• Nenhum resultado encontrado

A atualização da Memória na Teologia Sacramental

No documento A COERENTE PRÁXIS DA FÉ NO MUNDO ATUAL (páginas 60-65)

2.2 Fé como Memória

2.2.4 A atualização da Memória na Teologia Sacramental

Ao aprofundar a especificidade da memória perigosa, Metz elucida,

-se compreender como aquela atitude na qual o homem se recorda das promessas que lhe foram feitas e das esperanças vividas face a essas promessas e se vincula a essas recordações num modo determinante para a sua vida. [...] Aqui tem- se em mente aquela recordação perigosa que acossa o presente e o põe em questão, porque faz lembrar um futuro que ainda não se realizou. [...] Fé como memória responde à questão, discutida sempre de novo entre os teólogos, de uma mediação

76

E acrescenta

77

72 Idem, 2002, p. 69-70.

73 METZ, 1976, p. 66.

74 Ibidem, p. 65.

75 Ibidem, p. 66.

76 Idem, 1980, p. 232-233.

77 Idem, 2002, p. 76.

A Constituição Sacrosanctum Concilium78 (SC, n. 528) afirma que a obra de Cristo tem continuidade na Igreja e se coroa em sua liturgia. Assim o Concílio Vaticano II evidencia que os Apóstolos são enviados, não somente para o anúncio do Evangelho e do Filho de Deus, bem como sua morte e ressurreição, mas a assumirem em suas vidas inteiramente as consequências desta opção. De forma que, por meio do Batismo, são inseridos no mistério Pascal de Cristo, participando no seu mistério por meio da Ceia do Senhor.

Há uma clareza nos escritos do magistério da Igreja que essa é portadora da Memória do Cristo em sua totalidade.79

Nunca [...] a Igreja deixou de reunir-se para celebra

9,15) em Jesus 528).

Nesse aspecto vale lembrar a beleza da Teologia Sacramental, de maneira particular sobre a Santa Eucaristia, no que tange essa memória pascal, mas que não cabe nesta reflexão tamanha abordagem. Por isso, atentar-se-á apenas há alguns aspectos que se tornam necessários no caminho teológico que está sendo construido, observando de maneira particular os sacramentos do Batismo e da Eucaristia.

2.2.4.1 Batismo incorporados ao Cristo

Diante de uma sociedade cada vez mais marcada pelo esquecimento, pela a- historicidade, a própria experiência sacramental corre o risco de esquecer o núcleo central que o sustenta, dando-lhe uma interpretação equivocada.

Esta interpretação, talvez não habitual, do sentido das fórmulas cristãs de fé e confissão torna-se cada vez mais convincente se se tomar em consideração a peculiar posição de partida [...] da sociedade hodierna, na qual a fé cristã deve ser transmitida. É uma sociedade que se torna cada vez mais a-histórica e sem recordações, na qual cada vez mais, tradições só podem ser conservadas e transpostas para o presente através de instituições e da sua autocompreensão formulada, por conseguinte, através de confissões formuladas. O indivíduo como indivíduo é entregue, de maneira cada vez mais forte, à falta de recordação.80

78 SC = CONSTITUIÇÃO Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia.

79 -se a vida de Cristo nos crentes que, pelos sacramentos, de modo misterioso e real, são CONSTITUIÇÃO Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja, n. 13).

80 METZ, 1980, p. 234.

Algo que jamais pode ser perdido de vista é o núcleo central da teologia do Batismo, que não é outro senão a conexão entre o batismo dos cristãos e a morte e ressurreição de Jesus. Apesar dos muitos elementos associados a este sacramento, a sua raiz está no sentido cristológico-pascal ligado à teologia e a prática das primeiras comunidades cristãs. Pois, batizar-se é ser incorporado ao Cristo, submergir no mistério de sua vida, ser introduzido no movimento kenótico de morte e ressurreição.81

As observações preliminares gerais sobre a iniciação cristã contidas no Ritual do Batismo de Crianças82 (RBC, n. 1-5) afirma que o ser é liberto das trevas graças aos sacramentos, pois morto com Cristo, sepultado e ressuscitado, recebe o Espírito de filho adotivo. Sendo por meio do batismo o meio que nos incorpora ao Cristo. Além disso, por meio dele, nos dá condições de alcance da vida eterna e ao mesmo uma resposta ao Evangelho de Cristo, realizando o pacto da nova aliança, consagrados à Santíssima Trindade.

O que está eminentemente claro é que há uma implicação direta do que é celebrado no rito com a Memória perigosa fundamentada no evangelho. A adesão ao Cristo no batismo é uma adesão a toda sua história e à sua proposta evangélica.

O muro da separação entre os seres humanos foi derrubado pro Cristo Jesus. Somos

discriminação são destruídos no Cristo. Por meio do batismo, graças a Ele, os cristãos passam a constituir um novo povo, um corpo social que se contrapõe à lógica dominante deste mundo e de seus poderes.83

Bem mais valiosos que as purificações da antiga Lei, o batismo produz todos os efeitos supramencionados, em virtude do mistério da paixão e da ressurreição do Senhor. Todos os que são batizados, enxertados nele por morte semelhante à de Cristo, juntamente com ele sepultados na morte, são convivificados e conressuscitados com ele. O batismo recorda e realiza o mistério pascal, uma vez que por ele as pessoas passam da morte do pecado para a vida (RBC, n. 06).

Se o batismo nos faz partícipes, membros deste corpo, a Eucaristia é o alimento deste

corpo. De forma que essa, por si mesm 84

2.2.4.2 Eucaristia Memorial da Morte e Ressurreição

81 IZUZQUIZA, 2008, p. 205-206.

82 RBC = Ritual do Batismo de Crianças.

83 IZUZQUIZA, 2008, p. 207-210.

84 METZ, 1980, p. 243.

Metz, ao desenvolver sua reflexão sobre a memoria passionis, mortis et resurreccionis Christi, faz um alerta para a tentação reducionista na vida da Igreja, onde a Memória ficou abreviada ao sacramento da eucaristia.

[...] o sentido deste termo ficou limitado sacramentalmente à eucaristia, e mais limitado ainda a um pormenor de uma ideia prévia de eucaristia que nada tem a ver com o que eu chamaria a superação do âmbito cultual. Porque nós recordamos na fé o testamento do amor de Jesus; em virtude do qual o reino de Deus entre os homens aparece porque seu amor começou a se implantar entre nós, os homens; porque Jesus se apresentou formando parte dos insignificantes, marginalizados e oprimidos; e porque ele anunciou a chegada do reino de Deus precisamente como chegada do poder libertador de um amor sem reserva que não segue os mesmos cálculos que as relações de poder entre os homens.85

O que só reforça a importância de devolver para o seio do Cristianismo a essência dessa Memória perigosa.

A Sacrosanctum Concilium (SC, n. 47) ao abordar o mistério da eucaristia, recorda que na Última Ceia, na noite em que foi entregue, Jesus instituiu o Sacrifício do Seu Corpo e Sangue. Por meio dele se perpetua permanente o Sacrifício da Cruz, confiando à Igreja o memorial de sua Morte e Ressurreição.

Tal narrativa sacramental de imediato nos apresenta não somente uma vinculação, mas o próprio Cristo que, ao se tornar alimento, nos possibilita participar de sua graça, em unidade com Ele e com os irmãos para a vivência da caridade.

O Missal Dominical86 (MD, p. 548) ao explicitar o rito da missa, afirma que, inseparável e simultaneamente, a Ceia do Senhor é sacrifício, memorial da Morte e Ressurreição do Senhor, banquete sagrado, permitindo assim a participação dos bens do sacrifício pascal, prefigurando e antecipando, na fé e na esperança, o banquete escatológico, no anúncio da morte do Senhor até que Ele venha.

A memória é uma dimensão da nossa fé, que, por analogia com a memória de Israel, -nos a Eucaristia como memória cotidiana da Igreja, que nos introduz cada vez mais na Páscoa (cf. Lc 22,19). A alegria refulge sempre sobre o horizonte da memória agradecida: é uma graça que precisamos pedir. Os Apóstolos nunca mais esqueceram o momento em que Jesus -nos

85 METZ, 2002, p. 76.

mor de una idea previa de eucaristía que no tiene ya nada que ver con lo que yo llamaría la superación del ámbito cultual. Porque nosotros recordamos en la fe el testamento del amor de Jesús, en virtud del cual el reino de Dios entre los hombres aparece porque su amor comenzó a implantarse entre nosotros los hombres, porque Jesús se presentó formando parte de los insignificantes, marginados y oprimidos, y porque él anunció la llegada del reino de Dios precisamente como la llegada del poder liberador de un amor sin reserva que no sigue los

86 MD = MISSAL DOMINICAL.

[...] Às vezes, trata-se de pessoas simples e próximas de nós, que nos iniciaram na

87

A Eucaristia nos possibilita uma divinização de nós mesmos e uma transformação pessoal, eclesial e social. Ao participarmos da eucaristia, somos transformados no corpo de Cristo, portadores do Cristo. De forma que essa transformação, como dito, não é só pessoal.

Uma vez que transportamos o Senhor em nós, e se somos membros de um mesmo povo, é bem verdade que essa mutação se torne também comunitária.88

Izuzquiza, ao citar Santo Agostinho de Hipona, evidencia algo importante oferecido pelo próprio Jesus:

[...] nos confiou neste sacramento seu corpo e sangue, em que nos transformou também a nós mesmos, pois também nós nos convertemos em seu corpo e, por sua misericórdia, somos o que recebemos. (...) Nós somos conjuntamente; juntos bebemos [o cálice do Senhor], porque juntos vivemos.89

A eucaristia é também antecipação do Reino de Deus, pois ela inclui uma relação dinâmica que abarca o memorial, a antecipação e a presença. Em outras palavras, o mistério da eucaristia e da Igreja abrange o passado (memoria passionis), o futuro (antecipação gloriosa do Reino) e o presente (corpo real). Assim, a comunidade cristã, no presente, brilha diante do mundo como espaço social, onde se encarna a gratuidade do Dom de Deus, frente à mentalidade de mercado dominante. Isso é possível porque a Igreja carrega em si, graças a essa tradição herdada, a antecipação do futuro escatológico do Reino.90

Por isso a Igreja com diligente solicitude zela para que os fiéis não assistam a este mistério da fé como estranhos ou espectadores mudos. Mas cuida para que bem compenetrados pelas cerimônias e pelas orações participem consciente, piedosa e ativamente da ação sagrada, sejam instruídos pela Palavra de Deus, saciados pela mesa do Corpo do Senhor e deem graças a Deus. E aprendam a oferecer-se a si próprios oferecendo a hóstia imaculada, não só pelas mãos do sacerdote, mas também juntamente com ele e assim tendo o Cristo como Mediador, dia a dia se aperfeiçoem na união com Deus e entre si, para que, finalmente, Deus seja tudo em todos (SC, n. 48).

A eucaristia é Memória narrativa subversiva, o que já aponta para aquilo que abordaremos no último capítulo: a Solidariedade; a Compaixão, encontrando assim total consonância na Teologia Política.

87 FRANCISCO, 2013, n. 13.

88 IZUZQUIZA, 2008, p. 214-216.

89 AGOSTINHO apud IZUZQUIZA, 2008, p. 217.

to su cuerpo y sangre, en que nos transformó también a nosotros mismos, pues también nosostros nos hemos convertido en su cuerpo y, por su misericórdia, somos lo que ricibimos. (...) Lo somos conjuntamente; juntos lo bebemos [el cáliz del Señor], porque ju

90 IZUZQUIZA, 2008, p. 217-220.

No documento A COERENTE PRÁXIS DA FÉ NO MUNDO ATUAL (páginas 60-65)