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Considerar o signo linguístico autonomamente pressupõe a constatação da relação biltareal que ele possui entre o significado e o significante. Interdependentes, tais termos são descritos por Saussure como, respectivamente, conceito e imagem sonora que se unem na constituição do signo linguístico. A imagem sonora designaria a “impressão psíquica desse som, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos” (SAUSSURE, 2006, p. 80), caracterizando o aspecto fenomenológico da escuta: a percepção do som e não o som em si. Antes de qualquer analogia, devemos nos atentar para o fato de que, na linguagem falada, o significante, muitas vezes, se refere a um objeto concreto, real. Em música, no entanto, apesar de muitas vezes se associarem elementos musicais a referentes externos, inexiste uma atribuição direta e universal entre as duas facetas do signo e os significantes, muitas vezes, remetem a sensações abstratas, de modo que várias palavras podem descrever uma mesma passagem musical.

Aqui abrimos um parêntese, pois não podemos deixar de considerar que a própria linguagem falada possui palavras cuja atribuição de significado não esteja diretamente associada a uma realidade (acústica) concreta. Como poderíamos, por exemplo, atribuir um significado preciso sobre o significante “deus”? Questões culturais, referenciais e psicológicas interagem na conceitualização de algo complexo, de difícil tradução. Até mesmo palavras que designam sentimentos e sensações, como “angústia”, “remorso”, “amor”, todas essas também possuem significantes aos quais a atribuição de significados operam antes por contiguidade do que por similaridade a fatos sonoros concretos. Interessante percebermos, com isso, que esses mesmos significantes são utilizados como adjetivações e, consequentemente, significados em música, podendo-se atribuir, por exemplo, palavras como “angustiado” e “alegre” para descrever uma frase musical. Por tal motivo, Barthes mais tarde atribui os termos plano de expressão em substituição ao significante, e plano de conteúdo em substituição ao significado (BARTHES, 2006, p. 43), determinando os sistemas semiológicos como detentores de conteúdo ao invés de

significado. Pode-se considerar, sob a perspectiva do plano de conteúdo, que os signos musicais estejam vinculados às manifestações relacionais de seus termos e que a atribuição de significados externos seja com ele incompatível. Nesse sentido, gostaríamos de definir diferentes signos envolvidos na comunicação, cada qual relacionado ao conteúdo da mensagem através de suas idiossincrasias socialmente compartilhadas: o som físico, signo sonoro; a representação desse som na partitura, signo escrito; e a ideia musical, signo abstrato, alheio tanto ao som físico (objeto sonoro) quanto à sua representação escrita (partitura), cujo conteúdo se estabelece nas relações dos termos pertinentes e a sua formulação intrínseca.

Para Saussure (1916) só podemos definir o real valor do signo linguístico se observarmos sua dupla colocação: como um objeto numa rede de referências (relações associativas) e como objeto numa cadeia significante (relações sintagmáticas). Podemos exemplificar esse conceito tomando um exemplo da linguagem falada: perguntemos a um indivíduo sobre o significado da palavra “luto”. De imediato, na perspectiva associativa, a tendência é de se encontrar outra palavra que signifique quase a mesma coisa (mas nunca exatamente a mesma), inclusa numa lista de possibilidades que Barthes designa por

sistema. Nesse sentido, a palavra “luto” poderia ser substituída por “pesar”, “lamento”,

“tristeza”, termos a ela associados. Apenas quando da inclusão da palavra em um enunciado é que as relações sintagmáticas completarão seu valor e o signo é então determinado: se por acaso utilizássemos a palavra “luto” na frase “eu luto por liberdade”, seu significado passaria a pertencer a uma outra cadeia sistemática de associações, a qual poderia passar desapercebida não fosse seu eixo sintagmático tal qual se apresenta especificamente nesta frase.

Em música, a reflexão sobre tais eixos encontra no tonalismo subsídios para que se compreenda o valor do signo musical. Isso porque as possibilidades de expressão disponibilizadas pelo sistema tonal formavam entre si conjuntos sistemáticos e sintagmáticos. Consideremos, por exemplo, as interpretações possíveis sobre a formatação triádica das notas do, mi e sol: podemos abordar tal acorde do ponto de vista sistemático e considerá-lo como um representante dos acorde de tipo maior, comparando sua constituição interna com outras formações semelhantes (nesse sentido o acorde do, mi e sol se assemelharia ao de re, fá# e lá, por exemplo); no entanto, é apenas após sua formatação sintagmática que nos é possível definir qual função exerce este acorde: de tônica, dominante ou subdominante. Interessante notar que a própria constituição

funcional da harmonia representa, nesse sentido, uma articulação importante, sobre a qual a primeira articulação da linguagem musical (a formatação de grupos de notas, as escalas) pode se desenvolver. Para Barthes, “o sentido só pode nascer de uma articulação, isto é, de uma divisão simultânea do ‘lençol’ significante e da massa significada: a linguagem é, por assim dizer, o que divide o real” (BARTHES, 2006, p. 65 – grifos do original). É indiscutível a possibilidade de aplicação desse pensamento à realidade da música tonal, na qual a divisão do real atua em diversos níveis, a saber: no temperamento, nas escalas, nas funções harmônicas tonais, etc. A música tonal trabalha, no mais, sobre realidades descontínuas, em que temos (continuando com o exemplo sobre o tonalismo):

• 1a divisão: total de notas disponíveis (as 12 notas cromáticas do sistema temperado);

• 2a divisão: grupo de notas (a escala maior diatônica); • 3a divisão: funções harmônicas (cadências tonais).

Da mesma forma, Barthes (1964) cita o exemplo das cores e sua representação linguística, em que seu espectro contínuo “se reduz, verbalmente, a uma série de descontínuos” (BARTHES, 2006, p. 65). Sobre essa divisão do real, o papel das funções harmônicas mostra-se crucial para o desenvolvimento das relações sintagmáticas da música.

Observemos também que, para Saussure, o valor do signo é regido por um princípio paradoxal, sempre constituído por: “1o) por uma coisa dessemelhante, suscetível de ser trocada por outra cujo valor resta a determinar; 2o) por coisas semelhantes que se podem comparar com aquela cujo valor está em causa” (SAUSSURE, 2006, p. 134 – grifos do original). Nesse sentido, podemos considerar as funções harmônicas como as responsáveis pela perspectiva associativa da articulação linguística, pois instaurou a possibilidade de realização de analogias e substituições: um acorde maior só terá seu valor instaurado à medida que se relacionar com os demais elementos dessemelhantes no circuito da fala (sintagmático portanto) e for passível de substituição por termo semelhante do sistema de origem. O abandono do tonalismo representa, dessa forma, o abandono de uma articulação segura. Ainda nesse sentido, o processo social no qual nasce o tonalismo envolve uma série de influências mútuas, em que a análise consiste em recortes na rede de referências envolvida. No entanto, existe a possibilidade de postulação

de contornos gerais, atributos da prática musical em desenvolvimento, os quais permitem abstrações e atribuições de caráter teórico. Nesse sentido, é possível dizer que a significação musical expressa as leis de funcionamento do sistema tonal e que tais leis emergem da teorização das relações envolvidas. A organização dos sons em escalas e a hierarquização de tais sons podem expressar seu significado através de suas relações, não significando nada além delas mesmas.

Isto posto, a constatação de que a música eletroacústica herdara diacronicamente uma reconsideração das duas divisões posteriores, já citadas, leva-nos a refletir sobre seu papel na determinação da primeira divisão: seria possível esboçarmos um total de “notas” disponíveis para a música eletroacústica? Como visto anteriormente, a própria configuração do sistema temperado não encontra justificativas na experiência eletroacústica e o estabelecimento da altura definida, como delineadora da divisão primária dos elementos, já não mais representa uma condição. Nesse sentido, a música eletroacústica, na ausência de esquema linguístico pré-definido, perde também as articulações de valores que permitiam a estipulação de relações descontínuas. As virtualmente inesgotáveis possibilidades apresentadas pela gravação e manipulação sonoras colocavam, ainda, os compositores em contato com certo valor associativo indesejado do objeto sonoro, relacionado com sua origem material. Não é de se admirar que os primeiros trabalhos teóricos relacionados com a música eletroacústica tenham se determinado a criar séries de valores aos parâmetros até então negligenciados, como o timbre e envelope dinâmico, por exemplo. Uma vez constituída uma série de valores relacionais, seria possível então a realização de princípios tomados da música serial, cujos desenvolvimentos pós-webernianos poderiam fornecer grandes possibilidades expressivas e de estruturação dos materiais.

1.3.1 Sintaxe de timbres na música eletroacústica

A iniciativa de Pierre Schaeffer em se criar uma escala de valores para o timbre, na tabela descrita anteriormente, decorre de uma herança histórica. O timbre já ganhara notória consideração desde fins do século XIX e as possibilidades apresentadas pelo aparato eletroacústico vieram ao encontro das necessidades expressivas quando da emergência do gênero eletroacústico. No entanto, a determinação de sistemas de

referência para a relação entre aspectos timbrísticos permanecera, durante anos, como deveras incipiente. Nesse contexto, a música eletroacústica assume papel determinante tanto para a análise quanto para a produção de objetos sonoros cujos timbres dependiam de relações sobre as quais o compositor possuía certa autonomia.

Para que o aspecto timbrístico assuma caráter semântico, ainda segundo Schaeffer (1966), devemos destituir os demais valores linguísticos do signo. Uma forma de se fazer isso seria através da utilização, por exemplo, ou de sons de igual altura executados por diferentes instrumentos, ou de sons complexos, pelos quais a variação do timbre assumiria proeminência. No caso particular da musique concrète, era através da manipulação de sons gravados que instituíam-se modificações timbrísticas, organizadas então sintagmaticamente. Sobre esse aspecto, Lévi-Strauss (2010) aponta a dificuldade de articulação apresentada pela emancipação do objeto sonoro carregado da lembrança do objeto gravado e que a ele reportam. Essa referência ao objeto real destituiria toda possibilidade de articulação de significados musicais, na medida em que carregaria uma significação voltada ao próprio objeto de origem. Nesse contexto, Flo Menezes assevera que o material concreto instiga “a escuta às transformações, à metamorfose informativa de seus dados constitutivos” (MENEZES, 1993, p. 43). Podemos tomar como exemplo, assumindo tal perspectiva, a obra de Pierre Henry de 1963, intitulada Variations pour une

porte et un soupir, na qual os movimentos sucedem-se como em um tema com variações

e, a cada novo movimento, alguns elementos reportam-se a movimentos anteriores pela repetição de certas características. Dessa forma, Pierre Henry constrói a elaboração formal sintagmática de acordo com os princípios expostos por Schaeffer em seu Tratado

dos Objetos Musicais:

“A repetição do mesmo fenômeno causal faz com que desapareça a significação prática desse sinal [...]. A variação, no seio da repetição causal, de ‘alguma coisa perceptível’ acentua o caráter desinteressado da atividade e lhe confere um interesse novo, criando um acontecimento de outra natureza, um acontecimento que somos levados a chamar de musical” (SCHAEFFER, 1966, p. 51).

O embate entre significação prática e significação semântica demanda a reflexão acerca dos traços distintivos citados anteriormente. Se agora os ruídos poderiam ser variados e, através dessa variação, assumir característica expressiva autônoma, as relações entre eles poderiam ser colocadas em evidência, desde que se mantenha certos aspectos reconhecíveis inalterados. A variação requer, dessa forma, uma seleção de

elementos semânticos. Schaeffer completa: “como, por definição, o que se visa é sempre um ‘objeto de escuta’, não se fará outra coisa do que passar da música onde predomina a morfologia dos sons descontínuos à música que privilegia as transformações contínuas do som, muitas vezes as mais reveladoras do procedimento.” (SCHAEFFER, 1966, p.66).

No caso da elektronische Musik, a herança serial possibilitou uma abordagem completamente distinta. Aqui, o caráter semântico originara-se nas relações entre os componentes fundamentais do som, gerados e serialmente controlados através da síntese aditiva. À semelhança do que fora realizado na harmonia durante séculos de desenvolvimento, a determinação das relações matemáticas internas de um complexo sonoro composto por sons senoidais determinaria timbres específicos. Dessa forma, os timbres poderiam se relacionar uns com os outros nos termos de suas constituições, sobre os mesmos preceitos da dialética permanência/variação citada anteriormente. Aqui, no entanto, essa dialética atua no nível estrutural interno dos componentes. Independentemente das possibilidades apresentadas, os compositores eletrônicos logo enveredaram por um caminho que Menezes batiza de “concretização da música eletrônica” (MENEZES, 1993, p. 72), na qual aquela barreira divisória entre a vertente concreta e a eletrônica cede lugar a uma troca de experiências que resultaria nos preceitos daquilo que hoje é genericamente chamado de música eletroacústica. A compreensão dos traços formânticos dos sons de altura definida, aliada à constatação dos aspectos variáveis dos ruídos, culminou na concepção aprofundada dos aspectos timbrísticos, os quais poderiam ser explicados pelas relações internas dos componentes sônicos. Ainda segundo Menezes, a experiência eletrônica, através da utilização do serialismo, possibilitou à chamada Escola Colônia, na qual se agrupavam os compositores seriais eletrônicos, “uma demarcação de campo de trabalho muito mais definida” (MENEZES, 1993, p. 55 – tradução nossa)15 do que a experiência concreta, de cunho mais intuitivo.

Schaeffer, no entanto, estipula alguns problemas comuns, compartilhados pelas duas vertentes composicionais: “Elas se afastam, por excesso ou por falta, das normas tradicionais de toda estrutura instrumental” (SCHAEFFER, 1966, p. 65). Nesse sentido, Schaeffer enuncia três aspectos que dificultariam a emancipação semântica do timbre nos primeiros anos da música eletroacústica, relacionados ao excesso ou à falta, no instrumento eletrônico, de um dos seguintes elementos:

                                                                                                               

• Timbre: sobre esse aspecto, a música eletrônica e a música concreta apresentavam característica opostas. No primeiro caso, a falta de timbre era deflagrada e o trabalho do compositor, ao menos durante os anos iniciais, era o de construir o interesse timbrístico pela superposição dos mais simples elementos (os quais, ainda segundo Schaeffer, não eram “neutros” e possuíam, também, uma sonoridade reconhecível). No segundo caso, era justamente o excesso das características morfológicas que impunha a dificuldade de estruturação, fazendo com que os procedimentos de filtragem atraíssem para si a atenção. Em ambos os casos, segundo Schaeffer, inexistia um equilíbrio capaz de fornecer um resultado musicalmente satisfatório;

• Registro: aqui, a música concreta esbarrava na ausência de continuidade morfológica dos sons gravados e encontrava na colagem e montagem as únicas formas de estruturação do material musical. No caso da música eletrônica, as inesgotáveis possibilidades de graduações contínuas de registro só se tornavam musicalmente interessantes através da recuperação de teclados paramétricos ou de procedimentos de combinação que aproximavam-se daqueles utilizados pela música concreta. Nesse sentido, o excesso de registro se impunha como uma barreira, cuja transposição era tão problemática quanto aquela que se apresentava aos compositores concretos;

• Desempenho: segundo Schaeffer, as possibilidades apresentadas pela música eletrônica, muitas vezes, incorporavam uma virtuosidade que “ofusca[va] toda execução viva” (SCHAEFFER, 1966, p. 67). Na música concreta, era justamente a impossibilidade de se preservar uma musicalidade “voluntária” que resultava numa sonoridade atrelada, unicamente, a descrição de seus próprios engendramentos.

Independentemente dessas “limitações” instrumentais, o caráter

“técnico/científico” assumido pela prática eletroacústica possibilitou a categorização dos elementos estruturais/acústicos dos objetos sonoros:

“Admitamos que se trata da orquestra normal e de seus instrumentos habituais,

tocando segundo as regras de solfejo. É com esse material que o compositor fará as suas obras. Contentemo-nos em lhe apresentar esse material, com um pouco mais de ordem do que de costume, e, permanecendo no nível lexical, não vamos evocar as gramáticas ou as sintaxes que ele terá que respeitar ou infringir” (SCHAEFFER, 1966, p. 301).

Buscando essa permanência sobre o nível lexical e imaginando a emancipação do timbre de suas associações semânticas, Schaeffer categoriza o som através de quatro critérios, a saber: critério de material, de manutenção, de forma e de variação. Para Schaeffer, todo som, incluindo os sons tônicos (de altura definida), possuem características que o circunscrevem nesses quatro critérios, divididos em sete tipos de

morfologia sonora. As articulações morfológicas, alinhadas aos eixos instrumental e

estrutural, podem determinar os aspectos estruturais dos novos materiais e as possibilidades semânticas de suas relações. Podemos considerar os critérios morfológicos apresentados por Schaeffer como uma tentativa de se determinarem elementos suscetíveis de repetição e variação, além de se conseguir gerir sua organização interna. Michel Chion descreve tais critérios na tabela que reproduzimos a seguir:

Tabela 1.2 – Critérios morfológicos do objeto sonoro

Critérios de Material (matière)

1) Massa “modo de ocupação do campo das

alturas pelo som”

2) Timbre Harmônico “halos difusos e qualidades anexas que parecem associadas à massa e

permitem qualificá-la”

Critérios de Manutenção (entretien)

3) Grão “microestrutura do material do som, evocando o grão de um tecido ou

mineral”

4) Flutuação (allure) “oscilação, ‘vibrato’ característico da

manutenção do som”

Critérios de

Forma 5) Dinâmica

“evolução do som no campo das intensidades”

Critérios de Variação

6) Perfil Melódico “perfil geral desenhado por um som

evoluindo na tessitura”

7) Perfil de Massa “perfil geral de um som no qual a massa é ‘esculpida’ pelas variações

internas”

Sobre o ponto de vista da escritura, podemos inferir uma total quebra de paradigma relacionada ao caráter eminentemente circunstancial do timbre. Não por acaso, os compositores se viram obrigados a realizar novos métodos e sugerir novos processos criativos. Um exemplo de busca de novas metodologias pode ser dado a partir dos quatro

critérios da música eletroacústica, tais como apresentados por Karlheinz Stockhausen em

uma palestra ministrada em Londres em 1971 (STOCKHAUSEN, 2009, pp. 79-93). Podemos relacionar as descobertas apresentadas até aqui a tais critérios elencados por Stockhausen, de modo a expandir as articulações ou estratégicas composicionais sobre as quais o compositor pode atuar:

1) A estruturação unificada do tempo. Confirmando as teorias apresentadas em seu artigo de 1960, “Die Einheit der musikalischen Zeit”16, a esse critério podemos atribuir a transferência das unidades elementares em música, que param de recair sobre o nível acústico (ou fonológico), passando a atuar sobre a manutenção da periodicidade dos elementos sonoros envolvidos e das variações de seus parâmetros. Todo elemento musical configura-se como pertencente a um continuum, cujo elemento primário é o tempo. Nesse sentido, podemos unir aspectos formais, rítmicos, melódicos e timbrísicos sobre um plano fundamental: a periodicidade no tempo projetada em níveis distintos de durações;

2) A decomposição do som. Ecoando os caminhos apresentados pela musique

concrète pelas vias do tratamento sonoro, e pela música eletrônica pelas vias

da síntese sonora, Stockhausen aponta a produção do som através de seus elementos constitutivos, na qual o tratamento e a síntese atuam como processos complementares. Trata-se, de certa forma, da eliminação da contingência instrumental, a qual predeterminara os níveis lexicais pertinentes, para a construção do som como objeto, desprovido de fonte concreta. Dessa forma, é possível considerar as transformações do som no tempo como uma articulação semântica. Nas palavras do próprio Stockhausen, “agora temos uma situação na qual a composição e decomposição do som, ou a passagem de                                                                                                                

16  “A  Unidade  do  Tempo  Musical”,  cuja  tradução  para  o  português  encontra-­‐se  em  MENEZES  (2009,  

um som através de diversas camadas de tempo, pode ser o tema em si, dado que por tema queremos dizer o comportamento ou a vida do som” (STOCKHAUSEN, 2009, p. 85);

3) A composição espacial de múltiplas camadas. Sobre o aspecto espacial, trata- se de uma articulação já explorada anteriormente na história musical. No entanto, as possibilidades práticas dos instrumentos eletroacústicos permitiram, pela primeira vez, a configuração de aspectos seriais nas trajetórias sonoras, estabelecendo assim uma conexão entre os elementos estruturais e espaciais, que até então se apresentavam de modo quase que autônomo ao compositor; 4) A igualdade entre o som e o ruído. Corroborando com a tabela apresentada

por Schaeffer, na qual estipula uma relação de contiguidade entre o som puro (senoidal) e os ruídos, passando pelos sons tônicos e complexos, Stockhausen também refere-se à possibilidade de equiparação do nível de importância entre os sons periódicos (de altura definida) e os sons aperiódicos (de altura