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O FEIO E ZANGADO HIV: A HISTÓRIA DE UM VÍRUS (ALUNOS DA ESCOLA SECUNDÁRIA ESTRELA VERMELHA E MANJATE, 2006) 130

CIRCULO QUARTO

9. Pedro Muiambo, vem publicando dentro do prisma dos contos tradicionais 10 Rogério Manjate, artista da área teatral, educador, tem escrito poesia “para todas

4.2 O FEIO E ZANGADO HIV: A HISTÓRIA DE UM VÍRUS (ALUNOS DA ESCOLA SECUNDÁRIA ESTRELA VERMELHA E MANJATE, 2006) 130

Dentro da abordagem da SIDA, um texto chamou nossa atenção pela inovação de centrar-se nas ações, caracterizações e intenções do vírus, sob o seu ponto de vista. Por meio da história, os criadores recriaram os duelos antigos entre dois importantes seres antagônicos: de um lado está a força do mal (morte, simbolizada pelo vírus, que deseja destruir a humanidade), que é o primeiro a aparecer na trama, a agir, manifestar-se. Do outro lado se encontra o bem (Vida, simbologia da ciência, cuja ação é tentar salvar a humanidade).

Embora se apropriando de um antigo tema (bem/vida X mal/morte), a maneira de tecer o protagonista, a força opositora, é o que faz a diferença entre esta narrativa e as demais, conferindo-lhe um viés inovador. Trata-se, portanto, de uma história elaborada por crianças de 13 a 15 anos, sob a

orientação de um adulto, Rogério Manjate, e compõe a coletânea de textos direcionados ao público infanto- juvenil no livro intitulado Nfamba Xikolwene: vou à

escola (2006).

O texto se inicia através do convencional “Era uma vez um bicho feio e zangado que queria dominar

o mundo e acabar com a humanidade. Ele chamava-se Hiv (p. 16). Temos, então, na

situação inicial, a semelhança entre o texto contemporâneo (2006) e os contos

tradicionais, retomando o “Era uma vez”. Logo em seguida, os caracteres do personagem “um bicho feio e zangado”, ganancioso, maléfico, destrutivo, pois “queria dominar o mundo”, e mais, “acabar com a humanidade”. Seu nome: Hiv. Eis, assim, logo na introdução, a instauração da situação problema, pelo vírus personificado, e seu

objeto de desejo, que não é o bem social e, sim, o domínio de todos e a consequente

destruição da humanidade.

130 Das obras moçambicanas, só duas mencionam os ilustradores. São elas: O menino Octávio, ilustrada

por Angelina Neves e Hermenegildo Ciríaco, e Os gémeos e os raptores de crianças, por Lurdes Faife.

Figura 48

Mas, quais os passos do Hiv? Quais as ações praticadas para atingir o seu intento? Ele, sorrateiro, vai “ao barbeiro”, e durante o momento em que este lhe faz a “barba”, batendo “um papo sobre futebol, de repente girou a cadeira e o barbeiro cortou-lhe a pele”. Isso feito, “ficou contente”. Mas, o leitor pode se instigar sobre o porquê de o Hiv ter ficado “contente” se ele se cortou, foi ferido na face. Isso fica em aberto e se prossegue descrevendo as ações da personagem.

Uma vez ficando na lâmina do “barbeiro”, o Hiv segue outros rumos e consegue proliferar. “Saiu dali para o Hospital e, continuando com o seu plano, doou sangue. Também se aperaltava, vestia roupas lindas e seduzia homens e mulheres”. Novos

caracteres vão ampliando-se acerca do Hiv que, além de astuto, é dissimulado,

determinado nas ambições. Assim, segue livre e solto, sem limites em sua obstinação calculista. Daí o porquê de, no Hospital, ter doado “sangue”, vestir “roupas lindas” e seduzir “homens e mulheres”.

Até então, a personagem vai seguindo seus intentos sem encontrar desafios para realizá-los, tanto é que “passado algum tempo surgiu uma doença que se espalhou por todo o mundo e que os médicos não conheciam e não conseguiam controlar. Os doentes ficavam muito fracos e apanhavam várias doenças facilmente”. Quer dizer, a força expansionista do vírus consistia no anonimato. Uma vez atingindo as vítimas, os efeitos eram irreversíveis, ocasionando-lhes a debilitação. Mas ele se achava soberano e, ao ser descoberto, não se intimida. Quando “uma das filhas dum famoso cientista [...]” passa a manifestar “os mesmos sintomas, “O pai, inconformado, resolveu examinar o sangue dela e encontrou um bicho feio e zangado”. Inicia-se, assim, o desafio entre o “famoso cientista”, e o Hiv:

- Quem és tu? - Sou o Hiv!

- O que tu queres? – perguntou o cientista - Quero acabar convosco.

- Por quê?

- Quero ser [o] mais poderoso do mundo. - Isso é o que vamos ver!

Mas, ante a ameaça do cientista, o Hiv retruca: “ - Ah, ah, ah... eu já tenho um pacto secreto com todas as outras doenças”. (p. 17). Trava-se, desde então, a batalha entre as simbologias do bem (o cientista) e do mal, que deseja dominar o mundo. Se estabelecermos relação entre esse conto e algumas categorias extraídas das sete “esferas de ação” do conto maravilhoso, à luz de Propp (1984, p. 75), teremos as seguintes analogias: a) antagonista/força opositora: Hiv; b) herói, que ajuda a salvar a

humanidade, limitando as ações do vírus: o cientista; c) objeto de desejo da força

opositora: destruir e dominar a humanidade; d) objeto de desejo da força temática:

salvar a humanidade.

Até então o foco narrativo centra-se nas ações da força opositora, mas com a entrada do cientista em cena, novas ações se insurgem ante a preparação para a batalha a ser travada. Este, portanto, “reuniu outros cientistas e médicos para juntos buscarem uma solução”. Se o Hiv tinha um “pacto secreto com todas as outras doenças” o “cientista”, por sua vez, mune-se de forças para minar seu poderio. E, assim, “descobriram [...] as manhas do Hiv”. Daí os obstáculos subseqüentes encontrados pelo

anti-herói.

As ações dos cientistas para minar as forças do anti-herói são: a) “sensibilização das pessoas para esterilizarem os objectos cortantes antes de reutilizá-los; b) “examinar o sangue antes de usá-lo nas transfusões”; c)”usarem preservativos nas relações sexuais”. Tais ações repercutem no Hiv ao se ver coagido, impedido em seus intentos. Afinal, via “grandes cartazes que o denunciavam e alertavam a população para ter cuidado com ele”. Diante de tantos obstáculos, o antagonista “ficava cada vez mais zangado e feio porque o cientista estava a ganhar vantagem”.

Mesmo que fosse ao barbeiro, este depois esterilizava as lâminas e ele já não conseguia contaminar os outros clientes. Nos hospitais testavam o sangue antes de usá-lo. Os homens e as mulheres começaram a usar preservativos. O Hiv percebeu que não ia conseguir dominar o mundo, porque tinha sido descoberto, mas mesmo assim não desistia.

Se o Hiv não desistia dos planos expansionistas, se ele não foi totalmente derrotado, ao menos ficou limitado em suas ações. Mesmo assim, “A guerra ainda não estava ganha. Os cientistas continuavam a dizer que a vitória depende do comportamento de todos perante o Hiv e acrescentavam: – Não lhe dê confiança!”.

Essa história, assim como as demais enfocadas anteriormente, que trazem a tônica do HIV/SIDA, cumpre o papel social de alertar a população acerca da periculosidade do vírus. No entanto, o faz de maneira inovadora ao personificar o Hiv e lhe atribuir personalidade e desejos, o que pode ser observado pela maneira como são descritas as suas artimanhas, a sequência de ações, as repercussões e a sapiência na arte de seduzir por meio das “roupas lindas”, de não se restringir ao gênero masculino, envolvendo a todos, homens e mulheres que se deixarem enganar. O Hiv, irônico, mesmo “zangado”, joga e se diverte, brinca, fica contente, desafia e estende-se ao mundo.

De um lado estava o Hiv, aliado a todas as doenças, simbolizando a força do mal, ao fazer a população adoecer e morrer; do outro se encontra a força do bem, unida em prol do bem social. É, portanto, a luta entre a morte e a vida bem entrelaçada. Ambas as forças travam uma “guerra”, o desafio está posto, o Hiv ri, o cientista não, aflito segue em busca de “uma solução”, e a encontra, a curto prazo: a denúncia do inimigo mortal e de seus meios de atuação. Emergem, assim, os meios eficazes de minar seu objeto de

desejo: a destruição da humanidade.

É um texto que traz informações de cunho didático, instrutivo, mas não deixa de ser um tanto criativo, ao se delinear as manhas e artimanhas, a voz e o embate entre o cientista e o Hiv. Nesse aspecto a narrativa faz a diferença em relação às demais anteriormente enfocadas. Por meio dela se tece o fio narrativo com linearidade temporal (início, meio e fim), destacando-se a fina ironia, as ações, as limitações e, por fim, o alerta contra o vírus não destruído: “ - Não lhe dê confiança!”. A história fica em aberto, uma vez que algumas batalhas foram vencidas, mas, por outro lado, “A guerra ainda não estava ganha”, pois “a vitória depende” do “comportamento de todos”, adverte o narrador.

Embora educativa e utilitária, a visão inovadora da narrativa resulta, reiteramos, da maneira de se tecerem os caracteres do Hiv, em seu jogo e artimanhas, da sequência de ações, de instauração do duelo entre as forças opostas, os disfarces, corroborando-se para dirimir o riso irônico do vírus, tornando-o ainda mais um “bicho feio e mais zangado”. Não há alusão à dilacerada família, às vítimas, que normalmente são intensificadas nas demais narrativas; afinal, trata-se de uma “guerra”, e esta envolve a “humanidade”.

O foco narrativo atém-se ao antagonista, e só depois ao protagonista. Não há alusão à punição, arrependimentos, mas ao conhecimento e sensibilização, na arte de contar e encantar, sem deixar de lado a intenção de, também, conscientizar. Nesse equilíbrio consiste a tendência de envolver o leitor. Quanto ao espaço social, este não é delineado, no entanto, não implica em prejuízo à narrativa, a qual visa à abrangência textual. Eis o que emerge em O feio e zangado Hiv: história de um vírus. Além da SIDA, outro problema social que não passou despercibido pelos escritores entra a produção destinada às crianças foi a guerra, conforme veremos em O menino Octávio.

4.3 O MENINO OCTÁVIO (ATANÁSIO e NEVES, 2003)131

Em 2003, Moçambique completava 28 anos de independência e apenas 7, dos 16 de intensos conflitos internos decorrentes da luta armada internamente, a qual ceifou a vida de grande contingente da sociedade civil, além dos militarese e opositores. Uma das conseqüências desse complicado contexto aparece com uma densidade pungente no texto intitulado O menino Otávio, cuja autoria é de um estudante, Calisto Atanásio, sob a adaptação de

Angelina Neves e Hermenegildo Ciríaco (2003), e consta da coletânea Contos de Niassa

II, como premiação do concurso realizado pela Associação Progresso, em 2002.

A história enfoca a vida de um menino, Octávio, que tem a família morta na guerra, o pai, avós e, por fim, a mãe. Desolado e solitário, ele faz uma viola com uma cabaça e passa a tocar. Assim, consegue comover um senhor com a sua triste história e este o convida a morar com ele. Desde então sua vida

ganha novos rumos.

Eis o que nos conta o narrador, na 3ª pessoa do singular: “O nosso país tem histórias muito tristes por causa da guerra. É que todas as guerras são muito tristes. A história que vou contar é do menino Octávio”

(p. 5). Se a história traz a tônica da guerra, a violência,

essa emerge no texto com bastante veemência por meio da linguagem verbal e das ilustrações.

A ilustração parte do tempo presente da narrativa, ao trazer o protagonista sentado, solitário, com aspecto triste, olhos para baixo, com a viola na mão, na companhia de um gato. Ao lado está sua casa, uma espécie de cabana muito comum nas comunidades das zonas rurais, coberta de palhas. A tristeza anunciada se faz presente, assim, na primeira página. O que segue é extensão desse momento descrito (Fig 51).

No livro não encontramos episódios da guerra, mas as suas conseqüências, conforme relata o narrador:

131 As ilustrações resultam da xerox do livro, daí a condição precária das mesmas.

Figura 50

O menino Octávio vive no distrito de Mavago, Nsawizi. Nunca conheceu o pai, porque ele morreu quando o Octávio era bebé. Era soldado e levou um tiro, contou-lhe a mãe.

Octávio só conheceu os avós através das histórias que a mãe contava. Eles tinham morrido, porque a guerra passou na sua aldeia, que foi incendiada e destruída. (p. 7).

Na cena ilustrada aparece o “menino Octávio”

conversando com a mãe, que usa um lenço sobre a cabeça e uma capulana, certo tipo de tecido muito utilizado pelas mulheres, principalmente nas zonas rurais e suburbanas em Moçambique. Ambos estão sentados no chão e, à frente, uma fogueira, indica ser o espaço social uma aldeia (Fig. 52). Logo em seguida aparecem limpando a casa, ela com um pano de chão e ele com uma vassoura. Essa cena confirma que “Octávio vivia com a mãe e sempre a ajudava” (p. 8, Fig. 53).

Até aqui observamos que a situação inicial nos coloca diante de um protagonista órfão, cuja família foi destruída pela guerra. Resta-lhe

apenas a mãe. No entanto, depois saberemos quem era, de fato, durante o decorrer da trama, pois “A lenha ficava cada vez mais longe, porque as pessoas já não plantavam árvores”.

No caminho, “a mãe do Octávio pisou uma mina. A mina explodiu” e ela “morreu ali mesmo...” (p. 8, Fig. 54). A linguagem não verbal intensifica o trágico acontecimento da explosão, quando ilustra o

corpo desfalecido, lançado ao ar, e o narrador acrescenta ironizando “Durante as guerras, todos gostam de semear minas em vez de comida. Como não nasce nada, esquecem-se de as colher” (p. 9). Colher “mina” implica sofrer as consequências do que se plantou, no caso, a “morte”, ou acidentes fatais.

Após a instauração desse conflito dramático na vida do protagonista, a densidade de sua tristeza amplia-se. Daí a pertinência da fala inicial do narrador ao nos advertir acerca das “histórias” do país, as quais são “muito tristes por causa da guerra” (p. 5).

Figura 52

Diante da trágica cena, Octávio “Chorou muito, porque só conseguia ver a mãe a explodir” (p. 10). Como não aparecem outros personagens na narrativa, podemos inferir que na aldeia só existiam

Octávio e a mãe, o que explica a sua extrema solidão, e a ausência da comunidade para consolá-lo. Assim, só lhe cabe mergulhar em uma tristeza profunda. Mas, mesmo assim, não se faz alusão às peripécias enfrentadas por Octávio, nem

ao prosseguimento das aflições internas pela maneira drástica como perdeu a mãe. Embora a força opositora, a guerra, no caso, tenha destruído a vida dos familiares do protagonista, quando havia a companhia materna ambos apareciam sempre juntos, e suas ações resumiam-se a ajudá-la nos serviços domésticos: varrer a casa, pegar lenha, ouvir as histórias familiares. Mas, após perdê-la, teve que ser agente das próprias ações. A partir de então, o foco narrativo se centra nele, de modo que o “obstáculo” o faz agir, prosseguir, enfim, expressar um objeto de desejo, que é “começar a cantar”.

À tarde ia sentar-se, a olhar as pessoas a passarem e punha-se a tocar e a cantar. As pessoas, curiosas, aproximavam-se para ouvirem. Até lhe ensinavam novas músicas. Um dia, um senhor quis saber a história do Octávio. O menino contou-a comovido. O senhor convidou-o a ir viver com ele (p. 14).

Octávio pratica a ação de fazer a viola com uma cabaça e cantar, mas não há indícios na narrativa de que ele já sabia cantar, nem da sua outra qualidade de confeccionar um instrumento musical. Nada sabemos acerca dessas aptidões, as quais aparecem do nada, sem a intervenção de seres sobrenaturais. É como se ele fosse dotado de dons especiais, estando apto a executá-lo, chamando a atenção dos demais sobre si.

A ação de cantar e tocar é que possibilita a resolução do conflito do protagonista, o tirando da condição de órfão, após ser convidado por um senhor para morar com ele. “Cansado de estar sozinho, Octávio aceitou. Assim, arranjou uma nova

família e começou a ir à escola. Já tinha amigos, mas nunca deixou de tocar, cantar e lembrar a mãe” (p. 14). Esse é o desfecho da narrativa.

Quanto aos caracteres do personagm, ele é trabalhador, pois ajudava a mãe nas tarefas domésticas, é astuto e criativo, decidido, transforma a “cabaça” em “viola”, tem dons especiais, ao que parece, pois aprende a tocar e a cantar com naturalidade, sem percalços. É forte, supera o trauma vivido, após “chorar muito”. Do seu esforço, habilidade, competência musical e sociabilidade, resulta a mudança social. Daí a premiação: a conquista de um lar e da escola, onde faz novos amigos.

O espaço social na narrativa, a princípio, é o “distrito de Mavago Nsawizi”, em uma “aldeia (pp. 6-7); depois, não sabemos, ao certo, pois Octávio ia “sentar-se” à “tarde”, a “olhar as pessoas passarem”, começando a “tocar e a cantar”. Ele se encontrava em um local movimentado, com transeuntes, e não mais na “aldeia”, ou talvez nela mesma, mas agora contando com a presença de transeuntes. Isso, no entanto, fica em aberto na narrativa.

Se na terra se semeia a morte, dela também brota vida, pois é de onde o menino

Octávio retira a “cabaça” e faz ressoar o som da sua voz, atraindo os transeuntes,

aproximando-os para perto de si. Surge, assim, a reparação do dano sofrido, no que se refere à vida solitária. Cabe ao protagonista aprender a conviver com a carência, minimizada por meio da música.

Não se expressa o objeto de desejo do protagonista, excetuando-se o repentino interesse pela música. Esta se configura como um meio de lutar contra a carência instaurada pela força opositora, a guerra. Como ele aparece sempre ilustrado com a mesma cor de roupa (amarelo e vermelho), inferimos que não se passa muito tempo, ou que ele só tinha tal peça, mesmo assim, o indício é de que não transcorreram anos, possivelmente.

Fica, portanto, a critica à guerra e às suas consequências. Mesmo não havendo um antagonista perseguindo Octavio, “a guerra” não deixa de simbolizar a força

opositora que altera a sua trajetória quando da instauração do conflito, desencadeando o desequilíbrio, a mudança, a perda de um ente querido e a consequente vida solitária.

Mas, por outro lado, tal problema recai sobre ele e o impulsiona a reagir, a sair da condição passiva de se recolher ao anonimato, e buscar integrar-se, de certa forma, à sociedade.

A história de Otávio é realista na medida em que traz à tona um fato social, ocorrido, possivelmente, com tantas outras crianças e jovens, vitimados pelos longos

anos de guerra em algumas províncias de Moçambique. São eles, de certa forma, os “frutos” de um complicado passado ainda presente na memória social. Daí o grande número de órfãos não só da SIDA como, também, da guerra.

Enfim, em O menino Octávio, o enredo parte do presente da narrativa, com ele sentado, ao lado do gato, solitário, segurando a viola, indicando que o conflito já havia sido instaurado. Há, nesse sentido, uma quebra com a lógica temporal (início, meio e fim), no que se refere à situação inicial, pois este não começa pelo equilíbrio (início), mas pelo desequilíbrio (meio), ou seja, após transcorrer o dano ao protagonista, já imerso no solitário mundo, sem a mãe ou outros parentes. A força opositora o havia atingido, modificando sua trajetória. Cabe ao narrador recompor cenas, retornar o passado e desenvolver a sucessão de fatos até o desfecho.

Temos a impressão de estar lendo uma história ocorrida no passado, muito embora logo no início esta situe o menino Octávio no presente da narrativa, que “vive no distrito de Mavago Nsawizi”. (p. 6). Trata-se, enfim, muito mais de um fato narrado de maneira panorâmica, e menos da sucessão de cenas conflituosas envolvendo a trajetória do protagonista. Eis mais um problema social desvelado por um jovem escritor moçambicano, resultante da premiação da Associação Progresso.