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2.1 INTERPRETAÇÃO ESTRUTURAL

2.1.2 C ONTROLE SOCIAL INSTITUCIONALIZADO

2.1.2.2 Sistema penal

O sistema penal é a parte do controle social institucionalizado com natureza punitiva e discurso punitivo. Sua atuação ocorre desde o momento em que se investiga um delito ou um suposto delito até quando se impõe e executa uma pena, pressupondo a edição da norma penal, que define os crimes, e processual penal, que define o procedimento, a atuação dos funcionários e as hipóteses e condições para essa atuação.

Também Andrade afirma que o conceito de sistema penal é bidimensional, pois inclui normas e saberes (programas de ação ou decisórios), e por outro lado, ações e decisões, organizado também bidimensionalmente. Isto quer dizer que ele conterá uma dimensão programadora e uma dimensão operacional. A primeira define o objeto do controle, ou seja, a conduta delitiva (o que é tido como crime, na visão tradicional), as regras do jogo para as suas ações e decisões e os próprios fins perseguidos. A segunda tem por fim realizar o controle do delito com base naquela programação.

Essa é a definição comum ou geral de sistema penal em um sentido limitado, onde se insere a atividade do legislador, do público, da polícia, dos juízes, promotores e agentes da execução penal. Em sentido amplo, no sistema

penal se incluem ações controladoras e repressoras que aparentemente nada têm a ver com o sistema penal. Conforme explicam Zaffaroni e Pierangeli84:

Não se pode ignorar que fazem parte do sistema penal – inclusive em sentido limitado – os procedimentos contravencionais de controle de setores marginalizados da população, as faculdades sancionatórias policiais arbitrárias, as penas sem processo, as execuções sem processos etc. Já em um sentido mais amplo, podem ter conteúdo sancionatório ações que se encobrem em discursos de tipo terapêutico ou assistencial, como os que se encobrem sob a ideologia psiquiátrica ou a institucionalização de velhos. A institucionalização do paciente psiquiátrico pode responder ao fato de que reage contra normas de maneira que subverte a lógica de produtividade e consumo dominantes; a institucionalização de velhos pode ser a sanção por sua falta de produtividade e de docilidade aos padrões aos padrões de consumo veiculados em meios de comunicação em massa.

O sistema penal é composto pelo aparato total de normas, instituições, saberes, ações e decisões, direta ou indiretamente, relacionadas ao fenômeno criminal, ou seja, o legislativo (que se ocupa da edição das normas), o executivo (polícia e sistema penitenciário que executam as normas e decisões judiciais), o Poder Judiciário e o Ministério Público, além do público que com a delação põe em funcionamento o sistema penal. Conforme Zaffaroni e Pierangeli85: Os segmentos básicos dos sistemas penais atuais são o policial, o judicial e o executivo. Trata-se de três grupos humanos que convergem na atividade institucionalizada do sistema e que não atuam estritamente por etapas, posto que têm um predomínio determinado em cada uma das etapas cronológicas do sistema, podendo seguir atuando ou interferindo nas restantes. Assim, o judicial pode controlar a execução, o executivo ter a seu cargo a custódia do preso durante o processo, o policial ocupar-se das transferências de presos condenados ou de informar acerca da conduta do liberado condicional.

Os segmentos básicos ou estáveis do sistema penal (policial, judicial e executivo), são compostos por grupos humanos estratificados, em que se podem distinguir subgrupos que são provenientes de classes sociais diferentes e às

84 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. v. I. p. 64.

85 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. v. I. p. 64-65.

vezes com estratificações sociais instransponíveis. Vários desses subgrupos são formados por pessoas provenientes dos setores sociais sobre quem recai, de maneira amplamente dominante, a criminalização, enquanto outros se nutrem de setores médios e médios altos. Este é um dos aspectos mais importantes para compreender o mecanismo operacional geral do sistema.

O sistema penal possuí discursos tradicionais (jurídicos, criminológico, policial, penitenciário, judicial e político) legitimadores que proclamam o fim e a função preventiva do sistema penal, ou seja, o sistema penal teria uma função preventiva especial e geral, isto é, de ressocialização do condenado e dissuasão aos demais indivíduos na prática de alguma conduta criminosa. Essas seriam as funções declaradas do sistema penal.

Quanto à função ressocializadora, ficou demonstrado que o sistema penal acaba exercendo função inversa, pois em vez de prevenir futuras condutas criminosas, acaba sendo fator condicionante a prática de tais condutas, ou seja, promove condições para a criação de carreiras criminosas.

Demonstrou-se que o sistema penal, em grande parte, seleciona pessoas ou ações, e que criminaliza certas pessoas conforme sua classe e posição social. Nesse sentido Zaffaroni e Pierangeli86:

Há uma clara demonstração de que não somos todos igualmente “vulneráveis” ao sistema penal, que costuma orientar-se por “estereótipos” que recolhem os caracteres dos setores marginalizados e humildes, que a criminalização gera fenômeno de rejeição do etiquetado como também daquele que se solidariza ou contata com ele, de forma que a segregação se mantém na sociedade livre. A posterior perseguição por parte das autoridades com rol de suspeitos permanentes, incrementa a estigmatização social do criminalizado.

O sistema penal realiza, essencialmente, a função de reprodução das relações sociais e de manutenção da estrutura vertical da sociedade, criando assim, eficazes contra-estímulos à integração dos setores mais

86 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. v. I. p. 67.

baixos e marginalizados do proletariado ou colocando diretamente em ação processos marginalizadores.

Dessa forma, o sistema penal cumpre a função social de selecionar, de maneira mais ou menos arbitrária, pessoas dos setores mais humildes, criminalizando-as, para indicar aos demais os limites do espaço social; e também a função de sustentar a hegemonia de um setor social sobre outro. Para Zaffaroni e Pierangeli87:

É indiscutível que em toda sociedade existe uma estrutura de poder e segmentos ou setores mais próximos – ou hegemônicos – e outros mais alijados – marginalizados – do poder. Obviamente, esta natureza tende a sustentar-se através do controle social e de sua parte punitiva, denominada sistema penal. Uma das formas mais violentas de sustentação é o sistema penal, na conformidade da comprovação dos resultados que este produz sobre as pessoas que sofrem os seus efeitos e sobre aquelas que participam nos seus segmentos estáveis. Em parte, o sistema penal cumpre esta função, fazendo-o mediante a criminalização seletiva dos marginalizados, para conter os demais. E também em parte, quando os outros meios de controle social fracassam, o sistema não tem dúvida em criminalizar pessoas dos próprios setores hegemônicos, para que estes sejam mantidos e reafirmados no seu rol, e não desenvolvam condutas prejudiciais à hegemonia dos grupos a que pertencem (...) Também, em parte, a criminalização de marginalizados ou contestadores não tem por objetivo nenhuma função em relação aos grupos a que pertencem, mas apenas como forma de proporcionar uma sensação de tranqüilidade aos setores hegemônicos, que podem sentir-se inseguros por qualquer motivo (regra geral, por causa da manipulação da mídia). Ou seja, o sistema penal acha-se intimamente vinculado a estrutura de poder.

Como se vê, todo o sistema penal tende a intervir como subsistema específico no universo dos processos de socialização e educação, que o Estado e outros aparelhos ideológicos institucionalizam em uma rede cada vez mais fina, que tem a função de atribuir a cada uma dos modelos de comportamento e os

87 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. v. I. p. 70.

conhecimentos relativos aos diversos status sociais, e com isso, de distribuir os status mesmos. Como explica Baratta88:

Este fenômeno é complementar àquele pelo qual o sistema de controle social, nas sociedades pós-industriais, tende a deslocar o seu campo de gravitação, das técnicas repressivas para as não-repressivas da socialização, da propaganda, da assistência social. O direito penal tende, assim, a ser reabsorvido neste processo difuso de controle social, que poupa o corpo para agir diretamente sobre a alma, melhor, que

“cria” a alma, como mostrou recentemente Foucault, descrevendo uma evolução que começou a 200 anos, com o início do sistema carcerário.

Em outras palavras, na estratégia de controle social, o momento penal, sobretudo a prisão, tende a cada vez mais a ser secundário, mas isso não significa uma diminuição absoluta do peso do controle penal em relação à situações precedentes, pois na maior parte dos casos, o peso absoluto do sistema penal aumenta. É uma diminuição de forma relativa em relação a outras formas jurídicas não-penais (administrativas: ex. a assistência social, considerada na sua função de controle) ou não-jurídicas de controle social (ex. organização científica do trabalho, na propaganda, na mídia, enfim, em todos os mecanismos que têm a função de regulamentar e de condicionar não só os comportamentos e as atitudes, mas também, as idéias nas sociedades industriais avançadas).

Outras formas de controle, ligadas, mais às técnicas de assistência, de socialização, de intervenção sobre matrizes comportamentais, ao uso dos meios de informação etc., do que as instituições penais, integram esta estratégia global.

88 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 3 ed. Rio de Janeiro:

Revan, 2002. p. 170.

No documento OS PROCESSOS DE CRIMINALIZAÇÃO - Univali (páginas 62-67)

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