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A complexidade do sujeito não decorre apenas de sua pluralidade e diversidade, mas, em grande parte, de seus valores. A palavra valor é uma das que possui significação mais rica, complexa e difícil de definir. Valores referem-s e às qualidades avaliadas pelos homens, apreciadas em função do interesse que as coisas apresentam para os mesmos. Na verdade, o valor é a capacidade que um objeto (coisa, idéias ou outra pessoa) tem de satisfazer a um desejo, uma necessidade ou uma aspiração humana. No caso deste estudo, valor estará sendo utilizado no sentido mais social do termo, que significa modelos gerais de conduta, por prescrição coletiva, por normas de comportamento geralmente aceitas pela sociedade.

A maioria dos autores concorda que os valores orientam e guiam a vida das pessoas, mesmo quando não podem ser observados diretamente. Nos anos 70, Rokeach, um estudioso do assunto, concluiu, em suas pesquisas, que “o conhecimento dos valores de uma pessoa nos deveria permitir predizer como ela se comportará em situações experimentais e em situações da vida real”.(TAMAYO, 2005, p.8). Sobre isto, a entrevistada F emitiu a seguinte opinião:

Sem dúvida, um dos fatores mais importante é essa vontade de trabalhar

no 3o setor, vontade de provocar através de seu trabalho mudanças

sociais. A pessoa tem que ter essa sensibilidade para a causa social. Não dá pra ser uma pessoa que pense só em business. Não pode, o trabalho dela não vai funcionar legal.

Num dos workshops, colocamos a seguinte que stão para o grupo de voluntários responder utilizando as fotos que estavam disponíveis: Quais são os aspectos mais importantes, que norteiam as escolhas, decisões e atitudes deste grupo em relação ao trabalho no RIO VOLUNTÁRIO? O resultado foi o seguinte:

E os comentários sobre as fotos foram os seguintes:

Acho que um dos primeiros pontos levantados pelo grupo foi o tempo livre, a ociosidade, o tempo que a pessoa tinha que poderia ter feito alguma pelo social, alguma coisa voluntária. Então, a gente representou com uma mulher lendo jornal na praia. A gente falou também, da conformidade, da indignação, de ao mesmo tempo ver tanta gente precisando de tanta coisa, e a gente com tempo disponível querendo doar isso e, ao mesmo tempo, meio perdido, sem saber o que fazer. Aí pensando em alguma coisa voluntária, mas tocada com responsabilidade, pensando na solidariedade também, no lado social, no lado de ajudar alguém, onde a gente pudesse aprender alguma coisa tanto pro nosso crescimento profissional quanto pessoal, ou seja, a gente ajudando alguém, alguma instituição, fazendo trabalho voluntário, a gente estaria também tendo experiências profissionais que poderiam ajudar a gente. Isso gerando uma troca muito grande, uma interação, gerando uma satisfação pessoal pro grupo.

Comentários individuais durante a atividade:

Eu escolhi porque sempre gostei do lado social, da gente trabalhar com o comportamento social. Aí, quando eu terminei a faculdade, foi uma maneira de eu continuar trabalhando com o social... e era um período que eu tava com bastante tempo disponível também e eu achava que era uma maneira de contribuir com alguma coisa. Foi por isso que eu escolhi.

Apesar da minha profissão, de eu ter paz, de gostar de ajudar as pessoas, por ter um tempo disponível o tempo todo, sem saber o que fazer... resolvi entrar exatamente pra isso: pra ter uma ocupação, pra ajudar as pessoas.

Porque eu gosto muito dessa área social, trabalho com a comunidade, trabalho em grupo, sempre estar ajudando, não é? Também não gosto de ficar parada.

É a solidariedade, tem que saber dividir. Sobre isto, Oliveira (2002, p.5) afirma

“Solidariedade, responsabilidade, compromisso de agir em função do interesse comum: são sentimentos que dependem, fundamentalmente, de nossa capacidade como seres humanos de formular julgamentos e tomar iniciativas como base em nosso próprio sentido do que é justo, certo e necessário (‘to do the right thing’)... As fontes de inspiração para este sentimento de solidariedade e responsabilidade para com ‘the generalized

other” podem ser espirituais, religiosas, morais ou políticas. Há um fio

condutor comum, no entanto, nestas motivações para a ação este fio se encontra na referência a um determinado conjunto de fundamental de valores: solidariedade e compaixão para com os mais frágeis e indefesos, noção de que há limites no comportamento dos seres humanos entre e si e em relação com a natureza que não podem ser transgredidos sob qualquer pretexto, sentimento de cada pessoa pode e deve assumir sua responsabilidade frente a situações- limites de injustiça, violência e opressão”.

Como os valores são diferentes de uma pessoa para outra, Schwartz desenvolveu, a partir de pesquisas, uma teoria de valores em que identificou as principais características dos valores: “va lores são um constructo motivacional; transcendem situações específicas; guiam a seleção e avaliação de ações, políticas, pessoas e eventos; são ordenados pela importância relativa aos demais” (apud TAMAYO, 2005, p.22). Para ele, os valores estão relacionados a aspectos motivacionais, conforme também vimos na citação de Oliveira, dos quais Schwartz ressalta três como sendo de caráter universal, pois estão relacionados à existência humana, independente, de quem seja o indivíduo ou sua cultura, são eles: - “as necessidades dos indivíduos como organismos biológicos, os requisitos de ação social coordenada e as necessidades de sobrevivência e bem- estar dos grupos. Os indivíduos não podem lidar com estes requisitos da existência humana de forma bem sucedida sozinhos” (apud TAMAYO, 2005, p.24). Isto pode explicar as fotos e depoimentos mencionados, além de justificar o comprometimento social implícito nas equipes reais, conforme trata o próximo capítulo.

Weil (2000) comenta que os três valores que regeram a Revo lução Francesa, liberdade – igualdade - fraternidade, que, para ele, são inseparáveis, foram fragmentados por diferentes correntes do pensamento moderno, provocando impactos altamente negativos sobre a humanidade:

“A liberdade ficou com o mundo capitalista que sacrificou a igualdade de oportunidades; a igualdade ficou com o mundo socialista que sacrificou a liberdade; e a fraternidade foi esquecida pelos dois, devido ao domínio da ciência e da tecnologia, que a relegaram para o domínio da espiritualidade”. (2000.p.134)

Desta forma, como ele mesmo comenta, quem fala de fraternidade ou amor no mundo moderno é visto como idealista, sonhador,... Isto se evidencia, quando a sociedade se refere às pessoas que trabalham no Terceiro Setor, ou aquelas que acreditam em outra lógica que não seja a do lucro e a do mercado.

A foto seguinte é a resposta que o grupo, formado por profissionais contratados para trabalhar no Terceiro Setor, elaborou para a questão: Quais são os aspectos mais importantes, que norteiam as escolhas, decisões e atitudes deste grupo em relação ao trabalho no CDI?

Eu acho que o eixo central é o comprometimento, não é um trabalho que se faz sozinho, não se faz sozinho nem dentro dessa sala, nem dentro do CDI. O CDI está sempre com outras organizações, com outras ONGs que estão sujeitas à analise. Então, o comprometimento é o eixo central disso tudo. Com o objetivo de transformar a realidade, então as decisões a

gente avalia o que nós vamos perseguir, a gente avalia se as nossas decisões estão corretas, a gente procura ver qual o potencial que isso tem para transformar a realidade. A gente procura, também, converter muito disso para os nossos beneficiários. É importante que eles sejam empoderados e não apenas assistidos. Isso é uma coisa que está no âmbito central do CDI, virou um valor central nosso. Como chegar ao resultado? Isso exige uma participação de todos, mas a gente viu só a participação, a gente não atinge o que nós queremos, a gente precisa de organização, sistematização. A gente precisa ter uma organização que tenha uma gerência, no sentido que não fique fiscalizando, mas

organizando todo o trabalho. A gente pode definir isso, com papéis

definidos e dentro disso eu coloquei uma palavra que é “profissionalismo”... O resultado que a gente busca é a transformação do indivíduo, a transformação das comunidades, ou seja, um mundo melhor.

Isso na verdade são dois mundos muito diferentes.Então quando a gente colocou aquelas duas imagens, é uma busca da integração desses dois mundos, porque eles dizem muito isso, que a vida na favela é muito diferente da vida no asfalto...tudo gira muito diferente lá dentro:os valores, os códigos, visões que podem ou não podem atingir...que a gente viu mais agora não é...um grupo até certo ponto angustiado com a situação imposta e os crimes...e aí a gente vai reproduzindo nosso papel de protagonismo, de fomentar esses atores locais de transformações, é fundamental dentro desse comprometimento.

A literatura sobre gestão trata o empoderamento das pessoas, como práticas que visam aumentar o senso de autodeterminação de uma pessoa, que depende da crença em sua própria capacidade, gerando um sentimento de fortalecimento pessoal e de autonomia. Ainda que esta literatura esteja contextualizada nas empresas priva das, pela análise dos dados coletados é possível perceber que este conceito aplica-se ao Terceiro Setor, e que pode ser reforçado pelo fato de, na maioria das vezes, as pessoas trabalharem por projetos.

O “agir” (GUERREIRO RAMOS,1989) e o empoderamento das pessoas só é possível quando o indivíduo tem uma ideologia comum ao meio em que está inserido, como afirma Ansart (1978). Vale então, ressaltar a fala veemente do entrevistado A: Eu fui voluntário durante três anos. Para pessoa ser voluntário, tem de te r ideologia. Sem ideologia é um voluntário sem comprometimento, não aceito!... Não tem, não tem trabalho sem ideologia.

O terceiro grupo pesquisado levantou os seguintes pontos para responder a questão sobre os aspectos que norteiam suas escolhas, decisõe s e atitudes no trabalho:

Comentários dos participantes durante a elaboração do trabalho:

Eu queria ajudar as pessoas também, mas eu não tinha condições. Ai eu pensei assim: Se fizer parte do grupo cultural eu vou estar pelo menos fazendo a minha parte, que no caso, ajudando as pessoas, tendo as dificuldades, se eu puder interagir nas dificuldades das pessoas. Pra mim, estar no Afroreggae é eu poder andar onde eu quero sem ser incomodado por ninguém, porque eu morava na Cidade Alta e se passasse ali em Lucas a pé e os moleques me vissem, eles me agarravam e me batiam. Agora não, se eles me pararem eu falo que eu não sou de lugar nenhum, eu sou do Afroreggae, aí eles falam “Tu é do Afroreggae então tá tranqüilo, pode ir lá”.

O Afroreggae pra mim é poder ir e vir sem preocupação nenhuma, andar onde eu quiser sem preocupação...É a minha liberdade.

Quando se fala da escolha e das atitudes, acho que pra quem é mais antigo e da galera que é daqui da própria comunidade, é que se a gente parar pra perceber há alguns anos atrás a gente não tinha nenhum trabalho focado que desse alguma oportunidade diferente pras crianças e pros jovens dentro da comunidade. Então, alguém acreditou no nosso trabalho, alguém acreditou em nós, alguém dentro da comunidade de Vigário Geral, acreditou que alguma coisa ia dar certo. O que faltava aqui era a chamada oportunidade das crianças e dos jovens estarem fazendo alguma coisa.

A gente também colocou “Amor à profissão”, porque eu acho que se a gente não valorizar o que a gente faz, a gente não vai ter forças pra fazer aquilo ali e não vai fazer bem feito, se dá certo é porque a gente gosta do que a gente faz e se esforça para isso.

Outra coisa também que a gente está resgatando é a questão da cultura afro-brasileira, que o que a gente trabalha tanto dentro do Afroreggae.Eu acho, uma das coisas mais importantes quanto equipe, no geral é o reconhecimento de quem a gente está atendendo, é o retorno do nosso trabalho. Então, isso faz com que a gente tenha mais força pra

continuar lutando, buscando e chegar ao tão espero resultado. O “Individuo X Social” é levar o conhecimento, é sentir o indivíduo dentro do social, o resgate da cidadania... o fortalecimento do grupo de mulheres. E também, a questão do conhecimento e da oportunidade...de estar podendo proporcionar isso: conhecimento, oportunidade, acesso a cultura, ao lazer, ao estudo.

No entanto, o fato de assumir a ideologia da organização em que se está inserido, não significa desistir de seus próprios valores, mas sim de atingir uma convergência sadia entre estes valores pessoais e os da organização, como comenta o entrevistado D:

O que a gente busca, em geral, e aí vale para todos, é o ‘compartilhamento’, que essa pessoa compartilhe um certo conjunto de valores, e compartilhe a missão do CDI, como uma missão importante, tenha uma compreensão da missão do CDI como importante na transformação da sociedade. Isso, obviamente, tem a ver com o entendimento da missão pura e simples, a Inclusão digital não é um fim por si mesmo, mas a gente busca a inclusão social, e tem a ver com outros valores, que são valores de respeitar o conhecimento adquirido das outras pessoas, mesmo que não tenham formação, respeitar o conhecimento adquirido, respeitar a autonomia, ter essa busca da ‘autonomização’, da emancipação dos nossos beneficiários.

Certamente, esta possibilidade de convergência facilitará o comprometimento, e fará com que não haja necessidade de controle sobre essa pessoa. Isto evidencia um aspecto importante nas entrevistas com os coordenadores sobre o estilo de gestão e sobre a relação dos mesmos com os grupos, como podemos ver no exemplo a seguir do Entrevistado D:

Acredito num modelo de gestão participativa ...como gestor, eu diria, em todos os momentos,a gente tem de ouvir a equipe, ouvir o que as pessoas pensam. Em muitos momentos, esse processo só de escutar leva a uma solução conjunta, positiva e tudo, mas em alguns momentos, em alguns poucos momentos mais importantes, existe uma diretriz da organização,

existe ali a visão do líder, ou das pessoas que estão na gestão desse processo, mesmo sendo numa gestão participativa e tudo, que precisa ser considerada... Mas eu vou procurar convencer, influenciar toda minha equipe. Sempre de uma forma dialética, procurando convencer, discutir, guiar. É muito raro, para mim, chegar e dizer: -“ Vamos por aqui porque eu quero”. Isto praticamente não existe. Sempre passa por esse processo de convencimento.

Alguns estudos mostraram a eficácia do processo de interiorização da ideologia da organização para a gestão das pessoas e, conseqüentemente, dos negócios, mas a grande crítica a esta corrente de pensadores, manifesta-se na dúvida quanto aos aspectos éticos. Pagés et alii (1987) fazem uma crítica contundente aos mecanismos usados pelas empresas hipo modernas para promover a convergência ideológica entre indivíduo e organização, alegando uma intencional manipulação de valores, explicados pelo arcabouço conceitual da psicanálise e do marxismo. A obra faz refletir que o aspecto ético parece estar no “co mo” esta ideologia é gerada, ou seja, se é um processo imposto, autocrático e que se submete aos interesses de um capitalismo selvagem, ou se o processo de gestão da ideologia é participativo, democrático, construído a partir dos valores pessoais de outra natureza e não só os econômicos.

A fala da entrevistada C, transcrita a seguir, subentende a importância que a mesma dá à questão dos valores pessoais estarem alinhados com os da organização e ao papel da mediação descrito por Pagés et alii (1987):

Acho que justamente por eu ter essa construção participativa, cada um se vê, claramente, na atividade que realiza. Então, por isso, eu as sinto muito satisfeitas. Logo assim que assumi a equipe, eu procurei equalizar pontos que pudessem ser motivos de desavenças, de desconforto: questões de salários, questões de horários, questões de coisas práticas do dia -a-dia, para que ninguém fizesse diferença. Nesse aspecto, eu acho que todas estão satisfeitas

com o que estão realizando. É aquilo de que falei, primeirame nte, o que eu acho que é dos fatores de sucesso é essa abertura. Já aconteceu umas duas ou três vezes que quando alguma delas passa alguma coisa que não está confortável, que não está legal, elas me procuram para conversar sobre isso. Eu acho então que é uma coisa bacana.

Encontramos, bem antes dos autores modernos, idéias como as de Schopenhauer, filósofo alemão, nascido no séc XVII, que nos fazem refletir sobre a complexidade da relação Sujeito-Objeto, Destino- Ator, Ser- Ter, Mutável- Imutável:

“...toda a realidade, isto é, todo momento presente plenamente realizado, constitui-se de duas metades, o objeto e o sujeito, numa associação tão necessária e essencial quanto aquela que se estabelece na água entre o oxigênio e o hidrogênio. Se a metade objetiva pe rmanecer totalmente idêntica, mas a subjetiva diferir, ou vice- versa, a realidade ou o momento presente não serão mais os mesmos. ... A metade objetiva encontra-se na mão do destino e é mutável; a metade subjetiva somos nós mesmos e, em sua essência, ela é imutável. Disso deduz-se claramente o quanto a nossa felicidade depende daquilo que somos, da nossa individualidade, enquanto geralmente levamos em conta apenas o nosso destino e aquilo que temos.” (SCHOPENHAUER, 2005, p. 82).

Esta citação corrobora as idéias de Morin (2004), Castells (2001), Ramos (1989), Arendt (1999) sobre a importância de compreender o indivíduo dentro de seu contexto social e numa perspectiva holística, procurando entender as relações do Sujeito com o Outro, com o ambiente e suas re cíprocas influências.

Neste sentido, este capítulo tratou da constituição do sujeito, de como os valores influenciam suas escolhas e ações, procurando por meio dos autores e dos dados coletados na pesquisa demonstrar como este SER complexo, ora ator, ora um micro componente desta fantástica “teia da vida”, atua no seu contexto social.

Capítulo 3

O indivíduo no grupo e o trabalho em equipe

Este capítulo trata do indivíduo na sua relação com o grupo e de como o grupo passa a ser uma equipe. Também é feita uma análise do modo de atuar das equipes pesquisadas e das características e condições necessárias que possam ter levado suas respectivas ONGs a alcançarem resultados positivos conforme definem seus indicadores.

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