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Volume 4: A Queda do Morcego

No documento Rodolfo Grande Neto - José Miguel Arias Neto (páginas 142-148)

Capítulo III Construções Narrativas

3.6 Volume 4: A Queda do Morcego

O volume começa no exato momento em que a outro terminou, com Batman preso no Túnel do Amor tentando escapar da polícia. Batman e Robin entram em confronto direto e explosivo contra a polícia. A televisão local filma todo o acontecido transmitindo ao vivo, o que faz com que rapidamente o prefeito assuma uma posição e diga que não está mais disposto a tolerar esse tipo de atitude. Ao combater a polícia, em cadeia nacional, Batman provou ser uma verdadeira ameaça.

A televisão passa a mostrar a repercussão da caça ao Homem-Morcego, mostrando uma jovem que foi salva de uma tentativa de estupro graças à ação do Batman. Depois o leitor é levado a acompanhar os Filhos do Batman agindo em uma mercearia. Um dos membros da gangue dos Filhos do Batman salva um vendedor do assalto, mas o acusa de não se defender decentemente e corta seus dedos da mão com um canivete.

Em um giro de notícias, o leitor acompanha mais movimentações desse universo que fervilha. Os membros da Gangue Mutante que restaram ainda estão presos, porém, seu advogado os defende dizendo que são menores e que devem voltar para os seus lares, em contrapartida, 71 pais disseram que seus filhos devem continuar na prisão pelo envolvimento com as gangues. Por último, o Presidente aparece dizendo que as tropas soviéticas tiraram suas forças de Corto Maltese. O Presidente fala isso utilizando um traje

de contenção nuclear e avisa "os soviéticos são péssimos perdedores” 277 como quem já

se prepara para o pior, que está por vir.

Nesse momento, Superman sai em disparada para conter uma bomba nuclear que está para cair na ilha. O país inteiro espera para ver a bomba finalizando seu percurso e ela espantosamente fazer uma curva em direção a um deserto. Durante o governo Reagan

143 o projeto Strategic Defense Iniciative ganhou força durante a guerra fria, como indica Silva:

Uma das maiores insistências dos EUA no aspecto militar e que demandou investimentos colossais foi o SDI (Strategic Defense Initiative) apelidado e conhecido como “Star Wars”. Conforme supracitado, o projeto tinha o objetivo de construir um escudo antimísseis, monitorado por satélite, capaz de defender os EUA e seus aliados de possíveis ataques soviéticos. Os críticos de Reagan apontavam o alto custo do projeto – US$ 1 trilhão – como um fator que agravaria o problema econômico e perpetuaria a não competitividade dos EUA no mercado mundial.278

É interessante como Miller trabalha essa questão mostrando que nos quadrinhos, quem assume essa tarefa de vistoriar os céus é o próprio Superman . O projeto SDI de Reagan era visto por seus críticos como um dos elementos que poderia acabar gerando um ataque nuclear por parte das potências, americana e soviética. De maneira paralela, nos quadrinhos a bomba é lançada após a intervenção direta de Superman nos planos soviéticos, novamente remetendo ao trabalho de Silva:

Em contrapartida, o SDI era visto como uma solução militar para os próprios problemas econômicos e para apaziguar a opinião pública no plano interno. Segundo Thomas McCormick, a administração Reagan tinha o objetivo de estabilizar a corrida armamentista através do SDI. Para o governante, uma política, que muitos achavam ser o estopim para a nova corrida armamentista, geraria um controle sobre as ações militares da URSS, que permitiria a manutenção do intuito estadunidense de patrulhar a segurança mundial, sem se preocupar em forçar novos investimentos no setor militar. A existência do sistema defensivo ao invés de um ofensivo faria toda a diferença, neutralizando a ação soviética, os EUA poderiam finalizar a corrida nuclear que não seria sustentada por muito tempo pelo país.279

Quando a bomba explode, acaba não causando nenhuma baixa diretamente, mas causa um pulso eletromagnético que desliga todos os aparelhos eletrônicos em todo o continente americano. Superman é gravemente atingido pela radiação da bomba e fica a deriva beirando a morte. Bruce Wayne culpa Clark e suas ações em Corto Maltese pelo desequilíbrio da Guerra Fria levando ao iminente ataque da União Soviética.

Para Miller, o medo de uma Guerra Nuclear é, também, o medo de outras questões da história norte-americana dos anos 1980, o horror nuclear anuncia um futuro horrendo que está por vir, os problemas ecológicos e também as escolhas políticas que os

americanos e soviéticos estão fazendo.280.

278DA SILVA, Rodrigo C. Op. Cit., p. 39. 279 Ibidem, p. 40.

144 Sem energia elétrica, Batman profere a seguinte frase "para os estábulos Robin" enquanto a cidade é mergulhada em caos. Um avião sem controle cai no centro da cidade destruindo prédios e carros e os membros da Gangue Mutante criam uma rebelião para escapar da prisão Os Filhos do Batman decidem que é hora de purificar a cidade e acabar de vez com sua existência, nesse momento um Batman a cavalo aparece.

No discurso do Batman ele diz que a fossa é o solo fértil para que os insetos e ratos apareçam, afirmando que é no momento de caos que o pior da humanidade vêm a tona, dessa forma, cabe a ele e quem o seguir patrulhar e defender a cidade nesse momento.

Batman quebra todas as armas de fogo, dizendo que as elas são o inimigo, voltando ao seu status original de força da natureza, antitecnológica, terminando seu discurso com "Esta noite, vocês usarão só os punhos... e a astúcia! Esta noite nós somos a lei! Eu sou a Lei!"

Figura 33:

Fonte: BATMAN: o cavaleio das trevas: Volume 4. São Paulo, Abril Jovem, set. 1989.

Batman aparece quase como um xerife do velho-oeste, incorporando a lei em si num ambiente hostil e desolador. É interessante que durante todos os outros volumes da série a figura do cowboy acompanhava justamente o Presidente, numa alusão aos filmes de western do presidente Ronald Reagan. Aqui, Batman aparece como um substituto

145 direto de Reagan. É o cidadão comum que se investe de poder e fica nivelado com a força e representação do Estado e traz consigo seus jovens justiceiros.

É interessante como mais do que nunca esse momento faz de Batman um verdadeiro herói para o leitor, num processo similar àquele diagnosticado por Kellner:

Como sugere Warner (1992: 684-5), o espetáculo Rambo ajuda a explicar a atração que exerce sobre o público jovem e internacional. Os espectadores despojados de poder gozam de emoção de identificar-se com o poder "natural" e tecnológico e de superar magicamente as adversidades[...] o espetáculo, portanto, investe o público de poder, propiciando-lhe um sentimento passageiro de domínio e força, o que compensa o declínio do poder na vida diária[...].281

Novamente por analogia, o Batman se apresenta dessa vez como o único que possui poder para fazer algo, quando o governo se mostrou totalmente ineficaz e incapaz de lidar com a proporção que a situação toma. Apenas o herói puro é capaz de fazer algo, sem precisar necessariamente de alta tecnologia ou ainda de pertencer a um lugar privilegiado. Assim como o público comum, o herói redentor opera a partir daquilo que possui naturalmente.

Batman contém os membros Mutantes recém-escapados da prisão e ordena que eles se juntem a sua cruzada para salvar a cidade. Nesse momento, a comissária Yindel também se rende ao Batman, não há nada que possa detê-lo, nesse momento de caos ele se tornou grande demais. No escuro da cidade, cidadãos comuns começam todos a se unir como podem, são caminhoneiros marretando hidrantes, enfermeiras socorrendo feridos, freiras e crianças ajudando os desorientados. No final, quando o governo levou a população até a linha de sua extinção, o que sobra é o cidadão comum, bandido ou mocinho, o que importa é a sua união para salvar o mundo compartilhado.

Porém, ainda que as primeiras imagens sejam de pessoas se ajudando, as próximas sequências apresentam homens que podem se tornar animais quando estão acuados e com medo. No momento em que as coisas parecem que vão desandar de vez, Batman e seus jovens aliados aparecem para domar a cidade, montado em cavalos e rodopiando laços de corda para o céu.

Enquanto isso, um destruído Superman emerge do calor da explosão e tenta subir aos céus. O sol está bloqueado graças fuligem, causada pela a explosão e lançada na estratosfera; uma semana depois, ainda é noite em Gotham e neva, apesar de ser verão. Superman que durante todo esse período esteve alienado das intenções de seu governo, volta a se conectar ao mundo através da natureza, tentando retirar dela a sua energia vital.

146 A próxima vez que vemos Superman ele já se mostra recuperado e discute com o Presidente sobre como resolver o problema do Batman. Em Gotham, Oliver Queen - o Arqueiro Verde - retorna ao país para ajudar. Oliver havia sido preso e desde então age à surdina. A primeira imagem completa que o leitor tem do corpo de Oliver, evidencia a ausência de um dos braços. O personagem do Arqueiro Verde tornou-se famoso na década de 1970 por seus discursos sociais e por defender a luta das minorias, além de propor ações antimilitaristas. Durante a Era Regan, um discurso antimilitarista poderia facilmente ser confundido com um discurso antipatriótico.

Em Gotham, Batman tornou-se a lei e isso faz com que o Superman precise agir. Os jornais não têm certeza do que acontece em Gotham, mas a presença de militares e o esvaziamento do chamado Beco do Crime chama a atenção de todos. Superman representa mais do que nunca o governo que Batman odeia, o governo que jogou Gotham e suas pessoas no caos. Superman é mais do que nunca o inimigo.

Quando a luta começa Batman insinua que o Superman não sabe o que é ser um homem - falar sobre sua relação com a natureza - dizendo que ele bate continência para qualquer um que use um distintivo ou represente uma instituição. A luta chega a seu momento mais dramático, o momento em que Batman consegue acertar um soco em Superman :

Figura 34:

Fonte: BATMAN: o cavaleio das trevas: Volume 4. São Paulo, Abril Jovem, set. 1989.

O impacto do soco simboliza a vitória do homem sobre o super-homem. É a revolta do homem comum contra o poderio enfraquecido do Estado. Para Batman, o Superman traiu a humanidade ao deixar seu poder nas mãos dos interesses de um governo

147 que parecia defender apenas demandas restritas. Batman critica o idealismo de Superman , dizendo que o mundo só faz sentido quando você o força a fazer sentido.

A tensão da briga entre Batman e Superman é o ápice da atomização social que, emcompleto estado de caos e desintegração já não encontra mais espaço para o debate de métodos de atuação perante o ocorrido, só sobrando a expressão da violência em que um lado deseja apenas aniquilar o outro, tal qual o próprio sentimento gerado pelo temor da Guerra Fria.

A presença do Arqueiro Verde então é sentida, ele lança uma flecha de Kriptonita - a pedra alienígena que retira os poderes do Homem de Aço – e vai enfraquecendo Superman . Batman aproveita para dar seu último golpe e dizer que aquela ação é o fim para os dois, o fim para a ameaça política e o fim para a piada mundial que o Superman foi - e então, o coração de Bruce Wayne para de funcionar e a luta acaba.

Enquanto a televisão anuncia a morte do Batman - agora identificado como Bruce Wayne - o funeral do vigilante acontece com a presença de seus amigos mais próximos, Clark, Selina e Gordon. Nesse momento, um monitor cardíaco aparece na tela e é sentido pelo Superman . Batman está vivo. Porém, o Superman não age, o impacto da luta entre os dois chacoalhou o idealista de volta ao mundo real.

A história acaba com Batman reunindo seu exército para treinar e enfrentar algo pior do que ladrões e assassinos, sem exatamente dizer o que é, e terminando a obra com a seguinte frase "Vai ser uma boa vida. Boa Mesmo."

Figura 35:

148 A última cena retrata Batman ajoelhado no fundo da caverna com seus novos seguidores. O Cavaleiro das Trevas não está mais sozinho, ele faz parte agora de um grupo ou, mais ainda, uma família. O herói militarizado transformou-se em mais do que um general, ele abraça a figura paterna que já circundava o herói desde o início da narrativa. O exército de Batman são como irmãos de armas, estão juntos pela guerra. Ao juntar todos aqueles jovens sem rumo para proteger a cidade, Batman deu a eles um propósito, uma razão para viver e, como é possível observar pelas plantas e mapas dispostos no chão, esse motivo é a guerra em defesa da cidade.

No documento Rodolfo Grande Neto - José Miguel Arias Neto (páginas 142-148)

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