• Nenhum resultado encontrado

A DISCUSSÃO SOBRE A VIABILIDADE VERSUS A POSSIBILIDADE

No documento CLONAGEM HUMANA VERSUS DIGNIDADE HUMANA (páginas 43-48)

A clonagem humana e o uso de células tronco representam os temas mais controvertidos no campo da engenharia genética e, em diversos países a legislação sobre pesquisa com células-tronco embrionárias varia. Nos Estados Unidos da América, as pesquisas com embriões humanos congelados são proibidas. Na comunidade européia, a Finlândia permite a clonagem, mas veda a criação de embriões apenas para este fim; na Holanda é permitida mediante a aprovação por comitês de pesquisa; na Espanha é permitida apenas em embriões não viáveis; na Suécia é permitida, mas é proibida a modificação genética dos embriões e no Reino Unido é permitida. Já a França, a Irlanda, a Itália e Portugal proíbem a clonagem144.

Com a realização de estudos acerca da viabilidade da clonagem para fins terapêuticos, ou seja, a produção de órgãos, tecidos e células embrionárias somente para pesquisas, o debate em torno do tema ganhou fôlego.

143 ZATZ, Mayana. Terapia com células-tronco e clonagem terapêutica. Consulex, p. 25.

144 FERNANDES JUNIOR, Hugo. Estudo sobre células-tronco. Consulex, p. 30.

Este tipo de argumento traz para a humanidade um questionamento ético sobre a possibilidade versus viabilidade da clonagem. No caso específico da clonagem humana, a perspectiva ética se torna crucial, pois enquanto o ser humano é capaz de manifestar sua vontade, se fazer ouvir quando chamado a participar de experimentos, os embriões e os fetos, não têm meios de expressão.

O presente estudo procura demonstrar a preocupação quanto à clonagem humana, não se posicionando contrariamente aos avanços da ciência genética, mesmo porque não se pode ignorar o seu uso terapêutico e as vantagens para a qualidade da vida humana.

O objetivo deste subtítulo é fazer uma advertência, quanto à viabilidade versus possibilidade da clonagem humana, como demonstra Paulo Roberto Saraiva da Costa Leite:

Ausente a ética, surgirão os conflitos de interesse, que trouxeram desarmonia individual e social. A esta altura, considerando que nem todos os cidadãos terão o discernimento para agir em prol do bem comum, chega-se à abordagem moral e legal, cujo caráter é dar limites e garantir a dignidade humana. Caso a clonagem seja permitida, será inevitável que vários governos, instituições e empresas abusem desse processo, gerando indivíduos com destinos traçados de acordo com os interesses de seus criadores. Serão fundadas grandes fábricas de máquinas e armas humanas, pessoas iguais às geradas sexuadamente, mas tendo seus cérebros lavados, programadas como andróides145.

Em que pesem estas colocações, sabe-se que para a ciência, a intenção não é a de usar a clonagem para a geração de indivíduos de acordo com a vontade de seu criador. Temos que encarar a clonagem como uma alternativa para o futuro, ou seja, para casais que não podem gerar filhos e de órgãos para transplante.

Com o domínio das técnicas de clonagem esta poderá ser utilizada com fins terapêuticos, a partir da utilização de células tronco-embrionárias, para evitar ou tratar doenças, ou ainda com fins de reprodução, visando dar origem a um outro indivíduo com carga genética idêntica a outro pré-existente.

Sobre a discussão que gravita em torno da viabilidade versus possibilidade das técnicas de clonagem, reprodutiva ou terapêutica, comenta Roger Abdelmassih ao assim se posicionar:

Em todo o mundo, as discussões sobre a possibilidade e viabilidade da clonagem de embriões para fins terapêuticos e reprodutivos continuam e as posições não são convergentes. Na Inglaterra, um dos países mais conservadores moralmente, a Câmara dos Lordes adotou caminho oposto ao dos Estados Unidos, aprovando o direito dos cientistas do Reino Unido produzirem embriões humanos para experimentos científicos. O Brasil, por sua vez, também não tem se mantido alheio à movimentação internacional. No Senado, os parlamentares continuam debatendo a reformulação da Lei da Biossegurança (8.974/1995). Os nossos deputados e senadores precisam entender a importância do estudo e do potencial dessas células-

145 LEITE, Paulo Roberto Saraiva da Costa. Clonagem Humana: questões Jurídicas. Revista CEJ, n. 16, p. 7-12, Brasília, jan./mar. 2002.

tronco (aquelas que ainda não possuem diferenciação e podem se transformar em qualquer outra célula do corpo, como a do fígado, coração ou nervosa, além de formar tecidos) para que a clonagem terapêutica receba tratamento legal. É importante estabelecer uma distinção entre clonagem reprodutiva humana e terapêutica. Utilizar essa técnica para produzir um ser humano completo é eticamente inaceitável. Além disso, os resultados apresentados até esse momento carecem de eficiência e não há conhecimento científico suficiente para evitar que embriões clonados sejam portadores de anomalias e malformações. E, mesmo que um dia a técnica da clonagem humana venha a ser dominada, a possibilidade de produzir óvulos e espermatozóides em laboratório - uma das tendências das pesquisas em curso nos principais centros mundiais de reprodução humana - poderá torná-la desnecessária. Já a vertente terapêutica da clonagem envolve outras questões: está ligada à possibilidade de se liberar pesquisas com células-tronco que, futuramente, poderão abrir caminhos para o tratamento de doenças como Alzheimer, Parkinson e câncer146.

Denota-se que se a clonagem terapêutica é passível de aceitação pois apresenta perspectivas promissoras, mesmo envolvendo a polêmica questão da experimentação com embriões humanos, a possibilidade de produção de órgãos para transplantes, sem que exista o risco de rejeição, resolverá sérios problemas que afligem as pessoas e que aguardam a perspectiva de viver sem grandes riscos ou limitações físicas. A medida em que a sociedade vem sendo esclarecida a idéia da clonagem para fins médicos vem sendo melhor aceita147.

Entretanto, a clonagem humana sob o prisma reprodutivo, apresenta um grande dilema, haja vista que a viabilidade de sua realização implica na certeza de se programar o nascimento de um ser humano sob medida, negando-se a sua identidade, o que acarreta sérios problemas na ordem das relações familiares com reflexos importantes no âmbito do direito.

Posiciona-se Tereza Rodrigues Vieira de que “a produção de clones pode ser empregada com vantagens, uma vez que indivíduos com peculiaridades desejáveis, como alta taxa de crescimento ou resistência a pragas, não estariam sujeitos a resultados imprevisíveis ligados à reprodução sexual”148.

A viabilidade da clonagem reside nos seguintes aspectos positivos, a seleção de rebanhos animais, a possibilidade de se clonar animais em extinção, a questão de órgãos para transplantes e a produção de medicamentos.

Márcio Fabri dos Anjos citado por Edna Raquel Rodrigues Santos Hogemann enumera as principais posições éticas polarizadas em torno da razão, no que concerne à criação de um clone humano:

146 ABDELMASSIH, Roger. Clonagem terapêutica: uma polêmica em curso. Revista on-line Universiabrasil.net. Publicado em 24/09/2004 às 02:00. Disponível em: <

http://www.universiabrasil.net/pesquisa_bibliotecas/materia.jsp?id=5031>. Acesso em: 04 set. 2004.

147 Cf. ABDELMASSIH, Roger. Clonagem terapêutica: uma polêmica em curso. Revista on-line Universiabrasil.net.

148 VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética e direito, p. 32.

1. Cabe à razão humana ser inteligência atuante na natureza, conferir-lhe sentido, interferir e conduzir seus processos biológicos, subordinando-os a finalidades e objetivos que a razão discernir como nobres. A ética não se nutre simplesmente da ordem colocada, mas de objetivos e finalidades segundo os quais a ordem se refaz para garantir o progresso humano; 2. O corpo humano em sua materialidade e processos biológicos é, de certa forma, como que uma ‘máquina’ a ser regulada e melhorada segundo a racionalidade científica que garante o progresso; 3. ‘Pessoa Humana’ seria um conceito a não ser atribuído ao concepto – nem ontológica nem praticamente – nas primeiras fases de sua evolução embriológica (por não passar de amontoado de células-tronco, que ainda darão origem ao feto) e; 4. A ação humana e a aplicação de técnicas nas fases iniciais da reprodução têm seus critérios éticos na ‘razão instrumental’, pela qual a atuação humana se mostra um serviço à qualidade de vida e ao bem das pessoas em suas diversas situações. A partir de tais pressupostos, segundo o autor, a clonagem em seres humanos seria eticamente aceitável, desde que se evite o ‘mau uso’ dela149.

Porém, para outros cientistas, a clonagem vai muito além do apontado por Gina Kolata, significando uma ameaça à individualidade e à dignidade humana, bem como à sobrevivência da espécie humana.

Segundo Márcia Lachtermacher-Triunfol “o debate sobre a clonagem humana tem várias facetas. Alguns defendem que ela seja banida em qualquer circunstância, e outros pensam que os benefícios justificam os riscos envolvidos”150.

Adriana Diaféria sustenta que para muitos a clonagem humana não passa de ficção científica, para outros o ser humano está abrindo novos horizontes para o seu desenvolvimento, e há ainda aqueles que acreditam que o ser humano está brincando de Deus151.

Conforme explicita Christian de Paul de Barchifontaine:

Na reflexão atual, a clonagem de seres humanos acarreta alguns contravalores, tais como: - o ser humano tem a dignidade de pessoa e não pode ser reduzido a um

‘objeto’; no processo de clonagem existem tantas e tais intervenções que é quase impossível deixar de tratar a realidade humana como um ‘objeto’; - na célula da qual se obtém o núcleo clônico é preciso realizar previamente importantes

‘manipulações’, o que pode dar lugar a sérias ‘deformações’ transmissíveis ao novo ser; lembrando como os responsáveis pela clonagem de Dolly tiveram de contar com a criação de quimeras e monstros antes de obter o resultado perseguido; seria eticamente razoável destruir um número grande de embriões para obter um clone humano152?

Mesmo que a possibilidade da clonagem humana exista há vários anos, a sociedade continua debatendo o futuro de tal tecnologia. Se uns a condenam, de maneira veemente, em qualquer circunstância, outros a consideram aceitável em alguns casos; e outros ainda

149 ANJOS, Márcio Fabri dos. Apud HOGEMANN, Edna Raquel Rodrigues Santos. Conflitos bioéticos: o caso da clonagem humana, p. 142-143.

150 LACHTERMACHER-TRIUNFOL, Marcia. Os clones. São Paulo: Publifolha, 2003, p. 90.

151 Cf. DIAFÉRIA, Adriana. Clonagem: aspectos jurídicos e bioéticos, p. 139-140.

152 BARCHIFONTAINE, Cristhian de Paul de. Bioética e início da vida: alguns desafios, p. 189-190.

promovem e patrocinam seu desenvolvimento e aplicação. Há, porém, ainda, uma grande maioria que permanece desinformada e ausente do debate.

No entanto, seja qual for a decisão da sociedade sobre a possibilidade e viabilidade da clonagem humana, o importante é que essa decisão seja tomada com base no conhecimento da tecnologia, e não no medo daquilo que é desconhecido e inédito.

Apesar de toda polêmica envolvendo a clonagem terapêutica e reprodutiva, até o momento, elas não passam de uma possibilidade promissora. Para se viabilizar como alternativa médica, ainda serão necessários muitos estudos e desenvolvimentos.

Após tais considerações sobre a viabilidade versus possibilidade da clonagem tanto com fins reprodutivos quanto terapêuticos, passa-se ao estudo do clone humano e das principais implicações jurídicas e éticas que pairam em torno da possibilidade da clonagem de seres humanos.

3 ASPECTOS JURÍDICOS E BIOÉTICOS DA CLONAGEM HUMANA

Neste capítulo é evidenciado inicialmente, como a doutrina conceitua o clone humano para, em seguida, passar ao estudo dos direitos de personalidade que têm gênese com o início da vida; bem como dos possíveis problemas de ordem civil quanto à pessoa e, ao final desta investigação, analisar como a bioética e o biodireito se ocupam da proteção da dignidade humana nas experimentações que são realizadas em embriões humanos.

No documento CLONAGEM HUMANA VERSUS DIGNIDADE HUMANA (páginas 43-48)

Documentos relacionados