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ANÁLISE DOS DADOS

No documento Ciências Ambientais na Amazônia (páginas 102-109)

ACRE, BRASIL

2.3. ANÁLISE DOS DADOS

O tratamento dos dados das espécies exóticas encontradas ocorreu em quatro etapas:

1) identificação do indivíduo ao nível de espécie; 2) consulta aos bancos de dados e sites para conferência da identificação; 3) determinação da origem: exóticas à Flora do Acre, mas nativas do Brasil, ou exóticas à Flora brasileira; 4) determinação do status de invasora de cada espécie, com consulta às listas oficiais disponibilizadas pelo do Ministério do Meio Ambiente, IBAMA e ICMBIO; e da base de dados do Instituto Hórus (https://bd.institutohorus.org.br/). Espécies que não tiveram a identificação concluída até o nível de espécie não foram incluídas neste trabalho. A importância da presença de cada espécie, avaliada como sinal de risco de invasão, foi verificada através da frequência das espécies nos pontos de amostragem.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1. RESULTADOS

O levantamento de campo foi realizado durante os meses de maio a junho de 2019, quando foram somadas 166 observações válidas nos 27 pontos de amostragem na área urbana de Cruzeiro do Sul. Ao todo, foram registradas 44 espécies exóticas à Flora do Acre, pertencentes a 22 famílias botânicas. Destas, 8 espécies são nativas do Brasil, porém exóticas à Flora do Acre (Tabela 1). No geral, as famílias que mais apresentaram espécies

exóticas à Flora do Acre foram: Poaceae 13 espécies, Cyperaceae com quatro espécies, Asteraceae e Fabaceae com três espécies.

Tabela 1. Espécies exóticas espontâneas ocorrentes na área urbana de Cruzeiro do Sul, com a informação sobre presença na lista de espécies invasoras do Ministério do Meio

Ambiente e do Instituto Hórus.

FAMÍLIA ESPÉCIE INVASORA

ACANTHACEAE Asystasia gangetica (L.) T.Anderson Sim

AMARANTHACEAE Celosia argentea L. -

ANACARDIACEAE Spondias dulcis Parkinson -

ARACEAE Alocasia macrorrhizos (L.) G.Don -

Epipremnum aureum Linden & André -

ASTERACEAE Ageratum conyzoides L.* -

Emilia fosbergii Nicolson -

Tithonia diversifolia (Hemsl.) A.Gray Sim

BORAGINACEAE Heliotropium indicum L. -

CELASTRACEAE Euonymus fortunei (Turcz.) Hand.-Mazz -

COMMELINACEAE Tradescantia zebrina Bosse Sim

CRASSULACEAE Bryophyllum pinnatum (Lam.) Oken Sim

CUCURBITACEAE Momordica charantia L. Sim

CYPERACEAE Fuirena umbellata Rottb. -

Cyperus difformis L. -

Cyperus eragrostis Lam.* -

Cyperus luzulae (L.) Retz.* -

EUPHORBIACEAE Ricinus communis L. Sim

FABACEAE Crotalaria retusa L. -

Desmodium barbatum (L.) Benth.* -

Neustanthus phaseoloides (Roxb.) Benth. Sim

GENTIANACEAE Helia alata (Aubl.) Kuntze -

HELICONIACEAE Heliconia psittacorum L.f.* -

LAMIACEAE Clerodendrum paniculatum L. -

Melissa officinalis L. -

MELASTOMATACEAE Pleroma urvilleanum (DC.) P.J.F.Guim.& Michelang.* -

MORACEAE Artocarpus heterophyllus Lam. Sim

Ficus pumila L. -

PHYLLANTHACEAE Phyllanthus urinaria L. -

POACEAE Ammophila arenaria (L.) Link -

Brachiaria decumbens Stapf Sim

Eragrostis airoides Nees* -

Megathyrsus maximus (Jacq.) B.K.Simon &S.W.L.Jacobs Sim

Panicum virgatum L. -

Paspalum notatum Flüggé* -

Setaria pumila (Poir.) Roem. & Schult -

Sorghum halepense L. -

Sporobolus airoides (Torr.) Torr. -

Sporobolus indicus L. -

Urochloa reptans L. -

Amblovenatum opulentum (Kaulf.) J.P. Roux -

Lindernia rotundifolia (L.) Alston -

TURNERACEAE Turnera ulmifolia L. -

ZINGIBERACEAE Hedychium coronarium J.Koenig Sim

*exótica no Estado do Acre mas nativa do Brasil.

Onze espécies identificadas no trabalho estão presentes nas listas de espécies invasoras consultadas, são elas: Artocarpus heterophyllus, Asystasia gangetica, Brachiaria decumbens, Bryophyllum pinnatum, Hedychium coronarium, Megathyrsus maximus, Momordica charantia, Neustanthus phaseoloides, Ricinus communis, Tithonia diversifolia e Tradescantia zebrina, (Tabela 1). Com base na literatura, avalia-se com risco de invasão as espécies R. communis, T. diversifolia, T. zebrina e H. coronarium, que devem ser monitoradas mais detalhadamente para acompanhar os processos de invasão. As três espécies mais frequentes nos pontos de amostragem foram Neustanthus phaseoloides, registrada em 8 dos 27 pontos de amostragem, Setaria pumila, registrada em quatro pontos e Emilia fosbergii, em três. Considera-se N. phaseoloides espécie exótica em ativa invasão no município de Cruzeiro do Sul.

Figura 2. Espécies vegetais exóticas invasoras ocorrentes em Cruzeiro do Sul, Acre, Brasil.

a) Ricinus communis (EUPHORBIACEAE); b) Bryophyllum pinnatum (CRASSULACEAE), c) Tradescantia zebrina (COMMELINACEAE), d) Neustanthus phaseoloides (FABACEAE), e) Hedychium coronarium (ZINGIBERACEAE) e f) Asystasia gangetica (ACANTHACEAE). Imagens: Moisés Parreira (c) e Andrei Souza.

3.2. DISCUSSÃO

Dentre as espécies exóticas encontradas, principalmente as que são nativas do Brasil, porém exóticas à Flora do Acre, existem espécies que podem ser classificadas como naturalizadas, ou seja, plantas exóticas que mantém populações estáveis nos locais que habitam, mas sem necessariamente invadir os ecossistemas naturais (RICHARDSON;

PYSEK; CARLTON, 2008). Entretanto, embora não expressivo em número de espécies, Cruzeiro do Sul possui um conjunto de espécies invasoras que merece ser foco de monitoramento. Ainda que algumas possam ter chegado ao município de modo não intencional, a maioria destas espécies foi introduzida pela própria população e pelos órgãos públicos. Por isso é importante compreender a percepção e o conhecimento da população sobre espécies invasoras, e, também, incentivar ações de Educação Ambiental e sensibilização sobre o tema.

Exemplos de introduções intencionais pelos órgãos públicos, são os conjuntos de espécies utilizadas nas arborizações urbanas das cidades. Muitas cidades amazônicas enfrentam o que está sendo descrito como o "paradoxo da arborização urbana", verificado na predominância de espécies exóticas plantadas nas ruas dessas cidades, em contraposição ao uso das espécies nativas, tão abundantes em diversidade na Amazônia (SOARES et al., 2021). A jaca (Artocarpus heterophyllus) é uma espécie bastante cultivada pelos habitantes das cidades em seus quintais. Esses quintais em proximidade à áreas ruderais, podem ser fontes de disseminação da jaqueira, pois a mesma costuma se adaptar bem tanto às condições de alta insolação, quanto aos sub-bosques (OLIVEIRA, 2018).

Nessas áreas ruderais, de terrenos baldios, o estrato herbáceo é geralmente dominado por gramíneas exóticas. Apesar dos primeiros lotes de bovinos chegarem ao Brasil no Século XV, somente a partir do Século XIX as gramíneas exóticas, todas africanas, começaram a ser amplamente introduzidas no Brasil para formação de pastos direcionados à produção pecuária (DIAS-FILHO, 2016). A principal vantagem que os pecuaristas buscavam nas gramíneas exóticas era sua capacidade de resistir à seca, vantagem essa que também possibilitou que a maioria das espécies introduzidas se espalhasse de forma invasiva pelo país, competindo e substituindo as espécies nativas (MICHELAN et al., 2018), e mesmo muitas vezes impedindo ou dificultando a regeneração natural das paisagens nativas (FERREIRA et al., 2016). A resistência à dessecação é a principal característica apontada como fator para o sucesso de espécies deste grupo, frente às espécies nativas (LEAL et al., 2022).

Ocorrem em Cruzeiro do Sul 13 espécies de Poaceae, exóticas ao Brasil, sendo que duas aparecem em listas de espécies invasoras (Tabela 1): Megathyrsus maximus e Brachiaria decumbens. M. maximus (sin.: Panicum maximum), capim africano, chamado no Brasil de capim-colonião, é citado como de alto risco de invasão em áreas de conservação e de alta prioridade nas ações de controle (ZILLER et al., 2020). Como muitas espécies de uso econômico que também são consideradas invasoras, M. maximus está no meio de um dilema, por ter alto valor econômico e, ao mesmo tempo, ser altamente invasiva, expõe as complexas cadeias de decisão e de manejo que perpassam as ações de mitigação, controle ou erradicação de espécies invasoras (SOTI; THOMAS, 2022).

Heliconia psittacorum é nativa do Brasil (BRAGA, 2020), e é amplamente cultivada em quintais e jardins particulares, entretanto, a espécie tem facilidade para escapar de situações de cultivo, tornando-se agressiva invasora como verificado em outros locais onde a espécie não é nativa (SANYAOLU et al., 2020). A mamona, Ricinus communis (Figura 2a), nativa do continente africano, ocorre como invasora em todos os biomas brasileiros e é reconhecidamente uma espécie que compete em espaço com as espécies nativas, impactando negativamente a diversidade dessas espécies nas áreas onde ela invade (SILVA; FABRICANTE, 2022).

Bryophyllum pinnatum (Figura 2b) é exemplo de típica planta de jardim, utilizada também para fins medicinais, que devido ao seu intenso crescimento, proliferação assexuada e resistência à dessecação, é descartada inadvertidamente pelos moradores das cidades, no lixo ou nos terrenos baldios, possibilitando que a espécie se espalhe em áreas degradadas.

Outro exemplo de escape de jardins é o da Tradescantia zebrina (Figura 2c), originária da América Central, a espécie pode ser observada na borda de alguns fragmentos florestais de Cruzeiro do Sul, repetindo o que já foi observado da invasão da espécie em outras localidades, onde a mesma tem melhor desempenho na borda do que no interior da floresta (CASTRO; LUZ; PERES, 2022). Esta espécie também mostra atividade alelopática em experimentos (MOURA et al., 2018). Embora apresente prioridade intermediária para controle de invasão em áreas protegidas, é classificada como de alto risco invasor e é amplamente distribuída no país (ZILLER et al., 2020).

Outro exemplo de introdução intencional é o da espécie Neustanthus phaseoloides (sin.: Pueraria phaseoloides) (Figura 2d), que chegou ao Acre para servir de forragem no início da década de 80 (VALENTIM et al., 1984). Desde então a espécie pode ser observada crescendo espontaneamente em diversos municípios acreanos (LIESENFELD obs. pessoal),

e, em Cruzeiro do Sul foi a espécie mais frequente nos pontos de amostragem. A espécie tem hábito cipó, prostrado ou trepador, cobrindo a vegetação nativa por extensas áreas, visivelmente impedindo ou dificultando a regeneração de outras espécies. O quanto este impacto é nocivo às espécies nativas ainda precisa ser melhor investigado, porém, evidências apontam atividade alelopática para a espécie (SAUD, 2021).

O processo de escape dos cultivos particulares adicionou a espécie Hedychium coronarium (Figura 2e), nativa da região do Himalaia, às listas de espécies invasoras de diversos países (GBIF, 2021), e foi classificada no Brasil como de alto risco de invasão em Unidades de Conservação (ZILLER et al., 2020). A proximidade dos corpos d'água das zonas urbanas e a reprodução assexuada por meio de rizomas, que se espalham facilmente ao longo das áreas úmidas, são fatores que impulsionam os processos de invasão da espécie (BELLINI; BECKER, 2021). A toxicidade constatada nos rizomas da espécie H. coronarium é letal à diversas algas, o que pode interferir na dinâmica das cadeias tróficas de ecossistemas ripários (COSTA et al., 2021). Outro estudo mostrou que a espécie pode impactar negativamente a distribuição das assembleias de aranhas em áreas de floresta (PUPIN; MENDES, 2022).

Capacidade aleloquímica é, portanto, característica reiteradamente citada para diversas plantas invasoras. Tithonia diversifolia e Asystasia gangetica (Figura 2f) são espécies que causam prejuízo ao invadir culturas econômicas, e também possuem efeito alelopático na competição por espaço, efeito que pode explicar seu sucesso invasivo. A exemplo de T. diversifolia, nativa da América Central, que por meio de produção de substâncias fitoquímicas inibe a germinação e o crescimento de outras espécies vizinhas (KATO-NOGUCHI, 2020). É importante que estudos que investiguem o impacto de substâncias alelopáticas nas estratégias de invasão pelas espécies exóticas, possam ser realizados localmente.

Algumas espécies citadas como invasoras nas listas consultadas não foram registradas crescendo espontaneamente nas áreas amostradas, mas de fato ocorrem em Cruzeiro do Sul (LIESENFELD, obs. pessoal): Agave americana (Agavaceae), Cordyline fruticosa (Asparagaceae), Artocarpus altilis (Moraceae), Syzygium malaccense, Syzygium cumini (Myrtaceae), e Tecoma stans (Bignoniaceae) são muito plantadas nos jardins e quintais do município, mas aparentemente ainda não produziram suficiente descendentes para serem notadas como invasoras, ou ainda não encontraram o nicho favorável para o seu desenvolvimento e disseminação. São espécies que também devem ser monitoradas de formas a detectar precocemente os riscos de invasão.

Devido às dinâmicas próprias do deslocamento humano, traços culturais e por vezes, interesses econômicos, novas espécies exóticas podem passar a ocorrer no município, sendo que algumas podem passar a ser invasoras. É, portanto, necessária a constante atualização da lista aqui apresentada, bem como estudos posteriores de manejo e monitoramento. Manejar estas espécies objetiva mitigar potenciais efeitos negativos das invasões, e controlar níveis de invasão, utilizando-se de estratégias de conservação da biodiversidade, numa abordagem multidisciplinar e integrada. Reconhecendo o potencial invasor de cada espécie exótica, pode-se previamente exercer o monitoramento, manejo e controle, considerando o melhor custo-benefício das técnicas aplicadas (DECHOUM;

ZILLER, 2013).

Por fim, o manejo de espécies invasoras é complexo, mas um componente essencial na conservação da biodiversidade e da gestão ambiental para futuros sustentáveis, pois, apesar de uma ligação bem estabelecida entre invasões e atividades humanas, a dimensão social do manejo de espécies invasoras é menos explorada em comparação aos aspectos ecológicos. Destaca-se assim a necessidade de uma abordagem multidisciplinar para compreender as questões ambientais, inter-relacionadas com as dimensões humanas e em seus diferentes aspectos (SHRESTHA et al., 2019).

No documento Ciências Ambientais na Amazônia (páginas 102-109)