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Valor analisado sob a perspectiva transversal x longitudinal

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2. FUNDAMENTAÇÃO TÉORICA

2.3 CONCEITUAÇÃO DE VALOR

2.3.4 Valor analisado sob a perspectiva transversal x longitudinal

Os estudos sobre o valor para o consumidor têm se caracterizado, em sua maioria, pela adoção de uma abordagem de análise transversal do fenômeno, entendendo o valor percebido pelo cliente a partir de uma visão em que o “[...] valor ocorre somente após a compra. A avaliação de valor só pode ocorrer após o fato” (BABIN; JAMES, 2010, p. 476). No entanto, conforme argumenta Grönroos (2011, p. 282), pouco se sabe sobre “o processo de criação de valor, quando se inicia, o que inclui e quando termina”. Essa questão é apontada como um aspecto crítico da teoria do valor para o cliente, segundo Parasuraman (1997, p. 160), quando menciona que a literatura “[...] tem pouco a dizer sobre como as várias fontes podem interagir para comunicar o valor e quando (ou seja, durante quais estágios do processo de aquisição e utilização) cada fonte tenha mais influência”.

Buscando suprir essa lacuna para o melhor entendimento do valor para o consumidor, alguns autores têm estudado o valor nos contextos de pré-compra/consumo (BYRNE; MCCARTHY, 2014), durante o encontro de serviços (ANDREWS et al., 2007; HOLBROOK,

1999; MCDOUGALL; LEVESQUE, 2000; ULAGA; CHACOUR, 2001) e após o consumo (BABIN; ATTAWAY, 2000; HELKKULA; KELLEHER; PIHLSTROM, 2012; SIKKA KAINTH; VERMA, 2011; SPARKS; BUTCHER; BRANDLEY, 2008; SWEENEY; SOUTAR, 2001), ou em momentos diferentes durante o processo de decisão de compra (BRADLEY; SPARKS, 2012; GALLARZA; ARTEAGA; GIL-SAURA, 2013; WOODRUFF, 1997). Contudo, Vieira ( 2013), em metanálise sobre o valor percebido, aponta que 96% dos trabalhos adotavam um corte transversal de análise, e apenas 2% adotavam uma abordagem longitudinal.

A visão mais pontual do valor para o consumidor é mais presente nos estudos ancorados na visão clássica de consumo (utilitária), que tende a atribuir os componentes formadores de valor aos produtos, enquanto estudos mais recentes identificam esses elementos formadores de valor no consumidor, sem, no entanto, conseguirem capturar a essência mais ampla do valor para o consumidor. É dessa dificuldade que decorre a constante demanda por estudos longitudinais para ampliar o conhecimento do comportamento do consumidor e a formação de valor na experiência de consumo (BLOCKER, 2011; BRADLEY; SPARKS, 2012; DODDS; BULMER; MURPHY, 2014; HELKKULA; KELLEHER; PIHLSTROM, 2012; SÁNCHEZ- FERNÁNDEZ; INIESTA-BONILLO, 2007).

Esse fenômeno reflete a natureza dinâmica do conceito (SÁNCHEZ-FERNÁNDEZ; INIESTA-BONILLO, 2007). De acordo com Woodruff (1997), os clientes podem considerar o valor em diferentes momentos, sendo que em cada contexto (quando tomam a decisão de compra ou quando experimentam o resultado do serviço durante ou após o uso), eles focam tarefas e aspectos de julgamento distintos.

Parasuraman (1997), tendo o estudo de Woodruff (1997) como base, buscou compreender como o valor para o cliente pode ser monitorado e alavancado. Para tanto, o autor propôs uma análise a partir de quatro tipos de clientes: (i) clientes pela primeira vez; (ii) clientes de curto prazo; (iii) clientes de longo prazo; e (iv) desertores. Essa distinção reflete o desafio de operacionalização e desenvolvimento de uma escala padrão que possa capturar todas as nuances da construção de valor. Essa pesquisa facilitou a aprendizagem e o entendimento das organizações, desvelando vários aspectos a serem considerados na formação de valor para o consumidor (SÁNCHEZ-FERNÁNDEZ; INIESTA-BONILLO, 2007).

A abordagem adotada por Woodruff (1997) e Parasuraman (1997) busca contemplar as diferentes formas como os consumidores irão se comportar a partir dos valores desejados e recebidos com base no alcance dos objetivos, nas consequências e nos atributos. Essa visão retrata a ideia dos autores de que os clientes “aprendem” no decorrer do processo e, em virtude

desse aprendizado, passam a ter percepções e preferências distintas com o passar do tempo. No entanto, as especificidades do processo longitudinal através do qual tais dados da aprendizagem devem ser recolhidos e trabalhados para compreensão do valor não ficam explicitados por Woodruff (1997). Nesses estudos, a importância do elemento temporal, bem como do valor como sendo construído a partir da interação dos atributos, demonstra que os elementos formativos do valor para o cliente estão em constante transformação. Logo, não seria adequado pensar a mensuração do valor de forma transversal e única para todos os tipos de clientes e situações (PARASURAMAN, 1997).

Bradley e Sparks (2012) analisaram, por meio de um questionário aplicado em dois momentos (intervalo de doze meses), onze fatores que compõem o valor para consumidores de serviços turísticos do tipo timeshare. Os autores observaram as alterações nos índices de valor em um ano, levantando os antecedentes (experiências de consumo, experiências de aprendizagem, consumidor e fatores do produto) e as consequências (satisfação e intenção de compra). Eles relatam que o valor para o consumidor é mutável, apresentando as dimensões de valor que são mais propensas a mudar ao longo do tempo dentro de cada fator analisado e aquelas mais suscetíveis de afetar a satisfação.

Luo, Ratchford e Yang (2012) tentaram compreender a forma como os consumidores distribuem o tempo dentro das atividades de lazer por meio de um acompanhamento semanal durante seis meses. Os autores demonstram que a experiência contribui para a percepção dos benefícios de uma atividade, que, por sua vez, leva ao alto valor associado a ela. A experiência também influencia diretamente o valor obtido a partir de uma atividade, sendo que é adquirida ao longo do tempo através do consumo passado. Essa constatação implica uma cadeia de conhecimentos na construção do valor para o uso do tempo e o retorno à experiência, o que pode levar os consumidores a formar um estilo de vida em que se especializam em um subconjunto de atividades que conhecem bem e que geram valores positivos. Nesse sentido, os autores destacam a experiência (anterior) como uma variável-chave que explica as escolhas de estilo de vida dos consumidores.

Na pesquisa de Gallarza, Arteaga e Gil-Saura (2013) sobre as dimensões de valor que são experienciadas por voluntários em um evento religioso, com coletas antes e depois do evento, os resultados das dimensões de valor pesquisadas (espiritualidade como altruísmo, valor social, diversão, eficiência e esforço despendido) sugerem que o voluntariado é uma experiência altamente emocional, ainda que os aspectos funcionais tenham mostrado expectativas maiores do que as percepções. Como já apontado por Bradley e Sparks (2012), as dimensões também variaram de intensidade e direção nas duas medições, indicando que as expectativas e a

experiência pós-consumo interferem na percepção de valor. No entanto, os autores não aprofundam como o valor é formado no decorrer do tempo.

Isso nos remete a Holbrook (1999), quando afirma que o valor de um objeto só pode ser indicado em referência a outro objeto avaliado pela mesma pessoa. Logo, o valor não é formado pela avaliação pontual do produto ou serviço consumido, ocorrendo exclusivamente após a compra. Considerando o aspecto temporal da formação de valor e, por consequência, a importância do seu estudo de modo longitudinal, Helkkula, Kelleher e Pihlstrom (2012) defendem que contextos temporais e experienciais podem levar os clientes a rever e reinterpretar experiências passadas.

Para melhor compreender esse elemento temporal na formação de valor, as autoras sugerem a análise do valor a partir da perspectiva da espiral hermenêutica em que aspectos individuais e coletivos são analisados em um contexto social que está em constante mutação (HELKKULA; KELLEHER; PIHLSTROM, 2012). Isso implica considerar a vida e o imaginário do sujeito, bem como suas experiências passadas e expectativas futuras com relação a um serviço, que não será experimentado da mesma forma por todos os consumidores, como ilustrado na figura 3.

Figura 3-A espiral hermenêutica do sentido individual e coletivo do valor na experiência.

Fonte: Helkkula, Kelleher e Pihlstrom (2012, p. 63)

Essa preocupação com o aspecto longitudinal da experiência também é expressa por Heinonen et al. (2010) quando propõem a abordagem da lógica dominante do cliente de serviços, na qual a experiência de um serviço e o reconhecimento do seu valor são dependentes do passado, presente e futuro do cliente. Os autores referem que a perspectiva do cliente não compreende apenas a relação com o produtor/prestador do serviço, mas também outras

atividades da vida do cliente como um todo. Logo, o valor para o cliente decorre da sua história, de um tempo presente e um tempo futuro. Portanto para os autores o valor deve ser visto numa perspectiva temporal e multicontextual englobando vários quadros diferentes de valores pessoais e serviços relacionados, mas os autores não chegam a testar o modelo acompanhando as mudanças ao longo do tempo.

Considerando esse aspecto mutável, individual e de contexto social, Helkkula, Kelleher e Pihlstrom (2012) lembram que é importante reconhecer que a experiência “pura” nunca será totalmente acessível ao pesquisador, já que os pensamentos e o discurso explícito são apenas uma parte do senso de valor, mas não revelam completamente a experiência vivida. Em virtude dessas características, as autoras estudaram o valor para o cliente de serviços como um fato. No entanto, ressaltam que a abordagem fenomenológica e estudos longitudinais podem ajudar a melhorar a compreensão do valor na experiência do consumidor.