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2 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES:

2.1 Modalidades, sintomatologia, características familiares e consequências

2.1.1 Violência Sexual

É considerada como toda participação, consentida ou não, de criança ou adolescente em atividades sexuais com adulto(s), que vão além de sua capacidade de compreensão e são impróprias à sua idade e ao seu desenvolvimento. Essa participação pode acontecer por meio de coerção, violência ou sedução e transgride regras sociais e costumes. Pode ocorrer com ou sem contato físico. A criança e o adolescente devem sempre ser considerados vítimas e não réus, pois a intenção é sempre o prazer (direto ou indireto) do adulto que os coage e submete (MELLO, 2008).

Explicitando concretamente:

Todo ato ou jogo sexual, relação hetero ou homossexual entre um ou mais adultos (com relação de consaguinidade, afinidade e/ou responsabilidade quanto à vítima) e uma criança ou adolescente, tendo por finalidade estimular sexualmente esta criança/adolescente ou utilizá-los para obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou a de outra pessoa (AZEVEDO e GUERRA, 2012, p. 2-1).

Pode-se ver um exemplo dela, a partir de situação atendida pelo serviço pesquisado: B. (17 anos) foi encaminhada ao PAEFI/CREAS após denúncia efetuada ao Conselho Tutelar que seu filho (02 anos), era também filho de seu padrasto R. Chegou ao referido serviço pela primeira vez sem brilho no olhar, era introvertida, só respondia ao que era perguntado. Relatou ser responsável por todas as tarefas domésticas, ter o sonho de voltar a freqüentar a escola e não ter contato com familiares ou amigos. Era uma menina triste, relatava que era chamada pelas pessoas de puta, prostituta, vagabunda. Negou qualquer vitimização em sua casa. A mãe V. relatou ser protetiva, cuidadora e acreditar que seu companheiro não tinha feito nada com sua filha, era amor de pai. No atendimento seguinte faltou. No próximo veio sozinha, sentiu fortalecida e contou tudo que havia vivido. Foi vítima de negligência, abuso sexual por vários autores desde a infância e violência física. O padrasto a seduziu e fez várias promessas... Ela acreditou e cedeu. Foi a única forma de ser importante para alguém que ela conheceu durante sua vida. B. e sua irmã M. (14 anos) foram retiradas e agora vivem com o pai e a madrasta. O padrasto R. ainda tentou procurá-la, mas agora existe uma medida protetiva de afastamento. B. voltou a estudar, está trabalhando e agora, quando chega sorrindo, tem brilho no olhar e sente-se livre.

Existem 02 (duas) formas de violência sexual: o abuso sexual, quando o adulto mantém relação sexual, com ou sem contato físico, com a criança e/ou adolescente; e a

exploração sexual, quando crianças e/ou adolescentes são induzidos por adultos a praticar

atos sexuais com adultos, objetivando a obtenção de lucros (MELLO, 2008).

Uma criança e/ou adolescente que esteja sendo vítima de violência sexual pode apresentar sintomas (AZEVEDO e GUERRA, 2012), que deverão ser vistos em seu conjunto:

 Mudanças extremas de comportamento: apetite, escola, humor, sono etc;  Regressão a comportamentos infantis: choro, enurese, encoprese, chupar dedos

etc;

 Roupas rasgadas ou sujas de sangue;

 Hemorragia vaginal, retal, dor ao urinar, cólicas intestinais, genitais com corrimentos ou inchados, infecções na área genital e/ou anal, DST, presença de sêmen na boca/genitais/roupa;

 Comportamento agressivo, disruptivo, raiva, fuga, desligamento do mundo, mau desempenho escolar, prática de atos infracionais;

 Prostituição infantojuvenil;  Uso de álcool e drogas;  Nanismo social;

 Conhecimento e/ou curiosidade sexual não previstos na fase de desenvolvimento;

 Medo de uma certa pessoa, desagrado em estar próximo a ela, não desejar estar sozinho com esta pessoa, ou em algum lugar específico;

 Dores e problemas físicos: problemas de pele, vômito, dores de cabeça, sempre sem explicação médica;

 Gravidez precoce (entendida como a que ocorre em disparidade com a média comum de idade para o engravidamento, num determinado lugar e tempo;  Introversão, dificuldade de relacionamento;

 Vergonha de trocar de roupa na frente de outras pessoas;

 Tentativa de suicídio, depressão, psicose e outros tipos de doença mental e  Relatos de vitimização por violência sexual por pais, responsáveis ou parentes. As famílias, nas quais existe a vitimização por violência sexual, apresentam alguns indicadores na conduta dos pais e/ou responsáveis, que deverão ser considerados conjuntamente:

 São extremamente protetores ou cuidadosos com a criança e/ou adolescente;  Estimulam estes a práticas sexuais e/ou prostituição;

 Enfrentam dificuldades conjugais, mas não aceitam e não relatam este problema;

 Abusam de álcool e/ou drogas;

 São ausentes no convívio familiar e

 São sedutores e insinuantes, principalmente com crianças e adolescentes. As consequências da violência sexual podem ser de natureza orgânica e psicológica (AZEVEDO e GUERRA, 2012).

Sem o cuidado e a proteção de um adulto, além do acesso a um acompanhamento interdisciplinar e intersetorial qualificado, as vítimas poderão carregar sequelas por toda a vida. Entre elas, as:

 Orgânicas: lesões físicas gerais, lesões genitais, lesões anais, gestação, doenças sexualmente transmissíveis e disfunções sexuais;

 Psicológicas: sentimento de culpa e/ou de autodesvalorização; depressão; recusa no estabelecimento de relações com o sexo oposto, estabelecimento de relações apenas transitórias com o sexo oposto, tendência a supersexualizar relações com o sexo oposto; gestos e tentativas da suicídio; fugas do lar; abuso de drogas e álcool, que podem levar à dependência e problemas de saúde; desordens de personalidade do tipo agressivo e delinquência crônica; automutilação, anorexia; crises histéricas; estilo de vida disruptivo; prostituição ou estilo de vida dominado pela exploração sexual; homicídio do pai/mãe ou responsável e homicídio de outras crianças/adolescentes/adultos. (AZEVEDO e GUERRA, 2012).

2.1.2 Violência Física

Ocorre quando se usa força física para machucar, punir ou mesmo como pretexto para educar ou corrigir crianças e adolescentes. Pode ir de um tapa ao espancamento fatal. Todo ato que causa dor física em criança ou adolescente é violência (MELLO, 2008).

A Violência Física:

Corresponde ao emprego de força física no processo disciplinador de uma criança. Toda ação que causa dor física na criança: desde um simples tapa até o espancamento fatal representam um só continuum de violência (Azevedo e Guerra, 2012, p. 1).

A situação exemplificada abaixo apresenta a vitmização por violência física intrafamiliar:

A. (12 anos) foi encaminhado ao PAEFI/CREAS após denúncia efetuada pela escola (ensino fundamental II) ao Conselho Tutelar que sua mãe havia lhe batido com um pau e ele encontrava-se marcado. Chegou ao referido serviço pela primeira vez com olhar assustado, introvertido, desconfiado. O pai R. relata que ele pediu pelo amor de Deus para tirá-lo de uma vida de tanto sofrimento. A irmã C. (05 anos) além de presenciar as violências praticadas contra A., também as sofria, chegando a ficar com os braços inteiros arranhados, em crises de fúria da mãe J. J. perdeu a guarda dos dois filhos, que encontram-se residindo com os pais. Ambos relatam vitimização por violência física e também negligência, visto que a mãe não preparava os alimentos e não se preocupava com as questões de saúde dos filhos. J. apresenta também problemas de relacionamento com seus familiares, que não aceitam a violência que ela praticava contra os filhos.

Uma criança e/ou adolescente, que esteja sendo vítima de violência física, pode apresentar sintomas que, como na violência sexual, não deverão ser vistos de forma isolada:

 Contusões corporais que indicam uso de objetos como cintos, fivelas, escovas de cabelo, chicote, mangueira, fios elétricos etc;

 Contusões inexplicadas em locais em que a criança e/ou adolescente não consegue se machucar sozinha;

 Marcas circulares de queimadura que podem ter sido ocasionadas por cigarro;  Queimaduras que indicam que a criança e/ou adolescente foi imerso em líquido

quente;

 Queimaduras que revelam o objeto que as produziu: ferro elétrico, garfo ou faca quente, aquecedor etc;

 Ferimentos causados por fricção, que indicam que a criança e/ou adolescente foi amarrado;

 Fraturas inexplicadas no nariz, rosto, pernas, vértebras e/ou outras partes do corpo;

 Feridas em diferentes estágios de cicratização em diversas partes do corpo;  Outras lacerações sem explicação possível;

 Marcas de dentes humanos, do tamanho de um adulto;

 Criança e/ou adolescente desconfia dos contatos com os adulto, está sempre alerta, com medo que algo ruim aconteça, apresentando mudanças frequentes e severas de humor. Tem receio dos pais e da casa e é apreensivo quando outras crianças começam a chorar. Apresenta comportamento extremos (tímidos, extrovertidos, agressivos, inertes etc) e mudanças extremas no desempenho e

comportamento escolar, sem explicações físicas e/ou cognitivas. Revela estar sofrendo violência física (AZEVEDO e GUERRA, 2012).

Nas famílias em que ocorre a vitimização por violência física, os pais e/ou responsáveis não mostram preocupação com a criança e/ou adolescente; culpam o filho por problemas em casa e/ou na escola; autorizam o professor a punir fisicamente seu filho; veem a criança como malvada, preguiçosa, problemática; exigem perfeição e desempenho não adequado às possibilidades do filho; a criança deve satisfazer às necessidades emocionais, de atenção e de afeto dos pais; oferecem explicações não condizentes com os ferimentos apresentados pela criança e/ou adolescente; demoram a levar a vítima para atendimento médico, quando necessário; apresentam história anterior de vitimização da criança e/ou adolescente; empregam a punição corporal severa com o filho; defendem o uso de violência física na educação; não são afetivos com os filhos; consideram o relacionamento pai-filho como ruim e afirmam que não convivem bem (AZEVEDO e GUERRA, 2012).

Nas famílias nas quais existe violência física as relações do agressor com os filhos vítimas se caracteriza por ser uma relação sujeito objeto: os filhos devem satisfazer as necessidades dos pais, pesa sobre eles uma expectativa de desempenho superior às suas capacidades, são vistos como pessoas criadoras de problemas. Por outro lado, pode haver uma idealização da criança ou adolescente: os pais imaginam uma criança/adolescente que não corresponde ao seu filho, e tudo pode representar um motivo para sua rejeição, seja o seu aspecto físico, o seu caráter, o sexo etc. Além disso, podem ser percebidos conflitos familiares significativos, seja entre os pais, seja destes com outros elementos da família (avós, tios etc). Um outro aspecto interessante que surge na dinâmica entre pais e filhos reside no fato de que as vítimas de violência física devem aprender que são “responsáveis” por estes quadros de violência, ou seja, as causas do problema são individuais, devem ser hipostasiadas como culpa e jamais remetidas a questões mais amplas que se interliguem a problemas familiares, sociais etc. O resultado desse tipo de prática: seres humanos que de antemão buscam o erro em si mesmos (GUERRA, 2011, p. 43).

Como na violência sexual, as consequências da violência física podem ser de natureza orgânica e psicológica; se as vítimas também não possuírem um adulto que tenha condições de cuidá-las e protegê-las, conjuntamente com a falta de acesso ao acompanhamento interdisciplinar e intersetorial qualificado, poderão carregá-las por toda a vida:

 Orgânicas: sequelas provenientes de lesões abdominais, oculares, de fraturas, de queimaduras, que poderão causar invalidez temporária ou permanente e a morte, conhecida também como violência fatal.

 Psicológicas: sentimentos de raiva e medo quanto ao agressor; dificuldades de aprendizagem; dificuldades para confiar nos outros; autoritarismo (obsessão pela ordem, controle e obediência); delinquência; tolerância com a prática da

violência doméstica e homicídio do pai/mãe ou responsável (AZEVEDO e GUERRA, 2012).

Os sentimentos gerados pela dor decorrente das violências físicas de adultos contra crianças são na maioria das vezes reprimidos, esquecidos, negados, mas eles nunca desaparecem. Tudo permanece gravado no mais íntimo do ser e os efeitos da punição permeiam nossas vidas, nossos pensamentos, nossa cultura (GREVEN, 1992, apud AZEVEDO E GUERRA, 2012, p. 2-12).

2.1.3 Violência Psicológica

Violência psicológica é violência das palavras e das emoções – rejeição, falta de amor; altas expectativas, com tarefas e responsabilidades não adequadas para a idade; terrorismo, isolamento ou confinamento. É “também designada como ‘tortura psicológica’, ocorre quando os pais ou responsáveis constantemente depreciam, as crianças e ou adolescentes, causando- lhes grande sofrimento mental” (AZEVEDO e GUERRA, 2012, p. 3-1).

As crianças e/ou adolescentes vítimas de violência psicológica sofrem humilhações, indiferença, rejeição, terrorismo, isolamento ou confinamento, exploração etc. Em geral, esta modalidade de VDCA acompanha outras formas de violência.

A violência psicológica:

Define-se por palavras, atitudes, comportamento e/ou climas negativos criados por adultos em torno de criança ou adolescente, de caráter repetido, extensivo e deliberado. Seu impacto emocional ultrapassa a capacidade de integração psicológica da criança ou adolescente e resulta em sérios prejuízos ao desenvolvimento psicoafetivo, relacional e social dos mesmos (MELLO, 2008, p. 12)

Ela se exemplifica na história de C., atendido pelo PAEFI:

“C. (07 anos) foi encaminhado ao PAEFI/CREAS após denúncia efetuada ao Conselho Tutelar, pelo programa de contra turno escolar que ele era vítima de violência psicológica em sua casa, por seus pais e irmãos, que o ofendiam alegando que ele apresentava comportamento homossexual e tentavam, durante todo o tempo, mudar seu modo de andar, de falar, de brincar e de se relacionar. C., que apresentava bom comportamento e aproveitamento escolar, mas por incentivo da mãe, passou a ofender a professora e isso ocasionou queda no em seu rendimento. C. tornou-se agressivo e introvertido. Quando chegou para atendimento no referido serviço, negou a situação relatada no contra turno escolar e a família apresentou muita resistência ao acompanhamento oferecido. A mãe alegava o tempo todo que o que eles faziam com C. era objetivando que ele se torna-se homem”.

Uma criança e/ou adolescente que esteja sendo vítima de violência psicológica, pode apresentar sintomas que, como nas modalidades de VDCA apresentadas anteriormente, não deverão ser vistos de forma isolada:

 Distúrbios físicos (alimentares, enurese, encoprese etc);

 Distúrbios cognitivos (dificuldade de aprendizagem, atraso etc);  Sofrimento emocional;

 Submissão a qualquer figura de autoridade;  Desconfiança, mania de perseguição;

 Incapacidade para reconhecer as necessidades, os sentimentos e o referencial do outro;

 Relação ansiolítica e conflituosa com os pais e/ou responsáveis e  Hiperreatividade de caráter passivo ou agressivo (MELLO, 2008).

Nas famílias em que ocorre a violência psicológica, o perfil apresentado pelos pais e/ou responsáveis é marcado por insensibilidade e desprezo pelos filhos, não lhes prestando ajuda, comunicando-se com eles de forma deficitária, sendo incompreensivos e comportando- se de forma inadequada em certas circunstâncias específicas (AZEVEDO e GUERRA, 2012). As consequências apresentadas pelas crianças e/ou adolescentes vítimas de violência psicológica, segundo Mello (2008), são:

 comprometimento duradouro da constituição e da mobilização do sentimento de autoestima e autoconfiança;

 vulnerabilidade na constituição e na preservação da saúde física e mental; dificuldade de formar relações interpessoais satisfatórias;

 descrédito quanto à possibilidade de amar e ser amado; sentimentos de culpa e desamparo;

 visão pessimista do mundo; grande dificuldade de se comunicar de maneira construtiva;

 comportamentos autodestrutivos e hostis em direção aos outros; dependência, depressão, retraimento;

 sintomas de ansiedade excessiva;  prática de atos infracionais;  uso de mentiras;

 tentativas de suicídio ou suicídio.

2.1.4 Violência Presencial

É a violência praticada pelo casal, com o testemunho das crianças e/ou adolescentes. É uma violência dupla: dirigida aos cônjuges/companheiros e à criança/adolescente.

Esta modalidade de violência foi reconhecida recentemente em países da Europa e seu conceito está longe de ser tranquilo, havendo quem considere tratar-se apenas de uma modalidade de VDCA de natureza psicológica.

Na violência presencial, a criança e/ou o adolescente vivenciam a violência sofrida em casa por adultos de seu convívio, seu círculo e sua referência.

Como se trata de uma modalidade identificada recentemente, não encontramos referências bibliográficas suficientes quanto aos indicadores que estamos usando nesta síntese das modalidades de VDCA.

Autores como Azevedo e Guerra (2012), sinalizam que a criança e/ou o adolescente que testemunha a ocorrência dessas cenas de violência doméstica em suas casas, direta ou indiretamente, as percebem e, de alguma forma, sofrem impactos que não devem ser subestimados.

O testemunho da violência intrafamiliar, comparado a outras formas de abuso infantil, é caracterizado como ‘maus tratos’ cuja presença é um efeito derivado do reconhecimento preliminar da violência direcionada a outra pessoa que coabita com a criança e/ou que constitui para ele(a) uma pessoa afetivamente significativa. Constitui uma forma de abuso da infância, cuja presença exige que o observador esteja ciente de que um evento traumático afeta não só a vítima direta, mas também a todos que testemunham o evento, como acontece também com outros eventos traumáticos tais como: ataques, acidentes, massacres etc; na realidade, as vítimas de tais eventos não são só aquelas diretamente atingidas, mas também aquelas que os testemunham impotentes. No evento de testemunho de violência intrafamiliar, a circunstância agravante é o fato de que a vítima é um sujeito em desenvolvimento e que os agressores são pessoas de referência, afetivamente significativos para a criança (AZEVEDO e GUERRA, 2012, p. 6-6).

2.1.5 Violência fatal

Podemos considerar como violência fatal quando a morte de criança e/ou adolescente é decorrente de ações ou omissões de pais ou responsáveis. A violência fatal é uma consequência extrema da VDCA (AZEVEDO e GUERRA, 2010).

Conforme colocam Azevedo e Guerra (2010), o fenômeno da violência fatal pode envolver: uma sucessão de modalidades de VDCA impostas à vítima; um único episódio de violência severa; a morte provocada de uma criança durante as suas primeiras 24 (vinte e quatro) horas de vida; uma falha no esquema de supervisão familiar; o homicídio de uma criança por seus pais e/ou responsáveis seguido do suicídio do adulto ou o homicídio da criança/adolescente por ambos os pais e/ou responsáveis.

As publicações internacionais sinalizam que ela atinge crianças e adolescentes (de 0 a 18 anos), sendo 90% deles já vítimas anteriores de VDCA e constando como agressores, em sua maioria, mães e padrastos com história de uma extensa problemática: agressões físicas mútuas e vínculos familiares comprometidos; alcoolismo e uso de outras drogas; dificuldades financeiras e antecedentes criminais. Provavelmente, pelo fato de já terem se apresentado vitimizações anteriores nessas famílias, constavam notificações de VDCA a órgãos de proteção e defesa de crianças e adolescentes na quase metade dos casos de violência fatal. Cabe ressaltar que a notificação da vitimização por esta modalidade de violência é falha, visto que, muitas vezes, a morte de crianças e adolescentes não é avaliada como decorrência da prática da VDCA e sim como acidente, baseada no relato dos pais e/ou responsáveis que não se apresentam como os autores de situações que culminaram na morte de seres em condição peculiar de desenvolvimento.

2.1.6 Negligência

Segundo Mello (2008), negligência é a omissão moderada ou severa, aguda ou crônica, em prover as necessidades físicas e emocionais de crianças e adolescentes. A forma extrema dessa modalidade de violência é o abandono total.

Configura-se quando os pais ou responsáveis falham em termos de prover as necessidades físicas, de saúde, educacionais, higiênicas de seus filhos e/ou de supervisionar suas atividades, de modo a prevenir riscos e quando tal falha não é o resultado das condições de vida além do seu controle (AZEVEDO e GUERRA, 2012, p. 4 -1).

A vitimização por negligência é exemplificada com o caso abaixo citado:

A.B. (05 anos) foi encaminhada ao PAEFI/CREAS pelo Poder Judiciário, após ser entregue para sua irmã mais velha T. (26 anos), por ter sido vítima de negligência perpetrada pela mãe D. (48 anos) e pelo pai O. (62 anos), ambos usuários de álcool. A criança era alimentada com achocolatado e salsicha diariamente, ia para Creche em péssimas condições de higiene, estava com as vacinas atrasadas, não era acompanhada por um pediatra, brincava na rua sem a supervisão de um adulto, tinha escabiose sem controle e contava para as tias da Creche que a mãe e o pai tinham um cheiro muito ruim na boca. Os pais foram encaminhados para tratamento junto ao CAPS AD, tiveram alta, mas continuam fazendo uso de álcool. A.B. continua com a irmã, encontra-se na escola, com ótimo rendimento e apresentando ótimas condições de saúde. Visita os pais nos finais de semana, relata não ter vontade de voltar a residir com eles, pois eles continuam tendo aquele mesmo cheiro ruim. Gosta só de ir lá passear.

Uma criança e/ou adolescente, que esteja sendo vítima de negligência, pode apresentar sintomas que, como nas modalidades de VDCA relacionadas anteriormente, não deverão ser vistos de forma isolada:

 Distúrbios do estado geral: desnutrição de vários graus (baixo peso, anemia, raquitismo carencial etc);

 Atrasos psicomotores e

 Hipotrofias de estatura e de peso: não orgânicas (estagnação do desenvolvimento) ou nanismo de origem psicossocial (que se reverte rapidamente com o afastamento da criança de seus pais e/ou responsáveis e cuidados médicos) (MELLO, 2008).

Nas famílias em que ocorre a negligência, existe falta ou falha na alimentação, no cuidado com a saúde, no vestuário, nos materiais básicos para estimulação; no desenvolvimento da inteligência, da aprendizagem, do conhecimento e estudo; na rotina, na