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Rodolfo Grande Neto - José Miguel Arias Neto

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Academic year: 2021

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RODOLFO GRANDE NETO

MANIFESTAÇÕES POLÍTICAS NA OBRA O CAVALEIRO DAS TREVAS DE FRANK MILLER

Irati 2016

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RODOLFO GRANDE NETO

MANIFESTAÇÕES POLÍTICAS NA OBRA O CAVALEIRO DAS TREVAS DE FRANK MILLER

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em História, Curso de Pós-Graduação em História. Área de

concentração "História e Regiões", da

UNICENTRO-PR

Orientador: Prof. Dr. José Miguel Arias Neto

Irati 2016

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Essa pesquisa foi realizada com apoio financeiro da CAPES, que concedeu bolsa de estudos de mestrado.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente ao meu orientador Professor Doutor José Miguel Arias Neto por sua compreensão, paciência, bom humor, sua excepcional franqueza, por todas as conversas mesmo nos momentos mais inadequados e, principalmente, por lutar ao meu lado dentro e fora das páginas dessa dissertação.

Meus colegas de mestrado André, Cleide, Jorge, Robson e Meg por serem sempre prestativos, companheiros e nunca deixarem a peteca cair durante as adversidades, enfrentando sempre juntos os medos e as inseguranças da jornada do mestrando. Em especial ao Rodrigo, já que sem nossas conversas sobre quadrinhos, cinema, política e comida os milhares de quilômetros percorridos teriam sido completamente enfadonhos.

Aos amigos Marcelo (que achava que era um lobo solitário, mas virou um papai babão), Renilson (o cara que foi viver o sonho na cidade grande, mas que sempre vai sentar no sofá de madrugada pra gente divagar), Gilvana (a melhor bussola moral que alguém poderia ter), André Ulysses (que ainda acha que vai me levar pro lado negro da força), Silvia (minha eterna mentora espiritual e companheira das longas conversas sobre a vida e o universo), Helvio (por incentivar o meu melhor), Gilvan (que por baixo do capuz é a pessoa mais prestativa que eu conheço), Victor Teo (que tem o dom de superar qualquer piada horrível), Pedro Teo (que o que não tem de atenção tem de bom coração), Helena (que, quem diria, tem uma genética fantástica), Victor Moraes (o nerd que aprendeu a ser descolado), Raul (que eu espero muito ver nas mesas de debates), Artur (por compartilhar comigo do vício cinéfilo), Eduardo (que me deu um teto quando as coisas apertaram), Rafael Guarato (pelo ponta-pé inicial) e Márcio Rodrigues (que a simplicidade não dá conta de explicar o conhecimento). Vocês são meus Super-Amigos.

Agradeço a toda Família Santos Carvalho por me darem abrigo, apoio e por sempre acreditarem em mim durante toda essa jornada. Dona Zeza, Ana, Rodrigo, Eme, Neidy, Diego e Thiaguinho, vocês sempre fazem meus dias melhores. Obrigado também as famílias Romero e Grande, que mesmo muitas vezes não compreendendo o que eu estava fazendo, não deixaram de participar dessa jornada.

E a Jake, que cresceu comigo durante toda essa árdua jornada sem deixar que eu me perdesse ou me enganasse, que com todas as minhas esquisitices nunca desistiu de mim. Palavras não explicam minha gratidão por você simplesmente estar lá.

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RESUMO

A dissertação consiste em analisar a série de quadrinhos O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller, lançado em 1986 pela editora DC Comics nos Estados Unidos. Dessa maneira, discutimos questões como o estatuto da arte na contemporaneidade e a relação que a mesma mantém com as histórias em quadrinhos. A análise interliga os vários discursos que estão contidos na obra, examinando a formação intelectual do autor, a estética adotada e os personagens, entendendo que em todos esses momentos a crítica social e política aparecem de maneira mais ou menos explícita. Dessa forma, é possível entender como a história em quadrinhos ganhou repercussão e reconhecimento enquanto obra de arte e tornou-se referência mundial para os quadrinhos adultos. A crítica feita sobre a política do presidente Reagan, ao conservadorismo e as práticas neoliberais estão presente não apenas na temática contida na história, mas também em toda a sua construção estética. O Cavaleiro das Trevas subverte a lógica criando um novo modelo de escrita que influenciaria boa parte da produção de quadrinhos na década seguinte.

Palavras-Chave: Frank Miller; História da Arte; História em Quadrinhos; História Política; Era Reagan;

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ABSTRACT

The thesis consists in analyzing the comicbook series The Dark Knight Returns by Frank Miller, released in 1986 by the "DC Comics” publisher, in the United States. Thus, we discuss issues as the art statute in contemporary and the relation that it maintains with comic books. The analyzes links several discourses that are present in the work, examining the author's intellectual formation, the estheticusedand the characters, understanding that in all these moments the social and political criticis more or less explicit. Therefore,it is possible to understand how the comic books has earned repercussion and recognitionas a work of art, and has become a world reference for adult comics. The criticism made on President Reagan's policy, to the conservatism and neo-liberal practices, are present not only in the thematic of the story, but also in its entire esthetic construction. The Dark Night Returns subverts the logic, originating a new model of writing which would influence much of the comics’ production in the next decade.

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LISTA DE IMAGENS

Figura 1: Página 1 de “O Cavaleiro das Trevas”, volume 1 ed. Abril, 1989... 50

Figura 2: Página 2 de “O Cavaleiro das Trevas”, volume 1ed. Abril,1989... 56

Figura 3: Página 3 de “O Cavaleiro das Trevas”, volume 1 ed. Abril, 1989... 57

Figura 4: Página 27 de “O Cavaleiro das Trevas”, volume 2 ed. Abril, 1989... 59

Figura 5: Página 9 de “O Cavaleiro das Trevas”, volume 3 ed. Abril, 1989... 61

Figura 6: Página 9 de “O Cavaleiro das Trevas” volume 1 ed. Abril, 1989... 62

Figura 7: Página 24 de “O Cavaleiro das Trevas” volume 1 ed. Abril, 1989... 63

Figura 8: Página 11 de “O Cavaleiro das Trevas” volume 1 ed. Abril, 1989... 65

Figura 9: Página 3 de “O Cavaleiro das Trevas” volume 3 ed. Abril, 1989... 66

Figura 10: Página 19 de “O Cavaleiro das Trevas” volume 2 ed. Abril, 1989... 67

Figura 11: Detalhe da página 14 de “O Cavaleiro das Trevas” volume 3 ed. Abril, 1989... 86

Figura 12: Detalhe da página 9 de “O Cavaleiro das Trevas” volume 2 ed. Abril, 1989... 88

Figura 13: Detalhe da página 33 de “O Cavaleiro das Trevas” volume 1 ed. Abril, 1989... 91

Figura 14: Capa da revista “The Shadow Magazine” de Julho de 1939. ed. Street & Smith... 96

Figura 15 Capa da revista “Detective Comics 27” de Maio de 1939. ed. Nacional Comics... 97

Figura 16: Capa da revista “Detective Comics 31” de Setembro de 1939. ed. Nacional Comics 98 Figura 17: Capa da revista “Detective Comics 42” de Agosto de 1940. ed. Nacional Comics.... 99

Figura 18: Capa da revista “Detective Comics 227” de Dezembro de 1970. ed. DC Comics... 105

Figura 19: Detalhe da página 6 de “O Cavaleiro das Trevas” volume 1. ed. Abril, 198... 110

Figura 20: Página 7 de “O Cavaleiro das Trevas” volume 1. ed. Abril, 1989... 112

Figura 21: Página 28 de “O Cavaleiro das Trevas” volume 1. ed. Abril, 1989... 116

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Figura 23: Detalhe da página 36 de "O Cavaleiro das Trevas" volume 1. ed. Abril, 1989... 120

Figura 24: Detalhe da página 38 de "O Cavaleiro das Trevas" volume 1. ed. Abril, 1989... 121

Figura 25:Detalhe da página 39 de "O Cavaleiro das Trevas" volume 1. ed. Abril, 1989... 122

Figura 26: Detalhe da página 6 de "O Cavaleiro das Trevas" volume 2. ed. abril, 1989... 127

Figura 27: Detalhe da página 5 de "O Cavaleiro das Trevas" volume 3. ed. abril, 1989... 133

Figura 28: Detalhe da página 11 de "O Cavaleiro das Trevas" volume 3. ed. Abril, 1989... 134

Figura 29:Página 12 de "O Cavaleiro das Trevas" volume 3. ed. Abril, 1989... 136

Figura 30:Detalhe da página 16 de "O Cavaleiro das Trevas" volume 3. ed. Abril, 1989... 137

Figura 31:Detalhe da página 17 de "O Cavaleiro das Trevas" volume 3. ed. abril, 1989... 138

Figura 32: Detalhe da página 19 de “O Cavaleiro das Trevas” volume 3. ed. Abril, 1989... 140

Figura 33: Página 32 de “O Cavaleiro das Trevas” volume 4. ed. Abril, 1989... 146

Figura 34:Detalhe da página 41 de "O Cavaleiro das Trevas" volume 4. ed. Abril, 1989... 149

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SUMÁRIO

Introdução... 14

Capítulo I Sob o Capuz: Frank Miller... 25

1.1 Frank Miller e a relação com a Arte Contemporânea ... 25

1.2O Artista e o Intelectual... 36

1.3 Arte e Mimese... 41

1.4 O Discurso do Self-Made Man... 46

Capítulo II Uma Estética da Desconstrução... 50

2.1 Descontinuidades Narrativas... 64

2.2 Uma Estética Pós-Moderna... 68

2.3A Metaficção Historiográfica: uma Terra Paralela... 77

2.4 Uma História (Des)Oficializante... 84

2.5 Cêntricos e Ex-Cêntricos em Cavaleiro das Trevas... 89

Capítulo III Construções Narrativas... 94

3.1 Jornada Ao Cavaleiro das Trevas... 94

3.2 O Retorno do Cavaleiro das Trevas... 107

3.3 Volume 1: O Retorno do Morcego... 110

3.4 Volume 2: O Morcego Triunfa... 124

3.5 Volume 3: Caça ao Morcego... 133

3.6 Volume 4: A Queda do Morcego... 144

3.7 E O Que Vem Depois?... 150

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Fontes ... 156 Bibliografia... 157

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13 Introdução

Quando um pesquisador decide se aventurar pelos campos dos quadrinhos poucas são as certezas do que encontrará em sua jornada. A decisão de analisar um material que, por vezes, fora tratado como menor, de teor infantilóide ou apenas para divertimento das massas ainda nublam as possibilidades e os caminhos que a análise das Histórias em Quadrinhos podem render sobre a contemporaneidade. Talvez seja nesse sentido que o professor Moacy Cirne tenha parafraseado o filósofo Althusser ao escrever “não existem

quadrinhos inocentes” 1. Não existem quadrinhos inocentes, não existem produções

inocentes e isentas. Todas as produções humanas são produções políticas, culturais e sociais da sociedade em que esses produtores e produtoras estão inseridos. Com as histórias em quadrinhos isso não seria diferente.

É complexo afirmar, ou negar, que ainda existe preconceito por parte da sociedade ou mesmo da academia em relação às histórias em quadrinhos. Mas, o que fica evidente para essas análises é o desconhecimento sobre o material. Historicamente os quadrinhos foram relegados a literaturas menores, paraliteraturas ou simplesmente, leituras menos sérias quando comparadas a trabalhos consagrados. O ato de destacar os quadrinhos enquanto Arte é, também, um ato histórico e político dos ávidos consumidores dessas produções e isso se torna relevante para essa pesquisa.

É fato que as pesquisas em quadrinhos, apesar de serem novas, já não são mais tão escassas como costumam ser outrora, como veremos adiante.

A História das histórias em quadrinhos começa com o advento das reproduções em escala industrial ainda no século XIX pelas tecnologias que permitiram que a informação

fosse massificada2. O aparecimento de imagens narrativas em jornais e a produção de

histórias em quadrinhos também causam uma pequena disputa entre os historiadores do tema, definindo quando e quais obras seriam o “marco zero” das histórias em quadrinhos. O grande debate nesse tema está relacionado à sequencialidade dos quadrinhos. Grosso modo, a tendência é compreender charges, ilustrações, tirinhas e histórias em quadrinhos como todas iguais sendo que, aparentemente, a capacidade de narrar por imagens é o que todas possuem em comum, enquanto sua produção acontece de maneira distinta, sendo necessário ao pesquisador compreender a distinção entre elas.

1CIRNE, Moacy. Uma introdução política aos quadrinhos. Rio de Janeiro: Angra/Achiamé, 1982 p. 11. 2 A capacidade de sequencializar imagens, porém, é algo que pode ser abordado de diversas formas durante

a história da humanidade, exemplos disso podem ser os desenhos egípcios ou ainda as histórias dos povos Pré-Colombianos, como nos lembra Mccloud (Desvendando os quadrinhos, p. 10-11). Porém, aqui consideraremos as produções modernas da arte sequencial.

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14 As ilustrações são características dos livros, o artista apenas recria o que está sendo descrito dentro do livro sendo que a presença ou não da imagem pouco ou nada influencia para a narrativa da história como um todo. O que é muito diferente nos processos tais como; das charges, revistas em quadrinhos e tirinhas, que apresentam sua complexidade na união direta entre texto e imagem de maneira orgânica.

Já as charges se distanciam das outras pela forma como estão estruturadas. Estas costumam ter um alto teor de crítica política e social contidos apenas em um grande quadro, utilizando-se de elementos do cotidiano – geralmente sendo de temática contemporânea, visto a periodicidade do veículo midiático do qual fazem parte – para criar seu entendimento. Porém, ainda que a charge narre a partir de imagens e/ou textos, a sequencialidade dos quadrinhos não costuma fazer parte dessa prática, dessa forma, a narrativa se estrutura de maneira diferente sobre as demais.

Enquanto as tirinhas e as histórias em quadrinhos são mais próximas, possuindo a citada sequencialidade, ou seja, vários quadrinhos dispostos por página, dando a sensação não só de movimento para a história. Porém, ambas se distanciam no quesito de duração. As tirinhas são finitas ou com necessidade maior de ser autocontidas, ou seja, uma tirinha possui necessariamente uma narrativa disposta em começo, meio e final, ainda que, algumas vezes, ela obedeça a alguma temática em específico, enquanto as revistas em quadrinhos possuem duração maior, podendo durar semanas, meses ou anos.

Assumindo que o ponto que distancia os quadrinhos de todas as outras produções é

a técnica de justapor imagens e criar movimento3, a maior parte dos estudos colocará o

lançamento de Yellow Kid, em 1895, como a grande estreia das histórias em quadrinhos

nos jornais4 em formato de tirinhas e que mais tarde dariam origem as revistas próprias

em histórias em quadrinhos. Yellow Kid fora criado por Richard Felton Outcault para as tirinhas semanais do jornal New York World, sendo a primeira personagem de histórias fixas. Além dessa personagem, mais tarde Outcault criaria em outro jornal as personagens Buster Brow e Tige5. Dois anos mais tarde o Morning Journal traria um dos grandes

clássicos dos quadrinhos chamado Katzenjammer Kids6 de Rudolph Dirks.

3 MCCLOUD, Scott. Desvendando os Quadrinhos. São Paulo: Makron Books, 2005.

4 Ainda há pesquisadores, como Antonio Luiz Cagnin, que contemplarão as obras de Ângelo Agostini como

o grande precursor dos quadrinhos nos impressos, boa parte dos pesquisadores acaba seguindo a tendência de encaixar a obra Yellow Kid para marcação, como, por exemplo, o livro História das Histórias em Quadrinhos (1993) de Alvaro da Moya que acompanha toda a cronologia dos quadrinhos, focando principalmente nos quadrinhos americanos como um todo.

5 Conhecidos no Brasil por “Chiquinho e Jagunço”, lançados pela revista “O Tico Tico”. 6 Traduzido como “Os Sobrinhos do Capitão”.

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15 Essas histórias semanais tornaram-se muito populares entre os leitores, sendo seu principal chamariz o aspecto cômico presente nas obras, o que fez com que logo as histórias passassem a ganhar o apelido de comics, ou seja, os “cômicos” da revista. Esse termo comics perdura até hoje em publicações, sendo um sinônimo para os quadrinhos

norte-americanos7.

Foi a partir da segunda metade da década de 1920 que começaram a surgir às primeiras histórias em quadrinhos de ação e aventura como Buck Rogers de Philip Nowlan, Tarzan de Hal Foster, Tintin criado pelo belga Hergé, as aventuras do policial Dick Tracy do cartunista Chester Gould, Lee Falk foi o responsável por criar o famoso mágico Mandrake e mais tarde, as histórias de O Fantasma, primeiro herói dos quadrinhos a utilizar um uniforme collant e máscara.

Já no final da década de 1930 é que temos nos EUA o lançamento da revista em quadrinhos que acabaria por se tornar a grande referência para o mundo dos quadrinhos, se trata da Action Comics, revista que lançaria em 1938 as aventuras do Superman pelos criadores Jerry Siegel e Joe Shuster. Superman foi o primeiro herói com super-poderes, sendo um sucesso quase instantâneo de vendas. A popularidade do Homem de Aço daria espaço para uma série de outros combatentes do crime fantasiados. É o caso de Batman de Bob Kane, lançado pela revista Detective Comics em 1939 para ser o contraponto do herói mais forte do mundo. Outro grande herói da mesma época foi o famoso Capitão América de Jack Kirby e Joe Simon, também é da mesma data a criação da maior expoente feminina dos quadrinhos, Mulher-Maravilha, pelas mãos do Dr. William Moulton Marston.

A popularidade que os quadrinhos alcançaram com as histórias de super-heróis fizeram com que, grosso modo, comics e heróis ficassem intimamente relacionados na cultura popular, sendo que, muitas vezes, costumamos relacionar as histórias em quadrinhos apenas ao gênero de super-heróis, desconsiderando outras formas de produção da mídia quadrinhos.

Mas, se por um lado os quadrinhos de super-heróis se popularizaram nos EUA durante a metade do século XX, por outro lado eles também sofreram várias críticas

ferrenhas, sendo a mais conhecida pelo livro Seduction Of The Innocent8 do psiquiatra

alemão Frederic Wertham. Wertham acusava que, as histórias em quadrinhos, não só empobreciam a cultura como eram responsáveis por ensinar temáticas homoafetivas –

7 No Brasil adotaremos a palavra “gibi” para definir os quadrinhos como apropriação do nome de uma das

primeiras revistas a publicar quadrinhos no Brasil.

8 Traduzido livremente para “Sedução do Inocente” em português, ainda que o livro nunca tenha sido de

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16 como no caso de Batman e Robin – e incitar a delinquência entre os jovens. A polêmica em torno das questões levantadas por Wertham e seus seguidores levou com que os EUA criassem o chamado comic code, uma espécie de código de condutas das histórias em quadrinhos para jovens e adolescentes que passou a ser adotado pelas grandes editoras de quadrinhos da época.

A criação do código de conduta dos quadrinhos é importante, porque temos pela primeira vez uma cisão entre os tipos de publicação. Se os conhecidos comics adotaram na década de 1950 o já citado código, na década de 1960 foram criados os comix, histórias em quadrinhos feitas paralelamente com as grandes publicações. Os comix possuíam conteúdo mais adulto contendo sexo explícito e abuso de drogas. Se, por um lado tínhamos os quadrinhos de heróis em grande distribuição para o público jovem, como os

super-heróis criados por Stan Lee para a editora Timely/Marvel Comics9, do outro lado

tínhamos as publicações underground sendo distribuídas em tabacarias e lojas de bebidas para o público adulto. Seriam classificados trabalhos como The Adventure Of Jesus de Frank Stack e os de autoria de Robert Crumb tal qual Fritz – The Cat e a revista Zap Comix. Enquanto os comics tradicionais faziam as vozes mais tradicionais ao propagar o estilo de vida americano, os comix se apresentavam como o movimento quadrinheiro da contra-cultura da década de 1960. Assim, a diferença que encontramos nos comix e nos comics não é de apenas um formato diferente de se produzir histórias em quadrinhos, como um público diferente e ideologias diferentes.

Durante a década de 1970 os quadrinhos já influenciavam uma grande geração de

artistas por toda a cultura pop da época, principalmente a cultura norte-americana10. Nos

quadrinhos, o estilo comix influenciaria não só artistas de grandes editoras norte-americanas como também artistas europeus, por intermédio da revista Oz que trouxe,

entre seus muitos nomes, o artista Dave Gibbons11, um dos primeiros artistas europeus a

entrar no mercado americano de quadrinhos.

Com essa crescente das histórias em quadrinhos na cultura dos Estados Unidos, houve crescimento também na produção de livros e artigos que tentavam de alguma forma problematizar a chamada “cultura de massa” compreendendo os quadrinhos como parte dessa sociedade. Podemos citar as histórias em quadrinhos aparecendo em trabalhos como

9 As personagens criadas por Stan Lee durante as décadas de 1950-1960 são clássicos como

Homem-Aranha, Hulk, X-Men, Quarteto Fantástico, Thor, Homem de Ferro, etc.

10 Podemos citar artistas como o grupo Monty Python, Terry Giliam em especial, como um dos grandes

influenciados pelos comix ou, ainda, os artistas da chamada “art pop” que utilizavam de elementos das histórias em quadrinhos para criar suas obras.

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17 Os Meios de Comunicação: Quadrinhos como Extensão do Homem de Marshall Mcluhan e Cultura de Massa de Bernard Rosemberg e David Manning White.

Com o avanço da compreensão da cultura de massa os quadrinhos passaram a ganhar destaque como objeto de análise de vários pesquisadores como Quadrinhos: Literatura do Século uma produção de vários autores para tentar compreender a cultura de massa e os aspectos positivos das histórias em quadrinhos. Também podemos contemplar as obras clássicas de Umberto Eco Apocalípticos e Integrados e O Super-Homem de Massa: Retórica e Ideologia na Cultura Popular como marcos dos estudos acadêmicos a respeito deste tema. Há também o trabalho A Sociologia das Histórias em Quadrinhos de autoria de Jacques Marny – um dos criadores de Asterix – que buscava compreender a ciência por trás das produções. Além do pouco conhecido Gibi é Coisa Séria! compilado de intelectuais paranaenses que tentavam fundamentar a importância dos quadrinhos em nossa sociedade.

No Brasil, podemos citar mais uma vez o trabalho do professor de Comunicação Social Moacy Cirne e seus vários trabalhos como A Explosão Criativa dos Quadrinhos, Uma Introdução Política aos Quadrinhos. Histórias em Quadrinhos e Comunicação de Massa de José Fiorini Rodrigues e Luiz Sadaki Hossaka. E, ainda, Histórias em Quadrinhos de Zilda Augusto Anselmo que atraia os quadrinhos para o campo da psicologia da educação e demonstrava as benesses do uso de quadrinhos para a alfabetização de crianças.

Também cresceu o interesse pelas análises acadêmicas sobre o assunto, talvez o maior exemplo da época tenha sido o livro chamado Para Ler o Pato Donald de Armand Mattelart e Ariel Dorfman que se tornou um ícone ao analisar como as histórias das personagens criadas por Disney eram produtos de manipulação das massas e serviam como propaganda de ideais imperialistas norte-americanos da década de 1960. Ainda que o trabalho gerado por Mattelart e Dorfman seja bastante problemático, foi um dos precursores do interesse acadêmico pelos quadrinhos. Após Dorfman e Mattelart tivemos as análises de Arthur Berger com The Comic-Striped American, Donald Ault ministrando aulas sobre literatura, filosofia e cultura pop na universidade de Berkeley em meados da década de 1970.

Com todos esses estudos a respeito da comunicação de massa e da própria constituição das revistas foi-se elevando os quadrinhos, cada vez mais, ao campo das artes, fazendo com que estes acabassem recebendo o status de nona arte, não sendo considerados mais como apenas um subproduto da literatura, mas como um fazer próprio,

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com características e interesses próprios. Mais tarde o quadrinista Will Eisner12 iria

definir os quadrinhos com o termo arte sequencial, termo que é utilizado até hoje entre os pesquisadores.

Outro nome que Eisner ajudou a popularizar13 na década de 1980 foi o termo

Graphic Novel14como outra forma de se catalogar os quadrinhos. Essa definição, apesar de já existir desde a década de 1960, foi popularizada em um momento de expansão do conceito sobre o que são histórias em quadrinhos. Basicamente, o romance gráfico aparece como uma maneira de hierarquizar internamente os quadrinhos entre produções feitas para adultos – Graphic Novels - e produções para crianças e adolescentes - Comics. O romance gráfico é uma produção para adultos, com um acabamento editorial mais refinado, mais conceitual e autoral.

O entendimento que o final do século XX traz para os quadrinhos enquanto arte, bem como o enfoque nas produções para adultos, unidos a preocupação dos críticos em estabelecerem os quadrinhos como uma produção séria são os grandes panoramas para a compreensão do que vem a ser nosso trabalho.

No final da década de 1970 vários comics já eram produzidos pensando em temáticas que abordassem questões mais sérias da sociedade. Um bom exemplo é o trabalho Lanterna Verde/Arqueiro Verde feito pela dupla Denny O’Neil e Neal Adams que explorava temáticas como; racismo, corrupção e uso de drogas na adolescência, num conteúdo totalmente inspirado pela contracultura dos anos de 1960.

Mas, foi em 1980 que os quadrinhos norte-americanos das linhas principais alcançaram maior destaque nas produções com temáticas que abordavam abertamente questões políticas e sociais. As grandes editoras do mercado norte-americano de quadrinhos – Marvel e DC Comics – estavam tentando se adequar as novas demandas do público consumidor, arriscando-se em tentativas mais autorais em revistas de acabamento de luxo. É nesse contexto que nasce a proposta de chamar Frank Miller para escrever um título pelo selo Legend da DC Comics utilizando o personagem Batman. Também é nesse contexto que vários quadrinistas europeus chegam aos EUA como Alan Moore, o já citado Dave Gibbons, Neil Gaiman, Grant Morrison, etc. como uma tentativa de deixar os quadrinhos da grande indústria mais atrativos aos interesses desse público que cresceu

12 EISNER, Will. Quadrinhos e Arte Sequencial. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

13 Ainda que pouco debatido ou, ainda, um erro comum em trabalhos é citar Will Eisner como o autor que

cunha o termo “graphic novel”, enquanto na verdade ele fora responsável apenas pela popularização do nome, visto que o termo aparece pela primeira vez com Richard Kyle de acordo com GRAVETT, Paul.

Graphic novels: everything you need to know. London and New York: Harper Collins, 2005.

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19 lendo quadrinhos e tendia a continuar lendo agora na fase jovem e adulta. Esses autores trouxeram para as narrativas a complexidade psicológica e as temáticas sociais que antes estavam sujeitas apenas aos quadrinhos fora do eixo principal.

O crescimento dos romances gráficos dentro das principais editoras consolidou de vez a produção dos quadrinhos enquanto produção artística e norteou boa parte dos interesses dos pesquisadores acadêmicos no assunto. A consolidação do romance gráfico atualmente parece acabar com qualquer argumento que tente desmerecer os quadrinhos enquanto manifestação artística e política de seu próprio tempo.

De literatura barata até a compreensão de que os quadrinhos são um objeto artístico e passível de análise acadêmica foi um longo caminho. Academicamente, o que vemos é um crescimento vasto de interesse por parte de pesquisadores da área de comunicação e da literatura que tentam compreender os vários momentos da construção das histórias em quadrinhos.

Por serem fontes contemporâneas e de interesse recente da historiografia, a primeira coisa que temos a dizer sobre os quadrinhos é que eles não possuem uma metodologia definida. Sendo os quadrinhos uma produção tão complexa, multifacetada e interdisciplinar é difícil estabelecer apenas um único tipo de análise para obras tão diversas e de temporalidades tão distintas. Ainda assim, citaremos alguns trabalhos recentes na área de historiografia que trabalham as histórias em quadrinhos de alguma forma.

A primeira dissertação levantada é a de Márcio Dos Santos Rodrigues intitulada Representações políticas da Guerra Fria: as histórias em quadrinhos de Alan Moore na década de 1980 defendidas no programa de Pós-Graduação em História pela UFMG. Em que o pesquisador busca compreender como a obra de Alan Moore dialogava com todo o imaginário social ocidental durante o período de Guerra Fria.

Numa linha muito parecida a dissertação de Carlos André Krakhecke intitulada Representações da Guerra Fria nas Histórias em quadrinhos Batman – O Cavaleiro das Trevas e Watchmen (1979-1987) defendida no Programa de Pós-Graduação em História da PUCRS trabalha também a construção dos discursos acerca do período político pelo qual os países passavam e como esses influenciavam diretamente na construção das obras. Ainda há o trabalho de Thiago Monteiro Bernardo chamado Sob o Manto do Morcego: Uma Análise do Imaginário da Ameaça nos EUA da era Reagan através do universo ficcional do Batman. Defendida em 2009 pelo Programa de Pós-Graduação de História da Universidade do Rio de Janeiro. Mais uma vez levantando a questão das

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20 representações políticas nas histórias do Batman de Frank Miller durante a chamada Era Reagan.

É preciso que o historiador que utiliza produções artísticas tenha sempre claro quando seus quadrinhos são entendidos como fonte ou como objetos de sua análise. Essa afirmação, ainda que pareça obvia, ressalta a importância do historiador compreender que, por se tratar de um objeto ficcional, não sejam compreendidos como um relato do real, mas como uma representação do real. Entendido que toda representação é uma mediação de cunho cultural, social, ideológico e político, sendo produtos da cultura de

mídia que nunca sendo isentos de nos enviar alguma mensagem15. Nas práticas da Nova

História Cultural as representações podem ser entendidas a partir de Chartier como “(...) esquemas intelectuais, que criam as figuras graças às quais o presente pode adquirir

sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado” 16. Assim, representações

são maneiras de se compreender a realidade a partir de uma estruturação que faça sentido ao emissor e ao receptor.

Para o pesquisador de quadrinhos todo o trabalho é imagético e simbólico, mesmo o que entendemos como texto, nos quadrinhos passa a ser entendido como imagem, visto que as posições das letras também reforçam a forma como a imagem será captada pelo leitor. Assim, toda imagem é intencional, possui um sentido narrativo, uma tentativa de contar algo ao seu expectador, ainda que isso não esteja demasiadamente claro para este. Compreendendo melhor esse tipo de análise iremos mais a fundo nos trabalhos de

Peter Burke sobre a relação da História com a análise de imagens. Para Burke17 toda

imagem precisa ser colocada em seu contexto entendidas não apenas as esferas sociais, culturais, econômicas e políticas como também os interesses dos artistas, da própria Arte e de seus eventuais patrocinadores. Compreendendo o diálogo constante entre a produção artística dos idealizadores, os interesses de editores e também o próprio público.

Assim, todo elemento representado nos quadrinhos é um elemento imagético e de capacidade narrativa, oferecendo uma linguagem própria. Assim, todo objeto analisado dentro de uma história em quadrinhos é também um objeto de linguagem e toda linguagem por sua vez também é capaz de ser historicizada. Assim, toda estética também faz parte de um tempo próprio com regras e pretensões próprias. Mas que estão o tempo

15 KELLNER, Douglas. A Cultura de Mídia: Estudos Culturais: identidade e política entre o moderno e o

pós-moderno. Bauru, SP: EDUSC, 2001. p.123.

16 CHARTIER, Roger. História Cultural: entre Práticas e Representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,

1990. p.17.

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todo em campo de disputas ideológicas18 mediando o interesse de determinados grupos

para a sociedade, numa troca constante entre a sociedade e não apenas como aparato de

dominação.19

O trabalho se aproxima do conceito de “crítica diagnóstica” proposto por Douglas

Kellner20 compreendendo que os produtos midiáticos podem nos oferecer muito mais

como fonte de sua época do que apenas como mero aparato ideológico, distanciando-se gradativamente das concepções clássicas como a proposta por Adorno e Horkheimer ao criarem o conceito de indústria cultural ou ainda das concepções que impedem que os quadrinhos – e os produtos midiáticos em geral – não consigam fazer internamente sua própria crítica social, vendo a produção, não apenas como um objeto a ser visto, confeccionado de fora para dentro, mas também nas relações que ele cria ao ser observado de dentro para fora, ou seja, de como ele enuncia e cria seu próprio discurso. Assim, o que a pesquisa busca analisar é a capacidade que os quadrinhos têm de levantarem e questionarem seus próprios discursos políticos.

Voltando para os quadrinhos da década de 1980, é possível observar uma imensa necessidade de trazer a tona os elementos políticos e sociais que inquietavam o mundo ocidental, principalmente os EUA. Assim, todo o movimento dos quadrinhos é também um movimento político. Não apenas tematicamente, mas como pode ser percebido, estruturalmente também ao tentar se delimitar e firmar no campo das artes. Artistas do meio, sejam roteiristas ou desenhistas, trouxeram consigo toda a captação contestadora do momento, compreendendo que a linguagem dos quadrinhos serviria também para esboçar suas opiniões políticas, ou seja, numa prática mais autoral, característica dos romances gráficos e da tentativa, de tornar mesmo os quadrinhos regulares em romances. Para a historiografia esse tipo de fazer político dentro da proposta das histórias em quadrinhos se dá com a ampliação do próprio conceito sobre o que é política, nos preceitos trabalhados por René Rémond em Por Uma História Política entendendo que o fazer político não apenas está ligado as questões oficiais de Estado, mas que este é algo produzido e reafirmado nos vários fazeres humanos, podendo ser problematizada no cotidiano. Assim, justificamos que todo o trabalho acerca da produção de quadrinhos é também um fazer de representação política.

Assim, ainda que não exista uma metodologia específica, a dissertação se pauta em tentar compreender como os discursos artísticos e a influência pós-moderna se estabelece,

18 MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos Meios às Mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de

Janeiro: Editora da UFRJ, 2003.

19 KELLNER, 2001, p. 134. 20 Idem, p. 135.

(22)

22 nesse momento, na indústria norte-americana de quadrinhos. Para isso utilizaremos o romance gráfico Dark Knight Returns lançado pela DC Comics em 1986 com roteiro e desenhos de Frank Miller, cores de Lynn Varley e arte-final de Klaus Janson. Tentando compreender como a construção da revista, e a concepção das personagens está intimamente ligada com o tipo de produção artística que se pretendia fazer em sua época. Para isso dedicaremos o primeiro capítulo a compreender quem é Frank Miller, o artista que capitaneou o trabalho da revista em quadrinhos. Adentraremos na biografia e nas produções de Frank Miller, compreendendo como ele se estabelece enquanto artista, criador e intelectual de seu próprio tempo. Desde o Renascimento o artista é diferenciado do artesão por compreender que seu trabalho não é apenas um fazer mecânico, mas é também um fazer representativo, dotado de técnica. A noção de que o artista é aquele que lê o mundo e o representa a sua maneira, torna-o um intelectual. Assim, Miller ao tentar se estabelecer enquanto artista – aquele dotado de técnica e leitura de mundo – é também um intelectual, que se utiliza de sua arte para compartilhar sua visão particular – e, compreendendo dentro de um todo – nem tão peculiar assim, de mundo.

O Segundo capítulo se trata da análise estética da obra supracitada. Nesse capítulo, compreenderemos como a obra de Frank Miller dialoga com o fazer artístico de seu próprio tempo ao se aproximar de um ideário artístico/estético pós-moderno compreendendo como a sua obra está repleta de desconstruções e domínios técnicos muito característicos do contexto da época. Assim, o capítulo tece comparações ao estabelecer Miller como um intelectual com preocupações artísticas de seu próprio campo e, como ao representar essas preocupações estéticas, Miller também acaba por canalizar representativamente os vários anseios culturais da classe média norte-americana.

O terceiro capítulo por sua vez traça um paralelo de como o discurso conservador e neoliberal se estabelecem na sociedade proposta por Frank Miller. Ao observarmos ponto a ponto elementos de roteiro, ações, construções e desconstruções de personagens, o capítulo abordará como Miller faz a leitura da sociedade norte-americana dos anos de 1980 de maneira implícita e explícita.

Expostos os capítulos, é interessante observar que a dissertação não trará uma análise específica sobre a recepção do trabalho do autor em relação aos seus leitores da época. Essa escolha, ainda que possa soar arbitrária, se dá por não dispormos do número real de leitores da época, sendo que o público real de leitores – de uma obra que é constantemente reeditada – torna-se algo complexo de mensurar de maneira satisfatória para uma análise completa.

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23 A dissertação tem por objetivo contribuir para a análise dos quadrinhos enquanto ferramenta política e discursiva na sociedade contemporânea, bem como trazer e discutir o papel das histórias em quadrinhos enquanto manifestação artística da sociedade de cultura massificada, desvendando seus interesses particulares enquanto campo de produção específico, não atendo seus interesses a apenas fatores econômicos, sociais, culturais e sociais externos.

(24)

24 Capítulo 1: Sob o Capuz – Frank Miller

O presente trabalho tratará de analisar o romance gráfico chamado O Cavaleiro das Trevas21 produzido por Frank Miller. Entretanto, o primeiro capítulo será destinado a

debater as concepções filosóficas e políticas de Frank Miller a respeito da sua própria produção artística. Essa elaboração se faz necessária a partir de dois entendimentos. O primeiro é a não separação do autor e de sua obra, entendendo os dois como partes de um único processo, como será abordado adiante; o segundo ponto é a relação que a própria indústria dos quadrinhos faz com suas produções gráficas, em específico a novela gráfica, concebendo a realização dessa como algo com caráter de cunho fortemente autoral.

Porém, antes que se relate propriamente a jornada de Frank Miller em se estabelecer enquanto um produtor de quadrinhos se faz necessário situar o leitor dentro do debate sobre o campo da arte contemporânea para entender seus percalços e debates específicos.

1.1 Frank Miller e a relação com a Arte Contemporânea

Escritor, desenhista, colorista, diretor, produtor, argumentista e ator: Frank Miller

nasceu em 27 de janeiro de 1957 em Olney22, cidade norte americana situada em

Maryland, situada a apenas 32 quilômetros de Washington, capital dos EUA, mas foi

criado em Vermont, EUA23. É o quinto dos sete filhos de uma enfermeira com um

carpinteiro/eletricista, ambos veteranos da Segunda Guerra Mundial24.

Miller foi influenciado pelas histórias de gênero noir25, principalmente Mickey

Spillane, criador do detetive Mike Hammer26, além do italiano Guido Crepax, Will

21 Originalmente Dark Knight Returns em inglês.

22 Disponível em: http://www.guiadosquadrinhos.com/artista/frank-miller/61 Acesso em: 3 de outubro de

2015.

23 Disponível em: http://www.filmjournal.com/node/1965 acesso em: 3 de outubro de 2015.

24 De acordo com entrevista do próprio Miller em trecho republicado por Erico Assis pelo site “Omelete”,

um dos mais completos sites sobre entretenimento do Brasil. Disponível em: http://omelete.uol.com.br/quadrinhos/noticia/frank-miller-fala-sobre-patriotismo-aos-eua-no-11-de-setembro/Acessado em: 26 de outubro de 2015.

25 Literatura Noir – do francês “escuro” - são, basicamente, as clássicas histórias de detetive envolvendo o

submundo das grandes cidades, as mulheres fatais, policiais corruptos, etc. O estilo nasceu nos EUA nas chamadas revistas “pulp”, que prescindiram as histórias em quadrinhos.

26 Como aponta o crítico e pesquisador de quadrinhos Waldomiro Vergueiro em sua pequena biografia

sobre Frank Miller. Disponível em: http://omelete.uol.com.br/quadrinhos/artigo/a-trajetoria-de-frank-miller/ acessado em: 26 de outubro de 2015.

(25)

25

Eisner27 e de mangás28, além do Batman produzido pela dupla Adams/O’neil29 que

acabariam por influenciar sua narrativa posteriormente30.

Em 1975 Frank Miller se muda para Nova York aos 18 anos, passa esses primeiros

anos sobrevivendo de pequenos trabalhos freelance e até serviços de carpintaria31

enquanto vivia muito próximo da realidade dos guetos nova-iorquinos, fator que possivelmente também inspiraria suas produções que, em grande parte, são ambientadas na relação direta com o submundo e com as forças do poder paralelo do crime.

A primeira grande oportunidade de trabalho surgiu em 1978 com algumas páginas para a revista Twilight Zone #84, que o levariam também a fazer duas páginas da revista Weir War Tales #68, mais cinco páginas da revista Unknown Soldier #219. Seu maior trabalho até então viria no mesmo ano, uma edição completa da revista John Carter, War lord of Mars #18. Esse tipo de trabalho, freelance de poucas páginas, era comum para as editoras que contratavam artistas iniciantes para testarem suas possíveis habilidades. Frank Miller acabou chamando a atenção do editor chefe da Marvel , Jim Shooter que convidou o jovem Frank Miller, então com 21 anos, para fazer algumas páginas de um

dos títulos do super-herói Homem-Aranha32. Miller estrearia nas revistas de super-heróis

com os títulos The Spectacular Spider-Man #27 e The Spetacular Spider-Man #28, ambas lançadas em 1979. Um dos heróis que apareciam nesse título era o personagem conhecido como Demolidor.

Miller foi convidado a experimentar sua arte juntamente com os roteiros de Roger

Mckenzie na revista Daredevil33assumindo os desenhos regularmente a partir da edição

#158 de maio de 1979, título esse que passava por uma fase de abandono de quase dez

anos34 e agora tinha uma tentativa de revitalização, trazendo Frank Miller e toda sua

influência das revistas detetivescas e de seu estilo que lembrava muito o trabalho de

artistas como Harvey Kurtzman e Bernie Krigstein35, a decisão de entregar esse título

para Miller partiu da concepção de que o herói Demolidor era o mais próximo de um detetive que a editora tinha na época e a preferência de Miller por histórias essencialmente urbanas poderia ajudar na proposta de revitalização do título. Pouco tempo depois, Miller

27 Disponível em: http://www.filmjournal.com/node/1965 Acesso em: 3 de outubro de 2015. 28 Quadrinhos japoneses.

29Disponível em:

http://omelete.uol.com.br/quadrinhos/artigo/dc-reune-astros-para-celebrar-os-75-anos-do-Batman-san-diego-comic-con-2014/ acessado em: 3 de outubro de 2015.

30 Disponível em: http://www.guiadosquadrinhos.com/artista/frank-miller/61 acesso em: 3 de outubro de

2015.

31 HOWE. Sean. Marvel Comics: a história secreta. São Paulo: Editora Leya, 2013. p. 249. 32 Ibidem, p. 226.

33 Demolidor, no Brasil.

34 HOWE, Sean, op. Cit. p. 238. 35 Ibidem, p. 249.

(26)

26 já apresentando uma pequena ascensão na indústria e vendo seu nome ajudar nas vendas da revista passa a ser também roteirista do título da revista em questão.

Como roteirista e desenhista Miller passou a explorar várias facetas da sua capacidade artística elaborando cenários repletos de viadutos, torres d’água, arranha-céus

de vidro e também de bares e prostíbulos36. Uma das grandes contribuições de Miller

nessa época para os quadrinhos de super-heróis foi a criação da personagem ninja Elektra, inspirada em uma personagem femme fatalle de um antigo quadrinho de Will Eisner com

a adição do gosto de Miller por artes marciais37. É com a revista da personagem

Demolidor que pela primeira vez os fãs passam, de fato, a olhar para quem é Frank Miller. Enquanto escrevia as histórias do Demolidor, Frank Miller passou por um episódio traumático de sua vida, que também acabaria influenciando ainda mais a visão caótica e decadente que o autor tinha da sociedade. Miller foi assaltado duas vezes em Nova York, essa experiência fez com que a crueza de seus roteiros começasse a aparecer cada vez

mais no decorrer das histórias38 como podemos perceber nas duas entrevistas reunidas

por Howe39:

"depois que eu fui assaltado", Miller disse à revista Amazingheroes, "fiquei muito mais a fim de ver execução sumária de criminoso" [...]"nunca deixei de amar Nova York. Mas ficar cara a cara com uma faca muda muita coisa. Aquela experiência me deixou com muita raiva, que eu transferi direto para os gibis"

Assim, as histórias que já eram inspiradas pelo submundo do crime e pelo caráter urbano, passam a ganhar toques de violência e agressividade ainda maiores que viriam, mais tarde, a alcançarem seu ápice no romance gráfico estrelado por Batman e, também, na obra autoral Sin City já na década de 1990.

Miller encerra seu trabalho com o herói Demolidor na edição de número #191, passando a produzir apenas alguns pequenos especiais para a DC Comics e uma minissérie intitulada Eu, Wolverine no ano de 1982, novamente para a Marvel Comics, sendo essa última uma das responsáveis pelo status de prestígio obtido pelo artista até hoje. A história, escrita por Chris Claremont e desenhada por Frank Miller, apresenta uma aventura solo de um popular personagem das histórias dos mutantes chamados X-Men. Miller e Claremont desenvolvem uma história com base na cultura oriental, abordando

36 Ibidem, p. 249. 37Idem, p. 249. 38 Ibidem, p. 256. 39Idem, p. 256.

(27)

27 temáticas que muito recorrentes desse tipo de obra com temáticas como honra, a luta por um ideal, etc.

É importante frisar que a posição de freelance40 em que Miller estava, oferecia

liberdade para que o artista flertasse com várias editoras, assim o artista não ficava restrito só ao título do Demolidor para a Marvel , mas também podia seguir com projetos pessoais. Desses projetos o que ganhou mais destaque em sua época foi Ronin, minissérie em seis edições claramente inspirada no trabalho de Kazuo Koike e Goseki Kojima, responsáveis

por um dos maiores clássicos mundiais, chamado Lobo Solitário41, essa história conta a

jornada de um espadachim errante durante a Era Edo no Japão. Embora o trabalho não tenha sido um sucesso absoluto de público, tal qual sua passagem pela revista do Demolidor, ficam claras aqui as experimentações que Miller buscava em suas aspirações artísticas trazendo não só elementos de narrativas orientais como também elementos claramente inspirados na produção européia de quadrinhos misturando filosofia, magia, ficção científica, samurais e crítica social ao corporativismo das empresas japonesas na década de 1980.

O mais importante dessa investida foi a maneira como norteou as próximas produções do artista. Ronin foi a primeira obra em que Miller conseguiu deter todos os

direitos autorais sobre sua criação42. Sendo assim, se envolveu em todo o processo

criativo incluindo o acabamento gráfico43.

A batalha pelos royalties tornava-se bastante comum nas grandes mídias, sendo uma tendência do artista ser reconhecido como proprietário intelectual de sua produção e não apenas um mero agente da indústria e dos estúdios, nos quadrinhos essas práticas foram representadas principalmente pelas brigas judiciais de Jack Kirby e dos criadores originais do Superman , Joe Shuster e Jerry Seagel.

É interessante observar a declaração dada por Miller na época:

Aprendi com meu mentor Neal Adams a botar uma editora contra a outra até tirar a melhor proposta. Eu até podia ter conseguido com a Marvel , mas queria partir do zero. Levar meu nome para outra editora também virou uma declaração - eu estava dizendo que meu público ia junto. Para mim, isso foi muito importante.44

40 Trabalho por contrato temporário ou por obra fechada. 41Kozure Okami, em japonês.

42 HOWE, Sean, Op. Cit. p. 263

43 EISNER, Will & MILLER, Frank. Eisner/Miller: Uma entrevista cara a cara conduzida por Charles

Brownstein. São Paulo: Criativo, 2014.

(28)

28 A afirmação parece remeter a concepção de Miller enquanto a ver a si como um artista, não meramente um empregado, mas sim como produtor de algo, como detentor de uma produção cultural e intelectual. A busca por royalties e por reconhecimento não se dá apenas no campo econômico, mas no próprio entendimento do valor cultural de seu trabalho e status. Sendo a provocação ao denominar “meu público”, muito mais do que a prepotência da juventude, mas a certeza acerca do potencial das produções midiáticas.

Assim, na coletiva mensal que a Marvel costumava dar para a imprensa e quando o contrato entre Frank Miller e a DC Comics já estava anunciado, a editora Marvel

anuncia também o lançamento do selo Epic Comics45, permitindo assim que artistas

ficassem com maior porcentagem das vendas e direitos autorais sobre seus personagens. Essa postura de Frank Miller em relação as editoras também não acontece ao acaso, mas fez parte de uma nova geração de quadrinistas que estão entrando no mercado de trabalho, uma geração que cresceu com a presença dos comics no dia a dia, tendo seu trabalho influenciado diretamente pela percepção daquela produção. Há, na diferença geracional, uma distância muito grande entre o que é o trabalho desses desenhistas e roteiristas de quadrinhos. Enquanto as gerações anteriores aspiraram posições artísticas o reconhecimento era muito mais por um trabalho de manufatura do que de por um trabalho artístico e intelectual.

A geração da década de 1970 e 1980 é a primeira que consegue brigar de fato por

seus direitos autorais46 por conta de como se estabelecia o mercado de quadrinhos na

época. Esse detalhe, o domínio do artista por sua criação e o reconhecimento da assinatura, não pode ser descartado no debate acerca das aspirações artísticas do mesmo. Um montador de carros em uma fábrica não necessita de sua assinatura em cada peça que produz, nem um artesão muitas vezes reclama para si a autoria de suas obras. Mas o artista toma para si a necessidade de sua propriedade intelectual, de seu feitio criativo. O reconhecimento, bem como a necessidade, de autoria de suas obras é o que dá caráter único para sua produção. O “Batman de Frank Miller” é um Batman único, só será encontrado naquele momento e naquelas condições, não podendo ser meramente reproduzido ou copiado de maneira fidedigna por outro artista.

A mudança no quadro editorial da Nacional Comics começou no final da década de 1970 quando a Warner Company, dona da empresa desde 1967, decide reestruturar as

bases da editora mudando, inclusive, seu logo para DC Comics47, nome pelo qual ficou

45 Ibidem, p. 264.

46 Ainda que anteriormente outros artistas já tivessem tentado recolher seus direitos, como é o caso de

Shuster e Siegel pelos direitos autorais do “Superman ” e de Jack Kirby por suas várias obras.

(29)

29 conhecida a editora até o presente momento. Assumiram os cargos de diretora e coordenador editorial Jenette Kahn e Paul Levitz, respectivamente. A mudança era voltada para a busca de novos leitores, já que os quadrinhos vinham oscilando em vendas

desde a vertiginosa queda de vendas no período do macarthismo48.

Além da nova dupla de editores para a DC Comics, uma mudança significativa no modo como se vendiam quadrinhos nos EUA também acabou por alterar a maneira como se produziam quadrinhos. A pressão feita por lojistas durante a década de 1980 mudou a logística de entrega e distribuição das revistas. Jones nos aponta:

(...) a indústria das revistas em quadrinhos entrou em ascensão. As “lojas especializadas em quadrinhos”, que atendiam o número crescente de fãs, alcançaram tamanho sucesso no fim da década [1970] que lhes permitiu exigir mudanças na maneira de negociar com as editoras. No lugar do velho sistema de consignação, no qual os revendedores não corriam nenhum risco financeiro e quase metade do material impresso era devolvido em troca de crédito, as lojas especializadas instituíram um sistema direto de compras, em que as revistas eram adquiridas das próprias editoras, sem reembolso previsto no caso de mercadoria encalhada. Isso transferiu o risco das editoras e distribuidoras para os revendedores (...) 49

Na prática, a mudança significou a terceirização do trabalho das editoras, que não precisou mais se preocupar tanto com o tamanho das tiragens, optando, então, por uma política de tiragens menores, com títulos mais específicos e diversificados para públicos de nicho como, por exemplo, fãs de um super-herói não tão popular como Batman ou Homem-Aranha ou, ainda, públicos diferenciados como os que consomem apenas edições de luxo. A tiragem reduzida proporcionaria duas saídas: a primeira era o risco de produção de material alternativo e a segunda era o maior investimento em impressões. O maior

investimento em impressões acabou por produzir produtos de maior qualidade50, que

ascenderam da categoria de descartáveis para colecionáveis.

Essas obras, ao ocorrem mais ou menos na mesma época e sobre o mesmo editorial, nos mostram como o mercado estava aberto a experimentações de novos títulos. Ainda, é possível perceber que já existia um olhar dos editores sobre o crescimento dos fãs de quadrinhos, editando quadrinhos com inclinações para públicos mais velhos, talvez em entendimento que aquele público infantil que foi submetido ao selo de aprovação anos

48 A “caça as bruxas” promovida pelo macarthismo ainda na década de 1950 fora crucial para a indústria

cultural como um todo. Nos comics, o selo de aprovação pelo qual algum título deveria passar antes de ser posto a venda acabavam minando as possibilidades criativas de seus autores, o que acabara levando a uma pasteurização das histórias que, mais tarde, levaria a queda de vendas. A discussão mais ampla pode ser observada em “Homens do Amanhã” (2006) de Gerard Jones.

49 JONES, Gerard, 2006, p. 394. 50 Ibidem, p. 394.

(30)

30

antes51 estava crescendo. Uma obra muito lembrada desse momento é a fase “Lanterna

Verde/Arqueiro Verde” (1970) produzida pela dupla Neal Adams e Denny O’Neil em que os heróis esmeralda partiam em viagem pelos EUA enfrentando problemas como racismo, abuso de drogas, violência doméstica, etc.

Quanto à relação dos artistas com as editoras também é preciso levar em consideração sua organização interna como, por exemplo, a organização sindical. Neal Adams, um dos principais mentores de Frank Miller, foi um dos porta-vozes da corporação de artistas que brigavam pela obtenção dos direitos autorais e de criação de

suas obras52. Para Miller “[...] agir como um escravo era a ética. Ficar um pouco altivo

era então considerado arrogante, atrevido e vagamente desleal53". Assim, essa mudança

no foco dos direitos autorais parece extrapolar para além das questões jurídicas e, em como eram de fato encarados os artistas das grandes mídias do final do século XX.

Essa “política de valorização do artista” é um tema recorrente na carreira de Frank Miller sendo, inclusive, premiado por seus trabalhos em relação à autonomia do artista

perante a indústria seja na área jurídica ou na parte criativa54. Para Miller:

[...] Para a maioria dos freenlancers que chegaram aos quadrinhos há mais de uma década, era que havia duas opiniões: deixar que outras pessoas na Marvel ficassem com seu trabalho, ou deixar que outras pessoas na DC ficassem donas de seu trabalho. Havia um número limitado de editoras e os termos para firmar um contrato eram muito pobres. Eram tão ruins que, na época em que cheguei, as únicas pessoas que estariam entrando ainda eram aquelas que continuavam apaixonadas pelos comics. Elas estavam dispostas a fazer trabalhos diários na agências de publicidade para sobreviver [...] Acredito que há quase um investimento ético na noção de que nós continuamos substituíveis. Algumas vezes, acho que a mentalidade do trabalho contratado, que é o que eu realmente estou atacando aqui, está profundamente arraigada na nossa atividade [...] sei que há algo de prejudicial em relação às pessoas em não ter domínio sobre seu próprio trabalho. Acho que isso arranca um pedaço da alma- e tem acontecido com muitas pessoas nesse meio.55

A citação, ainda que longa, parece exemplificar bem o pensamento de Miller sobre a produção de quadrinhos de sua época e a maneira como ele se posiciona. E, ainda que exista certo romantismo idealista ao falar que sua geração apenas adentrava na produção

51 O caso do Comic Code Authority já foi trabalhado incessantemente pelos diversos pesquisadores e

curiosos dos quadrinhos, não nos cabe debater novamente o caso, mas o trabalho de Jerard Jones “Homens do Amanhã” citado na bibliografia deste trabalho ajudaria ao leitor iniciante a compreender mais sobre os diversos embates jurídicos pelos quais os quadrinhos nos EUA passaram durante a segunda metade do século XX.

52 EISNER, MILLER, 2014, p. 217. 53Ibidem, p. 167.

54 Miller ganhou o prêmio de defensor da liberdade pelo Comic Book Legal Defense Fund (Fundo Legal

da Defesa das Revistas em Quadrinhos).

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31 de comics por “amor”, é bem verdade que essa geração, também, entrava com outra mentalidade, a de que não estavam fazendo apenas “trabalho”, mas que estava criando.

O trabalho por contrato sempre foi a regra nas produções com as grandes editoras e continuam sendo até hoje, mas, o que essa geração parecia vislumbrar era a possibilidade de dominar criativa e juridicamente suas obras isso, sem dúvida, fugia totalmente do habitual até então. Miller cita sarcasticamente o momento ao dizer “Gosto de dizer que o grande erro que eles cometeram foi colocar meu nome na capa das

publicações (risos).56” Dando a entender que após sua negociação com a DC Comics pela

produção de Ronin e, logo em seguida a pressão pela criação do selo Epic Comics da Marvel as portas para o reconhecimento artístico estavam sendo abertas para não se fecharem mais.

Sobre a reivindicação dos direitos autorais e do aumento de trabalhos autônomos e de caráter autoral, importa sublinhar que se assemelha muito ao conceito de empresa moderna que começa a aparecer na década de 1980, ganhando forma na década seguinte e tendo seu ápice agora no século XXI. O que vemos nessas empresas é que a hierarquia piramidal vai se esfacelando, transformando os negócios numa imensa rede de acordos e não mais numa ligação autoritária clássica. No entanto, é preciso ter claro que essas relações “amistosas” não são tão amistosas assim, visto que essa abertura é limitada

enquanto o diálogo favorece a potencialização produtiva por parte do empregado.57 Isso

acontece principalmente em empresas que vendem “criatividade”, a descentralização do poder faz com que o trabalhador aja de acordo com suas necessidades, não sentindo a autoridade do chefe e a cobrança por resultados de maneira tão opressora:

Uma das afirmações em favor da nova organização do trabalho é que descentraliza o poder, quer dizer, dá às pessoas nas categorias inferiores dessas organizações mais controle sobre suas atividades. Certamente é uma afirmação falsa, em termos das técnicas empregadas para desmontar os velhos colossos burocráticos. Os novos sistemas de informação oferecem um quadro abrangente da organização aos altos administradores de uma forma que deixa o indivíduo em qualquer parte da rede pouco espaço para esconder-se.58 Sem a presença constante de uma ordem hierárquica o trabalhador sente-se mais livre e mais cômodo para produzir o que eventualmente aumentaria a qualidade de sua produção. Assim, o bem-estar do empregado é um joguete com o fim único de obtenção de lucro para a empresa, tanto quanto remonta um sentido de refino, de preocupação e

56Ibidem, p. 161

57 SENNET, Richard.A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo, Rio

de Janeiro, Editora Record, 2000.

(32)

32 diálogo com o cliente ao criar senão um sistema de exclusividade, um sistema voltado em atender a necessidade de todos.

Porém, ainda que a empresa passe a exercer um poder diferenciado para com os subordinados, o fato é que essa sensação de autonomia realmente acaba gerando novas perspectivas e práticas que podem ser, de fato, inovadoras ainda que estas não se preocupem em quebrar com a própria estrutura.

Nesse sentido de relação empresarial com o mercado podemos observar que a relação entre DC Comics e Warner Company se estreitava ainda mais com a aproximação das linguagens e dos produtos dessas empresas. O final da década de 1970 e a década de 1980, como um todo, foram os momentos em que a interligação dos mercados se fortaleceu:

Dessa forma, o cinema blockbuster é marcado por essa sinergia de mercados auxiliares ao cinema. É parte do alto investimento nos filmes, com o intuito de obter altas receitas que cubram os custos de produção e garantam um rápido retorno e lucros compatíveis com os investimentos. (...) a integração desse mercado fez que o filme fosse um dos produtos de um conjunto bem mais amplo. Assim, o filme perde um valor individual na ótica da indústria do entretenimento, uma vez que não é tratado e nem analisado mais de forma isolada, o filme pelo filme. Este passa a pertencer a um conjunto de mercadorias e deve ser visto, levando-se isso em consideração (...)59

Com o crescimento do cinema blockbuster, de alta arrecadação e custos de produção, a Warner decide investir na produção do filme Superman (1978), aproveitando a onda de heróis individuais. O sucesso de Superman não se resumiria apenas as bilheterias, havia uma série de outros produtos relacionados à marca do herói como bonés, camisetas e, obviamente, as histórias em quadrinhos.

Fazer quadrinhos por “vocação” a geração que cresceu lendo quadrinhos e queria se profissionalizar muitas vezes fez parte dessa revalorização dos quadrinhos principalmente durante a década de 1980. Essa transformação não deve ser entendida como um processo natural, mas como parte da tomada de consciência dos artistas como produtores de arte e conteúdo, não meramente um emprego artesanal. Existe uma consciência crítica por trás de cada trabalho. Uma época em que não bastava ser "bom o suficiente" em que a quantidade das impressões massivas, passava a dar lugar para a qualidade das impressões, a qualidade artística. Essa é uma mudança significativa no

modo como a indústria cultural e massiva concebem seus produtos60.

59DA SILVA, Rodrigo C. Programados para Matar: Rambo, Reagan e a emergência da Nova Guerra

Fria. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Estadual de Maringá: Maringá, 2011, p. 79.

(33)

33 Para Miller, ainda que reconheça a necessidade das amarras entre produção artística e mercado editorial, arte é criação e aspiração do artista, podendo existir sem a necessidade de um “patrão”. O artista se libertaria – tal qual a predisposição do conceito

de Arte – a partir do momento em que ele pode de fato trabalhar por si mesmo61.

Mas, de onde veio esse empuxo para que a geração de Miller passasse a considerar a si mesmos como artistas de fato? A partir de qual paradigma estético e artístico esses roteiristas e desenhistas passam a tomar para si a responsabilidade e os créditos de produção?

Trazendo outras declarações de Frank Miller, podemos aproximar um pouco mais sobre essa realidade da produção artística ao afirmar que os “quadrinhos não são trabalhos

tranquilizadores62” e ao balancear sua posição sobre a arte conceitual entre seus pares:

Ted Rall é outro caso. Ele também não sabe desenhar e isso não o compromete muito porque as ideias dele que são muito boas... Neal [Adams] foi aquele que dominou em termos de negócios e de iniciativas criativas. Muitos de nós simplesmente fizemos do estúdio dele um ponto de encontro. Ele ficou analisando meu portfólio por anos antes de eu ganhar um trabalho. Ele me daria todo o tempo do mundo. Porém, ele tinha uma paixão pela alta qualidade de ilustração e de acabamento que, de várias maneiras, passei uma boa parte da minha carreira tentando me livrar, porque penso que desse modo o prazer do desenho é levado embora e o cartunismo se perde no processo; não no trabalho dele, porque Neal é um cartunista excelente, mas aqueles que o imitaram se esforçaram tanto por nada e se deram mal.63

Dessa forma, mesmo histórias em quadrinhos produzidas em papel barato e em larga escala, com pretensas deformidades anatômicas, o estilo cartum, cores vibrantes e ambientadas em um universo totalmente a parte podem ser compreendidas e exaltadas enquanto uma produção com pretensões artísticas independente de seu caráter belo, visto que é preciso ter antes de tudo o esclarecimento sobre a periodização em que a mesma se encontra e o questionamento ao próprio tempo que o autor pretende ressaltar com a

mesma64.

O filósofo Arthur Danto se coloca em dois momentos para explicar as diferenças da chamada arte moderna para a arte contemporânea, entendendo que ambas não são

apenas determinações temporais, mas também conceituais65. Se, por um lado a arte

moderna está relacionada com o abandono do passado pelo progresso, a arte

61Ibidem, p. 181. 62 Ibidem, p. 107. 63 Ibidem, p. 198.

64DANTO, Arthur C. A transfiguração do lugar comum. São Paulo: Cosac Naify, 2005, p. 270-275. 65DANTO, Arthur C. Após o fim da arte: a arte contemporânea e os limites da história. São Paulo:

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