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4. A Institucionalização e o Direito à Convivência Familiar e Comunitária pelo Olhar

4.1 Contextos de Vulnerabilidade, Negação e Violação de Direitos de Crianças

4.1.3. Violências na Vida dos Adolescentes

Nesta análise, a violência se refere como ato que causa danos físicos ou psicológicos a alguém, podendo partir das relações externas para o indivíduo, como também deste para o seu exterior, sendo praticada de forma individual ou coletiva. Deste modo, os entrevistados relataram ter sofrido diversas

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violências, mas especificaram que a maioria das agressões sofridas não

partiram de familiares, e sim de terceiros, como pessoas de sua comunidade, de policiais, de outros adolescentes com os quais conviveram no acolhimento institucional e/ou privação de liberdade, e na época em que viveram na rua.

-Física e psicológica, por parte de policiais e outros adolescentes. Sempre que estava no CEA, nas ruas, na comunidade que eu morava. (Rafael, 18 anos incompletos) -Sim. Dos inimigos do CEA e da rua. (Júnior, 15 anos)

- Minha mãe não gosta de bater na gente não, só faz botar de castigo... Lá onde eu moro? Já tentaram me matar homi, de pisa, mas não deu bola não. Porque disseram que tinha sumido uns negócio lá e botaram a culpa pra cima de mim (Natanael, 15 anos)

- Eu já levei uma cambada de pau dos policiais. Uma vez não, foi uns três anos apanhando, uns 4 anos, desde que eu comecei a me envolver e saí de casa. Teve uma vez que passei uma semana de cama, porque levei um mói de bicudo nas costela, aí passei uma semana deitado na cama e levei aqueles choquezinhos também, dói de mais, dói dos pés a cabeça, da cabeça aos pés. (Thiago, 16 anos)

Conforme o Artigo 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente (2010), ―nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais‖. O Ministério da Saúde (Brasil, 2005) considera que existe várias formas de expressão da violência, são elas: agressão física, abuso sexual, violência psicológica e institucional.

Para autora Maria Cecília de Souza Minayo, estudiosa da temática de violências, faz um resgate analítico dos principais filósofos e cientistas que contribuíram para o debate dessa questão, a exemplo de Domenach, Hannah Arendt, Marx e Engels, Fanon, Sorel, Sartre, e outros. Destacando dois desses autores, Minayo (2005) coloca que para Domenach a violência não está apenas enraizada nas relações sociais, mas, sobretudo, ―é construída no interior das consciências e das subjetividades‖.

125 Minayo acrescenta que para Hannah Arendt a violência é um instrumento pelo qual se pode conquistar o poder, mas não é o poder em si, deixando claro que a violência só existe ―quando há incapacidade de argumentação e de convencimento‖, logo não vê positividade alguma na violência como os demais autores pontuaram, a exemplo de Engels que a ―valoriza como um acelerador do desenvolvimento econômico‖ (Minayo, 2005). Com base nisto, a autora considera:

A violência não é uma, é múltipla. De origem latina, o vocábulo vem da palavra vis que quer dizer força e se refere às noções de constrangimento e de uso da superioridade física sobre o outro. No seu sentido material o termo parece neutro, mas quem analisa os eventos violentos descobre que eles se referem à conflitos de autoridade, a lutas pelo poder e a vontade de domínio, de posse e de aniquilamento do outro ou de seus bens. Suas manifestações são aprovadas ou desaprovadas, lícitas ou ilícitas segundo normas sociais mantidas por usos e costumes naturalizados ou por aparatos legais da sociedade. Mutante, a violência designa, pois – de acordo com épocas, locais e circunstâncias – realidades muito diferentes. Há violências toleradas e há violências condenadas. (MINAYO, M. C. S. 2005, p.14)

No que se refere à violência cometida contra pessoas da sua

comunidade, ou do seu convívio, todos os adolescentes alegaram ter

praticado de forma esporádica, e não como hábito:

- No povo lá de casa não bato em ninguém não. Lá onde eu moro já bati num boy porque esculhambou minha mãe. (Natanael,15 anos)

- Tá doido... bato nos meus avós não. Só nos outros boy lá da rua que vinha mexer com o cara, aí eu batia né. (Júnior, 15 anos)

- Já bati nos boy quando a gente pega briga. (Fernando, 17 anos)

A maioria dos adolescentes afirmou também que nunca cometeram algum tipo de violência contra membros da sua família de origem. Contudo, um dos adolescentes confessou, numa conversa informal, fora do período da entrevista, ter batido nos irmãos, e até ter feito gestos obscenos para uma das

126 irmãs uma vez, o que agravou seu relacionamento conflituoso com a mãe. E outros relataram ter realizado violência física contra pessoas da família extensa ou agregados:

- Não. Deus me livre, dou valor a isso não, isso é embaçado... Assim...rapái...bater não visse, mas já dei uns murro no braço da minha mulher, mas só foi um tá ligado mesmo, nem ficou inchado nem nada, nem ficou Pablo nem nada. E eu só bati porque ela me fez raiva. E sexual nunca fiz contra ninguém não... Deus me livre, isso é coisa de cabra safado. Ah! Já bati no meu padrasto né, porque ele bateu na minha mãe, e matei um bixo aí. (Fernando, 17 anos)

- Lá dentro de casa não que eu não sou doido. Mas já bati na minha tia e nos meus primos. Assim, os filhos dela veio me estressar, aí eu bati neles, aí minha tia veio bater em mim, aí não prestou não, eu bati nela, eu tinha uns 13 anos. (Thiago, 16 anos)

Esse tipo de violência apontada pelos adolescentes é conhecida como violência intrafamiliar, e ―ocorre quando a ação ou omissão de um dos membros da família prejudica o bem estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento do outro membro‖, quer ele possua laços consanguíneos ou de afinidade compondo a família, e pode ser cometida dentro ou fora da residência (BRASIL, 2003).

Apesar de todos os adolescentes falarem que não sofreram violências por parte de familiares, nas entrelinhas de alguns depoimentos revelou-se que parte desses adolescentes recebeu, em algum nível, violência de familiares, porém não consideram como tal, dizendo que o máximo que acontecia eram ficar de castigo, ou levar umas surras quando desobedeciam, como expressa a fala seguinte:

- Minha tia dava umas surras em mim quando eu aprontava, mas só às vezes. (Pablo, 16 anos)

Ainda quanto à violência no âmbito familiar, foi perguntando se os adolescentes presenciaram ou souberam de algum dos seus familiares

127 - Sim. Minha mãe apanhava do meu pai, e ele sempre falava coisas ruins pra ela. Vi isso algumas vezes. (Rodrigues, 16 anos)

- Meu tio já, o povo lá tentou matar ele, porque ele matou uma mulé, aí ele foi pro presídio. Eu vi o pessoal dando nele, quiseram matar ele lá onde eu moro. (Natanael, 15 anos) - Só uma vez que um safado tentou fazer isso (violência sexual) com minha mãe e a cunhada dela, mas eu cheguei na hora, mesmo na hora. Aí eu gritei por socorro, eu tinha uns 12 anos quando isso aconteceu. E meu padrasto as vezes quando briga com minha mãe que bate nela, mas da última vez que ele foi bater nela eu ia matando foi ele homi. (Fernando, 17 anos)

É interessante destacar que o adolescente (Natanael – 15 anos) que relata ter um familiar que sofreu violência por parte da comunidade, é o mesmo que anteriormente diz ter sofrido violência dessa mesma comunidade, na qual ele, o tio e demais familiares residem/residiam. Em conversa informal, após a entrevista, o adolescente acaba por confessar que de fato realizou alguns furtos em sua comunidade. Assim, tanto no seu caso, como no do seu tio, a comunidade reagiu às ações cometidas por eles em seus territórios de vivência.