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Um dos pontos mais controversos é o da caracterização do início da vida de uma pessoa.

O estabelecimento de critérios biológicos (início da vida de um ser humano) ou filosóficos (início da vida de uma pessoa) ou ainda, legais é uma discussão difícil.

Eliane S. Azevêdo sobre o início da vida leciona:

No cenário mundial da ciência, o início da vida humana no zigoto não tem aceitação geral. as discordâncias também não convergem para um ponto geral de aceitação total; muito ao contrário, as opiniões divergem e as sugestões de quando a vida humana se inicia buscam fundamentação no surgimento de estruturas em momentos diversos do desenvolvimento embrionário162

159 LEPARGNEUR, Hubert. Alguns conceitos bioéticos fundamentais. O Mundo da Saúde, ano 26, v. 26, n. 1, p. 101-107, São Paulo, jan./mar. 2002.

160 Células diplóides aqui entendidas como células que contém um par de cada um dos cromossomos característicos da espécie. LACHTERMACHER- TRIUNFOL, Márcia. Os Clones, p.28.

161 ABDELMASSIH, Roger. Clonagem Reprodutiva e Clonagem Terapêutica: significado clínico e implicações biotecnológicas, Revista CEJ, p. 30.

162 AZEVÊDO, Eliane S. Aborto in GARRAFA, Volnei; Costa, Sérgio Ibiapina F. (orgs.). A Bioética no século XXI. Brasília: Universidade de Brasília, 2000, p. 89-90.

Antes de enfocar a questão da personalidade, há que se delimitar quando é que a vida humana tem início, não só na esfera biológica, mas, sobretudo, na esfera jurídica, pois da estipulação deste marco é que decorrerão muitas conseqüências legais para o nascituro ou a pessoa.

Silmara J A Chinelato e Almeida apresenta três diferentes teorias que considera fundamentais sobre o início da vida na doutrina brasileira, a teoria natalista que sustenta que a personalidade começa com o nascimento com vida; a teoria concepcionista que considera como o momento do início da vida a concepção e, a teoria da personalidade condicional, que afirma que a vida inicia com a concepção, mas estabelece a condição do nascimento com vida163.

Já Andrew C. Varga instrui sobre a teoria do começo da vida com o início das ondas cerebrais:

Alguns sustentam que a vida humana inicia, quando o cérebro começa a funcionar e ondas cerebrais podem ser observadas. A razão, para esta posição, é a opinião amplamente difundida de que a morte é a cessação da atividade elétrica do cérebro.

As ondas elétricas do cérebro podem ser medidas pelo eletroencefalograma (EEG).

Um EEG, que não registra nenhum sinal significativo mostra que o cérebro não está mais funcionando e a pessoa está morta164.

Cumpre informar que a vida é protegida constitucionalmente no art. 5º, caput da CRFB: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo -se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida [...]”.

Desta forma, o direito à vida é o principal direito fundamental, o bem jurídico de maior relevância tutelado pela ordem constitucional, pois o exercício dos demais direitos depende de sua existência, como enfatiza Rodrigo César Rebello Pinho, “seria absolutamente inútil tutelar a liberdade, a igualdade e o patrimônio de uma pessoa sem que fosse assegurada a sua vida. Consiste, pois, o direito à vida, no direito à existência do ser humano”165.

A CRFB tutela à vida, porém não estabelece o momento inicial da proteção jurídica.

O Código Civil Brasileiro estabelece em seu artigo 2º “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”166.

Sílvio Rodrigues leciona que:

Para a lei brasileira, hoje, basta que haja o nascimento com vida. Mas, prossegue o art. 2º do Código Civil, a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro.

Nascituro é o ser já concebido, mas que ainda se encontra no ventre materno167.

163 ALMEIDA, Silmara J A Chinelato e. Tutela civil do nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 145.

164 VARGA, Andrew C. Problemas de bioética. São Leopoldo: Unisinos, 1990, p. 67.

165 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria geral da constituição e direitos fundamentais, p. 72.

166 BRASIL. Código Civil. 54. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. Doravante será referido tão somente por CCB.

A vida protegida constitucionalmente é considerada um processo que se instaura com a concepção, segundo Jussara Maria Leal de Meirelles:

A fecundação do óvulo humano assinala o começo da vida de cada indivíduo, distinto daqueles que contribuíram biologicamente para a sua formação e dotado de um código genético próprio que conduzirá todo o seu desenvolvimento. Essa noção de autonomia possibilitou à corrente doutrinária denominada concepcionista sustentar que o embrião humano caracteriza-se como pessoa a partir da concepção168.

O quadro a seguir, elaborado por José Roberto Goldim, apresenta alguns dos critérios utilizados para estabelecer o início da vida de um ser humano169:

TEMPO

DECORRIDO CARACTERÍSTICA CRITÉRIO

0 min Fecundação - fusão de gametas Celular

12 a 24 horas Fecundação - fusão dos pró-núcleos Genotípico estrutural

2 dias Primeira divisão celular Divisional

3 a 6 dias Expressão do novo genótipo Genotípico funcional

6 a 7 dias Implantação uterina Suporte materno

14 dias Células do indivíduo diferenciadas das células dos anexos Individualização

20 dias Notocorda maciça Neural

3 a 4 semanas Início dos batimentos cardíacos Cardíaco

6 semanas Aparência humana e rudimento de todos os órgãos Fenotípico 7 semanas Respostas reflexas à dor e à pressão Senciência 8 semanas Registro de ondas eletroencefalográficas (tronco cerebral) Encefálico

10 semanas Movimentos espontâneos Atividade

12 semanas Estrutura cerebral completa Neocortical

12 a 16 semanas Movimentos do feto percebidos pela mãe Animação 20 semanas Probabilidade de 10% para sobrevida fora do útero Viabilidade

extra-uterina

24 a 28 semanas Viabilidade pulmonar Respiratório

28 semanas Padrão sono-vigília Autoconsciência

28 a 30 semanas Reabertura dos olhos Perceptivo visual

40 semanas Gestação a termo ou parto em outro período Nascimento 2 anos após o

nascimento

“Ser moral” Linguagem para

comunicar vontades

Ainda segundo Jussara Maria Leal de Meirelles, o início da vida da pessoa humana, tem como seu marco inicial a concepção.

Atualmente, não existem dúvidas quanto à criação de um novo programa genético a partir da concepção. Os 46 cromossomas do zigoto organizam-se em uma combinação qualitativamente nova de instruções genéticas (genótipo), que vai

167 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: parte geral. v. 1. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 36.

168 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A vida humana embrionária e sua proteção jurídica. Rio de Janeiro:

Renovar, 2000, p. 91.

169 GOLDIM, José Roberto. Início da vida de uma Pessoa Humana. Disponível em: <

http://www.bioetica.ufrgs.br/inivida.htm>. Acesso em: 08 set. 2004.

determinar a estrutura e desenvolvimento do ser recém-concebido. Os caracteres que vai carregar durante toda a vida são, portanto, determinados desde a concepção, e a própria evolução do seu ciclo vital, desde o início é gerida através do genoma.

Essa autonomia no desenvolvimento evidencia a individualidade do embrião, que não deve ser afastada a pretexto de uma suposta dependência essencial do ambiente materno170.

A discussão sobre a criação de embriões com a finalidade de extrair células-tronco, diz respeito ao momento em que a vida se inicia, pois, a comunidade científica tende a considerar que a vida embrionária não é vida. Para alguns a vida só começa a partir do desenvolvimento da parte neural do embrião, por volta do 14º dia e, para outros, o embrião passa a ter vida somente após a nidação, ou seja, quando se fixa na parede do útero, por volta do terceiro ou quarto dia após sua formação171.

Na realidade, sob o ponto de vista jurídico, a preocupação inicial em se caracterizar como pessoa o embrião humano desde o momento em que é concebido situa-se, fundamentalmente, em se afastar a sua identificação com os bens ou, em sentido mais amplo, com as coisas, como instrui Heloísa Helena Barboza:

É por isso que se afirma ser o embrião, ainda que não transferido para o útero, de uma pessoa, e, como tal, mesmo que ainda não investido da capacidade jurídica, não pode ser objeto de direito. Ilícitos, portanto, quaisquer atos que impliquem na sua disponibilidade, a qualquer título. Repugna a idéia de serem utilizados em pesquisas, do aproveitamento de suas células e tecidos para transplantes, pior se especialmente cultivados para tanto. Forçoso concluir-se não possam os geraram o embrião autorizar sua destruição ou seu emprego em pesquisa e experimentações172.

Insta observar que da proteção do direito à vida, advém os chamados direitos de personalidade, contudo, a legislação pátria, quando faz referência aos direitos do nascituro, pressupõe que o embrião venha a nascer, depois de se desenvolver no útero materno, daí a proteção intra-uterina, observando a gravidez, como acentua Jussara Maria Leal de Meirelles:

Em face da semelhança entre os embriões humanos e as pessoas já nascidas, não há como afastá-los da valorização personalista que emerge do texto constitucional. O respeito à dignidade e à vida da pessoa humana a eles se estende, fazendo-se concluir que toda atividade abusiva que venha atingir seres embrionários conflitará com o respeito à vida e à dignidade humanas assegurado constitucionalmente.

Assim, a exploração comercial, a atribuição de preço para o tráfico de embriões, a eugenia, o uso de seres embrionários em cosmetologia, a ‘fabricação’ de órgãos de embriões para futuros transplantes, a utilização de embriões em pesquisas de natureza diversa à proteção de sua vida e de sua saúde, e a eliminação pura e simples dos embriões ‘excedentes’ aos projetos científicos173.

170 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A Vida humana embrionária e sua proteção jurídica, p. 103.

171 Cf. ABDELMASSIH, Roger. Clonagem terapêutica: uma polêmica em curso. Revista on-line Universiabrasil.net.

172 BARBOZA, Heloisa Helena. A Filiação em face da inseminação artificial e da fertilização in vitro. Rio de Janeiro: Renovar, 1993. p. 83.

173 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. Os Embriões Humanos mantidos em Laboratório e a Proteção da Pessoa: o novo Código Civil Brasileiro e o Texto Constitucional. In: BARBOZA, Heloísa Helena;

BARRETTO, Vicente de Paulo. Novos temas de biodireito e bioética, p. 94.

No caso da utilização da clonagem terapêutica, não há essa presunção de nascimento, visto que o objetivo não é a gestação e conseqüentemente o nascimento e sim a utilização celular, como já dito.

Pode-se, então, concluir que não havendo concepção uterina e gestação após a fecundação do embrião, esses direitos não se aplicariam, visto que o embrião clonado terapeuticamente não é um nascituro e sim apenas um embrião, já que a legislação e a doutrina pátrias referem-se a estes casos por ora.

Entretanto, do art. 2º do CCB, vislumbra-se que não há dúvida de que a primeira idéia que vem à mente quando se trata da personalidade, é da figura humana, como esclarece Rita de Cássia Curvo Leite:

A personalidade, que é a perfeição da pessoa, isto é, a qualidade do ente que se considera pessoa, se agrega ao homem traçando-lhe características que lhe são próprias e diferenciando-o dos outros homens. Em verdade, a par do perfil biológico, é a personalidade que, de um modo geral, atribui à figura humana uma fisionomia única e peculiar. Nítida, portanto, a necessidade de proteger a personalidade contra eventuais agressões. [...]. Foi a partir da Constituição Federal de 1988 que se deu início, no Brasil, a um processo de enfatização ao respeito e à proteção dos direitos de personalidade numa tentativa de se edificar a dignidade da pessoa humana174.

Após esta abordagem sobre o início da vida, há que se ter um conceito de direitos da personalidade, visto que, nos dias atuais, a proteção à dignidade da pessoa humana apresenta- se como necessidade imediata. As constantes invenções científicas em vastas áreas do conhecimento têm gerado, cada vez mais, ameaças e lesões aos atributos personalíssimos do homem contemporâneo, sobretudo, no que tange à questão das experimentações com embriões humanos.

Diante dessa realidade, os direitos da personalidade tornam-se tema de grande importância, alcançando posição de destaque tanto na doutrina quanto na legislação pátria.

No documento CLONAGEM HUMANA VERSUS DIGNIDADE HUMANA (páginas 50-54)

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