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A BIOÉTICA, O DIREITO E A DIGNIDADE HUMANA

No documento CLONAGEM HUMANA VERSUS DIGNIDADE HUMANA (páginas 60-188)

Informa-se, de antemão, que o presente subtítulo busca focar o biodireito e suas estreitas ligações para com a bioética, no que concerne à proteção da dignidade humana, considerando a necessária intervenção do direito no campo da biotecnologia e das pesquisas bioéticas relacionadas à clonagem humana.

Pesquisas biomédicas são estudos ou experimentos praticados de forma organizada sobre o ser humano, objetivando o desenvolvimento dos conhecimentos biológicos ou médicos. Inclui o senador francês Huriet neste conceito todas as pesquisas efetuadas pra melhor o conhecimento das doenças, sua prevenção e sua terapia no estudo da vida orgânica e de seu desenvolvimento192.

Sabe-se que a possibilidade da clonagem humana traz à discussão o papel da ciência e da engenharia genética, e as chances de que se possa estabelecer um domínio completo sobre o processo reprodutivo colocando-se em primeira ordem a proteção da dignidade humana e, sobretudo, os interesses individuais. Interesses esses passíveis de serem realizados por uma pequena parcela da população que pensa poder satisfazer seus desejos de vida eterna ou de continuidade através da “prole cientificamente programada”, como demonstra Edna Raquel Rodrigues Santos Hogemann:

A clonagem humana desperta curiosidades, desejos e receios de há muito enraizados no inconsciente coletivo. A imagem do duplo ou do clone tanto é vista como um espectro estimulador de medos e angústias relativas à possibilidade objetiva de indiferenciação, como remete o ser humano à possibilidade sempre

191 TEPEDINO, Gustavo José Mendes. Clonagem: pessoa e família nas relações do direito civil. Revista CEJ, n.

16, p. 26-29, Brasília, jan./mar. 2002.

192 VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética e direito, p. 127.

perseguida e nunca alcançada da imortalidade. O desejo de criação de um duplo artificial é um desejo humano milenar que, depois de ter habitado o mito, a lenda, e a literatura, encontra hoje o seu espaço privilegiado no discurso da ciência e da tecnologia193.

Portanto, sendo realidade que as fronteiras biológicas estão sendo derrubadas, deve- se refletir sobre o papel do direito na tentativa de evitar a utilização indiscriminada da ciência quando não ligada aos princípios éticos consensuais, mais especificamente o da proteção da dignidade humana, oferecidos pela reflexão da bioética, pois como assinala Jussara Maria Leal de Meirelles:

Dentre os fundamentos que servem de alicerce para o Estado Democrático de Direito, merecem destaque a cidadania e a dignidade da pessoa humana. A Constituição de 5 de outubro de 1988 estabelece-os já no seu art. 1º, incisos II e III.

Também garante aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Brasil a inviolabilidade do direito à vida, além dos direitos à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (art. 5º, caput). Consagrados, deste modo, no texto constitucional, os valore fundamentais a legitimar a ordem jurídica, da qual a pessoa humana é referencial basilar194.

A presente abordagem tem o intuito de oferecer alguns subsídios para o debate sobre a possibilidade da clonagem humana a partir dos princípios da bioética que visam assegurar a proteção da vida humana e de suas características intrínsecas relacionadas à inviolabilidade do direito à dignidade e identidade do ser humano e qual o papel do biodireito na proteção do patrimônio genético da humanidade, demonstrando-se que a construção jurídica possui previsões que se aplicam diretamente aos avanços da ciência e, especialmente, à engenharia genética envolvendo a clonagem de seres humanos.

O valor da pessoa humana que informa todo o ordenamento estende-se, pelo caminho da similitude, a todos os seres humanos, sejam nascidos, ou desenvolvendo-se no útero, ou mantidos em laboratório, e o reconhecimento desse valor dita os limites jurídicos para as atividades biomédicas. A maior ou menor viabilidade em se caracterizarem uns e outros como sujeitos de direitos não implica diversificá-los na vida que representam e na dignidade que lhes é essencial195. A bioética aparece como uma preocupação no estabelecimento de marcos que possam sinalizar a caminhada da ciência sem que a essência do humano seja perdida, pelo uso inconseqüente das técnicas de clonagem humana.

No entanto, salienta-se que a bioética, definida como “o estudo sistemático da conduta humana no campo das ciências da vida e da saúde, enquanto examinada à luz dos

193 HOGEMANN, Edna Raquel Rodrigues Santos. Conflitos bioéticos: o caso da clonagem humana, p. 135.

194 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. Os embriões humanos mantidos em laboratório e a proteção da pessoa:

o novo Código Civil Brasileiro e o Texto Constitucional. In: BARBOZA, Heloísa Helena; MEIRELLES, Jussara M. L. de; BARRETTO, Vicente de Paulo. Novos temas de biodireito e bioética, p. 92-93.

195 Cf. MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. Os embriões humanos mantidos em laboratório e a proteção da pessoa: o novo Código Civil Brasileiro e o Texto Constitucional. in: BARBOZA, Heloísa Helena;

MEIRELLES, Jussara M. L. de; BARRETTO, Vicente de Paulo. Novos temas de biodireito e bioética, p.

94.

valores e princípios morais”196, tem servido como suporte para a atuação médica no campo da clonagem humana. A bioética independente de discussões sobre a moral e o direito tutela os os valores comuns da sociedade197.

Compreende-se que para a bioética, cabe o papel de levantar as questões, registrar as inquietações, alinhar as possibilidades de acerto e de erro, de benefício e de malefício, decorrentes do desempenho indiscriminado, não-autorizado, não limitado e não- regulamentado de práticas biotecnológicas e biomédicas que possam afetar, de qualquer forma, o cerne de importância da vida humana, vale dizer, a dignidade da pessoa humana198. Mas o papel da bioética certamente não decide o que a atual geração quer para si e para as futuras. Este papel cabe ao biodireito.

Para Reinaldo Pereira e Silva:

Inspirado pela nova concepção de positivismo, ou seja, pelo constitucionalismo dos direitos humanos, pode-se dizer que o biodireito é a compreensão do fenômeno jurídico enquanto conhecimento prático visceralmente empenhado na promoção da vida humana199.

Analogamente, afirma Sílvia Maria Leite Mota:

Nos tempos modernos, encontra-se em marcha a instituição de um biodireito, o qual exsurge do desassossego que se tem com o Homem e sua dignidade. É necessário protegê-lo como ser biológico, desde a sua concepção, ou, por que não dizer, desde o seu patrimônio genético à sua morte e, mais além, até o seu cadáver?

Em meio a tantos paradoxos, impõe-se o biodireito como o mais recente ramo do direito que estuda as normas reguladoras da conduta humana perante as novidades apresentadas pela medicina e exploradas pela biotecnologia, numa visão que engloba o resultado presente e futuro na preservação da dignidade humana200. Deste entendimento doutrinário, compreende-se que o biodireito apresenta-se como o conjunto de normas esparsas que têm por objeto regular as atividades e relações desenvolvidas pelas biociências e biotecnologias, com o fim de manter a integridade e a dignidade humana frente ao progresso, das conquistas científicas em favor da vida.

Do todo exposto, constata-se que o papel do direito não é o de cercear o desenvolvimento científico, mas, justamente o de traçar aquelas exigências mínimas que assegurem a compatibilização entre os avanços biomédicos que importam na ruptura de certos paradigmas e a continuidade do reconhecimento da dignidade da pessoa humana enquanto ser

196 PESSINI, Léo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas atuais de bioética. 6. ed. São Paulo:

Loyola, 2002, p. 50.

197 PESSINI, Léo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas atuais de bioética, p. 43-60.

198 PESSINI, Léo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas atuais de bioética, p. 43-60.

199 SILVA, Reinaldo Pereira e. Biodireito: a nova fronteira dos direitos humanos, p. 31.

200 MOTA, Sílvia Maria Leite. Da Bioética ao Biodireito. Caderno Científico do Mestrado e Doutorado em Direito da Universidade Gama Filho, n. 1, p. 185-195, Rio de Janeiro, ago. 1998, p. 185.

dotado de vida e de personalidade e, como tal, portador de um quadro de valores que devem ser assegurados e respeitados.

Aduz sobre esta questão José Alfredo de Oliveira Baracho:

O nascimento da Bioética e do Biodireito levam à compreensão das exigências práticas e sociais de delimitar o âmbito do lícito e ilícito provenientes das inovações técnico-científicas. A Bioética não é assimilável, nem ao cientificismo tecnológico extremo, nem ao anticientificismo ou antitecnicismo. A Bioética não pretende uma liberalização indiscriminada, nem o obscurantismo do progresso científico e tecnológico da Biomedicina. Preocupa-se com a individualização e os critérios regulamentares, para definir o comportamento dos pesquisadores no momento em que interferem ou manipulam201.

Constata-se que a vida representa um bem vital, de valor inestimável e que deve guardar a mais absoluta proteção à integridade física ou moral do indivíduo, devendo o biodireito resguardá-la, ao máximo, referentemente, aos experimentos científicos que envolvam seres humanos.

Quanto à bioética, sabe-se, que seu papel primordial é o de desenvolver uma análise sobre as condições necessárias para que um ato humano qualquer possa ser introduzido no âmbito da moral ou da ética e, com isso, avaliado como bom ou mau, justo ou injusto, moral ou imoral.

Assim sendo, urge que estas duas ciências unam-se mediante um escopo comum, a proteção da identidade e da dignidade da pessoa humana, como adverte Simone Born de Oliveira:

No intuito de ordenar e chamar a atenção da comunidade científica, faz-se necessário que as duas ciências (bioética e direito), diretamente interessadas na defesa da pessoa humana, se unam, traçando desta forma um marco moral e jurídico. Unidas sob denominadores comuns, seu ponto de conexão é a necessidade de haver uma perfeita sincronia entre o ser com o dever ser, e o poder fazer; onde a conduta humana é o ponto comum de estudo, combinando o bem e o mal com o justo e o injusto. Caberá à bioética buscar respostas às perguntas, e ao direito traduzir estas mesmas respostas em normas jurídicas, visando ao equilíbrio das condutas indesejadas pela coletividade. Assim, caberá ao biodireito, através de sua abordagem integradora e interdisciplinar, regular juridicamente os desafios que se apresentam, e que serão os desafios deste novo século202.

De modo similar, apregoa Reinaldo Pereira e Silva:

A convergência entre direito e ética então se faz manifesta para quem não os enxerga com os olhos de um hipotético observador extremo (...). Nesse sentido, a originalidade do biodireito está no reconhecimento de que a dimensão operacional do direito não deve se nortear, pura e simplesmente, pelo critério da validade formal; o biodireito expressa o compromisso operacional com a validade material, isto é, com a ‘validade ética’. Com efeito, ‘o biodir eito sem a bioética é cego e a bioética sem o biodireito resulta vazia’. Ainda que eticamente se admita que a

201 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Vida Humana e Ciência: complexidade do Estatuto Epistemológico da Bioética e do Biodireito. Normas internacionais da Bioética. in: LEITE, Eduardo de Oliveira (Coord.).

Grandes temas da atualidade: bioética e biodireito. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 193.

202 OLIVEIRA, Simone Born de. Da bioética ao biodireito: manipulação genética & dignidade humana, p. 67.

ciência, enquanto conhecimento puro, não deva ter limites – diferentemente da tecnologia, que é conhecimento aplicado -, não se nega legitimidade ao biodireito, pela mesma razão ética, para a disciplina dos meios de que a ciência se utiliza para produzir conhecimento, principalmente no atual estágio tecnocientífico. O biodireito e seu fundamento ético exigem que se vinculem, no mesmo homem, aos direitos reconhecidos, promovidos e garantidos, os respectivos deveres para consigo e para com os demais homens203.

Com efeito, realmente torna-se inarredável a intervenção do direito no campo das biotecnologias e biomédicas, considerando a gama de valores a merecer tutela jurídica capaz de equilibrar de um lado as “descobertas” científicas, e de outro o emprego de tais descobertas pela biomedicina, sem violar direitos, muitos dos quais, devidamente protegidos, como por exemplo, vários dos que integram o rol dos direitos da personalidade.204

É certo que o direito deve estar atento ao desenvolvimento da sociedade, mormente quando o fizer em favor da pessoa humana, pois como instrui Sílvia Maria Leite Mota:

A função do jurista não deve ser tão somente a de racionalizar o presente, mas também a de programar o futuro. Os problemas que arrolam a vida privada foram regulados muito antes de surgirem as questões aventadas pela bioética, como indicam as normas relativas à família, ao parentesco ou às sucessões, mas a expectativa atual coloca-se nos domínios da legitimidade de interferência do Direito nos acontecimentos modernos que circundam a vida humana205.

Assim, o biodireito deve ser pensado também a partir dos grandes blocos econômicos, como um direito para “as comunidade s” fortalecendo seu compromisso interdisciplinar com a bioética visando exercer uma função mais indicadora de condutas justas: ou, como pretendem certos estudiosos, ao direito compete indicar procedimentos apropriados para que as decisões e as opções tenham todas as chances de resolver os problemas suscitados pelas novas tecnologias, como demonstra Reinaldo Pereira e Silva:

Além das prerrogativas humanitárias de uma ou outra forma já asseguradas pela modernidade nas dimensões da liberdade, igualdade e fraternidade, o empenho na promoção da vida humana também impõe ao biodireito a incorporação em seu raio de reivindicação de prerrogativas negadas pela persistência da pré-modernidade (a fome e a mortalidade infantil evitáveis) e de prerrogativas atropeladas pelo advento da pós-modernidade (a investigação do genoma humano e a técnica da clonagem).

Em outras palavras, é a consciência da atualidade dos compromissos da modernidade que exige do biodireito o envolvimento com os direitos do homem relacionados ao subdesenvolvimento, a exemplo do direito à alimentação, do direito à moradia e do direito à renda, assim como os direitos humanos relacionados sobre- desenvolvimento, a exemplo do direito ao sigilo de dados genéticos, do direito de não-saber propensões patológicas e do direito a não se sujeitar à obstinação terapêutica206.

203 SILVA, Reinaldo Pereira e. Biodireito: a nova fronteira dos direitos humanos, p. 91.

204 Cf. OLIVEIRA, Simone Born de. Da bioética ao biodireito: manipulação genética & dignidade humana, p.

205 MOTA, Sílvia Maria Leite. Da bioética ao biodireito. Caderno Científico de Mestrado e Doutorado em 69.

Direito da Universidade Gama Filho, p. 186.

206 SILVA, Reinaldo Pereira e. Biodireito: a nova fronteira dos direitos humanos, p. 31.

É fundamental, nesse momento, atentar para o fato de que o ordenamento jurídico permanece atento e sensível para permitir o “bem” e proibir o “mal”, sempre que necessário, em sede de bioética e biodireito. Porém, estas ciências não poderão, em momento algum, sucumbir a práticas, absurdamente desumanas, ditadas pela ganância, proveito, estado de necessidade, desejos, vaidades, ganhos financeiros vultosos, por parte de cientistas, laboratórios e empresas de genética, ou de quem quer que seja.

Alerta sobre esta questão Simone Born de Oliveira ao assim enfatizar:

Em se tratando de normas que venham a regular as pesquisas que envolvem seres humanos é imperioso lembrar que as empresas que desenvolvem biotecnologia, hoje, são empresas que possuem como financiadores principais (para não dizer exclusivos) de seus projetos os grandes laboratórios mundiais, que, com o resultado das pesquisas, almejam auferir tão-somente grandes lucros207.

Sabe-se, porém, que a revolução científica, através da engenharia genética, pode modificar as características do gênero humano e trazer repercussões, ainda insondáveis, nas gerações futuras. A contribuição da bioética está em tentar responder a muitas questões médicas, sociais, políticas, econômicas e jurídicas que envolvem a discussão sobre a noção de humanidade, compreendida de uma forma global.

Desta forma, cabe à sociedade fixar determinados limites, criando um enquadramento bem definido em matéria de práticas biomédicas, fundamentado no princípio da responsabilidade. Cabe aos cidadãos de hoje, promover a saúde e bem estar de todos e, ao mesmo tempo, defender os direitos daqueles que comporão as gerações futuras. Este é o papel do biodireito.

Em suma: cabe ao biodireito na defesa da vida humana, sem representar obstáculos aos avanços científicos, formular normas jurídicas de calibração equilibrada que permitam uma maior adequação entre os propósitos, meios e fins, como propõe a lógica do razoável, objetivados pelas biociências e biomédicas em benefício da humanidade.

Ao passo que, o grande desafio enfrentado pela bioética, no que se refere à questão da clonagem humana é sem dúvida alguma, conciliar o saber humanista com o saber científico na busca da felicidade do ser humano. Afinal parece ser este o objeto de desejo que se busca da ciência: a realização das expectativas de vida longa e saudável.

Atualmente as discussões científicas giram em torno de considerar tão somente direito, e não se criar um novo ramo para este, ou seja, há somente necessidade de uma bioética para o direito, e não de um biodireito, a fim de que não sejam novamente

207OLIVEIRA, Simone Born de. Da bioética ao biodireito: manipulação genética & dignidade humana, p. 68- 69.

encastelados os saberes, para que eles surjam por si e que sejam por aquele tutelado. Este assunto foi objeto de discussão em mesa redonda no V Congresso Brasileiro de Bioética, realizado em maio de 2004 na cidade do Recife (PE), do qual participou a professora orientadora Simone Born de Oliveira. Todo o acima citado não perde com isto a utilidade, corroborando com a necessidade de um direito pautado nos ditames da bioética.

CONCLUSÃO

A presente investigação é apenas o início de um estudo que certamente merece maior aprofundamento, em face da possibilidade da clonagem humana apresentar riscos à dignidade humana caso seja praticada sem limites éticos, de forma indiscriminada ou pelo uso inconseqüente de suas técnicas, tanto reprodutiva quanto terapêutica. Nesse contexto, a bioética aparece com uma preocupação no estabelecimento de marcos que possam sinalizar a caminhada da ciência sem que a essência do ser humano seja perdida.

Ocorre que se de um lado as novas tecnologias prometem a clonagem do ser humano ou a produção de células-tronco com fins terapêuticos visando o alcance de um melhor modo de viver; de outro lado existem questões éticas que remetem a inquietações, motivo pelo qual devem ser submetidas a tratamento jurídico para, oferecer segurança social em face às conseqüências que podem causar. E uma destas questões refere-se à clonagem humana que apresenta riscos para a dignidade humana.

Essa assertiva faz despertar para a necessidade de reflexão a respeito dos avanços da biotecnologia ligada à engenharia genética para que se possam minimizar os riscos da violação da dignidade humana não só desta geração, mas das futuras.

Tal reflexão deve ser efetivada através de uma ampla discussão a respeito dos aspectos éticos ligados a utilização das descobertas biotecnológicas, sobretudo, daquelas ligadas à questão da clonagem humana.

Assim sendo, o presente estudo limita-se a reunir elementos dispersos na doutrina e na legislação pátria a fim de explicitar que a realidade que ora se apresenta, com fortes chances da clonagem humana se tornar realidade em breve, revela a necessidade de limites ético-jurídicos serem estabelecidos, com vistas a garantir o princípio constitucional da dignidade humana para todos os seres humanos de forma irrestrita.

A colheita de informações, nesse sentido, intenta a colocação do tema da clonagem humana, objetivando evidenciar que o tema é relevante e atual, pois, hodiernamente, a crise dos valores chega a ameaçar a vida, a integridade e a dignidade do ente humano, questionando até que ponto são vantajosos os benefícios da biotecnologia e do desenvolvimento.

Toda limitação ética aos avanços biomédicos e da engenharia genética, sobretudo, àqueles atinentes à clonagem com fins reprodutivos, é sempre bem vinda, uma vez que as

discussões que envolvem os problemas éticos quase sempre invocam questões ligadas à pessoa humana, à vida e à sua dignidade.

Vislumbra-se que a clonagem não é um capítulo à parte, ela deve ser compreendida num mundo de extraordinárias conquistas, mas também deve ser acompanhada de uma certa preocupação, sobretudo, quando o quê está em questão é a dignidade da pessoa humana, elevada como um dos princípios basilares da Constituição.

Sob este enfoque, uma premissa parece óbvia, nem tudo que é cientificamente passível de realização é eticamente aceitável. E tal linha de raciocínio conduz a uma reflexão a partir da necessidade em se reconhecer o valor ético da vida humana e recolher subsídios para conciliar o imperativo do desenvolvimento tecnológico e a proteção do ser humano.

Assinala-se que a simples condenação da possibilidade da clonagem humana e de qualquer investigação que tenha esta técnica como uma finalidade, representa um cerceamento ao avanço científico, movido por discursos emocionais sem que se veja objetivamente as possibilidades promissoras que podem se tornar realidade.

Em contrapartida, a simples defesa da clonagem humana reprodutiva para buscar a produção em série de indivíduos identicamente iguais, independentemente de qualquer argumento político ou mesmo social, deve ficar adstrita à questão do ser humano ter respeitada a sua singularidade e, por conseguinte, pela sua não instrumentalização em procedimentos reprodutivos. Deveras o ser humano e sua dignidade constituem fundamento e fim da sociedade e do Estado, sendo este o valor que prevalece sobre qualquer tipo de avanço científico e tecnológico.

Portanto, essa condenação não deve se estender à possibilidade de multiplicação clonal celular de tecidos humanos que têm uma outra perspectiva que a clonagem reprodutiva, pois vislumbra-se que nas experiências desta natureza não se pode prever ou evitar os riscos de que as manipulações biológicas repercutam sobre a saúde do indivíduo clonado, do mesmo modo que sua descendência poderá herdar seqüelas dos referidos procedimentos.

Desta forma, o presente estudo, dentro dos limites a que se propõe, trata de evidenciar os dois lados de um tema que tem gerado preocupações e dúvidas, a clonagem com fins reprodutivos e a com fins terapêuticos.

Todavia, uma vez que estas técnicas de clonagem trazem implicações à sociedade, vê-se que é necessária a presença do direito junto a bioética para que haja a defesa das pessoas perante possíveis abusos.

No documento CLONAGEM HUMANA VERSUS DIGNIDADE HUMANA (páginas 60-188)

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