definir unanimemente o conceito de comunidade, Hyland (2018) defende que o termo pode ser utilizado para denominar as práticas e discursos partilhados regularmente por um grupo particular de indivíduos. Histórias verbais contadas por famílias, professores, líderes, etc. são utilizadas para estabelecer a relação entre os ouvintes num sentido comunitário, através de uma história individual. Não só em questões educativas mas também morais, são um bom exemplo os contos que pretendem transmitir às crianças algum tipo de moralidade, incitando o público a ser honesto, generoso ou correto.

Estas experiências não constroem apenas comunidades como também indivíduos. Benwell e Stokoe (2006) afirmam que a identidade é essencialmente o método que as pessoas utilizam para mostrar quem são uns aos outros, concluindo que identidade não existe nas próprias pessoas, mas sim entre elas. É o produto da interação dos indivíduos e é criada através de relações sociais. Deste modo, pode ser então vista como a “performance”

do orador ou do escritor – a narrativa que estes utilizam, através dos textos que escrevem ou das escolhas linguísticas que fazem. Nesta perspetiva, a identidade é algo que criamos através das formas em que participamos nos nossos discursos do quotidiano. Logo, apesar de poder ser caracterizada como uma

“performance”, é algo que é reescrito por nós próprios e se sujeita a alterações. A narrativa identitária alberga assim disposições para nos comportarmos de certas formas e fazer certos tipos de discursos em certas situações do quotidiano (Hyland, 2018).

Se a narrativa é um elemento de definição de identidade, o seu contexto estende-se também para o plural do indivíduo, adotando também uma funcionalidade intrinsecamente social e cultural. Todas as culturas estão repletas de ambiguidades e cenários irresolúveis, principalmente em questões particulares do quotidiano. A vida em cultura encontra-se perpetuamente transponível ao imprevisto e improviso. Assim sendo, storytelling equipa-nos com instrumentos capazes de lidar com as ambiguidades da vida “real” e as suas múltiplas exigências (Hyland, 2018). A narrativa também nos providencia meios de ir além do culturalmente comum – até mesmo em domínios de lei e autoridade, onde invocamos o inusitado, alegando eventuais circunstâncias agravantes ou atenuantes (Bruner, 2010). Consequentemente, tal como referido anteriormente, storytelling pode ser tanto bem como mal-intencionado, mau ou bom; Bruner (2010) considera que as histórias raramente podem ser consideradas neutras. Na sua essência, acabam inevitavelmente por apontar contra ou a favor de uma causa, mesmo que subtilmente.

Naturalmente, qualquer tipo de conteúdo mediático está inerentemente ligado a acontecimentos narrativos,

podendo influenciar o desenvolvimento pessoal de cada indivíduo, sejam estas influências positivas ou

negativas. As crianças e os jovens são, de uma forma geral, o grupo mais suscetível a estas influências; por

este motivo, considera-se de extrema importância a reflexão quanto a estes conteúdos narrativos, que podem

ajudar a potencializar o crescimento pessoal do público infantojuvenil.

(24)

1.3 PROCESSOS PEDAGÓGICOS ORGANIZADOS PELA NARRATIVA

“A história é uma forma bonita de ensinar religião, valores, história, tradições e costumes; um método criativo de introduzir personagens e lugares, um meio imaginativo de incutir esperança e pensamentos engenhosos. As histórias ajudam-nos a perceber quem somos e mostram-nos quais os legados que devemos transmitir às futuras gerações.” (Schram, 1994, p. 200)

A importância da narrativa vai além das suas possibilidades de crescimento pessoal e social. Desde há muito que narrativa e storytelling são entendidos como ferramentas pedagógicas.

Os investigadores da cognição estudam o discurso narrativo por variadas razões. Primeiramente, as narrativas apresentam-se como o contexto ideal para desenvolvimentos gramaticais e lexicais, bem como para a aprendizagem da dicotomia de forma/função em crianças de idade pré-escolar e primeiro ciclo (Berman &

Slobin, 1994). Adicionalmente, a narrativa como um “modo de pensamento” universal (Bruner, 1986) desempenha um papel constitutivo no desenvolvimento cognitivo, social e emocional, assim como na memória autobiográfica. A narrativa constitui também uma base para a alfabetização e literacia, pois as experiências com histórias dão às crianças a oportunidade de descobrirem novo vocabulário e estruturas sintáticas e assim compreender linguagem descontextualizada, o que é importante para o sucesso escolar (Dickinson & Tabors, 2001).

Na educação, histórias ou narrativas têm sido utilizadas de duas diferentes formas: em primeiro como uma estratégia pedagógica e, em segundo, como um método de investigação. Como estratégia pedagógica, a narrativa permite que os próprios professores possam compreender outras perceções das suas práticas, e assim apontar novas direções para o seu desenvolvimento profissional (Wood, 2000); enquanto que como método de investigação, a narrativa questiona a sua própria “verdade”, procurando múltiplas releituras críticas advindas de uma variedade de abordagens (Johnson, 2001). No entanto, é comum que ambas estas formas se cruzem.

O storytelling como estratégia pedagógica não se trata de uma descoberta recente. Segundo Livo e Rietz (1986), o contar de histórias é uma prática tão antiga que nos é tão natural como a utilização da linguagem oral/verbal. Em sociedades aborígenes, a narrativa é uma ferramenta importante do processo educativo. É através de histórias que costumes e valores são ensinados e partilhados (Little Bear, 2000). São passadas de geração em geração e comumente utilizadas para ensinar, sendo um meio que ajuda a construir a visão que as crianças têm do mundo (Cleary & Peacock, 1998). Egan (1988) argumenta a favor da conceptualização de storytelling como aprendizagem, considerando que “a história, então, não é apenas um entretenimento casual;

reflete uma forma básica e poderosa através da qual damos sentido ao mundo e à experiência” (Egan, 1988, p. 2).

Há que ter em conta que as histórias não são apenas um meio que o ser humano utiliza para dar sentido ao

mundo que habita, mas também possibilitam mudanças a níveis sociais (Roney, 1994).

(25)

Os alunos não são os únicos influenciados por storytelling; quando a literacia narrativa está presente na formação dos próprios professores, observa-se uma maior compreensão literária, pedagógica e multicultural (Clark & Medina, 2000). Estas narrativas potenciam o desenvolvimento crítico e epistemológico do professor.

Além disso, ajudam os professores a desmontar visões estereotipadas, impedindo um discurso dominante e generalizado sobre alunos que se inserem em minorias ou que tenham diferentes contextos culturais (Clark &

Medina, 2000). A investigação narrativa na educação explora vários dos problemas nas escolas através de múltiplas perspetivas. Ao compreender as circunstâncias, eventos e conflitos através da perspetiva de outra pessoa, torna-se mais fácil identificar e implementar estratégias mais coerentes para lidar com estes problemas (Larson, 1997). Segundo vários investigadores (Barone, 2000; Cooper, 1994) é através de storytelling que professores iniciantes podem envolver-se em pedagogias transformativas. No entanto, existe uma maior dificuldade para professores de escolas públicas aderirem a este tipo de métodos, pois os recursos ao seu alcance são mais limitados (Barone, 2000).

Carter e Doyle (1996) identificam cinco estruturas baseadas em perspetivas biográficas e autobiográficas que envolvem a partilha de histórias que podem ser utilizadas em contexto pedagógico: primeiramente, o método de Currere – uma abordagem educacional descrita inicialmente por Pinar (1975), que passa pela conceção e leitura de textos autobiográficos, que permitem aos professores examinar as suas perceções e intenções; a segunda trata-se da investigação narrativa do conhecimento pessoal, de uma forma pragmática – os investigadores e participantes juntam observações, diários, conversas e outros documentos, construindo narrativas mutualmente; em terceiro, a autobiografia colaborativa – um conjunto de participantes elabora autobiografias relativas ao passado, presente e previsões futuras, procurando depois nestas autobiografias temas e padrões de forma a ligar perspetivas num relatório final; o quarto refere-se a histórias pessoais – os participantes constroem relatos pessoais por solicitação do investigador; por último, perspetivas críticas de histórias de vida – os participantes desenvolvem histórias pessoais que são depois estudadas em conjunto pelo investigador e participantes, enquadrando-as em contextos ideológicos e políticos.

Adicionalmente, Carter e Doyle (1996) referem que ensinar é um ato profundamente pessoal e que aprender a ensinar se trata de um processo de negociação. Dominar a prática de ensinar, dizem os mesmos autores, leva bastante tempo.

Ao solicitar aos participantes que leiam, editem e, de uma forma geral, colaborem na construção das suas próprias histórias pessoais, o investigador procura trazer as experiências e vivências dos participantes para o presente. Em última instância, é este tipo de procedimentos e discursos que potenciam a capacidade de a narrativa suceder. Segundo Larson (1997) “ao não participar no diálogo deliberativo e na investigação, os investigadores colocam-se a si mesmos num maior risco de não ver, de não entender e de interpretar erradamente as pessoas cujas vidas e experiências diferem das suas”, enfatizando esta perspetiva (Larson, 1997, p. 459).

O envolvimento da investigação narrativa torna o storytelling em pedagogia, possibilitando aos professores

que problematizem, questionem e mudem os processos de ensino e aprendizagem.

(26)
(27)

2. A IMPORTÂNCIA DA NARRATIVA NA INFÂNCIA

“A criança não se torna apenas em pensadora ou solucionadora de problemas: esta torna-se sim numa pessoa que pensa, lembra, ouve e comunica de forma especial, espelhando o seu contexto social.” (Bodrova & Leong, 1996, p.10)

A potencialidade das narrativas revela-se também no universo da infância. As crianças recebem e usam narrativas numa multiplicidade de contextos que incluem a escola, a família e várias situações sociais. Os especialistas da fala prestam especial atenção às capacidades narrativas das crianças, pois as suas aptidões de storytelling desempenham um papel determinante tanto na aquisição de linguagem como no seu futuro sucesso académico, especialmente no que toca à alfabetização (Hegsted, 2013).

A partir do seu nascimento, as crianças são constantemente expostas a storytelling: desde a leitura de livros, à visualização de filmes ou televisão; da narração de histórias até à partilha do que fizeram durante o dia com familiares ou amigos. Esta exposição a narrativas desempenha um papel de extrema importância no desenvolvimento da linguagem da criança pois providencia um modelo para vários dos seus aspetos, tais como o vocabulário, a gramática e os mecanismos de organização e coesão textual (Ukrainetz, Justice, Kadaravek &

Eisenberg, 2005).

Ao contar histórias, o indivíduo leva o uso da linguagem para além da transmissão da informação; torna- se também numa produção expressiva que atrai o ouvinte através de uma variedade de elementos literários, como por exemplo o humor, o foreshadowing

2

, a tensão, o envolvimento emocional ou o mistério (Ukrainetz, Justice, Kadaravek & Eisenberg, 2005). Ao falar de narrativas, os indivíduos falam sobre o que as personagens (sejam estas reais ou fictícias) fizeram e as razões para tais ações, quais foram os seus pensamentos e como se sentiram em certas situações. Tal permite à criança explorar e expressar a sua própria perspetiva e, em simultâneo, construir relações com os indivíduos que a escutam (Hegsted, 2013).

À medida que as crianças crescem, começam a transitar do seu papel de meros ouvintes de histórias dos outros para contadores das suas próprias histórias. A maior parte da linguagem das crianças entre os 5 e 6 anos de idade é constituída por narrativas pessoais e, a partir desta idade, já têm uma perceção avançada do que constitui uma “boa” história (Justice, Bowles, Pence & Gosse, 2010). Scott (1988) argumenta que é nesta altura que a narrativa se torna na ligação entre a escola e a casa; as crianças partilham histórias das suas vivências pessoais na escola (através do contar de histórias, trabalhos de redação ou conversas entre amigos) e, ao mesmo tempo, trazem para casa eventos do que aconteceu na escola (revivendo uma experiência do recreio ou recontando um trabalho da sala de aula).

O storytelling requer níveis elevados de linguagem e cognição, pois é necessário que o narrador consiga realizar várias tarefas em simultâneo para poder contar uma narrativa cativante e completa. Ao contar uma

2

Foreshadowing é a organização e apresentação de eventos e cenas numa obra de ficção ou drama que

dão ao leitor ou observador uma pista do que irá acontecer mais tarde (Encyclopaedia Britannica, 2016).

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história, a criança deve planear o que dizer e organizar os seus pensamentos de forma sequenciada e significativa, incorporando elementos criativos de forma a manter o ouvinte interessado e envolvido (Fiestas

& Peña, 2004). McFadden e Gillam (1996) consideram que os estudantes com distúrbios de linguagem tendem a produzir narrativas estruturalmente menos complexas comparadas com outras crianças da mesma idade, devido à dificuldade de combinar todas as tarefas requeridas para contar uma história. A capacidade da criança de ouvir e compreender narrativas prepara-a para as demandas de aprendizagem comuns e situações que terá de resolver em sala de aula, pelo que é um problema para o sucesso escolar quando essa habilidade está comprometida (Justice, Bowles, Pence & Gosse, 2010).

As capacidades narrativas criam uma ponte entre a compreensão oral e a compreensão literária, visto que a compreensão e a produção de narrativas são fundamentais no espaço da sala de aula. Neste espaço são dados às crianças exercícios de leitura através dos quais estas consigam entender o tema geral da história e também identificar o desenvolvimento das personagens, resoluções ou morais da narrativa. A escrita de narrativas, sejam estas ficcionais ou reais, é também uma prática frequente na educação da criança, pelo que esta deve ser capaz de sequenciar uma história em torno de uma ideia chave desde muito cedo. Ao praticar com a criança as suas capacidades de storytelling (pedindo-lhe, por exemplo, que reconte uma experiência ou que resuma uma história que já ouviu antes) estamos a providenciar um ambiente semelhante ao da escola, onde as crianças aprendem novos conceitos através de exercícios, ajuda de colegas ou de testes (Justice, Bowles, Pence & Gosse, 2010).

O storytelling está presente em todas as culturas; analisar a habilidade da criança de contar histórias baseadas em temas e tópicos culturalmente apropriados pode ser uma forma menos preconceituosa e enviesada de a avaliar, ao contrário de testes standard que são normalmente feitos para crianças de classe média (Fiestas

& Peña, 2004).

Com este capítulo pretende-se entender o lugar da infância na contemporaneidade e a sua inclusão nos campos da sociologia e da investigação, nos quais a sua presença é muitas vezes desvalorizada. Procura-se também estudar os direitos da criança, com especial atenção ao direito à participação e como este pode contribuir no crescimento das suas capacidades criativas e narrativas.

2.1 A SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA

Sendo uma inevitabilidade da natureza biológica humana, as crianças encontram-se dependentes dos adultos durante os seus primeiros anos de vida, de forma a assegurar a sua sobrevivência. Em consequência deste fato, Leach (1994 apud Corsaro, 1997) afirma que os direitos das crianças acabam por ser limitados “e são muitas vezes tratadas como um grupo marginalizado e inferior, não sendo dignas do mesmo respeito que os adultos” (Corsaro, 1997, p. 199). As perspetivas, autonomia e criatividade das suas culturas de pares são menosprezadas (Saramago, 2005).

A infância, do modo que a compreendemos na contemporaneidade, só ganha forma a partir dos séculos

XVI e XVII, embora só tenha começado a definir-se pelas suas expressões e práticas sociais nos últimos 150

anos (Pinto & Sarmento, 1997). Durante a Idade Média, a infância era apenas a denominação do curto espaço

(29)

de tempo entre o nascimento e os 7 anos de idade durante o qual eram indispensáveis cuidados facultados pelos adultos como a alimentação e a proteção. A partir do Renascimento, a integração da criança no mundo adulto é cada vez mais tardia e a definição do tempo da infância torna-se mais clara, devido à aprendizagem e à escolarização (Pinto & Sarmento, 1997). No entanto, este processo foi extremamente lento e inicialmente exclusivo às crianças das classes mais altas.

Saramago (2005) define a infância contemporânea como o mundo social próprio e construído pelas crianças. A criança faz parte de um grupo social específico, com o seu próprio conjunto de interações, sentidos, representações e práticas, detentor do seu próprio património cultural (Corsaro, 1997). Entendemos assim a infância como um segmento da trajetória social dos seus agentes (as crianças), agentes estes que são capazes de intervir sistemática e coerentemente em certos aspetos do domínio social, através da autonomia que lhes é proporcionada pela sua experiência social adquirida (Saramago, 2005).

O pensamento sobre a infância acompanha o interesse que a sociedade foi facultando às crianças e à sua educação (Pinto & Sarmento, 1997). Locke e Rousseau foram dois dos autores pioneiros a explorar conceções e práticas relativas à infância. Locke defendia uma ideia da criança como “tabula rasa”, em que o recém- nascido seria como uma folha em branco na qual os adultos poderiam escrever o que julgassem adequado para o seu desenvolvimento (Crain, 1992). Com este modelo, é difícil evitar uma visão “utilitarista” sobre as crianças, uma vez que a razão para cuidar, formar e proteger os mais novos seria para que estes se tornassem cidadãos ativos, civilizados e racionais (Pinto & Sarmento, 1997). Por outro lado, Rousseau argumentava que a criança era um ser bom espontâneo e criativo, pelo que a educação devia garantir as disposições para o desenvolvimento destas características (Crain, 1992).

O aprofundamento do conceito da infância foi visível também no campo da psicologia. A psicanálise introduziu elementos que tornaram a visão da infância mais rica, mas também mais complexa. Freud (Pinto &

Sarmento, 1997), ao contrário de Locke e Rousseau que viram a infância como uma folha em branco, descreveu

o crescimento da criança como um processo dramático, no qual o desabrochar para a vida social induz a

impulsos lascivos e agressivos, pois está já equipada com um aparelho psíquico e instintos. Em alternativa,

Mead (1934) estudou os processos de desenvolvimento do conceito do eu (self) e do outro para as crianças. O

filósofo considerou o jogo infantil de representação de papéis (comumente designado de brincar ao faz de

conta) como uma parte fulcral na construção da autoconsciência durante a infância. Trata-se, pois, de uma

atividade social que implica algum domínio de elementos da linguagem (palavras, gestos e ações) e também

algum contato com o mundo dos adultos. Por exemplo, quando uma criança brinca com uma boneca, fazendo

de conta que esta é sua filha, torna-se no outro (mãe ou pai). Deste processo resultam duas consequências

bastante importantes para o desenvolvimento da criança: a experiência da alteridade – ou seja, a experiência

do mundo exterior como realidade alternativa – e a experiência do outro – ou seja, a criança vê-se a si mesma

como realidade separada do mundo e torna-se um self (Pinto & Sarmento, 1997). A consciencialização da

criança de si mesma e dos outros desenvolve-se através da atividade lúdica, que abordaremos em detalhe mais

tarde, o que também desenvolve a unificação destas diferentes dimensões da consciência. O jogo lúdico passa

assim a ter uma elevada importância no crescimento da sociabilidade dos mais novos (Mead, 1934).

(30)

O surgimento de obras para a infância e com caráter pedagógico durante o século XIX coincide também com a popularização dos romances nos quais os heróis são crianças, sendo exemplos bastante conhecidos Oliver Twist (1839) de Charles Dickens, Alice no País das Maravilhas (1865) de Lewis Carroll e Tom Sawyer (1876) de Mark Twain (Saramago, 2000). A literatura europeia começa a atribuir à criança um lugar de protagonismo, na qual esta vive aventuras num mundo à parte dos adultos. O aparecimento de um conjunto de intervenções a favor dos direitos das crianças a que se assistiu no século XIX (escolaridade obrigatória, movimentos de proteção da criança, planos de saúde infantil) exigiu a redefinição do lugar da infância num mundo dominado por adultos (Saramago, 2000).

Apesar da sociologia tradicional não dispor de um conjunto de estudos explicitamente sobre a infância (Saramago, 2000), a temática infantil tem sido abordada na sociologia da família e sociologia da educação. No entanto, nenhuma das duas conferiu à criança um papel social central. É com o recém surgimento da sociologia da infância que a investigação é desenvolvida em torno das crianças, sendo-lhes atribuída visibilidade sociológica. As identidades da infância residem sobre “as bases da importância dos mundos sociais vividos, dos contextos de interação entre pares, sendo alimentada(s) por saberes práticos derivados de geradores práticos das práticas sociais quotidianas” (Saramago, 2000, p. 2).

Apenas tardiamente a infância conquistou “representantes” na sociologia; empregando-se o termo

“representantes” devido ao facto da produção ativa científica ser bloqueada à criança, ao contrário de outros grupos considerados socialmente secundarizados, como é o caso dos grupos étnicos e femininos (Saramago, 2000). Coincidentemente, Egan (1988) aponta que a maior parte destes “representantes” são do sexo masculino, grupo este que é tipicamente “o menos oprimido”. As ideias da sociedade relacionadas com a infância que determinam as nossas visões sobre as crianças foram predominantemente definidas por homens, cujas preocupações incidem sobre como “moldar” as crianças para que estas atuem de determinada forma como adultos em sociedade (Egan, 1988).

Poderemos considerar que a razão para a exclusão da infância na sociologia relaciona-se com as diferenças que existem entre crianças e adultos no entendimento da sociedade. Aos adultos são atribuídos diferentes obrigações, direitos e graus de poder, o que coloca as crianças numa posição de dependência perante os mesmos (Saramago, 2005).

Sarmento e Marchi (2008) definem três correntes teóricas que polarizam a sociologia da infância: a estrutural, a interpretativa e a crítica. A primeira realça as “condições estruturais” em que a infância se situa, considerando-a, sobretudo, como uma categoria geracional. Esta corrente procura compreender como se relaciona a infância com outras categorias geracionais, tendo em conta fatores demográficos, económicos e sociais. A corrente estrutural apresenta a categoria social da infância como algo independente das próprias crianças que a constituem, não considerando as suas individualidades; varia apenas de acordo com as mudanças na estrutura da sociedade (Sarmento e Marchi, 2008).

A corrente interpretativa representa a maior parte dos estudos sociológicos da infância. Apesar de também defender que as crianças pertencem a uma categoria geracional permanente, assume que estas participam da sua própria construção simbólica. Nesta corrente é fundamental o conceito de “reprodução interpretativa”

(Corsaro, 1997), ou seja, a capacidade de interpretação e transformação das crianças relativamente à sua

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herança cultural passada pelos adultos (Sarmento e Marchi, 2008). Aqui, os estudos etnográficos e qualitativos são predominantes, pretendendo desconstruir e compreender o imaginário social da infância e as suas interações intra e intergeracionais (Corsaro, 1997).

Por outro lado, a corrente crítica argumenta que a infância é uma construção histórica e, ao mesmo tempo, um grupo social oprimido; mais acrescenta que a sociologia da infância deve contribuir para a “emancipação social” da criança. Trata-se também de uma corrente com um caráter participativo, como Sarmento e Marchi referem:

“A vinculação do trabalho investigativo e analítico a formas de intervenção é feito quer através de estudos aplicados, quer, de modo indireto, em programas políticos.

Decorre daí a opção por estudos de “investigação-ação” ou de “investigação participativa”. (…) Assim, o programa de “emancipação” enunciado pode estar centrado exclusivamente na infância ou envolver outras “condições sociais” como as de género, etnia, classe social, etc.” (Sarmento & Marchi, 2008, p. 93).

Esta distinção de correntes corresponde, de uma forma geral, aos paradigmas clássicos da sociologia e aos três conceitos-chave do pensamento sociológico: a estrutura, a ação e a praxis

3

. Contudo, existe na sociologia da infância (tal como na própria sociologia) a dificuldade de articular estes conceitos-chave não só na teoria como na prática. Segundo Prout (2005), a compreensão, integração e articulação destes contextos no panorama atual da sociologia da infância tem sido um movimento relativamente novo, pelo que tem sido um dos maiores esforços encontrar lugar para a infância no seio da sociologia moderna. Até recentemente, a sociologia da infância teve as suas bases conceptuais assentes em teorias clássicas da sociologia (tais como o estruturalismo), que se mostraram inadequadas face à complexidade do conceito de infância. Por esta razão, Sarmento e Marchi (2008) consideram imperativo rever estas bases e incorporar no espaço da sociologia “os mundos sociais das crianças, aspetos e dimensões usualmente separados ou parcialmente subalternizados, que carecem de ser articulados na sua problemática complexidade de refração de uns sobre os outros” (Sarmento & Marchi, 2008, p. 94).

A socialização das crianças, apesar de ser um conceito relativamente recente, é tão antiga como qualquer outra relação das sociedades humanas. É através deste processo que “os indivíduos apreendem, elaboram e assumem normas e valores da sociedade em que vivem, mediante a interação com o seu meio mais próximo e, em especial, a sua família de origem, e se tornam, desse modo, membros da referida sociedade” (Pinto &

Sarmento, 1997, pp. 45). Segundo Giddens (1993) a socialização não é apenas uma programação cultural em que a criança absorve passivamente as influências da realidade com que entra em contato, pois a criança é, desde o seu nascimento, ativa na sua própria socialização. No entanto, várias das metodologias que estudam o processo de socialização da infância continuam a privilegiar a voz adulta.

A advocacia para valorização dos interesses da infância depende muitas vezes do conhecimento obtido da ciência social sobre as crianças e os seus respetivos problemas e capacidades (Smith, 2002). A maior parte

3

Praxis é o processo através do qual uma teoria é posta em prática (Cambridge Dictionary, 2019).

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dessa informação foi colecionada por adultos, através de metodologias construídas também por adultos, que não proporcionam às crianças a escolha de como expressar o seu ponto de vista e as constringe dentro de um framework

4

pré-definido.

Contudo, a sociologia tem vindo a deslocar-se de uma tendência “adulcêntrica” para uma tendência

“etáriocentrica”, dando voz a grupos etários que anteriormente se encontravam na sobra dos adultos: as crianças, os jovens e os idosos (Saramago, 2005). Estes grupos etários estabelecem um lugar de autonomia como objetos de estudo, pelo que o paradigma da sociologia da infância surge não como um fenómeno isolado, mas sim como uma postura diferente face “à variável idade enquanto objeto de estudo, onde a

‘adulcentricidade’ tem vindo a perder a sua omnipresença e a adquirir uma sensata relatividade científica”

(Saramago, 2005, p. 68). A sociologia da infância perspetiva um novo olhar e atitude para a realidade da sociologia como ciência. Nas palavras de Almeida “Trazer a infância para o campo das ciências sociais é, pois, construí-la e desafiá-la com problemas, é ser capaz de a enfrentar com perguntas. A meu ver, tudo se joga no olhar, e não na coisa em si” (2000, p. 9).

Esta nova postura perante o objeto de estudo tem ajudado a construir a permeabilidade necessária nas ciências sociais que permite albergar o paradigma atual da sociologia da infância (Saramago, 2005).

A criança possui experiência e conhecimento que é único face às situações. As suas ideias e perspetivas são o resultado dessa experiência. No entanto, as crianças não se limitam a interiorizar a cultura da sociedade e a imitar o mundo à sua volta; são sim participantes da sua cultura e, ao retirar sentido do mundo adulto, envolvem-se coletivamente na produção das suas próprias culturas de pares (Saramago, 2000). Contudo, a contribuição da criança é vista como ilegítima em vários países quando se trata de tomar decisões. Lansdown (2001) avisa que várias políticas governamentais têm um impacto direto ou indireto na vida das crianças e são aplicadas “maioritariamente em ignorância de como vão afetar a vida quotidiana das crianças e o seu bem- estar presente e futuro” (Lansdown, 2001, p. 4). A maior parte dos países tem a preocupação de melhorar as oportunidades educacionais para as crianças, mas, apesar disso, muito poucos são os que tomam medidas para descobrir, por exemplo, que métodos de ensino as crianças preferem, o que contribui para as taxas de abandono escolar e como melhorar o comportamento e promover a disciplina. Evidências (The Euridem Project

5

) indicam que as escolas que envolvem as crianças e introduzem estruturas mais democráticas tendem a promover um ambiente mais harmonioso entre funcionários, professores e alunos, bem como ambientes de aprendizagem mais eficazes (Lansdown, 2001).

Em várias sociedades, as crianças encontram-se cada vez mais em situações de risco nos seus contextos locais; no entanto, as suas experiências raramente são reconhecidas ou utilizadas para desenvolver estratégias para abordar estes problemas. Consequentemente, as oportunidades para as crianças brincarem, criarem amizades e desenvolverem independência são negadas em nome da sua proteção (Lansdown, 2001).

4

Framework é um sistema de ideias ou regras que é usado para planear ou decidir algo (Cambridge Dictionary, 2019).

5

The Euridem Project (2005) é um trabalho de pesquisa que explorou o envolvimento de alunos na tomada de decisões no campo da educação, que decorreu em quatro países: Dinamarca, Alemanha, Holanda e Suécia.

Este trabalho analisou processos e atividades participativas em escolas e anotou formas de expandir esta

participação.

(33)

Se por um lado, a sociedade define os adultos como responsáveis por assegurar o bem-estar das crianças que estão sob a sua supervisão (como no caso de pais e professores), por outro, concede-lhes o direito de controlar e de certa forma até manipular as atividades das crianças: estas podem ser forçadas a fazer o que os adultos julgam ser o mais apropriado (Saramago, 2005). Este caráter de dependência do grupo da infância bloqueia a possibilidade de a criança manifestar qualquer tipo de características particulares, sejam estas conhecimentos ou até apetências para determinadas áreas ou setores.

2.2 INVESTIGAÇÃO NA INFÂNCIA – A PARTICIPAÇÃO

O pensamento infantil tem sido colocado sob suspeita, pois pressupõe-se que é incompleto e imperfeito:

“é mais de uma falha do que uma realização que se trata, sempre que se escuta o significado que as crianças dão aos seus gestos ou experiências” (Soares, Sarmento & Tomás, 2005, p. 52). Predominam assim conceções que tratam as crianças como indivíduos “em trânsito” que percorrem etapas sucessivas de desenvolvimento de uma forma linear e progressiva, até finalmente atingirem os estados cognitivos, sociais e morais dos adultos.

Deste modo, escutar a voz das crianças acaba por ser escutar a voz do adulto que interpreta a criança (Soares, Sarmento & Tomás, 2005).

Esta exclusão da criança na investigação da infância espelha a perspetiva dos adultos sobre esta: é ignorante – precisa de ser ensinada; é irresponsável – ser disciplinada; é imatura – precisa de ser educada; é incapaz – precisa de ser protegida; ou é um recurso – pode ser usada (Johnson, 1998). A impotência generalizada das crianças reforça estas perspetivas. As crianças do sexo feminino ou pertencentes a grupos marginalizados estão especialmente desfavorecidas (Crowley, 1998).

Visto que as crianças vêm a compreender o mundo através das suas próprias atividades e comunicações com os outros, podemos entender o seu desenvolvimento como um processo contínuo de aprendizagem.

Quanto mais ricas as atividades e interações em que a criança participa, maior será o seu entendimento e conhecimento (Smith, 2002). Não se trata apenas de um processo de criança para adulto, mas sim uma parceria em que a criança e o adulto constroem competências e conhecimentos. Este tipo de colaboração na infância também acontece entre pares, como explica Holzman:

“As crianças – na verdade, pessoas de todas as idades – aprendem e desenvolvem- se ao fazer o que não sabem fazer. Deste modo, nas escolas, devemos considerar as crianças como leitores, escritores, físicos, geógrafos, historiadores, matemáticos, etc., encorajando-as a realizarem estas atividades, independentemente de as saberem ou não fazer. (…) A nova teoria de aprendizagem que proponho requer a criação contínua de situações em que, seguindo a perspetiva de Vygotsky, o processo de desenvolvimento pode ocorrer. Tal requer a criação em conjunto de uma experiência de making meaning

6

” (Holzman, 1995, p. 204).

6

Meaning making é o processo através do qual interpretamos, compreendemos ou tiramos sentido de

eventos, objetos ou discursos à luz de conhecimento e experiência prévios (Zittoun & Brinkmann, 2012).

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