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Nesta seção, buscamos contextualizar o local onde ocorreu o desenvolvimento da geração de dados para a presente pesquisa. Acreditamos que seja importante compreender, de forma histórica, geográfica e social, aspectos relacionados ao ambiente que circunda a vida dos sujeitos envolvidos neste estudo.

3.2.1 São Leopoldo e a Escola João Goulart

Em 1824, São Leopoldo foi fundada. A cidade é um dos berços da colonização alemã no Brasil. Os primeiros imigrantes chegaram a Porto Alegre, capital da província de São Pedro do Rio Grande, em 18/7/1824. Logo, foram enviados para a Feitoria do Linho Cânhamo, um estabelecimento agrícola do governo imperial, que estava localizada à margem esquerda do Rio dos Sinos. Em 25/7/1824, esses 39 imigrantes, sendo 33 evangélicos e seis católicos, chegaram ao seu destino. Esta é a data de fundação de São Leopoldo, de onde vem o título de "Berço da

Imigração". Em homenagem a estes imigrantes, o dia 25 de julho é um grande feriado municipal. Com a comemoração, São Leopoldo busca resgatar a memória e a variada contribuição dos alemães ao nosso Estado.

São Leopoldo está localizada no estado do Rio Grande do Sul, na Região Metropolitana de Porto Alegre, e, atualmente, tem em torno de 234 mil habitantes, divididos em 25 bairros. É uma das cidades gaúchas com índices elevados de violência. Quanto à Educação pública de ensino básico, o município tem sessenta e nove escolas de ensino fundamental e vinte e três escolas de ensino médio, totalizando noventa e duas escolas públicas de ensino básico. De acordo com o site do IBGE (https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/sao-leopoldo/panorama), o IDEB do município ainda não atingiu suas metas, o previsto para 2018 era 5,8, entretanto, o município atingiu 5,3. Na última avaliação realizada pelo governo federal, os alunos do 9º ano atingiram, na Prova Brasil (Português e Matemática), o IDEB de 4,3, e o 5º ano, IDEB de 5,3.

Todas as escolas da rede municipal são de ensino fundamental. Parte delas estão localizadas em zonas de vulnerabilidades sociais, como é o caso da escola municipal João Belchior Marques Goulart, inserida em um bairro marcado pela baixa escolaridade de seus moradores e, muitas vezes, por traços de violência e de tráfico de drogas. O IDEB da escola é 4,4, abaixo da meta esperada para escola e do município.

O bairro em que a escola está inserida chama-se Santos Dumont e, dentro desse mesmo bairro, tem a comunidade denominada Vila Brás, devido aos seus primeiros moradores (Família do Brás) naquela região na década de 1970. No entanto, no bairro, há uma divisão geográfica e social entre os moradores, delimitada geograficamente pela avenida Mauá, que atravessa o bairro e o divide em duas partes. Uma das partes é conhecida como a Vila Brás. Atualmente, o bairro Santos Dumont tem em torno de 24 mil habitantes, e é um dos bairros mais violentos de São Leopoldo. A divisão também é marcada pelos meios de comunicação jornalísticos da cidade, que rotulam os crimes não se referindo a São Leopoldo ou ao bairro Santos Dumont, mas à comunidade “Vila Brás”, como podemos ver nas manchetes veiculadas no Jornal Vale dos Sinos, em 20159: “Preso quarto acusado por morte de jovem na Vila Brás”, “Preso gerente de tráfico da Vila Brás em São Leopoldo”, “Morre adolescente baleado na Vila Brás”, Primeiro latrocínio do ano ocorreu na Vila Brás”, “Ações do POE desarmam criminosos da Vila Brás”.

Os meios de comunicação contribuem para formar opiniões em relação aos moradores dessa Vila. Neste caso, a Vila Brás é vista ou rotulada como uma comunidade marginalizada pelo crime, pelo tráfico de drogas e por homicídios envolvendo jovens. Acreditamos que seja

9 As notícias estão disponíveis nos ANEXOS.

importante essa descrição que contextualiza socialmente o local onde a escola está inserida para depois refletirmos sobre o projeto “Eu sou João Goulart” desenvolvido na escola.

3.2.2 Escola João Goulart

A relação da escola com a comunidade da Vila Brás é histórica, pois a construção de seu primeiro prédio (entre 1989 a 1991) só ocorreu devido às reivindicações dos próprios moradores da Vila Brás na prefeitura de São Leopoldo. A construção do primeiro pavilhão da escola contou com a ajuda dos moradores da Brás na década de 1990. Homens e mulheres ajudaram na construção financiada pela prefeitura. Infelizmente, esta memória hoje já não existe mais devido à construção da nova escola em 2007.

Figura 4 - Imagem da entrada da escola João Goulart

Fonte: Disponível no google.

Ou seja, a comunidade local foi a responsável pela construção da primeira escola na Vila Brás, reivindicando seus direitos para que seus filhos pudessem estudar. A construção da escola marca o início do desenvolvimento da Brás, que se seguiu com pavimentação e tratamento de esgoto (ainda não é total), construção de posto de saúde, da associação dos moradores, comércio, etc. Atualmente, não vemos a comunidade tão participativa, embora tenha Conselho de Pais e Mestres (CPM) na escola.

Outra característica presente na Vila Brás, que julgamos importante apontar, são os projetos sociais (dança, esporte, combate à violência à mulher, entre outros) desenvolvidos por moradores, associação de moradores e igrejas que ajudam famílias carentes da comunidade

local. Destacamos o projeto social “Explosão da Dança”, que oportuniza aulas e novos conhecimentos para mais de 200 jovens e crianças, promovendo o gosto pela dança, a técnica da arte corporal e a cultura da dança. O grupo Explosão existe desde 2005 e é premiado em diversos festivais nacionais e internacionais de dança que ocorrem na Região Sul do Brasil. O projeto tem como idealizadora e coordenadora uma ex-aluna da escola João Goulart.

Inicialmente, o projeto era desenvolvido em parceria com a escola, que sediava o espaço para que as aulas fossem ministradas nos finais de semana (Escola Aberta- Programa Federal).

Depois, o grupo “Explosão da Dança” passou a ter sede própria em um espaço cedido por uma igreja e construído pelos próprios moradores. Este é um projeto social que eleva a autoestima da comunidade local da Vila Brás.

Atualmente, a escola atende desde a Educação Infantil à Educação de Jovens e Adultos (EJA), conta com uma sala de recursos para alunos especiais, biblioteca, auditório (150 pessoas), refeitório, um laboratório de informática e em torno de 80 professores que compõem o corpo docente. Como dissemos, o bairro é conhecido pela violência, por outros problemas sociais como drogas, gravidez precoce e falta de opções de lazer para os jovens. A internet não é um acesso comum a toda comunidade da Vila Brás. Um número bem elevado de moradores dessa comunidade tem ensino fundamental incompleto a completo. Certamente, tais características do bairro, repercutem na vida dos moradores e dos alunos dessa comunidade, evidenciando diferentes carências em vários sentidos (econômica, social, cultural, tecnológica, lazer) em suas vidas, gerando a baixa autoestima dos moradores. Dessa forma, a escola torna- se uma referência, um espaço social ainda mais importante para potencializar a aprendizagem dos alunos, ainda mais que não há uma escola de ensino médio na comunidade da Vila Brás.

Isso também explica o alto índice de moradores com apenas ensino fundamental.

E é nesse contexto desafiador, característico de muitas escolas públicas brasileiras, que acreditamos que nossa pesquisa possa contribuir, dentro da Linguística Aplicada, para (re)pensar o desenvolvimento de projetos como instrumentos metodológicos eficazes para trabalhar a linguagem por meio das tecnologias e constituir uma rede de novas aprendizagens e interações inseparáveis do contexto social e cultural dos alunos. A nosso ver, a cultura participativa, os multiletramentos e os novos letramentos são conceitos fundamentais para embasar práticas docentes na formação do aluno do século XXI.

3.2.3 Participantes da Pesquisa e Parceiros do Projeto “Eu sou João Goulart”

Os principais participantes da pesquisa são os alunos do nono ano do ensino fundamental da escola João Belchior Marques Goulart e a professora/pesquisadora, professora titular de Língua Portuguesa da turma, nomeada na rede municipal há mais de dez anos na escola como professora de LP dos anos finais. A turma participante da pesquisa é formada por 18 alunos. A escolha do nono ano é devido ao fato de os alunos serem formandos e terem a chance de mudar sua opinião a respeito da escola antes de concluírem o ensino fundamental, podendo desenvolver novos valores, atitudes mais responsáveis e maduras em relação à escola, servindo como referência para os demais alunos.

Embora a turma de alunos estudasse junta ou já se conhecesse desde os anos iniciais, o perfil que eles apresentavam, no início do projeto, era de alunos participativos e críticos, com uma postura individual, com pouco entrosamento para trabalhar conjuntamente. Por se tratar de uma comunidade carente, nem todos tinham acesso às tecnologias. Embora todos tivessem celular, poucos tinham acesso à internet móvel (apenas 9 alunos); já computador de mesa ou notebook em casa (apenas cinco alunos). Usavam o wi-fi da escola “hackeado”. Em relação aos projetos permanentes oferecidos pela escola no contra-turno, 10 alunos participavam da oficina de cinema e 5 da oficina de dança do Programa Mais Educação do governo Federal (2015). A turma não tinha nenhum aluno repetente de nono ano.

Além dos participantes citados implicados diretamente na construção do projeto, consideramos que o projeto teve outros parceiros importantes, que participaram, em diferentes momentos e com distintas ações, na coconstrução do projeto “Eu sou João Goulart”.

Consideramos parceiros do projeto e atores sociais a direção escolar, a professora de dança do Programa Mais Educação, os professores e estagiários de Publicidade e Propaganda da universidade Unisinos, alunos da escola, pais participantes, professores, principalmente os de Artes, que auxiliaram os alunos do nono ano com ideias em diferentes situações de produção artística (banner, customização das camisetas, adereços, etc).

Vemos a direção escolar como uma parceira do projeto que, dentre suas inúmeras responsabilidades de gestão escolar e pedagógica, tem de gerir a escola como uma agência de letramentos que é, incentivando o professor a desenvolver projetos pedagógicos, apoiando os alunos a vivenciarem essas novas aprendizagens dentro e fora da escola. Para Kleimam (2007, p. 52) é fundamental propiciar “a criação de um ambiente de aprendizagem onde o aluno construa por si mesmo suas redes de conhecimento”.

Dentre os parceiros envolvidos no projeto, consideramos a participação da professora de dança do Programa Mais Educação da escola João Goulart fundamental, pois parte dos alunos do nono ano também integrava a oficina de dança da escola. Juntos, coconstruíram com ela a coreografia da dança, uma das ações do projeto chamada de Flash Mob, que, posteriormente, será descrita.

Outro parceiro do projeto foi a UNISINOS. A ponte entre Universidade e ensino básico deve existir para o desenvolvimento de projetos escolares e pesquisas na área da Educação. A formação ocorreu na Universidade Unisinos para os dezoito alunos do nono ano, e foi ministrada por seis alunos estagiários da Agência experimental de comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Agexcom) e dois professores do curso de graduação Publicidade e Propaganda. Nas oficinas, após a discussão de alguns conceitos sobre a linguagem publicitária e estratégias, os alunos apresentavam suas propostas. Assim, todos juntos puderam discutir sobre o objetivo do projeto “Eu sou João Goulart”, oportunizando aos participantes da pesquisa novas experiências e aprendizagens.

Destacamos esses parceiros pois, de alguma forma, eles se envolveram no projeto “Eu sou João Goulart” diretamente com os participantes da pesquisa, formando uma rede de interações com comunidade escolar. Reconhecemos esses parceiros como um grupo de pessoas que partilha dos mesmos interesses, tanto na vida pessoal quanto na profissional, unem-se para desenvolver conhecimentos, participar de ações colaborativas em torno do mesmo interesse específico.

Na próxima seção, apresentamos a presença do campo publicitário no desenvolvimento da campanha publicitária “Eu sou João Goulart”.