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Xintoísmo

No documento Povo, cultura e religião (páginas 152-192)

Nesta última seção da nossa unidade, veremos al- guns aspectos sobre o xintoísmo. Você verá que, assim como o taoísmo, o xintoísmo é também muito diferente das tradições semíticas. Trata-se de uma religião que possui uma ligação muito forte com a natureza e nos fornece ensinamentos muito ricos sobre o homem. Vamos estudá-la?

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Introdução ao estudo

Olá, caro(a) aluno(a). Nesta unidade estudaremos os principais aspectos de algumas religiões orientais: hinduísmo, budismo, taoísmo e xintoísmo. Veremos quais são os pontos centrais dessas religiões e de que maneira elas respondem a determinadas perguntas fundamentais. Cada religião apresenta suas especi- ficidades e não conseguiremos esgotá-las, mas daremos um panorama geral para que você entenda como elas interpretam o homem, o mundo e o plano metafísico. Vamos iniciar um caminho, e você poderá completá-lo no decorrer de sua formação.

Antes de começarmos a exposição dos conteúdos selecionados, acreditamos que é necessário esclarecer alguns pontos. Com isso, pretendemos facilitar nosso acesso ao conteúdo das demais seções. A principal dificuldade que encontramos para estudarmos as tradições orientais é conseguir compreen- der a mentalidade do homem oriental. De que maneira as tradições orientais entendem seus objetos? Em suas análises predominam aspectos qualitativos ou quantitativos? É possível traduzirmos com precisão os termos empregados pelas línguas orientais? Sem esses entendimentos, torna-se impossível o estudo do Oriente.

Não são poucos os exemplos de estudiosos acadêmicos que se aventura- ram nessas veredas e produziram perspectivas contraditórias. Vemos que seus estudos falam muito mais sobre o Ocidente do que sobre o Oriente, visto que expressam somente análises imprecisas dos ocidentais acerca dos orientais. Logo, entendemos que esses estudos não podem nos servir de base. René Guénon apontou um posicionamento fundamental que devemos ter para en- tendermos outras religiões:

Este é o único modo de estudar as doutrinas que pode ser aproveitável; para compreendê-las, é preciso, por assim dizer, estudá-las “de dentro”, enquanto os orientalistas sempre se limitaram a considerá-las “de fora” (GUÉNON, 2009, p. 40).

Portanto, o estudioso precisa estar atento e saber que para se compreender uma religião é necessário observá-la pelas premissas fornecidas por ela. Não podemos utilizar um método que seja totalmente contrário aos fundamentos da tradição estudada. O que fazer diante desse quadro? Não é possível desenvolvermos nosso estudo? Acalme-se, apesar das dificuldades nem tudo está perdido! No século XX,

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tivemos o surgimento do metafísico francês René Guénon. Sua obra apresenta uma característica ímpar: com ela foi possível para o homem ocidental entender de que maneira o oriental pensa. Por ser um grande estudioso de todas as tradi- ções, Guénon possuía a capacidade de descrever para o Ocidente os símbolos, os conhecimentos e as relações entre diferentes culturas. Contudo, esse autor sempre apresentava as barreiras que deveríamos transpor para estabelecermos esse diá- logo. No seu livro Introdução geral sobre as doutrinas hindus, temos 130 páginas iniciais que apresentam todas as dificuldades, os preconceitos, as imprecisões, os erros, as diferenças metodológicas, interpretativas entre esses dois mundos. Há uma preocupação em explicar termos — religião, filosofia, ciência, razão, esoterismo, símbolo etc. — que são usados nas duas culturas, mas possuem compreensões divergentes. Mas o que queremos dizer quando usamos o termo Oriente?

Poderíamos dizer, para uma primeira aproximação, talvez um pouco su- mária, que o Oriente, para nós, é essencialmente a Ásia, e que o Ocidente é essencialmente a Europa (GUÉNON, 2009, p. 10).

A Europa é entendida nesse sentido como toda produção realizada por esse continente. Dessa forma, a tradição americana está inserida nesse mesmo contexto. Acreditamos que demos o primeiro passo: tomamos consciência de que somos diferentes. No segundo momento, podemos perceber no que somos diferentes e de que modo o estudo da história dessas religiões pode nos auxiliar no contato aberto e franco entre diferentes culturas.

Nossa unidade está dividida em quatro seções. Na primeira seção estuda- remos as principais características do hinduísmo. Logo após essa breve apre- sentação do hinduísmo, veremos na segunda seção como o budismo partiu de alguns preceitos dessa religião para introduzir uma nova prática religiosa no Oriente. Na terceira seção sairemos da Índia e iremos para a China estudar a formação do taoísmo. Para finalizar nossa unidade, estudaremos na última seção os principais fundamentos do xintoísmo. Vamos começar?

Seção 1

Hinduísmo

Nesta primeira seção, nós estudaremos os conceitos básicos da tradição hindu. A tradição hindu se apresenta como originária de povos vindos do noroeste da Índia há cerca de 2.500 anos a.C. As escrituras sagradas hindus são os Vedas. Eles foram ouvidos por sete sábios diferentes. Estão divididos em

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Shruti: são os ensinamentos que foram ouvidos pelos sábios. Smriti: são os ensinamentos que foram lembrados pelos sábios.

Veja de que modo podemos encontrar uma unidade no pensamento hindu. Por mais separadas que possam nos parecer suas práticas, elas apresentam um centro comum, visto que todos os seus ensinamentos estão fundamentados nos Veda:

A doutrina única a que aludimos constitui essencialmente o Veda, ou seja, a Ciência sagrada e tradicional por excelên- cia, pois esse é exatamente o sentido próprio desse termo: é o princípio e o fundamento comum a todos os ramos mais ou menos secundários e derivados, os quais constituem estas diferentes concepções que alguns consideram como sistemas rivais e opostos (GUÉNON, 2013, p. 10).

Podemos perceber no fragmento que Guénon se preocupou em apontar com clareza a centralidade do Veda. O próprio pensamento de Guénon segue uma base rígida nas escrituras sagradas. A intenção de seus escritos é apresentar os elementos estruturantes das religiões sem distorcê-las. Na citação a seguir, René Guénon nos mostra como a elaboração de suas obras procura ser fiel aos ensinamentos das doutrinas tradicionais:

Em muitas ocasiões, em nossas obras precedentes, anun- ciamos nossa intenção do proceder a uma série de estu- dos nos quais poderíamos, segundo o caso, seja expor diretamente certos aspectos das doutrinas metafísicas do Oriente, seja adaptar essas mesmas doutrinas do modo que nos parecesse mais inteligível e mais aproveitável, embora permanecendo sempre estritamente fiéis ao seu espírito (GUÉNON, 2013, p. 3).

Sabemos que o hinduísmo é a religião mais antiga praticada até os dias de hoje. Portanto, o estudo dessa prática é fundamental para compreendermos os elementos civilizacionais que moldam as tradições orientais. Para iniciarmos com bastante precisão nosso percurso, vamos realizar uma definição do termo central da nossa seção. Afinal, caro aluno, o que é “hindu”? Acreditamos que você já tenha ouvido alguma vez essa palavra. Mas você sabe o real significado dela? Já visualizou alguma imagem sagrada hindu e que lhe pareceu um pouco estranha? Vamos conferir? Para respondermos esse questionamento vamos ana- lisar um pequeno trecho de René Guénon sobre esse ponto:

A conclusão de tudo isso poder ser formulada da seguinte maneira: são hindus todos os que aderem a uma mesma tradição, com a condição que sejam, bem entendido, devi-

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damente qualificados para poder aderir real e efetivamente a ela, e não de um modo simplesmente exterior e ilusório (GUÉNON, 2009, p. 115-116).

Desse modo, entendemos que o hindu é aquele que está inserido numa determinada tradição e que respeita e responde aos seus preceitos de maneira obediente e adequada. Não se trata, portanto, de uma mera hereditariedade, de uma adesão gratuita ou de um comportamento social. Para ser hindu é ne- cessário participar de modo efetivo de uma tradição.

Zimmer expõe algumas práticas dos hindus:

Originalmente, o panteão védico — com sua hoste de deuses — representava o Universo onde se projetavam as experiências e ideias do homem sobre si mesmo. As características humanas do nascimento, crescimento e morte, e o processo de geração, eram projetados sobre o acontecer cósmico. As luzes do céu, os aspec- tos variados das nuvens e das tempestades, das florestas, das cadeias de montanhas e do curso dos rios, as propriedades do solo e os mistérios do mundo subterrâneo eram entendidos e tratados com referência às vidas e relação dos deuses, os quais por sua vez refletiam o mundo humano (ZIMMER, 2003, p. 244).

Para saber mais

No trecho selecionado, veremos a dificuldade de tentarmos facilitar a trans- missão dos conteúdos hindus adotando o método de simplificação ou unidade de seus ensinamentos:

Quanto a apresentar uma exposição de conjunto, isso é uma coisa impossível: ou seria um trabalho interminável, ou teria que ser colocado de uma forma tão sintética que seria perfeitamente incompreensível aos espíritos ociden- tais (GUÉNON, 2013, p. 3-4).

Essa dificuldade não é encontrada somente nas religiões orientais. Imagine adotar a simplificação para apresentarmos a filosofia de Aristóteles, Platão ou São

Tomás de Aquino. A redução de conteúdos tão densos e volumosos em pequenas

porções resumidas facilita o primeiro contato, mas pode promover distorções. Portanto, o historiador deve se manter atento aos perigos desse método.

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O primeiro aspecto determinante para compreendermos a tradição hindu é entendermos a sua antropovisão, ou seja, o modo pelo qual os hindus inserem o homem em sua cosmologia. Portanto, entendemos que o hinduísmo apre- senta uma resposta para uma dúvida intelectual do homem. Ele não se limita a isso, mas está diretamente relacionado com isso. As práticas religiosas hindus ligam esses dois pontos. Contudo, é preciso que se faça uma distinção prévia das tradições orientais para com os ensinamentos ocidentais. Muitas vezes fazemos algumas precipitações ao pensarmos que os conceitos de “religião”, “metafísica”, “tradição” são iguais aos utilizados pelos orientais. Leia a citação a seguir e pense um pouco sobre isso:

[...] a tradição hindu, sem ser de maneira alguma de na- tureza religiosa, poderia, no entanto, implicar uma orga- nização mais ou menos análoga; mas não se trata disso, a despeito das suposições gratuitas que alguns fizeram a este respeito, porque não compreendiam como a unidade podia ser realizada efetivamente apenas pela potência inerente à própria doutrina tradicional. Isto é bem diferente, com efeito, de tudo o que existe no Ocidente, e, no entanto, é assim: a unidade hindu, já insistimos nisso, é uma unidade de ordem pura e exclusivamente tradicional, que não ne- cessita, para se manter, de nenhuma forma de organização mais ou menos exterior, nem do apoio de outra autoridade que a da própria doutrina (GUÉNON, 2009, p. 115).

René Guénon faz uma separação entre o que é tradição metafísica e o que é religião. Os ensinamentos apreendidos pela tradição hindu não se limitam a uma prática religiosa ou às determinações sociais, visto que tratam de ensina- mentos que transcendem a ordem imanente. Essa antropovisão é a base para quase todos os aspectos presentes na civilização hindu. Podemos afirmar que o hinduísmo possui um núcleo. Essa centralidade oferece uma resposta para uma pergunta fundamental: “Quem sou eu”? O grande pesquisador das tradições orientais, Heinrich Zimmer, nos apresentou uma análise muito precisa no tre- cho selecionado: “A principal finalidade do pensamento indiano é desvendar e integrar na consciência o que as forças da vida recusaram e ocultaram, não é explorar e descrever o mundo visível” (ZIMMER, 2003, p. 20).

Entendemos, desse modo, que o ponto central do hinduísmo está na tentativa de estabelecer uma ligação (re-ligação) direta da consciência individual que foi perdida com o absoluto — que é o próprio fundamento dessa individualidade. O mundo sensível não é tido como importante, mas a consciência individual

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é o grande ponto de ligação entre o mundo físico e o mundo metafísico. Por isso, muitas vezes o oriental não entende a veracidade do homem moderno ocidental pelo trabalho, pelo acúmulo de bens materiais e pelo suposto pro- gresso. O oriental interpreta o crescimento da ordem material como um atraso existencial para homem, na medida em que para obter isso ele se afasta da preocupação de encontrar sua própria essência.

Quais são as principais dificuldades que o homem ocidental encontra para compreender as práticas religiosas do Oriente? Será que ainda possuímos preconceitos que impedem o diálogo franco com essas diferentes formas de pensamento? Pense nisso!

Questões para reflexão

Mas, afinal, quem sou eu? Como o hinduísmo pode responder esse ques- tionamento? A resposta hindu para essa pergunta é simples, rápida e precisa, mas ao mesmo tempo muito complexa: “Você é o absoluto”! Contudo, nós não conhecemos a nossa própria natureza. A realidade de nosso ser está encoberta. É preciso retirar esse véu para o “despertar” pleno de nossa consciência. Para se tornar um ser humano em determinado momento você teve que esquecer que era o próprio absoluto. É preciso retomar essa consciência para se religar ao absoluto. O hinduísmo afirma que em algum momento você se percebeu como ser e não poderá esquecer essa percepção. O hinduísmo apresenta uma preocupação em retomar a consciência dessa individualidade perdida, como nos mostra Zimmer:

A filosofia indiana, por milhares de anos, tem-se esfor- çado em conhecer este Eu adamantino e efetivar seu conhecimento na vida humana. E esta permanente inquie- tação é responsável pela suprema e contínua renovação da imperturbabilidade que penetra as terríveis histórias do mundo oriental [...] (ZIMMER, 2003, p. 20-21).

Vimos anteriormente, que o conhecimento produzido na tentativa de res- ponder à pergunta “quem sou eu?”, além de atender uma necessidade inte- lectual, fornecer as bases para a constituição da vida humana por muitos anos na tradição hindu. Mas além da realidade substancial do eu o hinduísmo nos

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Existem quatro tipos diferentes de natureza existentes na tradição hindu: Absoluto: trata-se de algo não definido em palavras, visto que não tem

princípio nem fim, é a ordem não criada.

Rupa: é o termo utilizado para se referir a todas as formas sensíveis que possuem princípio e fim, portanto, trata dos elementos presentes no mundo. Consciência individual: capacidade exercida pelo homem que possui

princípio e não possui fim. Esse é o ponto que deve ser atingido para o homem atingir seu estado de libertação.

Avídia: é a ignorância. Ela possui uma natureza misteriosa. Não tem princípio, mas tem um fim. Trata-se do grande mal presente no homem e o estado de iluminação só será possível se o homem superar esses ele- mentos escuros de sua alma.

Você pode, então, se perguntar: “O que eu posso fazer para obter esse conhecimento da minha individualidade e me religar ao absoluto — funda- mento de meu ser? Devo tornar-me um praticante do hinduísmo?” Acredito que não seja o melhor caminho, visto que o hinduísmo não é uma prática aberta para todos os homens. Ele está restrito a um grupo que recebeu essa tradição. Existe uma série de dificuldades que não permitem que um sujeito que não nasceu e é um herdeiro direto dessa tradição se torne um praticante do hinduísmo. Talvez tenhamos um pouco de dificuldade de compreendermos isso, visto que fomos formados em uma cultura de matriz cristã que se apre- senta como uma religião aberta a qualquer pessoa que queira praticá-la. Isso é outra dificuldade para realizarmos um estudo preciso dessas tradições, pois, como vamos compreendê-las “de dentro”, como nos recomendou Guénon, se não podemos entrar e praticar essas religiões? Isso é possível com o estudo das religiões comparadas e autores com Guénon, Frithjof Schuon, Titus Burckhardt,

Martin Lings e Ananda Coomaraswamy são indicados para esse caminho, pois

conseguiram realizar a ponte de comunicação entre o Oriente e o Ocidente sem trazer distorções teóricas para ambos os lados.

Para compreendermos melhor essa cosmovisão hindu, vamos analisar um pequeno trecho do livro Introdução geral ao estudo das doutrinas hindus de René Guénon:

Na Índia, estamos em presença de uma tradição pura- mente metafísica na sua essência, à qual vêm se acrescen- tar, como tantas dependências e prolongamentos, diversas aplicações, seja em certos ramos secundários da própria doutrina, como aquele que se liga à cosmologia, por exem-

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plo, seja na ordem social, que é, aliás, estritamente deter- minada pela correspondência analógica estabelecida entre as respectivas formas da existência cósmica e da existência humana (GUÉNON, 2009, p. 55).

O primeiro ponto que chama nossa atenção na citação é a ligação entre a tra- dição e a metafísica. Guénon se preocupou em deixar claro para nós que o centro da civilização hindu está na relação com a metafísica. Isso pode ser um pouco complicado de se entender para um ocidental, pois a religião tornou-se um dos aspectos sociais e não o princípio ordenador de todo corpo social e existencial do Ocidente. Contudo, no Oriente hindu, os parâmetros metafísicos fornecem as bases de interpretação da existência cósmica e social dos indivíduos. Sendo assim, todas as relações sociais na vida de um praticante do hinduísmo são pautadas por parâmetros dados por sua prática religiosa. E de que modo esses ensinamentos são transmitidos na tradição hindu? Basicamente possuímos duas grandes fontes: as escrituras sagradas e a transmissão oral. Vamos conhecê-las um pouco mais?

As palavras contidas nas escrituras sagradas, assim como as demais expres- sões formais adequadas, são símbolos de transmissão desses conhecimentos milenares. Os símbolos são elementos presentes em todas as tradições religiosas. As escrituras sagradas do hinduísmo são os Vedas. Eles são a reunião de quatro livros que fornecem a base da metafísica hindu:

O nome Veda, cujo sentido próprio acabamos de indi- car, é aplicado de um modo geral a todos os escritos fundamentais da tradição hindu; sabe-se aliás, que esses escritos são divididos em quatro compilações que trazem os nomes respectivos de Rig-Veda, Yajur-Veda, Sâma-Veda e Atharva-Veda (GUÉNON, 2009, p. 119).

Reconhecemos que a historiografia ainda possui algumas dificuldades para trabalhar com as escrituras sagradas que fundamentam as religiões. Talvez, a primeira dificuldade esteja em aceitar a ideia apresentada pelas religiões de que suas escrituras possuem origem na revelação direta do absoluto. E qual é a origem dos Vedas? São produtos da literatura humana ou da revelação divina?

Eis por que a origem do Veda é chamada apaurusheya, isto é, “não humana”:

[...] as circunstâncias históricas, tanto quanto outras contingências, não exercem nenhuma influência sobre o fundamento da doutrina, que tem um carácter imutável e puramente intemporal, e é, alias evidente que a inspira- ção de que acabamos de falar pode ocorrer em qualquer

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O texto selecionado anteriormente nos mostra como é interpretarmos uma religião “de dentro”. Se a tradição de transmissão de uma doutrina afirma que ela possui um caráter metafísico, o método empregado pelo historiador deve levar isso em conta. Quando o historiador negligencia esse fato e passa a sub- meter o objeto estudado às necessidades de seu método, provoca uma distorção em sua análise. Além da tradição escrita temos também a tradição oral:

Na Índia antiga cada ramo do saber estava associado a uma arte altamente especializada e a um modo de vida, consoante com este. O saber não devia apenas ser colhido nos livros, palestras, conversas e debates, mas dominado por meio da aprendizagem ao lado de um mestre compe- tente. Era necessário que o discípulo, dócil à autoridade do guru, se entregasse a ele de todo coração, sendo pré- -requisitos básicos a obediência (susrusa) e a fé absoluta (sraddha) (ZIMMER, 2003, p. 50).

O homem moderno ocidental carrega um apreço muito grande pela neces- sidade de transmissão de conteúdos pela escrita. Esse é um forte contraste que encontramos entre o Oriente e o Ocidente. A iniciação realizada por um mestre é uma prática comum no Oriente. Nessa relação, o aprendiz fica anos ao lado de seu guru acompanhando suas atividades diárias e recebendo seus ensinamentos:

Ao mesmo tempo, é esta também a explicação da ligação profunda e indefectível que une o discípulo ao mestre, não somente na Índia, mas em todo o Oriente, cujo aná- logo no Ocidente moderno se procuraria em vão; a função do instrutor é verdadeiramente, com efeito, uma “paterni- dade espiritual”, e é por isso que o ato ritual e simbólico pelo qual ela começa é um “segundo nascimento” para aquele que é admitido a receber o ensinamento por uma transmissão regular (GUÉNON, 2009, p. 192).

Mas o Oriente não mantém apreço somente pelas escrituras. Outros ele- mentos fazem parte e dão um significado especial para suas práticas. Você se arrisca em dizer quais são elas, caro aluno? Vamos conferir? Além das escrituras,

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