Essa atividade conjunta desses dois autores e seus grupos de pesquisa foi um esforço
para identificar uma possível estrutura universal de valores (Tamayo, 2007a). Nesse
projeto conjunto, sua contribuição foi a tradução para o português do instrumento para
avaliação dos valores propostos por Schwartz, o Schwartz Value Survey (SVS), e a
validação empírica, compreendendo valores transculturais e valores brasileiros,
organizados em 10 tipos motivacionais. Foram identificados quatro valores característicos
da cultura brasileira: a) “esperto”, definido pelos sujeitos como “driblar os obstáculos para
conseguir o que quero”; b) “sonhador”, expresso como “ter sempre uma visão otimista do
futuro”; c) “vaidade”, definido no sentido de “ter preocupação e cuidado com minha
aparência”; d) “trabalho”, expresso como um “modo digno de ganhar a vida” e visto pelos
pesquisadores como um meio de os brasileiros garantirem a subsistência da família e não
como autorrealização ou satisfação de uma necessidade pessoal (Tamayo, 2007b). A partir
dessa validação a teoria de Schwartz foi introduzida no Brasil e deu origem a várias
pesquisas, entre as quais serão citados alguns exemplos.
Esses estudos e seus instrumentos foram aplicados em diversas situações ampliadas,
como observado na pesquisa na qual Tamayo (2000) desenvolveu um estudo para
investigar o impacto do sistema de valores do indivíduo sobre a sua satisfação no trabalho.
Nela, ele utilizou a estrutura bidimensional de valores humanos de Schwartz (1994),
individualismo versus coletivismo e autotranscendência versus autopromoção, para aplicar
o Inventário de Valores de Schwartz (SVS) a uma amostra de 139 empregados. E
identificou que a dimensão coletivista é a que tem maior impacto sobre a satisfação no
trabalho.
Em outra situação, Tamayo, Souza, Vilar, Ramos, Albernaz, e Ferreira (2001)
utilizaram igualmente a estrutura de valores humanos postulada por Schwartz (1994) para
estudar relações entre o sistema de valor da empresa, o tempo de serviço do profissional e
o seu comprometimento afetivo com a organização. A amostra foi feita com 200 servidores
de duas empresas públicas e concluíram que na mente do profissional comprometido o
bem-estar coletivo da organização encontra-se na conservação do status quo.
Aprofundando a busca de respostas ainda mais consistentes, Tamayo et al. (2000), a
partir da abordagem dos valores culturais de Schwartz (1999), realizaram pesquisa para
estudar os valores organizacionais a partir da percepção que os empregados têm dos
valores existentes da empresa. Para os autores, o comportamento dos empregados na
organização, as explicações da rotina organizacional e, possivelmente, o comprometimento
são determinados pela percepção que os empregados têm dos valores organizacionais. Os
autores partiram do pressuposto de que os valores de uma organização possuem aspectos
cognitivos, motivacionais e orientativos na vida das pessoas, constituem uma espécie de
ideologia e, assim, formam um sistema de valores da empresa. Para eles, toda organização
enfrenta os seguintes problemas fundamentais: a) a relação entre o indivíduo e o grupo, de
difícil conciliação entre os interesses e as metas do indivíduo e do grupo; b) a necessidade
de desenvolver uma estrutura para garantir o funcionamento (atribuições, normas,
subsistemas organizacionais, estratégias, etc.); c) a relação da empresa com o meio
ambiente natural e social. Eles desenvolveram um instrumento de pesquisa de valores
chamado de Inventário de Valores Organizacionais (IVO), tendo como pressuposto três
dimensões bipolares que formam a estrutura teórica dos valores organizacionais, conforme
a Figura 2.
Essas três dimensões bipolares representam as alternativas de respostas das
organizações aos seus problemas fundamentais:
a) Autonomia (individualismo) versus conservadorismo (coletivismo): as soluções
das organizações para a relação entre o indivíduo e o grupo situam-se num contínuo
definido pela autonomia e o conservadorismo. Os valores associados aos interesses
do grupo (sociocêntricos) referem-se à necessidade de conservação da estrutura,
usos e costumes, mantendo a tradição. No oposto dessa dimensão, a autonomia,
situam-se os valores que dão ênfase à inovação e à criatividade do indivíduo,
estimulando-o a desenvolver suas diretrizes intelectuais, a pensar e a agir do seu
modo a dar novas soluções na forma de trabalhar e produzir.
b) Hierarquia versus igualitarismo: outro problema que toda organização enfrenta é
o da estrutura. A estrutura estabelece o sistema social da organização; as funções
que devem ser executadas e as relações entre as unidades e os seus membros. As
soluções nessa dimensão vão de um contínuo entre a hierarquia ao igualitarismo. A
hierarquia é enfatizada como forma de se cumprir a missão da empresa por meio
Figura 2. Estrutura teórica dos valores.
Fonte: Tamayo, A., Mendes, A. M. & Paz, M. G. T. (2000). Inventário de valores organizacionais. Estudos de Psicologia,
5(2), 289-315.
dos valores de autoridade, poder social, etc., que estabelecem a distribuição
bem-definida e legitimada dos recursos e papéis sociais. No outro polo dessa dimensão
estão os valores que expressam a preocupação com o bem-estar dos outros, a justiça
social, a igualdade, a equidade, etc., que proporcionam um estilo mais participativo
na organização.
c) Harmonia versus domínio: toda empresa está inserida em um contexto geográfico
e social que exige a definição do seu tipo de relacionamento com esse meio. E duas
alternativas opostas, situadas num contínuo, definem as soluções da organização.
De um lado, são enfatizados os valores que buscam o sucesso por meio de domínio
do mercado, da tecnologia e dos recursos materiais. No lado oposto estão os valores
que buscam o sucesso por meio da prioridade à harmonia, à paz e à cooperação.
Esse instrumento foi validado como IVO com 1.010 empregados em cinco
organizações do Distrito Federal, confirmando os pressupostos teóricos de que os valores
organizacionais se ordenam em torno das três dimensões postuladas. Esse instrumento
possibilita a avaliação em cada um dos tipos motivacionais no nível dos valores reais,
aqueles percebidos pelos empregados pela força que têm na prática cotidiana da empresa,
bem como dos valores desejados, ou aqueles que os empregados gostariam que tivessem
mais importância no seu cotidiano, permitindo a avaliação da congruência ou
incongruência dos interesses dos empregados com as metas da empresa.
Seguindo nessa agenda de pesquisa, Mendes e Tamayo (2001) realizaram outro
estudo para verificar as relações entre a percepção dos polos dos valores organizacionais –
autonomia versus conservação, hierarquia versus estrutura igualitária, harmonia versus
domínio – e o prazer-sofrimento no trabalho. A pesquisa foi realizada com amostra de 554
empregados de uma empresa pública do Distrito Federal e o instrumento utilizado foi o
IVO. Os autores evidenciaram que o prazer e a diminuição do sofrimento encontram-se
relacionados a um contexto organizacional no qual predominam a percepção dos valores
do polo da autonomia, estrutura igualitária e harmonia, que constituem a base para um
cenário organizacional mais flexível, com melhores condições para satisfação das
necessidades e o trabalho como fonte de prazer. Seguindo os mesmos passos, outros
pesquisadores aplicaram o IVO com resultados que confirmaram sua validade para a
investigação de valores organizacionais.
Ribas e Rodrigues (2009) aplicaram o IVO a 57 profissionais da área administrativa
de uma instituição de prestação de serviço médico hospitalar e acusaram diferenças
significativas entre os construtos motivacionais reais e desejáveis, sendo as médias de
construtos desejáveis maiores que as dos construtos reais. As diferenças mais acentuadas
ocorreram nos construtos igualitarismo, harmonia e conservadorismo. Os autores
perceberam insatisfação do grupo de profissionais com os valores da organização
praticados e relacionaram o fenômeno às características do perfil do grupo em que
predominavam as mulheres e pessoas com união estável. Segundo os autores, a
predominância de mulheres no grupo faz com que a harmonia e o igualitarismo sejam mais
almejados, uma vez que as mulheres têm a tendência a desenvolver atitudes em benefício
coletivo e as pessoas casadas ou com união estável buscam a estabilidade porque o
matrimônio leva a isso.
Na mesma trilha, Fernandes e Ferreira (2009) elaboraram estudo para investigar o
impacto dos valores pessoais e organizacionais no comprometimento com a organização. A
partir da abordagem da estrutura de valores humanos de Schwartz (1994), foram aplicados
o SVS e o IVO de Tamayo et al. (2000) a 311 empregados de 11 organizações localizadas
no Rio de Janeiro. Os autores identificaram que as empresas cujos valores organizacionais
priorizam o conservadorismo e a hierarquia obtêm mais comprometimento afetivo e
normativo dos seus membros e, por outro lado, aquelas cujos valores organizacionais
priorizam a autonomia obtêm comprometimento calculativo dos seus profissionais.
Igualmente, Neiva e Paz (2012) elaboraram estudo para identificar os fatores que
influenciam mudanças individuais e organizacionais percebidas pelos funcionários de uma
organização pública brasileira, cujas amostras foram obtidas em dois momentos entre os
anos de 1999 e 2003, com 949 sujeitos no primeiro levantamento e 456 no segundo,
utilizando o IVO de Tamayo et al. (2001). Neiva e Paz (2012) identificaram que as atitudes
de aceitação e inexistência do temor aliadas aos valores de autonomia e igualitarismo
podem atuar como bons antecedentes em processos de mudanças nas organizações.
Confirmando e ampliando a compreensão sobre os valores organizacionais, Porto e
Tamayo (2003) desenvolveram uma escala de valores relativos ao trabalho no Brasil. Os
autores definiram os valores relativos ao trabalho como princípios sobre metas ou
recompensas, hierarquicamente organizados, que as pessoas buscam por meio do trabalho,
que guiam as suas escolhas, comportamentos e avaliações sobre os resultados nesse
panorama. Partindo dessa definição, foi construída uma escala de valores com 10
trabalhadores, cuja validação foi feita com 10 pesquisadores em Psicologia e um
questionário foi aplicado a 402 trabalhadores. Foram encontrados quatro fatores que
receberam a seguinte denominação:
a) Realização no trabalho – refere-se à busca de prazer, independência por meio da
autonomia intelectual e realização pessoal e profissional;
b) relações sociais – dizem respeito a relações sociais positivas no trabalho e na
sociedade por meio do trabalho;
c) prestígio – relacionam-se à busca de autoridade, sucesso e poder de influência no
d) estabilidade – refere-se à busca de suprir materialmente as necessidades pessoais
possibilitando a segurança e ordem na vida por meio do trabalho.
Esses quatro fatores relativos ao trabalho apresentaram correspondência com os
quatro fatores de ordem superior dos valores pessoais da teoria de Schwartz e também
confirmaram os achados de Ros et al. (1999). O fator realização no trabalho apresentou
associação com a abertura à mudança, pois o trabalho autônomo e criativo favorece a
mudança. O fator relações sociais associou-se positivamente à autotranscendência, porque
se verificou que o trabalho proporciona o alcance de relacionamento social positivo e
favorece o bem-estar das pessoas próximas e da sociedade. O fator prestígio possui relação
com autopromoção, pois o trabalho possibilita atingir metas de sucesso pessoal e influência
sobre os outros. E, por fim, o fator estabilidade associou-se à conservação, pois o trabalho
também proporciona a busca de segurança e a manutenção do status quo. A pesquisa
contribuiu para conciliar duas abordagens nos estudos de valores, unindo a corrente dos
estudos relativos ao trabalho, encontrada na literatura de Psicologia Organizacional, à
corrente de estudos de valores pessoais gerais, encontrada na literatura de Psicologia Social
(Porto & Tamayo, 2003).
Partindo também da abordagem de Ros et al. (1999), Porto e Tamayo (2007)
efetuaram pesquisa para testar a relação entre as estruturas de valores pessoais gerais e
laborais. Em uma amostra de 995 estudantes universitários, foram aplicados o Inventário
de Valores de Schwartz (SVS) e a Escala de Valores do Trabalho (EVT). Houve a
confirmação parcial da relação da estrutura geral de valores pessoais e dos valores laborais
e os autores destacaram que os resultados revelaram a importância do trabalho no alcance
das motivações dos indivíduos, tendo em vista que ele permite atingir metas que são
importantes para as pessoas.
Oliveira e Tamayo (2004) construíram e validaram outro instrumento para avaliação
dos valores organizacionais no Brasil, a partir da estrutura universal de valores pessoais
proposta por Schwartz (1992), com a hipótese de que existe similaridade entre as metas
dessas duas categorias de valores, uma vez que tanto os valores organizacionais quanto os
do indivíduo possuem uma interface que é a satisfação de exigências básicas do ser
humano. Esses autores desenvolveram uma medida de valores organizacionais, o
Inventário de Perfis de Valores Organizacionais (IPVO), cuja validação ocorreu com a
participação de 833 trabalhadores vinculados a organizações privadas (80,2%) e públicas
(15,6%). Os respondentes dividiram-se em 52% do sexo masculino, 45% do sexo feminino
e 3% não informaram o gênero. A idade variou de 15 a 57 anos, com média de 24 anos.
Em relação ao grau de escolaridade, 29% possuíam até o segundo grau completo e 67% o
terceiro grau completo ou não.
Os resultados obtidos confirmaram a hipótese de similaridade motivacional entre os
valores organizacionais e os valores pessoais. Os oito fatores obtidos corresponderam a
nove das motivações pessoais: a) o fator autonomia correspondeu às motivações de valores
pessoais autodeterminação e estimulação; b) o fator bem-estar correspondeu a hedonismo;
c) o fator realização correspondeu à motivação pessoal de realização; d) o fator domínio
correspondeu a poder; e) o fator prestígio também correspondeu à motivação pessoal de
Poder; f) o fator tradição correspondeu à motivação pessoal de tradição; g) o fator
conformidade correspondeu à motivação pessoal de conformidade; h) o fator preocupação
com a coletividade correspondeu às motivações pessoais de benevolência e universalismo.
A motivação pessoal de segurança não configurou fator algum, cuja explicação deu-se por
deficiência na formulação ou por ambiguidade no atributo aos respondentes.
Miguel e Teixeira (2009) aplicaram o IPVO de Oliveira e Tamayo (2004) e uma
escala de verificação da criação do conhecimento para identificar a relação entre os valores
organizacionais e a criação do conhecimento. O público-alvo constituiu-se de 410
funcionários efetivos ligados ao desenvolvimento de novos produtos de oito empresas
brasileiras. Os autores receberam 106 questionários preenchidos, em que 39% dos
respondentes estavam na faixa etária entre 36 e 45 anos, 65,7% pertenciam ao sexo
masculino e 54,3% trabalhavam entre um e 10 anos na organização.
Entre os oito fatores de valores organizacionais (realização, conformidade, domínio,
bem-estar, tradição, prestígio, autonomia e preocupação com a coletividade), somente o
fator tradição não apresentou correlação positiva com os fatores da Escala de Criação do
Conhecimento Organizacional. Percebeu-se que as dimensões de valores organizacionais
de abertura à mudança e autopromoção levam aos comportamentos na criação do
conhecimento e a dimensão autotranscendência entra no processo, moderando os
comportamentos em respeito ao outro. As autoras também perceberam um paradoxo
organizacional que vincula a criação à liberdade, mas embasada nos valores e metas
organizacionais.
Pesquisa realizada por Melo e Domenico (2012) em um banco com 271 agências
bancárias verificou se os valores organizacionais eram preditores do desempenho das
agências. Utilizaram o IPVO de Oliveira e Tamayo (2004). Nesta pesquisa participaram
720 respondentes e os resultados mostraram que os valores organizacionais podem
impactar no desempenho de agências bancárias.
Apoiando-se na teoria dos valores humanos universais de Schwartz (1994) e no
trabalho realizado por Oliveira e Tamayo (2004), Maurino e Domenico (2012) propuseram
um novo construto de realização de valores pessoais (RVP) no ambiente organizacional na
análise das relações entre indivíduos e organizações. A amostra foi obtida com 314
empregados de três empresas privadas no Brasil e os instrumentos utilizados foram o
Portrait Value Questionnaire (PVQ-40), traduzido para o Brasil, e o IPVO, validado por
Oliveira e Tamayo (2004). Maurino e Domenico (2012) indicaram que é possível para uma
empresa buscar domínio e prestígio e demonstrar competência para o mercado sem perder
de vista a valorização das relações com a comunidade e com o ambiente de trabalho
interno:
[...] ao trabalharem para que as empresas alcancem liderança de mercado, obtenham
reconhecimento da sociedade em função da qualidade de seus produtos e serviços e
influenciem outras organizações (valores organizacionais relacionados ao polo de
autopromoção, que aparece em primeiro lugar para a amostra geral), as pessoas estão
realizando as metas pessoais que mais priorizam, ou seja, as de autotranscendência
(Maurino & Domenico, 2012, p. 207).
Estudar as relações entre os dois sistemas, valores pessoais e valores organizacionais,
constitui a base para melhorar o autoconhecimento institucional, avaliar os interesses
individuais, mistos e coletivos dos membros dos grupos internos, formando um alicerce, a
partir desse conhecimento, para mudar o desempenho com a satisfação dos interesses mais
bem compreendidos.
No documento
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS FUNDAÇÃO DOM CABRAL. Programa de Pós-graduação em Administração
(páginas 36-45)