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Povo, cultura e religião

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Academic year: 2021

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Povo, cultura e

religião

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Guilherme Cantieri Bordonal

Wilson Sanches

Thiago Rodrigo da Silva

Edison Lucas Fabricio

Povo, cultura e

religião

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Sanches, Wilson

S194p Povo, cultura e religião / Wilson Sanches, Thiago Rodrigo da Silva, Edison Lucas Fabricio, Guilherme Cantieri Bordonal. – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2014.

192 p.

ISBN 978-85-68075-40-1

1. Conceito 2. Fenômeno. I. Silva, Thiago Rodrigo da. II. Fabricio, Edison Lucas. III. Bordonal, Guilherme Cantieri. IV. Título.

CDD 291 © 2014 by Editora e Distribuidora Educacional S.A.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico,

incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora

e Distribuidora Educacional S.A.

Diretor editorial e de conteúdo: Roger Trimer Gerente de produção editorial: Kelly Tavares Supervisora de produção editorial: Silvana Afonso Coordenador de produção editorial: Sérgio Nascimento

Editor: Casa de Ideias Editor assistente: Marcos Guimarães

Revisão: Christiane Gradvohl Colas Diagramação: Casa de Ideias

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Unidade 1 — Definindo conceitos ...1

Seção 1 Povo ...3

Seção 2 Cultura ...10

Seção 3 Religião ...15

Seção 4 Fundamentos da religião ...20

4.1 Modernidade e religião ...24

4.2 Símbolos religiosos ...26

Unidade 2 — O fenômeno religioso ...41

Seção 1 O politeísmo, o monoteísmo e as implicações civilizacionais na compreensão do tempo histórico ...44

Seção 2 A explicação agostiniana para a natureza e seus reflexos culturais ...56

Seção 3 O sincretismo religioso e o ecumenismo ...73

Unidade 3 — As religiões monoteístas ...89

Seção 1 Judaísmo ...91

Seção 2 Cristianismo ...107

Seção 3 Islamismo ...127

Unidade 4 — Religiões orientais ...143

Seção 1 Hinduísmo ...146

Seção 2 Budismo ...157

Seção 3 Taoísmo ...165

Seção 4 Xintoísmo ...170

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Vivemos em um mundo extremamente complexo interligado por redes de comunicação cada vez mais avançadas que nos conectam instantaneamente a todos os cantos do planeta; sistemas de transportes que podem nos levar em algumas horas aos cantos mais longínquos do globo. Por conta disso, temos contatos cada vez mais frequentes com diferentes povos, diferentes formas de viver e concepções das mais diversas sobre a origem do mundo e qual será o seu fim. Portanto, o tempo presente exige que cada um de nós conheçamos aquilo que é a alteridade.

Conhecer o outro não é apenas um exercício de curiosidade, mas uma necessidade atual em virtude das características da nossa sociedade que é cada vez mais conectada; além disso, o conhecimento do outro leva a uma reflexão sobre quem nós somos. De fato, o pensamento antropológico já afirmou com todas as letras que o conhecimento do outro leva ao conheci-mento de nós mesmos, e quando somos cegos em relação aos outros somos míopes em relação a nós mesmos, nossas formas de vida e nossos hábitos, nossas crenças.

Neste livro, caro leitor, queremos oferecer uma visão ampla sobre três temas de extrema importância para conhecermos nós mesmos e o outro bus-cando uma explicação histórica e conceitual sobre “povo, cultura e religião”. Este conhecimento histórico e conceitual pode nos auxiliar a perceber, com um maior senso crítico, por que cada povo desenvolveu sua própria cultura e hábito, bem como suas vidas religiosas.

Para obtermos tal compreensão o livro foi estruturado da seguinte maneira: A Unidade 1 tem por objetivo estabelecer alguns conceitos básicos para a discussão do tema proposto pela disciplina; assim, nesta unidade, a principal preocupação é definir o termo “povo” bem como sua origem, definir o termo “cultural” e o que é religião e como eles se interligam.

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Na Unidade 2 refletiremos juntos sobre “o fenômeno religioso”, ou seja, qual a influência da religião na organização da nossa vida em sociedade. Para compreender tal influência discutiremos o politeísmo e o monoteísmo e a influência agostiniana na concepção de religião que o ocidente desenvolveu.

A Unidade 3 faz uma abordagem sobre as três principais religiões mono-teístas. Esta unidade se preocupará em apontar características essências do Judaísmo, do Cristianismo e do Islamismo. Essas religiões possuem uma história complexa e longa, porém o objetivo da unidade não será contemplar todos os assuntos referentes a estas religiões, mas fornecer uma visão ampla e conceitual sobre as bases destas religiões..

A Unidade 4 tem por objetivo apresentar alguns aspectos das religiões orientais; especificamente, discutiremos os principais aspectos do Hinduísmo, Budismo, Taoísmo e Xintoísmo. Nesta unidade teremos oportunidade de perce-ber os distanciamentos e as aproximações das estruturas religiosas do ocidente e do oriente.

Caro leitores, deixo aqui um convite para iniciarmos o estudo sobre este tema que interessa a todos nós: “Povo, Cultura e Religião”. Vivemos em uma sociedade que desenvolveu historicamente as concepções do que é povo, de-senvolveu seus hábitos culturais e suas estruturas religiosas, além disso vivemos em mundo de intenso contato com o outro, com aquele que é diferente de nós, conhecer o outro e as razões da alteridade é quase um dever inerente à vida presente

Bons estudos! Prof. Wilson Sanches

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Objetivos de aprendizagem: Nesta primeira unidade, faremos o

estudo conceitual dos três termos que dão título à nossa disciplina

Povo, cultura e religião. Ela é fundamental e será o alicerce para as

demais unidades que estudaremos. É bom lembrar que a definição conceitual para qualquer assunto que se for estudar é prerrequisito para o desenvolvimento do trabalho. Na metodologia adotada neste trabalho. Entendemos que a religião é a grande força estruturante das civilizações, portanto, fique muito atento ao desenvolvimento desses conceitos.

Definindo

conceitos

Unidade 1

Wilson Sanches Guilherme Cantieri Bordonal

Seção 1: Povo

Nesta seção analisaremos os aspectos que estruturam a formação dos diferentes povos.

Seção 2: Cultura

Apresentaremos a cultura como o resultado das pre-missas fornecidas pelas religiões. O estudo da cultura está muito presente nas pesquisas historiográficas, pois, com a modernidade, o multiculturalismo ga-nhou muita força e é tema de muitos debates.

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Seção 3: Religião

Nesta seção trabalharemos com a religião, que se apresenta para nós como o principal elemento na formação dos povos e das culturas.

Seção 4: Fundamentos da religião

Nesta seção poderemos aprofundar os aspectos estruturais das religiões, mostrando de que maneira cada religião se apresenta.

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Introdução ao estudo

Estamos diante de uma grande tarefa: debater elementos que estão pre-sentes no nosso cotidiano e que fazem parte de nós de maneira intrínseca, ou seja, debater questões sobre povo, cultura e religião. Trata-se da junção de três termos dotados de grande potência discursiva. Eles carregam um amplo universo de valores, fornecendo inúmeras possibilidades de interpretações. Não são simples palavras; são monumentos construídos no decorrer do tempo. Dotados de amplitude, há de se ter sagacidade para percorrer esses caminhos tortuosos que já foram explorados por outros historiadores, pois foram muitos os discursos que buscaram legitimidade fazendo uso de práticas exercidas nos territórios do “Povo”, da “Cultura” e da “Religião”.

Os três termos são usados com frequência nos debates historiográficos e, muitas vezes, de maneira automática, são lançados sem que se faça uma análise pormenorizada deles. São termos que estão no uso corrente do nosso ofício. Não se pretende, com essa disciplina, encerrar o debate sobre as implicações que envolvem esses temas, mas simplesmente proporcionar uma análise crítica de como esses termos foram construídos na História do Ocidente e de como exercem uma força muito grande na constituição do pensamento moderno e pós-moderno. A junção desses conceitos pode fornecer a caracterização que se tem do homem no mundo contemporâneo. A análise desse processo possi-bilitará a compreensão da formação do Humanismo — como a possibilidade da formação de homens exemplares.

Seção 1

Povo

Você já ouviu falar que “a voz do povo é a voz de Deus”? Este ditado po-pular apareceu com Tito Lívio, no original em latim “vox populi, vox Dei”. O ditado subsistiu aos anos, mas e a ideia de povo? Será que continua a mesma? Quando você ouve alguém falar que “tal povo é assim...”, ou “determinado povo deixou sua marca na história” ou, ainda, “que povo sem cultura”, quais são as coisas que vêm à sua mente? Para responder a estas questões discutiremos, nesta seção, a definição de povo. Mas não é uma coisa simples definir “povo”? De maneira alguma! Nossa preocupação e fazer a definição de povo de forma que esta definição possa servir de ferramentas necessárias e introdutórias para desenvolvermos as discussões no decorrer das demais unidades.

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A palavra “povo” tem origem no latim: populus. Podemos afirmar que a definição desse conceito é a de que “povo” é uma união de indivíduos

que compartilham entre si crenças, práticas e símbolos, estabelecendo um sentimento de unidade e de identidade social. Contudo, essas experiências

compartilhadas não criam barreiras rígidas e fixas. Logo, os povos podem sofrer transformações de acordo com os períodos históricos e com o próprio contato entre povos diferentes. É papel fundamental da História analisar essas mudanças para entender as relações e os movimentos internos e externos de diferentes sociedades.

Será que nossa identidade social é constituída apenas pelos símbolos nacionais ou há outros elementos que influenciam nesta construção?

Questões para reflexão

Nessa perspectiva, as pluralidades de cada indivíduo são suprimidas para formar um panorama geral que dê possibilidade para estudar os diferentes povos. Seria totalmente impossível levar em consideração a representação de todos os indivíduos que formam uma sociedade levando em conta suas parti-cularidades, suas vicissitudes e suas representações. Desse modo, procura-se analisar os aspectos comuns que são compartilhados em um determinado grupo, sabendo que este é um procedimento arbitrário e redutor, o que, no entanto, possibilita a prática historiográfica. É importante ressaltar que algumas correntes historiográficas, como a micro-história, muito utilizada por Carlo Ginzburg, procuram selecionar um indivíduo de uma sociedade e, partindo desses as-pectos, encontrar os elementos civilizacionais que moldam uma civilização.

Leia atentamente o texto:

Em diversas partes do planeta existem nações reivindicando a formação de um território (Estado próprio), pois elas habitam países em que a na-ção predominante é outra. Esses grupos, compostos por indivíduos que apresentam características históricas, religiosas, culturais, valores sociais,

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entre outros elementos em comum, solicitam a criação de um país que será definido e delimitado por e a partir de relações de poder, sendo estabelecida uma unidade administrativa autônoma e reconhecida pela comunidade internacional. Entre as principais nações nessa situação estão:

Curdos:

Com mais de 26 milhões de pessoas, os curdos são a maior nação sem território do mundo. Esses indivíduos habitam a Armênia, Azerbaijão, Irã, Iraque, Síria e Turquia. Essa nação, vítima de perseguições e massacres, reivindica a criação do Curdistão, entre o norte do Iraque, oeste da Turquia e noroeste do Irã.

Palestinos:

Essa grande nação é composta por mais de sete milhões de pessoas que estão situadas no Oriente Médio. Os palestinos lutam pela formação de um território autônomo e a reincorporação de áreas ocupadas pelos israelenses. A Organização para Libertação da Palestina (OLP) é o principal grupo na busca pela criação de um Estado próprio.

Tibetanos:

Os tibetanos ocupam o centro-leste do continente asiático, um ter-ritório dominado pelo governo chinês, que oprime de forma violenta o movimento de autonomia dessa nação. Os mais de seis milhões de tibe-tanos, de tradição budista, não aceitam a ocupação da China e solicitam a criação de um país.

Caxemires:

A região da Caxemira é dominada pela Índia, Paquistão e China, além de abrigar duas nações: muçulmanos (quatro milhões) e hindus (um mi-lhão). A maioria dos habitantes (muçulmanos) deseja que o território seja anexado ao Paquistão, porém há grande oposição por parte dos hinduístas.

Fonte: Disponível em: <http://www.mundoeducacao.com/geografia/ nacoes-sem-territorio.htm>

Com base no texto e na discussão que fizemos durante esta seção, construa um texto discursivo argumentativo, com no mínimo dois argu-mentos, sobre os elementos que permitem que estes “povos desterrados” ainda possam continuar a ser chamados de povo.

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No livro O queijo e os vermes, Carlo Ginzburg analisou o processo de julgamento de Menocchio e, partindo dessa fonte documental, procurou perceber as características que compunham o imaginário e as estruturas sociais do período histórico da temporalidade destacada.

Para saber mais

O sociólogo alemão Norbert Elias (1897-1990) possui vários estudos que podem auxiliar o estudo da história. Ao fornecer as bases sociológicas que formou o povo alemão, em seu livro Os alemães ele definiu o conceito “povo” de uma maneira muito ampla:

Mas não é só o nome de um país que pode ter funções desta espécie — toda uma gama de símbolos verbais, entre eles, termos como “Pátria”, “Mãe Pátria” ou “Povo”, podem também tê-las. Até onde nos é dado apurar, os termos “nação” e “nacional” tornaram-se os mais gerais e mais amplamente usados símbolos desse gênero. Basta apenas perguntar o que distingue o termo “nação” de outros, como “país” ou “Estado”, para perceber a dife-rença. Os próprios dados sociais a que esses termos se referem são em grande parte idênticos. Quanto aos fatos, descontados os desenvolvimentos locais ou regionais, expressões como “uma nação”, “um povo” ou “o povo de um país”, “os membros de um Estado”, são quase sempre sinônimos (ELIAS, 1997, p. 139-140).

A criação do Estado foi fundamental, segundo Elias (1997), para a formação do povo alemão. E, no caso do Brasil, nós nos constituímos enquanto povo a partir da formação do Estado, ou foram outros os elementos importantes para a formação do povo brasileiro? Construa um texto argumentativo sobre a formação do povo brasileiro. O texto deverá ter no máximo 15 e no mínimo 10 linhas.

Utilize o texto a seguir (uma entrevista de Darcy Ribeiro) como material de apoio:

Meu livro mostra por que caminhos e como nós viemos, criando

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Devemos estar atentos ao fato de que a formação da Alemanha está direta-mente relacionada à criação do Estado alemão. Logo, vemos de que forma Elias relaciona os conceitos de “povo” com “Estado”. Na perspectiva de Norbert Elias, há uma proximidade muito grande entre os símbolos nacionais criados com o entendimento que se pode ter de um Povo. É muito interessante observar esse posicionamento de Elias (1997) porque estabelece essa mesma proximidade dos conceitos de povo, cultura e religião. As dificuldades encontradas para separar o que é um povo do que é uma nação também podem ser encontradas para analisar separadamente os três conceitos-chave dessa disciplina. No mesmo caminho interpretativo de Elias (1997), temos Nicola Abbagnano, que no seu

Dicionário de filosofia faz a seguinte definição de povo: “Comunidade humana caracterizada pela vontade dos indivíduos que a compõem de viver sob a mesma ordenação jurídica” (ABBAGNANO, 2007, p. 916).

Se para Abbagnano (2007) um povo deve viver e compartilhar uma mesma ordenação jurídica, subentende-se que também deve compartilhar algum poder superior — como, por exemplo, um Estado — que atribua um regimento para as suas práticas. Contudo, o que é fundamental e que deve ser destacado nas duas perspectivas apresentadas é o fato de que um Povo é criado pela ação humana. A partir do momento que se adota esse parâmetro para definir este conceito podemos utilizar das ferramentas metodológicas oferecidas pela historiografia para entender melhor o processo de formação de cada povo.

Roma por quê? A grande presença no futuro da romanidade, dos neo-latinos, é a nossa presença. Isso é o Brasil, uma Roma melhor porque mestiça, lavada em sangue negro, em sangue índio, sofrida e tropical. Com as vantagens imensas de um mundo enorme que não tem inverno e onde tudo é verde e lindo, e a vida é muito mais bela... E é uma gente que acompanha esse ambiente com uma alegria de viver que não se vê em outra parte. Esse país tropical, mestiço, orgulhoso de sua mestiçagem... Isso é que me levou muito tempo. Entender como isso se fez... Havia muita bibliografia sobre aspectos particulares, mas não uma visão de conjunto. Deixa eu contar pra vocês como é que isso se fez? (ALÔ ESCOLA, 2014).

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Não podemos nos esquecer, no entanto, que em civilizações da Antiguidade, como na Mesopotâmia e na Grécia Antiga, sociedades nas quais havia uma fragmentação política, o que mantinha a unidade desses povos era a língua e a religião. Portanto, nem sempre o Estado é o elemento unificador dos povos.

Qual o peso da religião para a concepção de povo ainda hoje?

Questões para reflexão

No entanto, gostaríamos de apresentar outra possibilidade de análise para a formação dos povos. Destacamos as interpretações feitas pelas concepções hegelianas. Segundo Hegel, as práticas de um povo devem ser compreen-didas como expressões de forças metafísicas. Logo, deveríamos conhecer as expressões religiosas dos povos, pois ali estariam demonstradas todas as engrenagens que regiam as práticas daqueles indivíduos. Hegel (1993) cria a expressão Volksgeist — “Espírito de um povo” — justamente para demonstrar a força que esse espírito metafísico possuía nas suas conclusões filosóficas e históricas. Isso parece um pouco confuso? Vamos tentar desatar esses nós. Veja o esforço realizado por Robert Hartman para tentar explicar o pensamento de Hegel:

Se a História, como ele sustenta, é o autodesenvolvimento do Espírito, a realização da Ideia divina, de um plano cósmico, então o homem histórico deve ser um em que se concentram as potencialidades de seu tempo, a situação histórica. Mas ele é apenas uma fase no grande processo mundial, ligados aos estados individuais. Ao final do processo histórico, quando o Espírito já se realizou com-pletamente, há um Estado global de Razão universal, de toda humanidade (HARTMAN, 2004, p. 14).

A palavra “metafísica” é de origem grega e significa “para além da física”. Andronico de Rodes, ao organizar a obra de Aristóteles, observou que havia um livro intitulado Física, e depois outro; ao outro deu-se o nome de Metafísica. No entanto, estudos neoplatônicos vão com-preender a metafísica como “sobrenatural”; este é o sentido que utilizamos a expressão

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Desse modo, para Hegel, o Espírito que rege os movimentos históricos — e, consequentemente, a formação das civilizações — possui um plano cósmico. Essa perspectiva apresentada por Hegel foi muito influente nas concepções acerca das Teorias da História.

O livro A razão na história: uma introdução geral à filosofia da história, de Hegel, oferece--se como uma excelente oportunidade para compreendermos como os pensadores da moder-nidade acreditavam na capacidade racional do homem. Esse livro, além de deixar profundas marcas na Teoria da História, é também uma boa fonte para entendermos o imaginário do homem moderno.

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Seção 2

Cultura

Você tem cultura? Qual povo é mais culto? São perguntas que para alguns podem parecer estranhas, mas para outros são extremamente normais. Mas afinal, o que você responderia? Quando falamos de cultura, sobre do que estamos falando? Falamos de algum tipo de refinamento, de conhecimento, de comportamento? Poderíamos falar sobre a cultura do brasileiro de uma maneira geral ou teríamos que falar de cultura em termos particulares, uma cultura para cada região do país, ou ainda uma cultura para cada município, ou teríamos cidades cada vez mais complexas que em seu interior há um grande número de culturas diferentes? Afinal o que é este emaranhado de coisas, gestos, conhecimentos, valores que chamamos de cultura e como ele altera a nossa vida cotidiana?

Essas várias questões mostram a complexidade que o tema CULTURA pode assumir em um debate. Aqui; temos que nos preocupar em pensar a cultura como um termo sociológico, um termo muito caro a todas as ciências sociais que tornam o nosso objeto de estudo muito interessante. Mas vários cuidados são necessários para lidarmos com esse termo.

O termo cultura nem sempre foi utilizado da mesma maneira pelas socie-dades, e nem sempre foi utilizado da mesma maneira pelas Ciências Sociais. Por isso, faremos uma recuperação das suas diversas acepções.

O termo “cultura” deriva da palavra latina colere. A partir dos séculos XVIII e XIX, ele ganhou conotações diferentes daquelas empregadas pelos romanos da Antiguidade. Até então, esse termo era usado para se referir ao cuidado de plantas, de animais e ao trato agrário; “cultura” era a arte de se cultivar algo ligado à natureza. Entretanto, na Alemanha do século XVIII, este conceito passa a ganhar vínculos com a educação, criando a expectativa de que o homem era capaz de ser aprimorado. Na Alemanha setecentista, a cultura começou

a ser o território para a formação (Bildung) e melhoramento do homem. Esse empreendimento feito pelos alemães será fundamental para todos os desdo-bramentos culturais que aconteceram nos demais séculos da história alemã.

O estudo desses termos não pode ser feito de maneira fixa, mas procurando sempre visualizar os movimentos ocorridos nos diferentes processos históricos. Do século XVIII para o século XIX, há uma grande mudança no significado do termo “cultura”. No século XVIII, ele era usado para marcar uma distância

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elegância e inteligência. Havia um embate muito grande entre a burguesia e a aristocracia na Alemanha. Mesmo com uma situação financeira invejável, haviam balizas de valores muito rígidas que separavam burgueses e aristocra-tas. A formação de novos valores e a produção de uma história cultural foi incentivada pela burguesia para marcar as diferenças entre as classes sociais.

Outra ciência social que estudou o termo cultura foi a antropologia social. Para conhecer mais sobre esta ciência, sugerimos o Livro Aprender antropologia, de François Laplantine, lançado pela Editora Brasiliense.

Para saber mais

Já no século XIX, a cultura é utilizada como elemento unificador do Estado alemão prestes a ser construído. Nesse instante, a cultura deixou de ser um

elemento da vaidade burguesa e passou a ser utilizada como uma potente força política, capaz de estabelecer a tardia unificação de uma Alemanha ainda frag-mentada. Nesse momento, a cultura foi fundamental para formar elos de iden-tidade para o povo alemão, como salienta Elias (1997, p. 130, grifo do autor):

Qual é o peso da cultura para a unidade de um país que apresenta uma diversidade cultural enorme?

Questões para reflexão

Crenças semelhantes foram inicialmente associadas ao termo alemão Kultur, por exemplo, quando era usado no sentido da cultivação ou educação de seres humanos de modo a realizarem plenamente todo o seu potencial. Mas em fins do século XIX e começo do atual, quando o termo “cultura” foi cada vez mais usado na acepção de “cultura nacional”, as conotações humanistas e morais, numa etapa inicial de sua carreira, passaram a segundo plano e finalmente desapareceram.

Aqui também pode-se observar como os estudos de povo, cultura e religião não podem ser realizados separadamente, pois são complementares, sendo muito difícil separá-los dentro de uma pesquisa. Assim como Elias (1997) e

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Abbagnano (2007)deram ao conceito de povo uma forte conotação política, o mesmo pode ser feito com o conceito de cultura, principalmente na Alemanha do século XIX. O uso feito desse termo para fins políticos — a unificação da Alemanha — desconsidera a cultura como território da formação e educação e da construção de valores humanísticos para abrigar valores de unidade nacio-nais tão necessários naquele momento. A unificação feita com ferro e sangue teve como base valores culturais compartilhados. Devemos salientar, portanto, que a ideia de fazer uso da cultura com conotações políticas, ou seja, criar um ambiente cultural partindo de necessidades e das premissas do Estado, é um fenômeno moderno. Esse fenômeno, como veremos adiante, será muito criticado por estudiosos tradicionalistas, que interpretaram essas modificações como doenças civilizacionais do espírito moderno.

Como podemos ver, o termo cultura assume diversos significados, mas qual é o sentido que devemos atribuir ao termo cultura para uma disciplina que se propõe a articular este termo com os termos “povo” e “religião”? Não pode-mos partir simplesmente do significado geral que se dá para a cultura como um amontoado de práticas dos povos: língua, artesanato, roupas, alimentação, práticas religiosas, relações familiares, entre outras. Claro que tudo isso é muito importante e a História deve se preocupar com esses objetos de estudo; no entanto, devemos dar prioridade para o significado atribuído à cultura na mo-dernidade e a influência que isso teve na constituição do pensamento moderno, que resultou na concepção que temos hoje de educação, formação, civilização e da própria ideia de homem. A cultura passa a ser uma estufa para a criação

e o melhoramento de homens. Esse é um dos momentos em que se coloca o

projeto do humanismo em prática.

Como a cultura pode influenciar no melhoramento dos homens?

Questões para reflexão

Sendo assim, podemos estabelecer duas interpretações distintas para o termo “cultura”. Primeiro, podemos entendê-la como um processo de formação

indi-vidual, no qual o sujeito é preparado e educado para acumular determinadas

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marcas de individualização são colocadas de lado para darem lugar ao sentido coletivo de um povo. O caso da Alemanha é interessante de ser destacado porque podemos visualizar muito bem como ocorreu essa passagem de uma conotação para outra (Figura 1.1). O sentido da cultura como educação no sé-culo XVIII deu lugar ao sentido de cultura como força política e representante de uma nação no século XIX.

Um filme bem interessante para discutir a questão cultura é o Enigma de Kaspar House. O diretor Werner Herzog conta a história de um jovem que foi trancado a vida inteira em um cativeiro e, quando sai, precisa aprender a viver em sociedade.

Para saber mais

Figura 1.1 Mudança da concepção de Bildung do século XVIII para o século XIX

SÉCULO XVIII FORMAÇÃO CULTURA SÉCULO XIX FORMAÇÃO POLÍTICA FORMAÇÃO (BILDUNG) Fonte: Do autor (2012).

A partir do momento em que se deu prioridade para uma educação que ligasse o povo alemão ao Estado, não fornecendo elementos de formação hu-manista para que se pudesse apreender a realidade, lançaram-se as bases para as acepções totalitárias do século XX, na qual deterioraram a individualidade da consciência que se tem de si para ver-se representado pelo Estado na per-sonificação do Führer.

Não podemos esquecer de salientar que atualmente a cultura é usada pelos

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no mercado de trabalho, ou seja, o que pauta a formação cultural, em boa medida, são as necessidades exigidas pelo mercado de trabalho.

A formação da Cultura ocidental está diretamente relacionada com a tradi-ção judaico-cristã. Boa parte das referências para os mais variados campos do conhecimento partem das premissas fornecidas por essa tradição. No entanto, para realizarmos um estudo e uma compreensão mais profunda de outras religiões e culturas, é necessário sair de uma postura etnocêntrica —

etno-centrismo é a postura em que o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência — e que façamos um

esforço de tentar interpretar o mundo não com os valores que possuímos, mas com as concepções do objeto que estamos pesquisando. O que queremos di-zer com isso? Queremos afirmar que, para você entender o islã, o hinduísmo ou qualquer outra cultura, é importante que você tente pensar com os meios oferecidos pela tradição que está estudando. Há uma definição para este tipo de atitude: relativismo. O relativismo pode ser definido como a atitude ou

doutrina que afirma que as verdades (morais, religiosas, políticas, científicas etc.) variam conforme a época, o lugar, o grupo social e os indivíduos. Ou

seja, você quer entender o islã? Procure pensar como um muçulmano. Você quer entender um budista? Procure pensar como ele. Sem esse movimento, acabamos transferindo os valores da nossa cultura para interpretar as demais, o que acaba provocando graves erros de interpretação. A comparação de povos, religiões e culturas é um exercício que requer muito da nossa atenção.

Até que ponto podemos perceber a ligação da produção artística nacional — filmes, peças de teatro, projetos musicais, espetáculos de dança etc. — com os incentivos dados pelo Estado? Faça uma pesquisa em sua região e verifique os incentivos dados localmente para as artes.

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Seção 3

Religião

“Religião não se discute!” Você já deve ter ouvido este dito popular várias vezes, no entanto, ele não encerra uma verdade. Por que religião não se discute? Porque estamos falando da fé de cada um, e isso é um assunto particular. Mas será que é tão particular assim? Vejamos: uma religião possui um corpo social, portanto, nós podemos investigar e discutir, do ponto de vista acadêmico. A questão fundamental aqui é perceber que a discussão da religião tem em vista articular este conceito com os conceitos de povo e religião. Aqui não discuti-remos a fé, esta, sim, privada, mas a religião enquanto organismo social capaz de ser conhecido pelo intelecto humano.

O conceito de “religião” pode ser entendido como um conjunto de

cren-ças compartilhado entre um determinado grupo social que mantém relações com alguma ordem metafísica. Todo estudo direcionado para uma religião

deve levar em consideração o concreto e o abstrato da prática estudada. É impossível estabelecer qualquer discurso acerca do estudo das religiões antes de fazer dois movimentos: primeiramente, um estudo sobre os aspectos sociais em que a religião surgiu e os movimentos que ela exerceu dentro do contexto estudado. Depois de feito isso, levar em consideração os próprios elementos que constituem o conjunto de crenças dessa religião.

Qual o significado da expressão “o homem criou Deus à sua imagem e semelhança”, de Friedrich Nietzsche?

Questões para reflexão

Você percebeu que nosso intuito é estudar aquilo que é objetivo na religião, ou seja, seu contexto histórico e o conjunto de crenças que possui?

Há de se ter, portanto, certa sagacidade para analisar as características das crenças — práticas ligadas à metafísica — e as características das técnicas — práticas ligadas ao real — que constituem cada religião, como salienta Abbag-nano (2007, p. 997-998):

Além disso, na definição proposta, convém sublinhar a diferença entre crença na garantia sobrenatural e as téc-nicas que permitem obter ou conservar tal garantia. Por

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técnicas entendem-se todos os atos ou práticas de culto: oração, sacrifício, ritual, cerimônia, serviço divino ou serviço social. A crença na garantia sobrenatural é a ati-tude religiosa fundamental, podendo ser simplesmente interior e pessoal (religiosidade individual); ao contrário, as técnicas destinadas a obter e conservar essa garantia constituem o lado objetivo e público da religião, seu aspecto institucional.

Há várias religiões, e por isso convido você à seguinte reflexão: quantas vezes você viu uma prática religiosa diferente daquilo em que você acredita e você achou ela estranha? Mesmo que não se concorde, que não se acre-dite ou até por mais irracionais que possam parecer certas religiões, se é que podemos afirmar isso, deve-se ter muito cuidado para

não fazer um simples julgamento do que parece estranho e distante. Esse não

é o papel a ser assumido pelo historiador, mas é parte integrante de seu ofício procurar diferentes maneiras de abordar os objetos de estudo, não para fazer da história um tribunal, mas para criar diferentes entendimentos acerca do outro. O discurso historiográfico possui a característica de delimitar fronteiras que se unem e se separam, podendo construir um respeito mútuo pelo diferente. Parte do conhecimento construído de si mesmo pode ser encontrada quando se entende melhor as práticas do outro.

Mesmo com todas as separações conceituais de crenças, práticas e dou-trinas, é possível visualizar uma unidade imanente, ou seja, que é própria a

todas as religiões, a qual apresenta-se inserida na crença na transcendência.

A ideia que se pode ter sobre essa transcendência irá variar de acordo com as religiões, com os grupos sociais e com os períodos estudados; no entanto, ela sempre se faz presente. Mas, afinal de contas, o que significa transcendência?

A transcendência é tudo aquilo que está para além do real, que extrapola as limitações do meio físico e que pode ser legitimada pelo conjunto de crenças compartilhadas. Todavia, essas crenças buscam legitimidade no âmbito social,

como salienta Abbagnano (2007, p. 1002):

Ultrapassados os limites de controle dos acontecimen-tos por meio de técnicas racionais — limites, ademais, bastante estreitos —, o homem reivindica liberdade de Indicamos a leitura do livro O que

é religião, da Coleção Primeiros

Passos (editora Brasiliense), de au-toria de Rubem Alves.

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D e f i n i n d o c o n c e i t o s 17

técnicas que lhe prometam salvação infalível. Obtendo ou não o cumprimento dessas promessas, a função dessas técnicas é bem clara: dar esperança e coragem, dar-lhe segurança nas suas relações com os outros homens e com o mundo.

Muitos historiadores pensam que é fundamental saber que o estudo das religiões não pode ser feito buscando unidades fixas e uma coerência linear. Para eles, esse é um território que se dá no movimento, na mudança e nos novos significados dados aos valores. Nessa perspectiva, não se pode exigir do cristianismo, do judaísmo, do islamismo ou de qualquer outra religião a equidade para com as práticas e o mesmo entendimento que as fundaram, visto que toda religião deve ser estudada na relação com as necessidades sociais, as quais têm a característica de mudarem constantemente. O estudo das religiões

se dá em um território movediço.

Como estudar a religião com autonomia, uma vez que ela permeia várias instâncias de nossas vidas?

Questões para reflexão

No entanto, para os estudiosos do tradicionalismo, o movimento que de-vemos fazer é justamente o contrário. O importante é buscar no estudo das religiões as estruturas de permanência que transcendem o tempo histórico. Essas são as características que fundaram e fazem com que as religiões permaneçam sólidas apesar de todas as variações sociais.

No Brasil há várias instituições de ensino superior que mantêm núcleos de estudo de religião. Destacamos a revista científica Estudos de Religião (Universidade Metodista) e o Núcleo de Estudos da Religião da UFRGS.

Para saber mais

Mas a história não pode se contentar em estudar somente os aspectos me-tafísicos, ou sobrenaturais, da religião. Ela sempre exerceu um papel político muito forte desde a Antiguidade, moldando o imaginário, legitimando práticas econômicas e sendo força motriz de muitas guerras. Essa ligação entre a política

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18 P O V O , C U L T U R A E R E L I G I Ã O

e a religião ainda pode ser notada na contemporaneidade: com certeza você

já acompanhou os noticiários sobre os longos conflitos na região da Palestina. Em algum momento você já se deparou com as discussões acerca da aprovação das células-tronco embrionárias para pesquisa que recebe críticas dos líderes católicos e protestantes? Como estudar a relação das religiões com as novas formas de mídia? É possível estabelecer limites e diferenças entre o discurso científico e o discurso religioso? Qual desses territórios deve ter resoluções so-bre questões éticas? Todos esses questionamentos podem ser entendidos como objetos do campo historiográfico.

Quais são os prós e os contras da religião para o avanço da ciência?

Questões para reflexão

Leia atentamente o texto a seguir:

O Estado Laico e a Democracia

A Constituição brasileira de 1824 estabelecia em seu artigo 5º: “A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do Templo”.

A atual Constituição não repete tal disposição, nem institui qualquer outra religião como sendo a oficial do Estado. Ademais estabeleceu em seu artigo 19, I, o seguinte: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I — estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.”

Com base nesta disposição, o Estado brasileiro foi caracterizado como laico, palavra que, conforme o dicionário Aurélio, é sinônimo de leigo e antônimo de clérigo (sacerdote católico), pessoa que faz parte da pró-pria estrutura da Igreja. Neste conceito, Estado leigo se difere de Estado

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D e f i n i n d o c o n c e i t o s 19

religioso, no qual a religião faz parte da própria constituição do Estado. São exemplos de Estados religiosos o Vaticano, os Estados islâmicos e as vizinhas Argentina e Bolívia, em cujas constituições dispõem, respectiva-mente: “Art. 2. El Gobierno Federal sostiene el culto Católico Apostólico Romano” — “Art. 3. Religion Oficial — El Estado reconoce y sostiene la religion Católica Apostólica y Romana. Garantiza el ejercício público de todo otro culto. Las relaciones con la Iglesia Católica se regirán mediante concordados y acuerdos entre el Estado Boliviano y la Santa Sede.”

Atualmente, o termo Estado laico vem sendo utilizado no Brasil como fundamento para a insurgência contra a instituição de feriados nacionais para comemorações de datas religiosas, a instituição de monumentos com conotação religiosa em logradouros públicos e contra o uso de símbolos religiosos em repartições públicas. Até mesmo a expressão “sob a proteção de Deus”, constante no preâmbulo da Constituição da República, vem sendo alvo de questionamentos.

É importante ressaltar que o conceito de Estado laico não deve se con-fundir com Estado ateu, tendo em vista que o ateísmo e seus assemelhados também se incluem no direito à liberdade religiosa. É o direito de não ter uma religião, conforme disse Pontes de Miranda: “liberdade de crença compreende a liberdade de ter uma crença e a de não ter uma crença” (Comentários à Constituição de 1967).

Assim sendo, confundir Estado laico com Estado ateu é privilegiar esta crença (ou não crença) em detrimento das demais, o que afronta a Carta Magna (PEREIRA, 2001).

Utilizando o fragmento anterior e seus conhecimentos sobre o assunto elabore um texto dissertativo-argumentativo sobre o Estado laico no Brasil. O texto deverá ter entre 10 e 15 linhas.

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Seção 4

Fundamentos da religião

Geralmente as religiões nascem por uma inspiração sobrenatural, não é verdade? Não é alguém que senta e começa a pensar em como deveria ser uma religião; o elemento fundamental da religião é a ideia de revelação. Apesar de todas as religiões serem baseadas na revelação, é possível perceber certas es-truturas comuns a todas elas. Vamos tentar compreender nesta seção, portanto, o que fundamenta as diversas religiões.

Além de estudarmos os conceitos principais do monoteísmo, temos que enfatizar sua importância para a formação da concepção que formamos de temporalidade. A ideia judaico-cristã de tempo trouxe a linearidade temporal como baliza para a estrutura de tempo.

O processo de formação das religiões passa por algumas fases. Primei-ramente, conseguimos visualizar em todas as religiões a existência de uma

revelação da ordem metafísica. Ou seja, em determinado momento histórico,

a ordem do transcendente atua no tempo histórico e deixa sua marca. Perce-bemos, também, que essas revelações se somam a determinados eventos

his-tóricos. Estes, por sua vez, são fatores que moldam as práticas posteriores das religiões. Os ritos religiosos são oportunidades dadas pelas religiões para que

os fiéis, ao praticarem o rito, relembrem e experimentem os principais eventos que formaram sua religião. A permanência desses eventos na história forma

o que chamamos de tradição. São justamente as “tradições” que possuem a

potência de formarem civilizações.

Se religião e tradição são diferentes, por que há uma preocupação em todas as religiões em manter uma determinada tradição?

Questões para reflexão

Então, neste momento, que tal pensarmos sobre a diferença entre os termos

“religião” e “tradição”? Para auxiliar nossa análise, leremos um pequeno

frag-mento do texto A renovação do interesse pela tradição, de Whitaal N. Perry (2008, p. 15):

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pois a prática ritual da Religião é um acto específico produzido num local e num instante específico com a exclusão de outros actos, locais e instantes, não deixando nada fora de si própria; adicionalmente, grande parte do que é considerado Religião pode ainda ser encontrado no mundo, enquanto a Tradição no seu sentido integral e vivo dificilmente sobrevive. Assim pode soar paradoxal afirmar, como agora o fazemos, que a Tradição tem origem na Religião. Reduzido a uma fórmula tem-se: a Religião é a Revelação de Deus ao homem, e a Tradição as suas aplicações e extensão total a todos os domínios.

Para fazermos a definição do uso que estamos dando ao termo “tradição”, citaremos um trecho do artigo Compreender a palavra “Tradição”, de Ali Lakhani (2007, p. 1):

Os termos “Tradição” e “Modernidade”, tal como usado por tradicionalistas com Seyyed Hossein Nasr, não são derivativos da diferenciação convencional entre os ter-mos “tradicional” e “moderno”, apesar do uso particular que dão a estes termos tenha como premissa a estrutura metafísica descrita atrás. Isto pode ser confuso. Para Nasr, “Modernidade” é “aquilo que está separado do Trans-cendente, dos princípios imutáveis que, na realidade, governam todas as coisas e que são dados a conhecer ao homem através da revelação no seu sentido mais uni-versal”, enquanto que “Tradição”, por contraste, designa esses mesmos princípios imutáveis, a sophia perennis ou sabedoria primordial, os quais estão fundados no Trans-cendente. De acordo com essa definição, Modernidade não é necessariamente um sinônimo de contemporâneo (ou focado no futuro), nem Tradição é sinónimo de con-tinuidade histórica (ou focado no passado). Tradição é, nesse sentido, meta-história: a sua única relação com o passado reside na ligação de uma particular tradição religiosa à sua fonte original, ou seja, à revelação que a autentica, a escrita que a fundou e as suas formas de ado-ração, transmitidas através do ambiente protector de uma tradição particular. Mas esta relação entre uma tradição particular e as suas origens históricas é, de certa forma, acidental. A relação entre Tradição e Revelação trans-cende a história. A Revelação, “no seu sentido mais uni-versal”, não é um acontecimento histórico: está baseada no eterno presente e é contínua. A sua autenticação não pode ser reduzida à nossa capacidade para a colocar em qualquer momento da história, mas sim, garantida pela

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sua capacidade de ressoar como verdade no interior do santuário do Coração, cuja faculdade de discernimento é o Intelecto suprarracional.

A citação colocada é muito importante. Ela apresenta uma epistemolo-gia que apresenta vários pontos que merecem uma atenção redobrada. Vamos enumerá-los para facilitar nossa explanação:

1. Primeiramente, Ali Lakhani realizou uma distinção entre os termos “Tradição” e “Modernidade”. Desde já, é importante que saibamos que o uso feito por ele desses conceitos está baseado na concepção da “escola” de estudos da religião chamada Filosofia Perene. Essa escola apresenta como principais pensadores René Guénon, Frithjof Schuon e Ananda Coomaraswamy. Alguns estudiosos gostam de chamá-los de tradicionalistas. Portanto, na distinção entre “tradição” e “modernidade” não encontramos nenhuma preocupação com a delimitação temporal. Essa é uma distinção epistemológica. Eles não são simples adjetivos. “Tradição” é entendido aqui como aquilo que pertence, provém e é fruto direto da manifestação do transcendente, do plano divino, eterno e perfeito. Para esses autores, somente essa realidade é capaz de produzir uma cultura permanente, sólida e com durabilidade temporal. Logo, a “modernidade” é tratada com aquilo que não é fruto ou resultado das ações transcendentais. É aquilo que mantém um contato somente com o efêmero, passageiro e imperfeito. Novamente, a “, Modernidade” não é tratada aqui como um período histórico, mas como uma maneira de se interpretarem os eventos existentes.

2. Para esses autores, o que possibilita a transmissão dessas tradições são as práticas religiosas, que mantêm um contato direto com a ordem transcendente que as moldam eternamente. Logo, a tradição não se liga ou se limita ao passado, pois ela é atualizada eternamente no presente, transcendendo, assim, o tempo.

Para explicar com exatidão o significado do termo “sabedoria perene”, recorreremos a um dos maiores estudiosos do tema, Frithjof Schuon, (2008, p. 33, grifos do autor). Nesse parágrafo do texto “A filosofia perene”, ele sintetiza rapidamente o significado da sophia perene, expressão análoga à sabedoria perene:

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bastante uso, significa a totalidade das verdades

primor-diais e universais — e, por essa razão, dos axiomas

meta-físicos — cuja formulação não pertence a nenhum sistema em particular. Da mesma forma poderíamos referir-nos a uma religio perennis, designando-se através deste termo a essência de todas as religiões; isso significa a essência de todas as formas de adoração, de todas as formas de oração, e de todos os sistemas de moralidade, tal como a sophia perennis é a essência de todos os dogmas e de todas as expressões de sabedoria. Preferimos o termo sophia em relação ao de philosophia, pela simples razão que o segundo termo é menos directo e porque invoca associações com um sistema de ideias totalmente profano e demasiadas vezes aberrante.

Novamente, vamos enumerar alguns pontos que achamos de máxima im-portância no texto anterior para facilitar nossa explanação:

1. Schuon nos mostra, então, que o termo filosofia perene é usado desde o Renascimento. Esse termo significa a totalidade das verdades universais. Devemos observar, portanto, que a filosofia perene não está relacionada ou delimitada a nenhuma temporalidade ou historicidade, mas ela transcende, está além das limitações temporais. Sendo assim, existe a possibilidade de diferentes culturas expressarem as mesmas verdades independentemente das formas e estilos que usarão para fazer isso. 2. Quando Schuon fala da religio perennis, ele se refere a uma perspectiva

apresentada em seu livro Unidade transcendente das religiões. Nesse estudo, Schuon nos fornece a perspectiva de que apesar das diferenças históricas, morais, rituais, sacerdotais, simbólicas das religiões, existe uma unidade que as transcende, visto que todas elas nos remetem ao mesmo objeto a ser apreendido: o transcendente.

3. Por fim, Schuon faz uma distinção entre os termos “filosofia perene” e “filosofia”. Para ele, a filosofia perene é fruto das revelações trans-cendentais que podem ser experimentadas e conhecidas nas religiões tradicionais. Portanto, ela não é uma criação humana, não pertence ao plano temporal. Logo, ela pode ser somente apreendida pelo homem. No caso, o termo filosofia é entendido como o tipo de conhecimento produzido pelo homem. Para Schuon, esse tipo de conhecimento não possui o mesmo valor da filosofia perene, pois não possui a substancia-lidade do transcendente.

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24 P O V O , C U L T U R A E R E L I G I Ã O

O estudo desses assuntos em História é realmente fascinante. Nós podemos encontrar perspectivas que se chocam frontalmente. Parte do ofício do histo-riador está em saber considerar esses enfrentamentos.

4.1 Modernidade e religião

O filósofo alemão do século XIX, Friedrich Nietzsche, via a modernidade como um grande atraso para o desenvolvimento do espírito humano. Para ele, a modernidade começara com Sócrates, pois a partir do momento que ele in-fluenciou o Ocidente na busca pela verdade e na capacidade do conhecimento do homem para resolver as tensões existenciais, o Ocidente declinou, pois perdeu a capacidade tensional expressada nas tragédias gregas. Para Nietzsche, a modernidade era um resultado dos movimentos empreendidos por Sócrates e deveria ser transvalorada. Nietzsche acreditava que a permanência dos valores transcendentais estavam muito presentes na modernidade.

Agora vejam que interessante. René Guénon é considerado um grande crítico da modernidade. Mas, para este importante autor da Filosofia Perene, a modernidade carece justamente dos elementos metafísicos. Portanto, nós temos dois autores: Nietzsche e Guénon. Para o primeiro, a modernidade está fundamentada em valores metafísicos. Para o segundo, ela carece jus-tamente desses valores. Leia o trecho do livro A crise do mundo moderno e confira as críticas contundentes que esse metafísico lançou nos alicerces da modernidade:

Parece que o poder financeiro domina a política toda, que a concorrência comercial exerce uma influência preponderante sobre as relações entre os povos. [...]. Por aí se pode ainda, mais uma vez, constatar o efeito duma dessas sugestões, às quais atrás fazíamos alusão, sugestões que agem tanto melhor quanto correspondem às tendências da mentalidade geral. E o efeito desta su-gestão é que os meios econômicos acabam por determinar realmente quase tudo o que se produz no domínio social. Sem dúvida, a massa sempre foi levada de um modo ou outro e poder-se-ia dizer que seu papel histórico consiste sobretudo em se deixar levar, pois representa somente um elemento passivo, uma ‘matéria’ no sentido aristoté-lico; hoje porém basta, para conduzi-la, dispor de meios puramente materiais, desta vez no sentido comum da palavra, o que bem mostra o grau de envelhecimento de

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D e f i n i n d o c o n c e i t o s 25

que ela não é conduzida, que ela age espontaneamente governando-se a si mesma. O fato de que ela assim o crê, permite entrever até que ponto pode chegar a sua ininteligência (GUÉNON, 1927, p. 81).

1. A crítica realizada por Guénon à modernidade é muito pesada. Para ele, a modernidade é regida simplesmente pelos fatores econômicos. A riqueza material é a única fonte de distinção social existente na mo-dernidade. Isso é uma marca da ausência do contato e experiência de relação com o transcendente que, segundo ele, determina diretamente o caráter de nossa época. Portanto, tem-se aqui a perspectiva de que para a formação dos valores morais, civilizacionais e éticos é necessário que se tenha uma ligação com a tradição, com a religião e com a revelação. As simples transações comerciais não são capazes de fornecer as bases culturais para a formação das civilizações. Por isso, a modernidade para Guénon está em crise.

2. Conseguimos perceber claramente a crítica dirigida ao materialismo histórico. Devemos ressaltar que Karl Marx nunca usou a expressão “materialismo histórico”. Ele falou em “materialismo dialético” — não vamos entrar nas implicações conceituais desse termo. O materialismo histórico é considerado a tradição de produção intelectual que utiliza como referências as premissas metodológicas do pensamento de Karl Marx. Para esse autor, as relações econômicas eram as responsáveis pela delimitação dos demais aspectos da sociedade. Logo, para um pesquisador entender a religião, a cultura e a formação das civilizações era necessário compreender as estruturas econômicas que regiam a sociedade, pois as demais instâncias eram reflexos da economia. Esse tipo de análise representa para Guénon um erro grave, pois não leva em consideração os aspectos metafísicos que são os verdadeiros fun-dadores de civilizações.

3. Na parte final da citação, vemos a preocupação de Guénon sobre os efeitos das premissas materialistas na condução das massas, que mesmo sendo conduzidas pelos elementos de puerilidade, ainda possuem a sen-sação de serem elas as condutoras dos processos históricos. Os governos democráticos da modernidade seriam um exemplo dessa degradação do espírito humano.

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26 P O V O , C U L T U R A E R E L I G I Ã O

Você concorda com a posição apresentada por Frithjof Schuon sobre a unidade transcendente das religiões?

Questões para reflexão

Schuon interpretou a modernidade na mesma direção de Guénon:

A humanidade vive normalmente num símbolo, que é uma indicação rumo ao Céu, uma abertura para o infinito. A ciência moderna transpassou as fronteiras protetoras deste símbolo e com isso destruiu o próprio símbolo (SCHUON, 2006, p. 43).

Uma discussão interessante sobre modernidade e religião está no artigo: “O discurso religioso na modernidade liquida: Polissemia e autoritarismo no neopentecostalismo brasileiro contem-porâneo”. Disponível em: <http://www3.est.edu.br/nepp/revista/019/ano08n2_07.pdf>.

Para saber mais

4.2 Símbolos religiosos

Antes de entrarmos na explicação sobre a importância dos símbolos para as religiões, vamos propor um questionamento que acreditamos ser pertinente: mas, afinal, quais são os critérios usados para sabermos se uma prática faz parte ou não de uma religião? Como separar o que é e o que não é religião? Fique tranquilo! Existem alguns parâmetros. Por mais divergentes e distantes que possam parecer as religiões, elas apresentam pontos de contato que nos permitem colocá-las num mesmo grupo. Podemos enumerá-los:

1. Toda religião se apresenta como uma expressão universal do transcen-dente. Ou seja, toda religião se oferece ao ser humano como uma pos-sibilidade de religá-lo ao plano transcendental. De alguma maneira o homem se separou da ordem perfeita que o criou e o ambiente religioso é o território, o caminho, o veículo oferecido pelo plano divino para religar o homem a ele.

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D e f i n i n d o c o n c e i t o s 27

2. Toda religião se afirma como necessária. Seria muito estranho nós es-cutarmos um sacerdote ou um praticante de uma religião dizer que as práticas que moldam a sua fé são feitas gratuitamente e não apresentam nenhum valor significativo.

3. As religiões afirmam a capacidade do transcendente em mudar o ho-mem e ao mesmo tempo a impossibilidade do hoho-mem em alterar o transcendente. Tornando mais claro: Deus pode modificar o homem, mas o homem não pode modificar Deus!

4. As religiões sempre oferecem uma resposta para algumas dúvidas inte-lectuais do homem, como: O que é o bem? O que nos espera depois da morte? O que é a Justiça?

5. Toda religião possui uma simbologia capaz de religar o finito ao infinito. Essas são as características básicas que formam as religiões. Para compre-endermos as religiões, é muito importante que se tenha a distinção entre o infinito e o finito. Muito dos erros cometidos pelos estudiosos das religiões está vinculado à incapacidade de perceber a diferença entre essas duas ordens. Vamos entendê-las?

O infinito é a ordem não criada. Ele é o próprio absoluto, ou seja, não está condicionado a nada. Ele não tem começo, meio e fim. Ele é sempre presente, logo, não está sujeito às determinações temporais. O plano finito é a ordem criada, faz parte de uma série de existências relativas. Tudo o que existe no plano finito está numa relação de dependência com outros elementos também finitos. Para que ele exista é necessário que outras coisas também existam e possibilitem sua existência.

É bom que saibamos que é uma impossibilidade a ordem finita compreen-der a ordem infinita em sua totalidade. Sendo assim, como o homem — que pertence à ordem finita — é capaz de saber algo sobre Deus — que é a própria ordem infinita? Para realizar essa transição, esse contato, as religiões fazem uso dos símbolos. Os símbolos usados pelas religiões funcionam como pontes de ligação entre o transcendente e o imanente. Por isso, é de fundamental impor-tância compreendê-los para que se saiba do que as religiões estão falando. Mas, afinal, por que as religiões possuem símbolos e práticas muitas vezes diferentes e contraditórios entre si?

Para tentar responder a esse questionamento, vamos recorrer ao uso de uma metáfora para exemplificar melhor nossa explicação: imagine que você precisa

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28 P O V O , C U L T U R A E R E L I G I Ã O

realizar uma viagem da cidade de São Paulo para a cidade do Rio de Janeiro. Sabemos que podemos realizar esse trajeto de várias maneiras diferentes. De carro, de bicicleta, de avião, de helicóptero, de ônibus ou até mesmo a pé. Cada meio de realizar o trajeto apresenta algumas vantagens e desvantagens. Uns podem preferir a privacidade de viajar com seu próprio carro, outros gostariam de ganhar tempo e preferem o avião, algumas pessoas têm medo de avião, enfim, as possibilidades são inúmeras. O fato essencial é: todos eles sairão de São Paulo e chegarão ao Rio de Janeiro. A teoria defendida por Frithjof Schuon se assemelha com a metáfora apresentada. Todas as religiões se apresentam como caminhos que religam o homem ao absoluto. Logo, todas elas, apesar de suas divergências e diferenças, nos remetem ao mesmo plano.

Se todas as religiões, dentro da perspectiva de Schuon, nos levam ao mesmo local, podemos então pegar alguns aspectos do cristianismo que achamos

pertinentes e misturar com doutrinas budistas e algumas práticas islâmicas, ou seja, fazermos um “mix” das religiões? Isso para Schuon seria um grande erro. Assim como é impossível ir-mos de carro e helicóptero ao mesmo tempo de São Paulo ao Rio de Janeiro, também é impossível chegarmos ao absoluto fragmen-tando as religiões. Elas são formas integrais e perfeitas dadas pelo transcendente para religar o homem à ordem superior. Muitas vezes, a historiografia desconsidera esses aspectos.

Outro importante fator que merece nossa atenção nas estruturas das religiões é a diferença entre esoterismo e exoterismo. Vamos defini-los?

Esoterismo são as práticas internas das religiões direcionadas somente a um grupo de iniciados. Exoterismo são as práticas exteriores realizadas pelas religiões, como explica René Guénon:

De todas as doutrinas tradicionais, a do Islão é talvez aquela onde a distinção entre as suas duas partes comple-mentares — as quais podemos designar por exoterismo e esoterismo — é mais acentuada. Estas são, de acordo com a terminologia árabe, as-chari’ah (com o significado literal de a “grande estrada”), comum a todos, e al-haqiqah (a Livro emblemático da antropologia

é a obra de James George Frazer intitulado O Ramo de ouro (1982). O autor aborda uma enorme diver-sidade de mitos, lendas e relatos de magia e religião, dos mais dife-rentes povos do mundo, deba-tendo a questão principal do “deus imolado”.

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D e f i n i n d o c o n c e i t o s 29

das coisas, pois nem todos possuem a aptidão ou as “qua-lificações” necessárias para alcançar este conhecimento. As duas são frequentemente comparadas, de forma a ex-primirem o seu respectivo carácter “exterior” e “interior”, à casca e ao caroço, à pele exterior de um fruto e à sua polpa (al-qshir wa’l-lubb), ou ainda, à sua circunferência e ao seu centro (GUÉNON, 2009, p. 109).

Nesta unidade você aprendeu que:

A palavra “povo” tem origem no latim: populus. Ela pode ter por definição: união de indivíduos que compartilham entre si crenças, práticas e símbolos estabelecendo um sentimento de unidade e de identidade social.

Norbert Elias e Nicola Abbagnano nos ajudam, com seus estudos, a perceber uma moderna definição de povo.

Que o termo “cultura” possui duas interpretações distintas. Primeira-mente, podemos entendê-la como um processo de formação individual, no qual o sujeito é preparado e educado para acumular determinadas informações que ampliam a sua visão de mundo. Em um segundo mo-mento, também podemos entender a cultura como um sentido coletivo, no qual essas marcas de individualização são colocadas de lado para darem lugar ao sentido coletivo de um povo.

O termo “religião” pode ser entendido como um conjunto de crenças compartilhado entre um determinado grupo social que mantém relações com alguma ordem metafísica.

O processo de formação das religiões passa por algumas fases. Todas as religiões possuem uma revelação da ordem metafísica. Essas revela-ções se somam a determinados eventos históricos. Estes, por sua vez, são fatores que moldam as práticas posteriores das religiões. Os ritos religiosos são oportunidades dadas pelas religiões para que os fiéis, ao praticarem o rito, relembrem e experimentem os principais eventos que formaram sua religião. A permanência desses eventos na história forma o que chamamos de tradição. São justamente as “tradições” que possuem a potência de formarem civilizações.

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De antemão, é bom ressaltarmos que é possível encontrar outras de-finições para os termos que trabalhamos nesta primeira unidade. Não se preocupe! Saiba que isso é bom e que o conhecimento se faz jus-tamente nessas tensões que encontramos entre diferentes perspectivas. Fique ciente de que com quantos mais pontos de vista conflitantes você tiver contato, maiores serão as possibilidades de entendimento sobre o assunto estudado.

Seguem algumas indicações de leituras para continuar os estudos sobre o tema:

Massa e poder, de Elias Canetti. Neste livro o autor conseguiu retratar

alguns motivos que levam à formação do fenômeno das massas na História contemporânea.

Hitler e os alemães, de Eric Voegelin. Livro recentemente editado no

Brasil e que faz uma análise precisa do problema intelectivo da Alemanha, que aderiu passivamente ao nazismo.

Os alemães, de Norbert Elias. O livro aborda os elementos culturais,

sociais e políticos que contribuíram para a formação da Alemanha no século XIX.

Considerações extemporâneas, de Friedrich Nietzsche. Extremamente

polêmicas, essas considerações colocam a atenção sobre os problemas culturais europeus do século XVIII e XIX. Elas estão dividas em quatro tex-tos diferentes que abordam questões diferentes sobre a modernidade. Sem dúvida, a mais importante, para os historiadores é a “Segunda Considera-ção Extemporânea: Da Utilidade e Desvantagem da História para a vida.

Filosofias da Índia, de Heinrich Zimmer. Uma ótima introdução para

os alunos que desejarem conhecer um pouco mais sobre a cultura e a religião indiana.

O jardim das aflições, de Olavo de Carvalho. Nesse livro há uma

viagem pela história das ideias desde Epicuro até a produção intelectual no Brasil atual. Os diagnósticos de Olavo de Carvalho são arrasadores e preocupantes.

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O imbecil coletivo, de Olavo de Carvalho. Neste livro, o autor

des-creve a precariedade do pensamento brasileiro. Baseando-se em artigos de revistas, jornais, discursos oficiais e cenas do cotidiano, Olavo expõe o problema civilizacional do Brasil.

As religiões políticas, de Eric Voegelin. Leitura fundamental para

aqueles que desejam entender a relação entre política e religião na Antiguidade.

Eutífron, de Platão. Belíssimo diálogo em que Sócrates se propõe a

entender a religiosidade.

1. No limiar do século XX, às vésperas da Primeira Guerra Mundial,

o historiador francês Ernest Lavisse fornecia as instruções para o ensino da História aos jovens de seu tempo, das quais reproduz-se o trecho seguinte:

Ao ensino histórico incumbe o dever glorioso de fazer amar e de fazer compreender a pátria, todos os nossos heróis do passado, mesmo envoltos em lendas. Se o estudante não leva consigo a viva lembrança de nossas glórias nacionais, se não sabe que nossos ancestrais combateram por mil campos de batalha por nobres causas, se não aprendeu o que custou o sangue e o esforço para constituir a unidade da pátria e retirar, em seguida, do caos de nossas instituições envelhecidas, as leis sagradas que nos fizeram livres, se não se torna um cidadão compenetrado de seus deveres e um soldado que ama sua bandeira, o professor perdeu seu tempo.

Com o auxílio das ideias defendidas pelo historiador Lavisse e os

estudos realizados na disciplina de Povo, cultura e religião julgue os itens que se seguem e assinale a alternativa que apresenta a relação correta entre a pesquisa historiográfica e a cultura.

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a) A História é escrita pelos pesquisadores e deve ser ensinada pelos mestres com o compromisso de quem pesquisa e ensina as grandes questões de seu tempo, sendo assim, não podemos estabelecer nenhuma relação significativa entre o estudo da história e sua influência na cultura.

b) A visão excessivamente patriótica do autor expõe concepções que, no alvorecer do século XX, entendiam que o historiador tinha como função glorificar a nação, o Estado e as instituições, o que demonstra a separação entre história e cultura.

c) O “ensino histórico”, no contexto do Brasil contemporâneo, deve ser, sobretudo, um instrumento de combate para fazer que as ar-mas intelectuais estejam a favor da unidade da pátria e do amor de cada cidadão pela sua bandeira promovendo a guerra cultural necessária para justificar o estudo da história.

d) O estudo da história está diretamente relacionado com as questões culturais, pois, como vimos, dependendo da epistemologia da cor-rente historiográfica podem-se produzir ou alterar determinados tipos de cultura.

e) A revolução metodológica no ensino da História tornou-a, no fim do século XX, completamente racional e neutra, sem qualquer possibilidade de interferência da ideologia na teoria cultural con-temporânea; logo, história e cultura são territórios de pesquisa e atuação distintos.

2. Leia o texto a seguir e responda à questão proposta pelo exercício:

Eu era garotão ainda quando a Força Expedicioná-ria Brasileira chegou à Itália. Passaram na minha cidade, porque foram de Salerno para Siena. Fazia parte do batalhão um cidadão italiano, que veio para cá pequenino e depois se naturalizou. O pai deste soldado tinha deixado uma filha pequena na Itália com um irmão que não conseguia ter filho nenhum. Então o rapaz sabia que tinha uma irmã em Paola, que ele não conhecia e que era criada por um tio. Pediu consentimento para os oficiais e chegou em

Referências

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