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ANÁLISE QUALITATIVA DE CONTEÚDO DOS ACÓRDÃOS

No documento universidade federal de minas gerais (páginas 116-119)

3. EPISTEMOLOGIAS FEMINISTAS E MÉTODOS

3.7 ANÁLISE QUALITATIVA DE CONTEÚDO DOS ACÓRDÃOS

Os dados iniciais, obtidos a partir da análise quantitativa dos acórdãos, nos impuseram a necessidade de fazer um recorte analítico para guiar o desenvolvimento das análises em profundidade dos acórdãos judiciais. Os acórdãos foram divididos em dois grupos, para que pudéssemos analisar, de forma comparada, os acórdãos de todo o período selecionado. Com esta divisão poderemos captar, de forma mais precisa, as mudanças institucionais e políticas que ocorreram ao longo do tempo, especialmente a partir da própria promulgação da Lei Maria da Penha e do processo de pacificação da constitucionalidade da referida lei. Procedemos da seguinte maneira:

 Grupo 1: Acórdãos referentes aos anos de 1998 a 2006

 Grupo 2: Acórdãos referentes aos anos de 2007 a 2015

Logo, nesta fase da pesquisa, elaboramos uma amostra probabilística por estratos de forma a se atingir a representatividade dos 2.708 acórdãos coletados de acordo com quem o

104 relatou. Neste tipo de amostragem, divide-se a população em estratos ou subgrupos que sejam úteis aos fins do estudo. No nosso caso foram divididos grupos: (1) desembargadores do sexo masculino e (2) desembargadoras do sexo feminino. Este tipo de amostra permite que seja reduzida a margem de erro sem que se tenha que aumentar o número de observações (LAVILLE

& DIONNE, 1999, p. 171). Ademais, esta escolha se justifica pelo fato de que, caso escolhidas outras formas de amostra, como a amostra aleatória simples, poderíamos incorrer no risco de não captar acórdãos julgados por desembargadoras do sexo feminino, já que estas representam percentual muito baixo na população de interesse. Esta etapa de pesquisa se conforma, então, como um estudo exploratório que procurou, substancialmente, identificar quais fatores interferiram, ao longo do tempo, no tratamento dos casos de violência doméstica e familiar contra as mulheres em Minas Gerais.

Avritzer et al (2014), analisam que é preciso que seja enfrentado o debate sobre o sistema de justiça e os entraves apresentados por ele a partir de pesquisas de cunho qualitativo, tendo em vista que a “a eficiência dos tribunais não está apenas na capacidade de dar respostas aos litígios que processam, mas na sua capacidade de dar respostas justas” (AVRITZER, et al, 2014: 19-20). Tais capacidades exigem um novo conjunto de regras e procedimentos institucionais que perpassam, também, pela formação dos agentes que atuam nas estruturas jurídicas. Portanto, para estes autores, trata-se de pensar as respostas jurídicas não a partir de suas lacunas teóricas, mas a partir de trabalhos empíricos sobre o Judiciário e os agentes sociais que neles atuam (AVRITZER, et all, 2014: 21-22).

Como Vargas (2000) evidenciou em seu estudo, o que ocorre na prática judiciária é que, apesar de estarem conscientes do trabalho que desenvolvem, operadores da justiça também defendem uma concepção de verdade, uma construção de moralidade – que não está desvinculada da vigente na sociedade – e em uma concepção de justiça que acaba atuando de forma independente das versões que são apresentadas pelos envolvidos no fato criminal (VARGAS, 2000, p. 57). Já Izumino (2004) procurou identificar, em seu estudo, quais eram os elementos presentes no discurso sobre a violência contra as mulheres (cabe mencionar, previamente à promulgação da Lei Maria da Penha), influenciavam nos discursos jurídicos e de que forma estes de convertiam em desigualdades na aplicação das leis (p. 16). Ardaillon e Debert (1987 apud IZUMINO, 2004, p. 104) já demonstraram que nos casos em que há oposição de sexo entre a vítima e o agressor, e também relacionamento amoroso entre ambos, são acionados mecanismos que usualmente não seriam utilizados em casos ocorridos entre indivíduos do mesmo sexo e sem relações afetivas. Segundo Izumino (2004)

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a leitura dos argumentos produzidos pelos agentes jurídicos sugere que o discurso jurídico sobre o conflito de gênero adota uma estratégia que procura desviar a discussão do crime – sobre sua autoria, sobre o modo como foram cometidas as agressões e qual a gravidade das lesões produzidas – para os comportamentos dos envolvidos. Nesses casos, a ênfase recai nos papeis sociais na medida em que eles estão relacionados com o casamento e a família (IZUMINO, 2004, p. 240).

Deste modo, o que se está buscando através da análise dos acórdãos judiciais em nosso estudo é

identificar, dentre as decisões proferidas pelos colegiados de juízes, o conteúdo latente (e às vezes claramente manifesto) dos dispositivos discursivos acionados pelo sistema de justiça para “julgar” e, portanto, quando este decidir em relação a um direito (ou a um conjunto de direitos) violado(s). Interessa-nos os motivos, as razões, explicações que, ultima ratio, orientam tais decisões (MATOS et al, 2011, p. 64).

A análise qualitativa de conteúdo é o que vai nos possibilitar a apreensão das nuanças nos sentidos que existem entre os discursos proferidos nos acórdãos judiciais, assim como aos elos lógicos destes com as categorias que os reúnem. Esta escolha metodológica se justifica pelo fato de que neste arcabouço de sentidos e significados residem especificidades que escapam ao domínio do que pode ser quantificável, do que poder ser mensurado. Usualmente são distinguidas três estratégias de análise e interpretação qualitativa de conteúdos: (1) emparelhamento, que consiste em associar as informações recolhidas a um modelo teórico a fim de compará-los; (2) análise histórica, que se constitui como um caso particular do primeiro, sendo utilizado para elaborar um roteiro sobre a evolução do fenômeno ou da situação estudada;

e (3) construção interativa de uma explicação, que não necessita da escolha prévia de um ponto de vista teórico, mas há a construção de hipóteses e a busca por aportes teóricos em conjunto com a análise dos dados, usualmente utilizada para estudos com caráter exploratório (LAVILLE

& DIONNE, 1999, p. 227-228).

Da mesma forma que na análise de conteúdo quantitativa com a perspectiva feminista, na abordagem qualitativa podem surgir questões que, de outra forma, seriam invisibilizadas ou marginalizadas. O exemplo da pesquisa realizada por Izumino (2004) e também por Ardaillon e Debert (1987), nos diz muito sobre isso. Usualmente pesquisas sobre a atuação do Poder Judiciário brasileiro não têm como foco o problema da violência contra as mulheres ou de como

106 os atendimentos estão sendo feitos e os casos julgados, tendo como foco o gênero (ou mesmo a raça, etnia, sexo, sexualidade). Estas questões emergiram quando as acadêmicas feministas começaram a pesquisar e a se deter, também, sobre os aparatos criminais e tentar entender como estes respondem aos anseios das mulheres em situação de violência.

Cabe ressaltar também que Levy (2007) analisa que, além de evidenciarmos os estereótipos preconceituosos contra as mulheres que permanecem enraizados nas culturas e nas instituições – como é o caso aqui do Poder Judiciário –, as análises de conteúdo feministas são importantes por apresentarem também uma forma de resistência e de evidenciar que estes embates e tensões existem, e, com eles, almejar novas formas de democracias, mais igualitárias, mais justas e despatriarcalizadas (LEVY, 2007, p. 246).

Apresentaremos, por fim, nossa última técnica de pesquisa utilizada para a coleta de informações acerca do julgamento dos casos de violência contra as mulheres pelos desembargadores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Esta fonte de dados também se apresenta importante, como veremos, para estudos de casos e também para que possamos entender de uma forma mais abrangente, desta vez pelos próprios desembargadores, como este julgamento ocorre e sob quais premissas estão ancorados ao realizarem os julgamentos e proferirem as sentenças.

No documento universidade federal de minas gerais (páginas 116-119)