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COINFECÇÃO TB-HIV: PERFIL CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICO EM UM ESTADO NA AMAZÔNIA

2. MATERIAL E MÉTODO

2.4 ANÁLISE DE DADOS

Após coleta, os dados foram tabulados em planilhas para seguimento de análise e construção de gráficos, e, uma vez se tratando de análise quantitativa, tabelas correlacionam variáveis e achados de maior relevância epidemiológica. Delimitados os dados do período selecionado, foram obtidos o coeficiente de incidência (CI) anual e médio e a proporção de casos novos de TB-HIV em relação aos casos novos de TB (%TB/HIV), também denominada prevalência mínima, por método padronizado pelo Departamento de Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde, ambos descritos a seguir. As demais variáveis submeteram-se a análise estatística percentual simples de frequência.

Coeficiente de incidência anual

𝑛° 𝑑𝑒 𝑐𝑎𝑠𝑜𝑠 𝑑𝑒 𝑐𝑜𝑖𝑛𝑓𝑒𝑐çã𝑜 𝑇𝐵−𝐻𝐼𝑉 𝑛𝑜 𝑎𝑛𝑜

𝑛° 𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 𝑑𝑎 𝑝𝑜𝑝𝑢𝑙𝑎çã𝑜 𝑟𝑒𝑠𝑖𝑑𝑒𝑛𝑡𝑒 𝑒𝑠𝑡𝑖𝑚𝑎𝑑𝑎 𝑛𝑜 𝑎𝑛𝑜 x 100.000

%TB/HIV

𝑛° 𝑑𝑒 𝑐𝑎𝑠𝑜𝑠 𝑛𝑜𝑣𝑜𝑠 𝑑𝑒 𝑐𝑜𝑖𝑛𝑓𝑒𝑐çã𝑜 𝑇𝐵−𝐻𝐼𝑉 𝑛𝑜 𝑎𝑛𝑜

𝑛° 𝑑𝑒 𝑐𝑎𝑠𝑜𝑠 𝑛𝑜𝑣𝑜𝑠 𝑑𝑒 𝑇𝐵 𝑛𝑜 𝑎𝑛𝑜 x 100

O cálculo da taxa de Variação Percentual Anual (VPA, ou APC, Annual Percent Change, em inglês) para Coinfecção TB-HIV foi realizado por meio do software estatístico Joinpoint Regression (https://surveillance.cancer.gov/joinpoint/), que utiliza o teste de permutação de Monte Carlo, com valor de p< 0,05. O programa usa dados de tendência e encaixa no modelo de junção de pontos simples. A VPA aponta o grau de crescimento ou decaimento anual de casos, utilizando-se de taxas log-, as quais indicam inflexões durante a série analisada, possibilitando verificar se houve mudança estatisticamente significante.

Para avaliação e cálculo de tendência de prevalência mínima e R-quadrado, utilizou-se o Microsoft® Office Excel, versão 2013, a partir da técnica dos mínimos quadrados.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

O presente estudo avaliou as características epidemiológicas específicas da infecção conjunta TB-HIV, ressaltando-se seus aspectos peculiares e suas similitudes em relação ao quadro nacional e regional. Dessa forma, observou-se um padrão heterogêneo quanto ao número de casos no estado do Amapá, evidenciando grande flutuação nas notificações entre os anos 2009 e 2018. Apesar de um aumento no número de casos, a proporção de coinfecção (6,39%) classifica-se, ainda, abaixo da média da região Norte (10,7%) e da nacional para 2016 (9,4%) (BRASIL, 2017).

A partir de uma perspectiva global, percebem-se características tanto de familiaridade quanto de heterogeneidade em relação aos padrões de incidência e notificação de tuberculose, assim como a documentação e registro dos casos de infecção conjunta ao HIV no estado. Registra-se, globalmente, um aumento significativo no número de casos desde 2013, o que se deve, de forma majoritária, ao crescimento do número de notificações em regiões de alta prevalência, como a Índia e a Indonésia, contudo, deve-se considerar que houve um decréscimo importante (44%) na mortalidade por tuberculose para soropositivos entre 2000 e 2015, mesmo distante dos alvos preconizados pela End TB Strategy (WHO, 2015). No ano de 2017, cerca de 6,7 milhões de casos foram notificados à OMS, tendo uma incidência estimada de infecção por HIV de 990 mil casos e uma prevalência de 9,2%, no mesmo ano (WHO, 2018). Apesar da crescente de repasse de dados em 2017 – aumento de 58% em relação à 2016 e de 23 vezes em comparativo à 2004 – a documentação e registro da presença de coinfecção aconteceu em apenas 60%

dos casos, ratificando a lacuna de informações e de realidade que separa a notificação da prevalência factual (WHO, 2018).

No Brasil, apesar da implementação de novas abordagens pelo Ministério da saúde, no intuito de consolidar as políticas de combate e prevenção da TB, como o Plano Nacional de Controle da Tuberculose, o país registrou 69.569 casos novos, caracterizando um coeficiente de incidência de 33,5 casos para cada 100 mil habitantes, no ano de 2017 (BRASIL, 2017).

A análise estatística demonstrou, no Amapá, durante os 10 anos analisados, tendência de prevalência crescente nesse período (Figura 1), o que pode ser ratificado pela VPA positiva de 13,07, demonstrando significância estatística (p<0,05). A análise do coeficiente de incidência (com CI médio de 2,02) e da %TB/HIV (prevalência mínima)

também demonstrou caráter ascendente na amostra, embora irregular, no período analisado, o que corrobora com os outros parâmetros e índices na indicação do aumento absoluto e relativo do número de casos (Figura 1). Paralelamente, no âmbito nacional, nota- se uma curva crescente discreta no que concerne à coinfecção TB-HIV na primeira década do novo milênio e uma discreta queda a partir da secunda década. Entre os anos de 2003 a 2012, a proporção variou de 7,7 a 9,7% (BRASIL, 2014), contudo, em 2016, foram registrados 6.501 casos de coinfecção TB-HIV, denotando proporção de 9,4% (BRASIL, 2019).

Figura 1. Variação percentual anual da taxa de coinfecção TB/HIV no estado do Amapá, no período de 2009 a 2018.

Fonte: Gráfico elaborado pelos autores, segundo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).

Destarte, ratifica-se que o perfil não é homogêneo entre as regiões do país ou entre estados de uma mesma região, apresentando padrões diferenciados de crescimento e decaimento das taxas, principalmente no que concerne à mortalidade, considerando diferentes proporções de populações e grupos vulneráveis, assim como diferentes perfil assistenciais (ROSS et al., 2018). A diferenciação pode amparar-se no princípio de uma

y = 0,5215x + 3,4836 R² = 0,4962

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5

2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

%TB/HIV

Coeficiente de incidência

2009-2018 VPA 13,07 p-valor <0,05

Coeficiente de Incidência %TB/HIV Linear (%TB/HIV)

não uniformização epidemiológica de uma região, haja vista que municípios de um mesmo estado não possuem o mesmo perfil epidemiológico, à semelhança como não possuem a mesma magnitude de notificação de doenças, a mesma qualidade nas ações de saúde e mesmo grau de desenvolvimento dos serviços, caracterizando perfis únicos (CERRONI;

CARMO, 2016).

Em relação às características sociodemográficas (Tabela 1), há uma maior prevalência em indivíduos do sexo masculino 70,96% (110), em relação ao feminino 29,03% (45); avaliando-se as 8 faixas etárias compreendidas entre 0 e 79 anos, agrupam- se duas faixas etárias com maior número de casos no intervalo, a de 20 a 39 anos, com 60% (93) e entre 40 a 59 anos, com 31% (49), representando essencialmente a população economicamente ativa; das 3 etnias analisadas, a mais afetada é a parda, 68,38% (106), seguida da branca 17,41% (27) e preta 12,9 % (20), as quais, representam, respectivamente, 65,23%, 23,97% e 8,70% da população do Amapá (IBGE, 2010), o que corrobora com os dados globais e nacionais ( RODRIGUES; FIEGENBAUM; MARTINS, 2010; SANTOS NETO et al., 2013; ALCALDE et al., 2018; OLIVEIRA et al., 2018), em que se observam número de casos elevados nesse público. Apenas no Brasil, em 2016, registrou-se que 70,1% dos casos relacionavam-se ao sexo masculino e 58% encontrava- se na faixa etária entre 35 e 64 anos (BRASIL, 2017). Apesar da etnia parda ser mais acometida no estado, em aparente contraste aos padrões nacionais, em que se observa a etnia negra – pretos e pardos – como a predominante quantitativamente (60%), a somatória conjunta dos casos em indivíduos pardos e pretos no estado, corresponde a 81,28%, dado que ultrapassa a estimativa nacional.

As variáveis relacionadas ao adoecimento masculino são complexas e não muito claras na literatura. Diversos condicionantes biológicos, orgânicos e socioculturais podem estar relacionados, os quais variam desde susceptibilidade imunológica, ao autocuidado e a aspectos comportamentais. Percebe-se uma maior predominância em adultos jovens, o que poderia correlacionar-se aos hábitos de vida e a maior exposição ao M. tuberculosis e ao HIV. Dessa forma, a literatura expõe que características quanto ao acesso ao sistema de saúde e à procura periódica deste - seja para a realização de exames de rotina, seja para o tratamento de doenças - são atributos que diferenciam esse público do sexo feminino, o qual demonstra maior assiduidade nas consultas e exames (HINO et al., 2012).

Segundo dados da OMS, a razão H:M de infecção por tuberculose em nível global é cerca de 1,7, contudo, esses ainda são subnotificados, uma vez que em países em

desenvolvimento, essa razão pode ser especialmente elevada, a exemplo do Vietnã, em que chegou à 4,5 (WHO, 2018).

Tabela 1. Número absoluto e percentual de casos notificados, segundo sexo, faixa etária e raça, no período de 2009 a 2018.

Fonte: Tabela elaborada pelos autores, segundo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).

Quanto à forma clínica mais prevalente (Figura 2), a pulmonar apresenta-se como a de maior significância (67,74%), principalmente por conta de suas características de transmissibilidade, a extrapulmonar representou 29,03% dos casos, enquanto a coexistência de ambas foi vista em 3,33% das notificações.

A forma pulmonar constitui-se como subtipo verdadeiramente transmissível da tuberculose, por meio da dispersão de gotículas oriundas da tosse, do espirro ou da fala, sendo denominadas de Gotículas de Flügge. As partículas infectantes atingem os brônquios incialmente e, a posteriori, os bronquíolos terminais e os alvéolos, onde iniciam um processo infiltrativo crônico e complexo, intimamente ligado à resposta imunológica do hospedeiro, a qual, em paciente HIV-positivos, encontra-se comprometida. O quadro clínico varia em caso de lesão primária ou pós-primária, com sintomatologia mais evidente na segunda apresentação, tosse sub-aguda ou crônica, dispneia, febre, hemoptise, perda ponderal e imagenologia característica é um padrão clássico (SILVA; MOURA; REIS, 2011).

Casos totais (N) Percentual (%)

Sexo Feminino 45 29,9

Masculino 110 70,9

Total 155 100

Faixa- Etária < 1 ano 2 1,3

1 a 5 0 0

5 a 9 1 0,7

15 a 19 2 1,3

20 a 39 93 60,0

40 a 59 49 31,6

60 a 64 3 1,9

64 a 69 2 1,3

70 a 79 3 1,9

Raça Branca 27 17,4

Preta 20 12,9

Parda 106 68,4

Ign/em branco 2 1,3

Figura 2. Apresentação clínica da TB na coinfecção com HIV.

Fonte: Gráfico elaborado pelos autores, segundo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN)

Alterações sugestivas de tuberculose ativa na radiografia de tórax, como consolidações e cavidades, processos intersticiais miliares ou derrame pleural, ou na tomografia computadorizada, como presença de cavitações de paredes espessadas, nódulos centrolobulares de distribuição segmentar, consolidações, aspecto de árvore em brotamento, podem sofrer alterações na presença de imunodeficiência grave observada nas pessoas vivendo com HIV, como um padrão de imagem atípico (BRASIL, 2018). Além disso, a infecção por HIV pode interferir múltiplos aspectos do diagnóstico clínico, mudando suas apresentações, além da duração do tratamento, resistência às drogas e tolerância à tuberculostáticos ( SANTOS NETO et al., 2013; CASTRO et al., 2019;).

No Brasil e a nível global, a forma pulmonar tem caráter dominante, 85,1% em 2016, o que é claro nos estudos epidemiológicos (FREITAS et al., 2016; BRASIL, 2017; SANTOS et al., 2017). Apesar dessa alta prevalência, a forma extrapulmonar, embora significativamente menor, demonstra maior taxa de acometimento quando indivíduos coinfectados são comparados com aqueles que possuem apenas a tuberculose, o que se deve à maior imunodeficiência. Entre os anos de 2006 e 2010, um estudo relacionou esses grupos, verificando-se que em portadores únicos de TB, o percentual da forma extrapulmonar era de 14,27%, enquanto em indivíduos coinfectados, esse percentual era de 26,19% (BARBOSA; COSTA, 2012).

67,7%

29,3%

3,2%

0 20 40 60 80 100 120

Nº de corrências

Mista Extra-pulmonar Pulmonar

A Baciloscopia do escarro é um dos principais métodos complementares de diagnóstico de TB e, uma vez conjugado à cultura, atua como diagnóstico bacteriológico de confirmação para a infecção, identificando o agente de forma específica. A cultura permite avaliar, também, a sensibilidade da bactéria ao agente quimioterápico, possibilitando prever sua resposta (SILVA; MOURA; REIS, 2011; BARBOSA; COSTA, 2014). No estudo (Tabela 2), verificou-se um percentual significativo de casos em que os testes de Baciloscopia (1º e 2º escarros) e cultura, não foram realizados ou foi preenchida a opção Ignorado /Branco, com especial ausência em relação à cultura, em que em 75,48% dos casos não foi realizada. O teste de sensibilidade apontou positividade para 2 casos (1,29% do total, 100%

dos testes finalizados) e 7 reenchidas como “ainda não confirmados/em andamento” (4,51%

do total). A cultura de escarro mostrou-se confirmativa em número de 18 (11,61% do total, e 62,06% considerando apenas casos nos quais o exame foi realizado). No segundo escarro, achou-se um percentual de 14,9% de positividade (22n), quando considerado o número total, e 55% dos casos considerando somente quando o teste foi realizado de fato.

Para a prova do primeiro escarro, tal que contém mais informações sobre sua realização e resultados quando comparada às anteriores (67%), encontraram-se 61 casos positivos e 43 negativos, excluindo-se aqueles não aplicáveis e não realizados (13n e 38n, respectivamente).

Tabela 2. Exames realizados e resultados.

1º Escarro N % Teste de

sensibilidade

N %

Positivo 61 39,35 Ignorado/Branco 122 78,7

Negativo 43 27,74 Sensível 2 1,29

Não realizado 38 24,51 Em andamento 7 4,51 Não se aplica 13 8,58 Não realizado 24 15,48

2º Escarro N %

Ignorado/Branco 92 59,35 Teste rápido N % Positivo 22 14,19 Ignorado/Branco 75 48,38

Negativo 18 11,61 Não detectável 5 3,22

Não realizado 23 14,83 Não realizado 49 31,61 Detectável e

sensível à Rifampicina

26 16,77

Cultura N %

Positivo 18 11,61 Negativo 11 7,09 Em andamento 9 5,8 Não realizado 117 75,48

Fonte: Tabela elaborada pelos autores, segundo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).

A relativamente baixa frequência de realização de testes pode ser observado em uma miscelânea de análises epidemiológicas (BRASIL, 2019; SANTOS NETO et al., 2013) a exemplo de um estudo realizado no estado do Mato Grosso do Sul, em que 38,1% dos testes de baciloscopia do escarro não foram realizados (BALDAN; FERRAUDO;

ANDRADE, 2017), o que denota um padrão nacional, que pode estar relacionado a um déficit estrutural, a uma precarização dos serviços, além de dificuldade, por parte dos estados, na aquisição de materiais essenciais e de fluxos laborais efetivos (BRASIL, 2019).

Em 2010 a OMS ratificou o uso do teste rápido molecular para tuberculose (TRM- TB) como técnica essencial para diagnóstico, complementando o que antes baseava-se apenas na clínica e nos testes fenotípicos. Em 2013, seu uso seria aprovado por comissão no MS e, a partir de junho de 2014, foi implementado no país por meio do Plano Nacional de Controle da Tuberculose como uma ferramenta diagnóstica oficial. Por conta de sua elevada sensibilidade (cerca de 90%) e baixo tempo de espera, e por detectar conjuntamente a resistência à rifampicina (especificidade de 98%), além da presença do DNA bacteriano, integra, atualmente, parte do Protocolo Nacional de TB, constituindo a Rede de Teste Rápido Molecular para Tuberculose. Contudo, por conta dessa recente atualização, os dados nos sistemas de informação quanto ao seu uso – assim como de testes de sensibilidade - só foram disponibilizados a partir de 2014 (CASELA et al., 2018).

Neste estudo, notou-se proporção de 79,99% de testes em que se foi preenchido Ignorado/Branco ou Não realizado (Tabela 2), mesmo essa proporção nos anos de 2016, 2017 e 2018, evidenciando um maior acesso a esses testes (SINAN-NET).

No que concerne à situação de encerramento (Tabela 3), a cura foi observada em 49,03% (76) dos casos, o abandono de tratamento em 16,12% (25), o óbito por outras causas em 12,9% (20) e por TB em 3,87% (6), transferências em 4,51% (7) e mudança de esquema em 1,81% (1). A taxa de dados ignorados ou em branco foi de 12,90%. Em pacientes com infecção isolada, a cura foi atingida em 68,09%, as taxas de abandono foram de 10,88% e o óbito por TB e por outras causas foram de 1,71% e 1,93%, respectivamente.

A diferença observada entre pacientes TB exclusivos em relação àqueles que apresentam coinfecção tem raízes multifatoriais, que impactam na adesão ao tratamento e nas taxas de cura e óbito. O estudo de Lemos et al. (2016) a partir da análise de dados de pacientes em um hospital referência no diagnóstico e tratamento de doenças infeciosas no estado do Ceará demonstrou que as consequências da falta de adesão à terapia antirretroviral (TARV) repercutem, de forma mais significativa, na sobrevivência dos

vivendo com a coinfecção (LEMOS et al., 2016). São muitos os fatores que podem contribuir para a não adesão ao tratamento, entre eles o uso de outros medicamentos (e o tipo), história prévia de tratamento para tuberculose, interação médico-paciente, hospitalização, assim como problemas operacionais relacionados à continuidade da terapia, como a própria discriminação e estigmatização relacionadas ao diagnóstico de soropositividade HIV ( WITH et al., 2010; VIVENDO et al., 2012). Um grande estudo retrospectivo, que avaliou dados coletados de 201 pacientes com coinfecção durante 8 anos no Instituto Nacional de Doenças Infecciosas da Fundação Oswaldo Cruz campus Rio de Janeiro, demonstrou fatores clínicos e epidemiológicos associados com cuidados tardios de saúde a partir de análise multivariada, como analfabetismo (relacionado a baixa percepção de risco e atitude negativas em relação aos cuidados de saúde), autodeclarar-se preto, ter diabetes, alta contagem de CD4 e diagnóstico prévio de soropositividade para HIV (NOGUEIRA et al., 2018).

Tabela 3. Situação de encerramento do caso e concomitância ao quadro de SIDA.

Situação de Encerramento

N % SIDA N %

Ignorado/Branco 20 12,9 Sim 140 90,32

Cura 76 49,03 Não 11 7,09

Óbito por tuberculose

6 3,87 Ignorado/

em branco

4 2,58

Abandono 25 16,12 TOTAL 155 100

Óbito por outras causas

20 12,9

Transferências 7 4,51 Mudança de

esquema 1 1,81

Fonte: Tabela elaborada pelos autores, segundo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).

A presença de SIDA implica importante potencial de imunodeficiência, predispondo o paciente à recorrência de quadros infecciosos, principalmente oportunistas e, consequentemente, ao M. tuberculosis e à forma ativa de TB, conferindo elevada mortalidade ao quadro - principalmente considerando o contexto nacional socioeconômico e de saúde (BOIGNY, 2016). No estudo (Tabela 3), a concomitância de SIDA se deu em 90,32% (140) dos casos notificados, demonstrando concordância com a literatura em relação ao perfil de paciente vulnerável ao desenvolvimento de tuberculose (FURIN; COX;

PAI, 2019).

4. CONCLUSÃO

O estudo apresentou um panorama epidemiológico da Coinfecção TB-HIV no estado do Amapá, considerando um recorte temporal de dez anos. É notório e concreto na literatura a importante morbimortalidade relacionada à infecção conjunta M. tuberculosis e o vírus da imunodeficiência humana, com impacto à nível global e especial agravo em países em desenvolvimento. Apesar das constantes medidas da Organização Mundial da Saúde, no âmbito internacional, e do Mistério da Saúde, no nacional, redirecionadas ao controle da tuberculose, existem populações vulneráveis e determinantes de adoecimento específicos que atuam como dificultadores da plena eficácia das medidas terapêuticas e preventivas.

Este estudo apresenta limitações intrínsecas ao delineamento dos estudos epidemiológicos a partir de dados secundários, cujo principal viés é o da notificação, o qual pode atuar como limitador da acurácia dos dados, somados a possibilidades de erros de preenchimento de fichas, de sua digitação ou de seu registro. Contudo, a análise estatística precisa procurou evidenciar diferenças significantes, de modo a comparar dados absolutos e relativos, utilizando métodos alternativos.

Dessa forma, percebeu-se perfil eminentemente crescente, com tendência positiva de crescimento no que concerne ao número de notificações, assim como aos parâmetros de incidência e proporção de casos em relação à infecção única (TB). O traçado clínico- epidemiológico evidenciou o seguinte perfil característico de coinfectados: sexo masculino, pardo, na faixa etária de população economicamente ativa, apresentando TB em sua forma pulmonar. Demonstrou-se diferença percentual importante entre indivíduos TB-exclusivos e àqueles com coinfecção, os últimos apresentando menores taxas de cura, maiores taxas de abandono de tratamento e maiores índices de óbito por TB e por outras causas.

Dado o pequeno número de sorologias realizadas na vigência de TB, assim como o pequeno volume de testes diagnósticos complementares para tuberculose, a ratificação da importância do diagnóstico, mesmo que tardio, deve ser considerada à nível de gestão pública. Os dados demonstram, em face à análise comparativa regional e nacional, necessidade global de maior articulação dos meios assistenciais em saúde em uma ampla esfera de atuações, as quais congregam medidas de prevenção, diagnóstico e terapêutica orientadas ao público de maior sensibilidade, com especial atenção aos coinfectados, por sua real relação com a adesão à terapia e outros fatores dificultadores.

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