• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 – Género, Violências e Instabilidade Política

1.2. Violências

1.2.1. Violência Estrutural

Galtung (1969:171) caracteriza a violência estrutural como injustiça social e explica que na estrutura não pode haver uma pessoa que prejudique outra, porque a violência é incorporada na própria estrutura e mostra-se como um poder desigual e consequentemente como chances de vida desiguais para os indivíduos. Para Galtung, consideram-se casos de

10 Segundo Hudson et al.. (2014:84), os psicólogos acreditam que a chave para treinar indivíduos para se

violência estrutural aqueles em que o sistema causa fome, miséria, doença ou inclusive a morte à população, sendo geralmente sistemas em que os países não garantem as necessidades básicas à sua população. A violência estrutural está representada pelas numerosas situações de injustiça que se observam tais como as desigualdades sociais, o Apartheid, a fome mundial, a obrigatoriedade do serviço militar, as ditaduras militares e o sistema económico e jurídico internacional que empobrece continuamente os países do Sul em benefício dos do Norte. (1969:171).

O autor (1969:171) divide a violência estrutural em violência interna, que emana da estrutura da personalidade de cada indivíduo, e em violência externa, proveniente da própria estrutura social entre os indivíduos ou entre sociedades. Para Galtung, as duas principais formas de violência estrutural externa, a partir da política e da economia, são a repressão e a exploração. Ambas actuam sobre o corpo e a mente, mas apesar dos seus impactos nas vítimas, nem sempre são intencionadas. O autor descreve ainda dois tipos de violência estrutural, a vertical e a horizontal. A primeira engloba a repressão política, a exploração económica e a alienação cultural – que violam as necessidades de liberdade, bem-estar e identidade, respectivamente. A segunda, a violência estrutural horizontal, é aquela que separa as pessoas que querem viver juntas ou junta pessoas que querem viver separadas, e que viola a necessidade de identidade.

Distinguindo violência estrutural de violência pessoal, Galtung (1969:171) ilustra que quando um marido agride a sua esposa, há um caso claro de violência pessoal, mas quando um milhão de maridos mantêm um milhão de esposas na ignorância, trata-se de violência estrutural. Segundo o autor (169:173), a atenção tem sido concentrada na violência pessoal e não na violência estrutural, também devido ao facto de o objecto da violência estrutural não ser muito evidente e passar mais facilmente despercebido e pelo facto desta ser uma violência silenciosa. Para Galtung (idem) “Personal violence represents change and dynamism - not only ripples on waves, but waves on otherwise tranquil waters. Structural violence is silent, it does not show - it is essentially static, it is the tranquil waters.” Galtung explica ainda que numa sociedade estática a violência pessoal será registrada, enquanto que a violência estrutura pode ser vista como normal de tão naturalizada que está. Pelo contrário, numa sociedade altamente dinâmica, a violência pessoal pode ser vista como errada e prejudicial, mas continuar de certa forma congruente com a ordem das coisas, enquanto que a violência estrutural se torna evidente porque destaca-se como uma enorme rocha num riacho, impedidindo o fluxo livre, criando todo o tipo de reviravoltas e turbulências. Em suma “In other words, we conceive of structural violence as something that shows a certain stability,

whereas personal violence (e.g. as measured by the tolls caused by group conflict in general and war in particular) shows tremendous fluctuations over time.” (1969:173). O autor (1969:180) sublinha ainda que todos os membros de uma estrutura violenta contribuem para o seu funcionamento, sendo, portanto, todos responsáveis por ela.

Hudson et al. (2014: 93) introduz a dimensão cultural da violência simbólica e aponta a relação entre a violência operada na esfera pública e na esfera privada, considerando que a violência estrutural é baseada na violência cultural – isto é, abre ou implica a violência na esfera privada: “Thus, while structural violence may obviate the need for open violence in the public sphere, it is based on open or implicit violence in the private sphere of the home. Norms of cultural violence diffuse within religion, ideology, language, and art, among other aspects of culture.”

A violência estrutural refere-se à violência que é exercida pelo estado e pelas instituições, que resulta do monopólio legal do uso da força pelo Estado (Max Weber), e que parte, por isso mesmo, do aparelho repressivo estatal. Minayo (1994) vê a violência estrutural como “violência gerada por estruturas organizadas e institucionalizadas, naturalizada e oculta em estruturas sociais, que se expressa na injustiça e na exploração e que conduz à opressão dos indivíduos.” Segundo o autor, aos indivíduos vítimas da violência estrutural são negadas vantagens na sociedade, tornando-os vulneráveis ao sofrimento e à morte. Esta definição de Minayo observa a produção de desigualdades como um ponto essencial constitutivo da violência estrutural, sendo que estas desigualdades tendencialmente conduzirão à criminalidade e à violência social. Um aspecto importante é também o facto da violência estrutural ser gerada no quadro de sociedades de democracia aparente, que apesar de preverem a igualdade dos cidadãos, na verdade discriminam e privilegiam uns enquanto excluem e oprimem outros. Deste modo, a violência estrutural também tem a ver com a ausência de direitos e a exclusão social. Neto (1999:34) define a violência estrutural como sendo “infligida por instituições clássicas da sociedade e que expressa, sobretudo, os esquemas de dominação de classe, grupos e do Estado.” Para os autores (1999:34-35) “Exatamente por ser exercitada nas ações diárias de instituições consagradas por sua tradição e poder, esta forma de violência costuma ser considerada como algo natural que, na maioria das vezes, não é contestada, sob o pretexto da desestabilização da ordem social. O senso comum nem chega a compreendê-la como uma manifestação de violência, mas sim como pura e simples incompetência de governantes e responsáveis, ou até mesmo como uma maneira de gerenciar os conflitos sociais.”

Já Ho (2007:1) afirma que a violência estrutural torna-se uma violação dos Direitos Humanos quando as necessidades humanas fundamentais não podem ser alcançadas e que, aplicando a violência estrutural ao discurso dos direitos humanos, surge uma clara ênfase na necessidade de proteção especial dos direitos sociais e económicos que há muito tempo foram marginalizados a favor dos direitos civis e políticos. Segundo Ho (2007:5) “How, then, does the theory of structural violence connect to human rights violations? This essay claims that when agency is constrained to the extent that fundamental human needs cannot be attained, structural violence becomes a violation of human rights and thus constitutes a structural violation of human rights.” Para a autora (2007:4), a violência estrutural como teoria ajuda a explicar a distribuiçãoo desse sofrimento e embora não posso implicar diretamente o ator da violência, conforme descrito por Galtung, expõe uma lógica clara por trás da natureza sistémica de como a violência é distribuída.

Coady (1986:3-4) vê a violência como uma ideia central da teoria política e critica a definição de Galtung de violência estrutural que considera demasiado generalista. Para o autor, a definição de Galtung serve os interesses da esquerda na medida se coloca o termo “violência” na grande maioria das injustiças e desigualdades sociais, sendo que isto justifica as reformas feitas com vista a eliminar a tal violência que atinge os já ricos e até actos terroristas; e a violência física é usada para justificar quem o vê como sendo resposta contra a violência estrutural e das instituições. E a direita também disso faz uso para descredibilizar algumas instituições, vendo as estruturas como deformadas e como entidades que expõem as pessoas ao perigo moral, etc. Para Coady (1986:6), quando se fala de violência estrutural, há tendência para se juntar três questões que devem ser mantidas em separado: A primeira, que é a que essencialmente preocupa Galtung, é a forma como as pessoas são feridas e prejudicadas por arranjos sociais injustos, embora não estejam sendo vítimas de nenhuma violência no sentido restrito (pessoal ou física) do termo. A segunda é o fenómeno ordinário da violência de pessoa para pessoa com causas sociais ou estruturais pronunciadas, como por exemplo o assédio policial a minorias raciais, os distúrbios raciais ou a brutalidade prisional. E, por último, existe a prontidão generalizada para recorrer à violência socialmente tolerada que está implicita na grande parte da vida social. Para Coady, Galtung coloca esta última na categoria de “violência latente” mas parece tratá-la como um tipo de violência específico, o que para Coady “which seems wrong for the perfectly general reason that tendencies and dispositions should not be confused with their displays.” (idem).