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Quando a leitura do mundo e a leitura da palavra se encontram

ESTUDANTES DO CURSO DE PEDAGOGIA, DO IFMG OURO BRANCO: UMA RELEITURA DE OBRAS INFANTIS

2.3 DE LEITOR DA PALAVRA À AUTOR DA PALAVRA: A PRODUÇÃO DOS LIVROS

2.3.1 Quando a leitura do mundo e a leitura da palavra se encontram

Temáticas diversas e presentes no cotidiano social e que, frequentemente, eclodem entre os muros da escola, quiçá na sala de aula, demonstrando que, esses professores em formação mantêm os olhares atentos aos fatos e fenômenos sociais que se apresentam nas sociedades.

Um dos recontos, baseado no clássico Chapeuzinho Vermelho, traz uma moça, negra, de turbante vermelho, a Dandara, nome alusivo à mulher de Zumbi, ícone de resistência negra no Brasil (Figura 1).

Segundo a autora a escolha do turbante não é aleatória e a remete à sua história de vida e de luta, já que, para ela o adereço é simbólico, pois busca a ruptura com as culturas hegemônicas, especialmente no que tange ao padrão de beleza estabelecido por estas.

A autora relata que a história recontada “tem a ver conosco, tem a ver com as milhares de “Dandaras” espalhadas Brasil afora”. Para ela o reconto traz fragmentos de uma realidade muito vivenciada em nosso país, mas pouco falada.

Como a proposta do trabalho apontava para a interlocução com outras áreas de conhecimento, a autora dialoga com a Lei 10.639/03, que, ao alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), regulamenta o trabalho com a história e cultura

africana, determinando sua inserção nos currículos, como demanda de ensino para estudantes da Educação Básica.

Para a autora, a oportunidade de enriquecimento da formação dos estudantes por meio da literatura não pode ser desperdiçada, pois obras como a elaborada por ela, objetiva

“alçar a voz da comunidade negra, de promover reconhecimento de imagem nas obras literárias”. Ainda que, para ela, essas ações sejam gotas em um oceano, é necessário esse gotejar, como mote para outras e, talvez, ações ainda mais significativas, capazes de promover uma leitura de mundo com vistas à mudança.

Figura 1. Dandara, a moça do turbante vermelho.

Outra obra que chamou a atenção, tanto pelas habilidades linguísticas quanto pela criatividade artística, foi o livro recriado a partir da obra Chá das dez (Figura 2), escrito por Celso Sisto, cujo título ‘Encontro das dez’, apresenta, em seu conteúdo, 10 senhoras envolvidas em diversas ações, preenchendo o tempo que lhes sobra, quando alcançaram as respectivas aposentadorias laborais.

As autoras apresentam a temática terceira idade com muita delicadeza e simplicidade. Elas mostram que este é mais um período da vida que, pode, também, ser produtivo e deleitoso, com muitas amizades e ações escolhidas e planejadas para uma vida saudável e fecunda.

A obra recriada é marcada pela criatividade, sob o prisma de autoras que convivem com pessoas idosas, longe de serem inativas e inábeis.

Figura 2. Chá das dez.

Além da leitura envolvendo, em forma de versos e estrofes, a arte dedicada ao livro chama a atenção pelo esmero em combinar tecidos, papeis, cores, texturas e imagens.

Todas as obras apresentaram pontos dignos de menção honrosa, entretanto não haveria espaço suficiente para a descrição dos pormenores e apresentação um a um.

Portanto, destaca-se o livro, cuja autora relata como foi a experiência de desenvolver a obra, considerando, inclusive, a descoberta de habilidades, em si, outrora desconhecidas.

Para a autora, a seleção da obra, que seria seu ponto de partida, não foi uma tarefa fácil e nem mesmo rápida. Segundo ela, como o trabalho seria em dupla, essa seleção tornou-se ainda mais delicada, já que deveria atender a expectativa de duas pessoas que, possivelmente, já estavam vislumbrando obras diferentes.

O que a levou optar pelo trabalho em parceria com uma colega, foi a produção inicial, quando foi realizado com a turma a vivência de um reconto oral coletivo. A docente da disciplina começou a contar uma história e os colegas da turma, de forma voluntária, deram continuidade.

A dinâmica da atividade enlevou a turma e rendeu momentos fluídos e descontraídos, levando os estudantes considerarem a atividade como adequada, válida e

possível de ser realizada nas aulas de Língua Portuguesa para os anos iniciais do Ensino Fundamental e até mesmo na Educação Infantil.

O livro escolhido pela dupla como ponto de partida foi “Livro dos Sentimentos - Todd Parr”, que fala, segundo a autora, dos principais sentimentos das crianças, medo, coragem, solidão e da importância delas compartilharem seus sentimentos. Com a produção de sua obra, o Livro do Trovão (Figura 3), elas optaram por estabelecer uma interlocução com a disciplina de ciências, ao abordarem como os trovões são formados, assunto que desperta o interesse do público compreendido na faixa etária prevista.

Figura 3. Livro do Trovão.

Elas relatam o medo de uma criança em relação aos trovões, e em uma noite de grande incidência desses, uma conversa entre pai e filho consegue minimizar o desconforto da criança.

A autora explica que objetivo da obra era, além de levar um conhecimento de uma outra área, optaram por tratar um assunto que é tão comum entre as crianças, que são os medos que elas possuem e, em várias circunstâncias não conseguem resolve-los e, por vezes, nem mesmo aborda-los com alguém, como forma de expurgar o sentimento.

O livro do Trovão foi escrito a mão, pois as autoras optaram por não usar recursos digitais, mesmo reconhecendo que as habilidades artísticas para o desenho sejam limitadas. Mas, a atividade, segundo elas, levou-as à percepção de que, como professora não lhe dado o conhecimento de tudo, não é preciso saber tudo, nem ser hábil em

multitarefas, mas as limitações podem ser compensadas com boas parcerias e o desenvolvimento de um trabalho em conjunto tende a enriquecer e tornar prazeroso o que se faz.

Um dos pontos altos salientados por uma das autoras, em relação à atividade realizada, foi a exposição dos livros produzidos, quando trabalhos incríveis foram apresentados, abordando os mais diversos temas, tais como diversidade, inclusão e relações interpessoais.

Outro trabalho que merece destaque foi baseado no livro ‘A felicidade das borboletas’

cuja autora Patrícia Angel Secco, apresenta os insetos coloridos a produzir felicidade, o que inspirou as autoras a escreverem o ‘Sonhos de borboletas’ (Figura 4), relatando a relação de uma professora com seus alunos, suscitando e sustentando-lhes os sonhos de crescerem e progredirem em direção às realizações pessoais.

Figura 4. Sonho de borboletas.

Motivadas por sua própria trajetória, as autoras se veem na docente que, encontrou na profissão a realização de um sonho pessoal, e, desta forma, doa a seus estudantes o melhor de si mesma.

Além de apresentar outros gêneros textuais em sua narrativa, as autoras possibilitam que sua obra seja utilizada não apenas como função de leitura deleite, mas abrem precedentes para que os gêneros, presentes no livro, sejam explorados com uma intencionalidade pedagógica.

Koch e Elias (2007) afirmam que os gêneros existem em grande quantidade, porque,

“como práticas sociocomunicativas, são dinâmicos e sofrem variações em sua constituição, que, em muitas ocasiões, resultam em outros gêneros, novos gêneros”.

O trabalho com os gêneros textuais é abordado pela disciplina como fundante no ensino da Língua Portuguesa, considerando a importância de um contexto que foque em habilidades do letramento também. Os gêneros são múltiplos, mas podem ser elencados, pelo docente, em seu planejamento de acordo com os objetivos que se almeja alcançar.

Finalmente, uma última obra, mas ressaltando que, tal se dá em virtude da limitação da quantidade de páginas exigidas para este texto, pois todas as obras mereceriam destaque especial, neste livro, já que, absolutamente todos, são incríveis tanto por sua composição literária quanto pela arte criativa e legítima emanada de cada autor e autora.

A última obra mencionada, intitulada ‘O melhor cozinheiro do mundo e o ingrediente especial’ (Figura 5), faz alusão à alimentação saudável, a valorização do homem do campo e os cuidados com a natureza.

Figura 5. O melhor cozinheiro do mundo e o ingrediente especial.

A obra foi desenvolvida por meio de recursos tecnológicos e gráficos e também manuais. Assim como a história contada, as autoras tiveram a intenção de demonstrar o encontro de culturas diversas, bem como de estilos de vida que podem viver em harmonia,

Baseada no livro ‘O nabo gigante’, de Alexis Tolstoi, a história relata o encontro de duas gerações em busca de um mesmo próposito: a criação de um prato saudável e inédito.

Avô e neto são os protagonistas de uma obra que reforça a importância dos saberes das gerações mais velhas, pautados na experiência e nos saberes-fazeres. Sem desmerecer as gerações mais novas, as autoras proporcionam um encontro geracional sem choques, mas de intenso aprendizado e muita emoção.

A atividade proposta alcança seus objetivos ao revelar aos estudantes, através de sua criação e das pesquisas para tal que, ‘ler é uma operação inteligente, difícil, exigente, mas gratificante’ (FREIRE, 1993).

Ao se colocarem como leitor, em busca da obra que melhor representaria suas ideias e ideologias, os estudantes, ainda que jovens adultos, testaram suas hipóteses, trabalharam com inferências, anteciparam sentidos e aguçaram sua curiosidade, tal como uma criança o faria.

Isso significa que, formar leitores independe da idade, mas poderíamos fazê-lo juntamente com o desenvolvimento da oralidade. Ou seja, o ideal seria expormos as crianças aos livros literários desde muito cedo, permitindo-lhes a manipulação dos mesmos, experimentando-os e colocando à prova a curiosidade inerente ao ser humano.

Por isso, conceituar o ato de ler é recorrer a Paulo Freire e reconhecer a necessidade de docentes progressistas que, ao conectar a teoria à prática, levam os estudantes a uma leitura crítica da palavra e do mundo em que vivem, refletindo sobre sua vida e buscando possibilidades de adquirir outros tantos conhecimentos possíveis, na diversidade de vivências pelas quais perpassamos.

Assim, como leitores, não podemos, segundo Freire (1993), esperar que o escritor explique passo-a-passo o que diz dizer, mas como escritores devemos produzir textos que facilitem sim, a compreensão do leitor, sem, contudo, dar a ele (o leitor) as coisas feitas e prontas.

Como afirma Délia Lerner (2002), a escola deve ser uma comunidade de leitores que, tem nos textos sua fonte de respostas para a resolução dos problemas que despontam, cotidianamente, diante de nós para os resolvermos.

Ainda que a escolarização da leitura seja um grande problema tanto para os docentes quanto para os estudantes, sua prática é necessária, transformando-a, com desejo e criatividade, em ações prazerosas em busca de um leitor proficiente.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A leitura pressupõe a compreensão do sentido do que se leu, dentre outros tantos pontos relevantes para se defender as práticas de leitura no ambiente escolar, especialmente na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, quando as bases de uma educação de qualidade deveriam ser asseguradas.

Por isso ensinar a ler, ou formar leitores proficientes, é engajar-se também como leitor, em uma imersão no mundo da leitura, seja ele fictício ou não, percebendo a importância dos dois aspectos, seja para a formação como sujeito, seja para a formação como cidadão de um mundo grafocêntrico em plena e veloz transformação.

Ainda que as palavras e expressões nos soem familiares, há que se compreender que a leitura da palavra esta ligada à leitura do e de mundo. Não há como dicotomizar essas nuances reais e desafiadoras, quando a palavra e o mundo poderiam nos enganar, se a leitura não for consciente, crítica e proficiente.

Os futuros docentes, ao participarem de atividades que os levem à reflexão do quem leem e do que produzem para ser lido, devem compreender que o saber, presente na leitura, não desponta gratuitamente, sem nenhum esforço cognitivo, mas “ A compreensão é trabalhada, é forjada, por quem lê, por quem estuda que, sendo sujeito dela, se deve instrumentar para melhor fazê-la. Por isso mesmo, ler, estudar, é um trabalho paciente, desafinar, persistente” (FREIRE, 1993).

Ao mesmo tempo, ler mobiliza os sentidos, conceitos e preconceitos que carregamos, mas nos auxilia no exercício de reformar, transformar e formar os tais. “Em outras palavras, ao lermos um texto, qualquer texto, colocamos em ação todo o nosso sistema de valores, crenças e atitudes que refletem o grupo social em que deu nossa socialização primária(...)” (KLEIMAN, 1993).

Desta forma, quando mais cedo os textos entrarem em nossas vidas, maior a possibilidade de nos deslumbrarmos com os mundos expostos por grupos sociais diversos e diferentes dos nossos.

Então, a educação escolarizada e nossos docentes, sejam pedagogos ou especialistas, encontram-se diante de um desafio que, se vencido, trará para a humanidade benefícios que jamais serão revertidos, na luta constante contra a ignorância o autoritarismo: a formação de leitores.

Considerando que, ao escolhermos a docência, estamos nos comprometendo com a formação de homens e mulheres para serem livres, detentores de sua palavra e de uma voz que, quando alçada apregoa seus anseios e a consciência de seus deveres e direitos.

Ler sempre foi caro ao cidadão brasileiro. Caro do ponto de vista da formação e do investimento financeiro, já que a ação demanda o uso dos parcos recursos financeiros que os estudantes brasileiros dispõem, ainda que sejam estudantes dos cursos de graduação.

Os professores enfrentam problema igual, quando seus livros para estudo, são tão caros quanto os livros literários, mas como parte da formação é preciso ficar claro que o poder público precisa ofertar oportunidades de acesso a esses materiais, seja equipando bibliotecas públicas e ou as criando, se quisermos profissionais com formação de qualidade para atender aos futuros leitores.

Ao escolhermos a opção de formar professores leitores, para atuar junto aos nossos estudantes que, competem com a tecnologia digital, estamos em direção à garantia de formação para uma cidadania que não se mantem apassivada diante da palavra e nem diante do mundo.

Finalmente, parafraseando Freire,

“Tenho certeza de que um dos saberes indispensáveis à luta das professoras e professores é o saber que devem forjar neles, que devemos forjar em nós próprios, da dignidade e da importância de nossa tarefa. Sem esta convicção, entramos quase vencidos na luta por nosso salário e contra o desrespeito” (1993).

Assegurar-se como leitor, reconhecendo a importância desta prática como profissionais, é uma forma de reconhecer e dizer aos nossos estudantes, ainda que silenciosamente, como se faz em um currículo oculto, que ela é fundamental e basilar à vida em sociedade.

Ao escolher ser leitor e formar leitores, o docente informa ao mundo que ele esta em constante preparo e formação para as leituras, que se fizerem necessárias, da realidade e das ideologias que o cercam, forjando sua identidade de formador com vistas à transformação.

Assim, ele retorna ao início. A leitura da palavra como fonte de inspiração para a leitura do mundo e vice-versa, em uma interdependência bonita e vívida,

4. REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. – 7.

ed. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2012.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Base nacional comum curricular. Brasília, DF, 2016.

BRASIL. Presidência da República. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003.

FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se complementam. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989.

FREIRE, P. Professora sim, tia não. Cartas a quem gosta de ensinar. São Paulo: Editora Olho D’água, 1993.

KLEIMAN, A. Oficinas de leitura: teoria e prática. Campinas, São Paulo: Pontes, 1993.

KOCH, I.V.; ELIAS, V.M. Ler e compreender os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2007.

LERNER, D. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Porto Alegre:

Artmed, 2002.

MARIA, L. Leitura & colheita: livros, leitura e formação de leitores. Petropólis, RJ:

Vozes, 2002.

PARR, T. Livro dos Sentimentos. São Paulo: Editora Panda Books, 2006.

SISTO, C. Chá das dez. Belo Horizonte: Editora Aletria, 2009.

SOLÉ, I. Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artmed, 2007.

TOLSTOI, A. O nabo gigante. Editora Girafinha, 2006.

A TEORIA DA APRENDIZAGEM E SUA INFLUÊNCIA NO