• Nenhum resultado encontrado

O protestantismo no pensamento de Carl Gustav Jung

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "O protestantismo no pensamento de Carl Gustav Jung"

Copied!
214
0
0

Texto

(1)

UNI VERSI DADE PRESBI TERI ANA MACKENZI E

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

Sílvio Lopes Peres

O PROTESTANTI SMO NO PENSAMENTO DE CARL GUSTAV JUNG

(2)

SÍ LVI O LOPES PERES

O PROTESTANTI SMO NO PENSAMENTO DE CARL GUSTAV JUNG

Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião.

ORI ENTADOR: PROF. DR. ANTONI O MÁSPOLI DE ARAÚJO GOMES

São Paulo

(3)

P147 Peres, Silvio Lopes.

O protestantismo no pensamento de Carl Gustav Jung / Silvio Lopes Peres. - 2007.

212 f.; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2007. Bibliografia: f.193-198.

1. Protestantismo. 2. I luminismo. 3. Religião.

I . Título.

(4)

SÍ LVI O LOPES PERES

O PROTESTANTI SMO NO PENSAMENTO DE CARL GUSTAV JUNG

Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Ciências da Religião.

Aprovada em 11 de Setembro de 2007.

BANCA EXAMI NADORA

Prof. Dr. ANTONI O MÁSPOLI DE ARAÚJO GOMES – Orientador Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dr.RONALDO DE PAULA CAVALCANTE Universidade Presbiteriana Mackenzie

(5)
(6)

AGRADECI MENTOS

A Deus, Agente interno, pela força e pela coragem que providenciou todos os recursos, na realização desse trabalho.

Aos membros da I greja Presbiteriana Filadélfia de Marília, que por valorizar o trabalho acadêmico e o aperfeiçoamento intelectual do seu pastor, nos incentivou, durante todo o período desta pós-graduação.

Ao Conselho da I greja, pela autorização, que permitiu tal realização, representado pelos irmãos: Alderacy de Campos Benincasa, Eliseu Pavarini, Marco Antonio Bicalho Eugênio e Waldir Lopes.

Ao Prof. Dr. Antonio Máspoli de Araújo Gomes, pelo ensinamento durante as aulas e orientação pelo trabalho realizado.

Ao Prof. Dr. Ronaldo de Paula Cavalcante, pelas aulas tão magistrais quanto poéticas, que serviram de aprofundamento do pensamento intelectual.

Ao Prof. Dr. Antonio Gouvêa Mendonça, pelo exemplo de trabalho dedicado, que incondicionalmente entrega-se ao labor intelectual.

À Drª . Márcia Serra Ribeiro Viana, incentivadora e companheira, enquanto pudemos conviver juntos.

Ao Rev. Paulo Viana, que nos provocou a iniciar este mestrado, e seu apoio moral.

Aos Srs. Reinaldo Pavarini, empresário em Marília e, Odete Saldiba, tia incentivadora e apoiadora de todos os familiares que necessitam da sua ajuda, financiadores de parte das despesas de transporte e estadia durante o período das aulas.

Ao irmão Márcio Roberto Agostinho, companheiro nas viagens e de aulas, pela forma sempre alegre e descontraída de “viver a vida”.

Ao irmão José Wellington dos Santos, que apesar de todas suas dificuldades, se aplicou ao máximo nos estudos, enquanto pode e, pelo incentivo que nos deu.

À minha mãe Aime Lopes, que além de auxiliar monetariamente algumas vezes, acompanhou-nos com suas orações.

À minha prima Fernanda Peres Antonio, pelas correções gramaticais feitas sempre com disposição e desprendimento.

(7)

Quanto maior for o predomínio da razão

crítica, tanto mais nossa vida empobrecerá; e

quanto mais formos aptos a tornar

consciente o que é mito, tanto maior será a

quantidade de vida que integraremos. A

superestima da razão tem algo em comum

com o poder de estado absoluto: sob seu

domínio o indivíduo perece. O inconsciente

nos dá uma oportunidade, pelas

comunicações e alusões metafóricas que

oferece. É também capaz de comunicar-nos

aquilo que, pela lógica, não podemos saber.

(8)

RESUMO

A presente pesquisa trata do pensamento de Carl Gustav Jung, acerca do

Protestantismo como religião. Declarando-se protestante, Jung faz considerações

pertinentes quanto às influências que o Protestantismo sofreu e desempenhou na

história do Cristianismo, e os resultados que seus fiéis logram, por pertencer a ele,

desde os períodos anteriores à Reforma do século XVI , focalizando sua atenção no

I luminismo dos finais do século XVI I e todo o século XVI I I , chegando aos seus dias,

no século XX. O objetivo desse trabalho é apresentar como Jung entendeu o

Protestantismo como “risco e possibilidade” religiosa, isto é, seus aspectos negativos

e positivos. Para isto nos reportamos a alguns conceitos científicos elaborados por

Jung, com o objetivo de compreender os fundamentos de suas observações quanto à

fé protestante, visto serem suas experiências pessoais, o ponto principal de suas

análises científicas, quanto ao Protestantismo.

(9)

ABSTRACT

This present research deals with the thought of Carl Gustav Jung, concerning the

Protestantism as religion. Pronouncing himself protestant, Jung does pertinent

considerations regarding the influences that the Protestantism suffered and carried

out in the history of the Christianity, and the results that its followers achieve, for

belonging to it, since the periods previous to the Reform of the century XVI , focusing

its attention in the Enlightenment of the ends of the century XVI I and the whole

century XVI I I , arriving at his days, in the century XX. The objective of this work is to

present how Jung understood the Protestantism as " risk and religious possibility ",

that is, its negative and positive aspects. For this, we report to somes cientific

concepts elaborated by Jung, with the objective of understanding the basis of his

observations about the Protestant faith, since his personal experiences is the main

point of his scientific analyses , with regard to the Protestantism.

(10)

SUMÁRI O

I NTRODUÇÃO ... 12

1º CAPÍ TULO: DADOS BI OGRÁFI COS E HI STÓRI CO-RELI GI OSO DE CARL

GUSTAV JUNG ... 14

I . 1. Suas Origens Familiares e Religiosas ... 14

I . 2. Jung na Escola: formação médica e sua visão acerca da psiquiatria... 35

I . 3. Suas Personalidades: Números 1 e 2 ... 47

I . 4. Sua relação com Goethe ... 52

I . 5. Sua vivência com Freud ... 55

I . 6. Sua Teoria ... 59

I . 6. 1. Arquétipo ... 59

I . 6. 2. Anima e Animus ... 66

I . 6. 3. Alquimia e Transferência ... 69

I . 6. 4. Gnosticismo ... 71

I . 6. 5. Libido ... 73

I . 6. 6. I ndividuação ... 75

I . 6. 7. Sombra ... 77

I . 6. 8. Self ou Si-Mesmo ... 79

I . 7. A Torre de Bollingen ... 81

I . 8. Suas Viagens ... 82

I . 8. 1. África do Norte e Novo México ... 83

I . 8. 2. Quênia e Uganda ... 84

I . 8. 3. Í ndia ... 85

(11)

I . 9. Problema cardíaco ... 86

2º CAPÍ TULO: RELI GI ÃO E PROTESTANTI SMO EM CARL GUSTAV JUNG .. 90

I I . 1. As Repercussões do “Sonho” ... 90

I I . 2. “A teologia que estava na ordem do dia” ... 92

I I . 3. C. G. Jung reage ao criticismo bíblico e ao liberalismo teológico ... 96

I I . 4. C. G. Jung toma uma posição: Kant e Schopenhauer ... 100

I I . 5. O I luminismo no Protestantismo ... 112

I I . 6. C. G. Jung reage ao Protestantismo I luminista: Fenomenologia própria... 120

I I . 7. Definição de Religião para C. G. Jung ... 124

I I . 8. Protestantismo para C. G. Jung ... 128

I I . 9. Sonhos: “Caráter divino das Escrituras” ... 142

3º CAPÍ TULO: JUNG, O PROTESTANTE ...

149

I I I . 1. C. G. Jung, seguidor de Schleiermacher? ... 149

I I I . 2. “Sou protestante” ... 154

I I I . 3. C. G. Jung, gnóstico? ... 157

I I I . 4. O Protestantismo como “psiquificação” dos instintos alemães ... 162

I I I . 5. Protestantismo como “risco e possibilidade” ... 172

I I I . 6. Dogma e Experiência Religiosa para o Protestantismo ... 189

I I I . 7. Protestantismo como Religião da “plenitude de vida” ... 192

CONCLUSÃO ... 205

REFERÊNCI AS BI BLI OGRÁFI CAS ... 208

(12)

I NTRODUÇÃO

Este trabalho trata de apresentar o pensamento de Carl Gustav Jung acerca

do Protestantismo, como religião. Tendo nascido e convivido num ambiente

protestante, não se furtou em admitir “sou protestante”. Assim sendo, estamos

diante de um cientista que analisou os elementos fundamentais de sua crença

religiosa, questionando-a frente às experiências pessoais que vivera, intensamente.

Jung verificou que o Protestantismo se afastara de suas origens históricas, por

envolver-se com o I luminismo, perdendo sua linguagem simbólica, por defender o

racionalismo em detrimento da alma e sua “função transcendente”. Aos protestantes

não recomendava abandonar sua fé, ao contrário, estimulava-os a encontrar nela os

elementos que os fariam encontrar a “plenitude de vida”, pois experimentara por si

mesmo, ser o Protestantismo uma religião viva.

Para isso seguimos os seguintes critérios na abordagem de tão extenso e

interessante tema: primeiramente, procuramos encontrar em duas de suas obras –

Memórias, Sonhos e Reflexões

e,

Psicologia e Religião

– não que nas demais Jung não tratasse do Protestantismo, mas para que tivéssemos uma visão mais específica,

dentro de nossas possibilidades, sobre o assunto. A natureza desse trabalho não

poderia ser outra senão apresentar um breve registro biográfico e histórico-religioso

de Jung, conforme o mesmo nos apresenta, principalmente, em sua biografia

Memórias, Sonhos e Reflexões

. Em segundo lugar nossa preocupação principal foi de

coletar os registros das análises que Jung elaborou acerca de suas experiências

religiosas frente ao sistema protestante de seu tempo. E, por fim, apresentar o

contexto que se deu suas análises, tendo como pano de fundo os conceitos teóricos

(13)

este seja uma verdadeira I greja e não apenas uma “sementeira de cismas”. Assim

sendo, a relevância deste trabalho está na razão do Protestantismo experimentar em

seu seio a dicotomia razão e alma, dogma e subjetividade.

Considerado “esotérico” por alguns e, “místico confuso” por teólogos,

principalmente protestantes, Jung é uma personalidade desconhecida e,

principalmente, suas posições acerca da fé cristã, este trabalho objetiva atender esta

(14)

1º CAPÍ TULO:

DADOS BI OGRÁFI COS E HI STÓRI CO - RELI GI OSO DE CARL GUSTAV JUNG

I . 1. Suas Origens Familiares e Religiosas

Carl Gustav Jung, nasceu no dia 26 de Julho de 1875, em Kesswill, cidade

pequena, com menos de mil habitantes1, localizada em um dos Cantões da Suíça, Turgóvia, que fica à beira do lago de Constança. Em

Memórias, Sonhos e Reflexões

, Jung registra que de lá, sua família mudou-se, seis meses depois do seu nascimento,

para o “Presbitério2 do Castelo de Laufen, que domina as quedas do Reno”3, bairro da Dachsen-am-Rheinfall, cidade de Schaffehausen4, com pouco menos de dois mil habitantes, próximo da região de Zurique, e lá permaneceu durante quatro anos5 e de onde, ele disse: “vi os Alpes pela primeira vez”6. A mudança de cidade foi devido à transferência de seu pai, Johann Paul Achilles Jung (1842-1896), pastor da I greja

Luterana7, para atender às exigências de seus superiores. Em 1879, mudaram-se novamente, agora para Klein-Hüningen8, perto de Basiléia, Cantão de Basel-Land, onde além, naturalmente de exercer o pastorado, foi também Presidente do

Conselho da Cidade, em cuja função tinha autoridade para nomear professores e

dirigir a Escola local9. Em poucos anos, a família residiu em três cidades diferentes. Richard Noll (1959 -), psicólogo clínico norte americano, autor de

O Culto de Jung

,

1

http:/ / www.cgjung.net/ tour/ kesswil.htm, consulta realizada em 16 de Novembro de 2006 (apresenta fotos dos locais da vida de Jung)

2

Uma informação que pode interessar aos presbiterianos, segmento reformado, de ramo calvinista, é quanto ao termo de sua organização eclesiástica – “presbitério”, apesar de Jung não definir o que vem a ser o “presbitério”, em outra parte, ele diz: “o presbitério fica isolado”, dando a entender que se tratava da propriedade onde se localizava o Templo e a residência do pastor.

3

JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 21.

4

http:/ / www.symbolon.com.br/ biografia2.htm, consulta realizada em 26 de Setembro de 2006.

5

JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 21

6

I d. p. 347

7

I d. p. 23

8

I d. p. 28

9

(15)

aponta algumas razões que talvez justifique tantas mudanças: seus pais eram de

famílias burguesas e haviam sofrido perdas financeiras consideráveis10. É importante notar que Noll registra Jung como “calvinista”11, porém, segundo o

Dicionário Crítico

de Análise Junguiana

, ele era “luterano”12 e, em

Memórias, Sonhos e Reflexões

,

referindo-se ao pai, Jung afirma: “meu pai está presente, em seu traje de pastor

luterano”13. As cidades em que moraram eram muito pequenas, praticamente vilas rurais e sabe-se que sua família exercia um papel modesto. No entanto, Noll

assegura, citando o historiador da psiquiatria Henri Ellenberger, que “o presbitério

tem sido considerado uma das células germinativas da cultura alemã”14; na opinião de Jung, estes lugares “eram organizados e cheios de um sentido oculto”15, mas que tanto os homens como os animais já o haviam esquecido e não percebiam a vida

passando por eles, talvez devido à religiosidade do lugar.

Originariamente a família de Jung era da Alemanha, e seu nascimento na

Suíça se deu pelas seguintes razões: seu avô paterno Carl Gustav Jung (1794-1864),

franco-maçom e grão-mestre da Loja Suíça16, dramaturgo, cientista e médico17 em Berlim, Alemanha mudou-se para Basiléia, Suíça, em 1820, tornando-se em 1824,

cidadão suíço18. Lá lecionou anatomia e cirurgia na Universidade, em que foi reitor, sendo esta fundada pelo papa Pio I I19 e, até então, era católico20. Residia em Mainz,

10

Noll, Richard. O Culto de Jung: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática, 1996, p. 22

11

I d. p. 40

12

SAMUELS, Andrew, SHORTER Bani e PLAUT, Fred. Dicionário Crítico de Análise Junguiana. Rio de Janeiro: I mago Editora Ltda., (s/ d). p. 189

13

I d. p. 23

14

I d. p. 26

15

I d. p. 69

16

I d. p. 207

17

I d. p. 84

18

http:/ / www.psychematters.com/ papers/ bair.htm - consulta realizada em 16 de Novembro de 2006.

19

JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p.347

20

(16)

cidade vizinha a Frankfurt. Para Jung, sua árvore genealógica começa com seu

bisavô Sigismund Jung, nascido no começo do século XVI I I21. Seu avô materno, Samuel Preiswerk (1799-1871), foi o primeiro pastor na mesma cidade, Basiléia22, sendo Presidente do Conselho de Pastores da I greja Reformada Suíça23, erudito e dotado para a poesia. Foi de sua segunda esposa Augusta Faber (?), que provinha

de uma família protestante francesa, da Alsácia24 refugiada na Alemanha depois da revogação do Édito de Nantes (1685)25, que nasceu sua mãe Emile Preiswerk (1848-1923), esta sim, de origem calvinista. A I greja Reformada da Suíça era “rígida,

exclusivista e convencional”, bem ao estilo de vida do povo suíço “profundamente

religioso e politicamente conservador, com um forte sentido de independência”26. Jung freqüentemente identificou o povo aos Alpes, como a imagem coletiva central

da Suíça e sugeria que a paisagem, por ser mais forte que os homens, tinha

produzido o povo com as características de “obstinação, persistência, pertinácia e de

orgulho inato”27. Para se ter uma idéia da influência destas características do povo suíço, em 1875 a Confederação Suíça expulsou aos jesuítas, estabelecendo no

catolicismo suíço os Ultramontanos, que aceitaram o dogma da infalibilidade papal de

1870, e os Católicos Velhos, que contundentemente recusaram-no, a ponto do Censo

Demográfico de 1888 registrar que havia na Basiléia 74.247 habitantes, sendo que

21

JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 208

22

GAI LLARD, Christian. Jung e a Vida Simbólica. São Paulo: Edições Loyola, 2003, p. 13

23

http:/ / www.psychematters.com/ papers/ bair.htm - consulta realizada em 16 de Novembro de 2006.

24

I dem

25

Noll, Richard. O Culto de Jung: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática, 1996, p. 23. Quanto ao Édito de Nantes, tratasse de um documento assinado em 13 de Abril de 1598, pelo rei da França Henri I V, que garantia aos huguenotes, protestantes, tolerância religiosa, depois de trinta e seis anos de perseguição e massacres por todo o país, assegurando, no entanto, que a religião oficial do Estado Francês, continuaria sendo a confissão católica. Porém, em 23 de Outubro de 1685, o rei Luís XI V, revogou-o, forçando muitos huguenotes a fugirem da França.

23 http:/ / www.psychematters.com/ papers/ bair.htm - consulta realizada em 16 de Novembro de 2006.

27

(17)

dos tais 50.326 eram protestantes28. Este fato histórico era tão forte na família de Jung, que ele registra que teve medo ao vir se aproximar de sua casa, quando

criança, um “homem vestido de preto e roupas femininas”, passando a considerá-los

homens “perigosos de batinas-negras”29 e “só aos trinta anos”, pode sentir, sem experimentar qualquer desconforto, o que era a “

Mater Ecclesia

”30, quando entrou na Catedral de Santo Estevão, em Viena, Áustria31.

Jung lembra-se que quando tinha apenas três anos de idade, seus pais se

“separaram momentaneamente, devido às dificuldades da vida conjugal

32, casados desde 18 de Abril de 186933, possuíam um casamento infeliz – “o casamento de meus pais não fora uma união feliz, mas uma prova de paciência sobrecarregada de

múltiplas dificuldades. Ambos cometeram os erros típicos comuns a numerosos

casais”34. Sua mãe permanecera vários meses no hospital Friedmatt35, de Basiléia, onde mais tarde seu pai, foi servir como Capelão36, que segundo o próprio Jung “é presumível que tivesse adoecido em conseqüência de sua decepção matrimonial”37, o que fazia dela uma mulher infeliz e insegura, vivia em constante medo.Talvez um

dos fatores que tenha contribuído para este quadro, tenha sido o falecimento de seu

primeiro filho, aos cinco dias de vida, além de não cuidar muito de sua aparência

física nem de suas roupas38. Neste período, Jung foi levado à casa de uma tia, vinte anos mais velha que sua mãe, com a qual ficou sob seus cuidados, junto a uma

28

http:/ / www.nytimes.com/ books/ first/ m/ mclynn-jung.html, consulta realizada em 26 de Setembro de 2006.

29

JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 78

30

I d. p. 24

31

I d. p. 29

32

Noll, Richard. O Culto de Jung: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática, 1996, p. 22

33

http:/ / www.psychematters.com/ papers/ bair.htm - consulta realizada em 16 de Novembro de 2006.

34

JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 273

35

http:/ / www.symbolon.com.br/ biografia2.htm, consulta realizada em 26 de Setembro de 2006.

36

http:/ / www.symbolon.com.br/ biografia2.htm, consulta realizada em 26 de Setembro de 2006.

37

JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 22.

38

(18)

empregada, que segundo o próprio Jung, era uma pessoa “muito diferente de minha

mãe”39.

Assim, Jung se refere à sua família de modo geral:

Tenho a forte impressão de estar sob a influência de coisas e problemas que foram deixados incompletos e sem resposta por parte de meus pais, meus avós e de outros antepassados. Sempre pensei que teria de responder a questões que o destino já propusera a meus antepassados, sem que estes lhes houvessem dado qualquer resposta, ou melhor, que deveria terminar ou simplesmente prosseguir, tratando de problemas que as épocas anteriores haviam deixado em suspenso. Por outro lado, é difícil saber se tais problemas são de natureza pessoal ou de natureza geral (coletiva). Parece-me ser, este último, o caso. Enquanto não é reconhecido como tal, um problema coletivo toma sempre a forma pessoal e provoca, ocasionalmente, a ilusão de uma certa desordem no domínio da psique pessoal.40

Johann Paul Achilles Jung (1842-1896), pai de Jung, considerado por muitos

em Basiléia como um promissor professor de línguas orientais, devido ao seu

doutorado em Teologia, tornou-se um especialista em línguas e culturas clássicas

(grega e latina) e orientais (hebraica e árabe)41, na cidade alemã de Gottingen, com uma Tese sobre uma versão árabe do Cântico dos Cânticos42, o que levou Jung (o

filho) a interessar-se por filologia ou arqueologia43 egípcia e assíria44, zoologia45, paleontologia e geologia, sendo até atraído pelo tio mais velho, para a teologia, mas

recomendado pelo pai, a não ser teólogo de maneira alguma, o que logo o

tranqüilizou, dizendo não ter a menor vontade de assim ser46. Seu pai a todos surpreendeu quando resolveu ser Ministro Protestante da I greja Reformada da Suíça

e, logo foi nomeado para a I greja de Kesswill, onde Jung nasceu. Seus

39

JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 22

40

I d. p. 208

41

I d. p. 76

42

Noll, Richard. O Culto de Jung: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática, 1996, p. 22

JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988), p. 76, 89

43

GAI LLARD, Christian. Jung e a Vida Simbólica. São Paulo: Edições Loyola, 2003, p. 38 e I d. p. 83

44

JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 76

45

I d. p. 84

46

(19)

conhecimentos das línguas orientais ajudaram a aproximá-lo do Rev. Samuel

Preiswerk, o qual veio a ser seu sogro47. A decisão de Jung pelas ciências naturais, inicialmente, e depois pela Medicina48, foi tomada firmemente depois de muitas dúvidas, entre filosofia, História e Arqueologia49. Seu interesse por Arqueologia, o acompanhou por toda sua vida, e sempre que possível consultava, com entusiasmo,

Simbolismo e Mitologia dos Povos Antigos

50, de Georg Friedrich Creuzer (1771-1858). Como seus pais dormiam em quartos separados, Jung dormia no quarto do

seu pai, que o socorria quando estava em crise respiratória – Crupe (infecção viral

contagiosa dos canais respiratórios superiores)51, que o obrigava a ficar de costas na cama, inclinado para trás, e seu pai o sustentava, mais ou menos, sentado52; para seu pai, a vida conjugal o decepcionara53, tanto que nos dias que se seguiram à morte de seu pai, Jung ouvira sua mãe dizer em voz baixa: “ele desapareceu na hora

certa para você”, o que o levou a compreender que isto queria dizer: “vocês não se

compreendiam e ele poderia ser um obstáculo para você”54. Foi depois da morte de seu pai, que passou a refletir sobre a vida após a morte, levado pela sua

personalidade número dois, e a considerar mais realmente suas condições

financeiras, frente aos estudos de Medicina. Foi neste período que aprendeu a

apreciar as coisas simples, sem, contudo, perder algumas regalias, como por

exemplo, fumar um charuto, por domingo, que ganhara de presente55. Aprendeu

47

http:/ / www.nytimes.com/ books/ first/ m/ mclynn-jung.html, consulta realizada em 26 de Setembro de 2006.

48

JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 84

49

I d. p. 83

50

I d. p. 145

51

http:/ / www.manualmerck.net/ artigos/ ?id= 286&cn= 1526&ss= , consulta realizada em 26 de Setembro de 2006.

52

JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 31

53

I d. p. 89

54

I d. p. 92

55

(20)

com seu pai latim, a partir dos seus seis anos de idade56. Para Jung, a biblioteca de seu pai era um mundo misterioso e maravilhoso57, se bem que em outro momento a considera “relativamente modesta”58, por não encontrar nela, livros de filosofia, levando-o a suspeitar que tais livros valorizavam o pensamento59, mas Jung, muitas vezes, a utilizava sem permissão e às escondidas60. Foi seu pai que o ingressou na Sociedade de Zofingia61, definida por Richard Noll, como irmandade universitária62, composta por 120 membros, cujo lema era

Patriae, Amicitiae, Litteris

– “Pela Pátria, pela Amizade e pela Literatura” com objetivo de promover a cultura pan-germânica

mais elevada, na qual anos mais tarde fez várias palestras sobre temas psicológicos

e religiosos63, que depois de anos de sua admissão, exerceu o cargo de presidente, em 1897. Segundo Noll, foi na Sociedade de Zofingia, que Jung palestrou sobre a

teologia de Albrecht Ritschl (1822-1889)64, em janeiro de 1899, cujo título foi:

Algumas considerações sobre a interpretação do Cristianismo

65.

Jung teve sua espiritualidade despertada e fortalecida a partir da proximidade

e influência de sua mãe, mantendo, contudo, um espírito fortemente crítico em

relação à vivência religiosa de seu pai. Seu pai lhe figurava como um homem fraco e

sofredor “aflito pelo sofrimento cristão”66, pois para Jung, seu pai, não lutava, confrontando-se com a sua situação religiosa67 - “meu pai, na realidade, nunca se

56

I d. p. 50

57

I d. p. 40

58

I d. p. 61.

59

I d. p. 64

60

I d. p. 66

61

I d. p. 91

62

Noll, Richard. O Culto de Jung: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática, 1996, p. 26

63

JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 93

64

Referências a esta teologia serão apresentadas no Capítulo I I : O Protestantismo em Carl Gustav Jung

65

Noll, Richard. O Culto de Jung: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática, 1996, p. 157

66

JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 189

67

(21)

ocupara com o simbolismo da forma humana de Cristo; porém, sem ter uma clara

consciência da conseqüência da

imitatio Christi

sofreu literalmente até à morte o sofrimento vivido e anunciado pelo Cristo. Considerava seu sofrimento como algo de

particular, sobre o qual poderia pedir conselho ao médico e não, de forma geral,

como o sofrimento do cristão. As palavras do Apóstolo da Epístola aos Gálatas 2.20:

“ E se vivo, não sou mais eu, mas o Cristo que vive em mim”, jamais penetraram no

seu espírito, no seu significado total, pois em matéria religiosa tinha horror a todo

pensamento. Queria contentar-se com a fé, mas esta lhe era infiel”68 – e, seu modo de existir69, era dominado pelos humores depressivos, apesar de “praticar o bem em demasia”70 e era hipocondríaco, a ponto de queixar-se várias vezes da sensação de “ter pedras no ventre”71,ao contrário de sua mãe, em sua opinião, que era “mais forte”72. As lembranças agradáveis que tinha do pai era que à noite cantava melodias do seu tempo de estudante73, que se misturavam, por considerá-lo como uma pessoa irascível, que não conseguia dominar sua irritação caprichosa ou crônica;

estava sempre de mau humor, e insatisfeito74. Talvez devido a isso, Jung não lhe contasse as experiências religiosas que experimentava, e isto estabeleceu entre eles

um “abismo sobre o qual era impossível lançar uma ponte”75. Apesar de várias tentativas de diálogo com o pai, para conhecê-lo intimamente e o que sabia acerca

de si mesmo, Jung estava convencido de que o quê o atormentava, tinha origem em

suas convicções religiosas, isto é, apesar de entristecê-lo não admitia as dúvidas que

68

I d. p. 189

69

I d. p. 60, 89

70

I d. p. 89

71

I d. p. 91

72

I d. p. 36

73

I d. p. 22

74

I d. p. 33, 36, 89

75

(22)

tinha em relação à fé, fazendo dele um “fracasso religioso”76. Para ele, seu pai deveria, ao invés de discutir com sua família, devido às dificuldades de

relacionamento com a esposa, ou consigo mesmo, discutir com o próprio Deus, pois

acreditava que se assim o fizesse, aconteceria o mesmo que aconteceu com ele,

Deus enviaria um “sonho mágico”77, de que Ele é uma questão de experiência imediata, e não como artigo de fé de sua confissão religiosa, baseado em

argumentos racionais78. Para Jung, seu pai não passava de um pobre pastor luterano de aldeia, de quem tinha pena79, “homem bom e sem complicações”80, devido às intermináveis dificuldades financeiras que sua família passava81 (sua mãe “era incapaz de lidar com as contas”)82. Mas, as deficiências e erros do pai, na opinião de Jung, faziam dele um homem “digno de ser amado”83, diferentemente dos homens considerados “bem-aventurados e santos” pela I greja, “simpatia que se aprofundara

com os anos”84. Entretanto, Jung se sentia muito diferente dele85. Quando ouvia seus sermões, Jung sentia dúvidas profundas em relação a tudo que dizia e pensava

em sua própria experiência religiosa. Para Jung suas palavras eram como que

insípidas e vazias, tais como as de uma história contada por alguém que nela não

crê, ou que só conhece por ouvir dizer, pois percebia que suas afirmações acerca de

Deus, eram contraditórias86, como encontrara nos livros de teologia que

76

I d. p. 89

77

I d. p. 90

78

I d. p. 90

79

I d. p. 36, 79

80

I d. p. 84

81

GAI LLARD, Christian. Jung e a Vida Simbólica. São Paulo: Edições Loyola, 2003, p. 14

82

JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 93

83

I d. p. 78

84

I d. p. 274

85

I d. p. 84

86

(23)

consultara87. Apesar de querer ajudá-lo, não sabia como88. Sua voz ressonante89 e seus sermões o irritavam. O seu interesse pelas coisas religiosas, teve início ao se

perguntar quanto à experiência religiosa de seu pai: “saberá ele de que está falando?

Teria acaso a coragem de decapitar-me em holocausto, como a um outro I saque, ou

de entregar-me a um tribunal injusto, para que me crucificassem como a Jesus?” A

conclusão que chegara era: “Não, ele não teria essa coragem. Assim pois, se a

ocasião se apresentasse, não cumpriria a vontade de Deus, que – segundo a própria

Bíblia – pode ser implacável. Compreendi que as exortações usuais no sentido de

obedecer mais a Deus do que aos homens eram superficiais e irrefletidas”90, para ele e para a I greja. Jung sentia que o curso de instrução religiosa oferecido pela I greja

nada dizia sobre o problema que lhe preocupava. O temor a Deus,de que se falava,

era considerado em geral como algo antiquado, “judaico”, e foi substituído há muito

pela mensagem cristã do amor e da bondade de Deus91, e não tratava do aspecto mais importante, que segundo ele, era a origem e a relação com o mal. Aos dezoito

anos, manteve inúmeras discussões com seu pai, “sempre com a secreta esperança

de fazê-lo sentir algo da graça maravilhosamente eficaz e ajudá-lo em seus conflitos

de consciência”, ou, como disse, “adquirir novos pontos de vista”92, como ele. Jung percebeu que seu pai queria se contentar com a fé, que pregava conforme os

ensinos teológicos da época, influenciados pelo iluminismo93, que segundo ele, sua fé acabou com ele, tornando-o depressivo, mal humorado, insatisfeito e irascível.

I nfelizmente as discussões com seu pai jamais chegavam a uma solução satisfatória,

87

I d. p. 64

88

I d. p. 50

89

I d. p. 23

90

I d. p. 53

91

I d. p. 53

92

I d. p. 273

93

(24)

pois estas irritavam e entristeciam-no, por sufocar suas próprias emoções místicas.

“Pois bem – seu pai costumava dizer – você só quer pensar. Mas não é isso que

importa; o importante é crer”. Na opinião de Jung, a teologia os tornara como que

estranhos um ao outro94. Jung, nestas oportunidades, esclarecia que era preciso experimentar para saber e, acrescentava ao pai: “Dê-me essa fé”95, referindo-se ao tipo de fé que seu pai dizia possuir. Porém, mesmo assim sentia que teria sido bom

submeter-lhe suas dificuldades religiosas e aconselhar-se com ele, mas registra: “se

não o fiz foi porque julgava conhecer a resposta que me daria, ligada à probidade do

seu ministério”96. Jung dá a impressão de que o ambiente social e religioso não lhe permitia ser mais direto em suas observações e idéias, durante os debates religiosos

que travava com o pai, ou devido à sua ira e irritação caprichosa. Na opinião de

Jung, seu pai não tinha amigos com quem pudesse discutir temas teológicos que o

atormentavam e, que tanto a teologia como a própria I greja, como instituição,

abandonaram-no deslealmente e de certa maneira, impediram-no de um encontro

direto e pessoal com Deus97. Era natural que sendo o pastor da I greja, o pai lhe ministrasse aulas de religião e o preparasse para a crisma (Profissão de Fé), mas isto

o aborrecia, porque o curso de instrução religiosa que seguia nessa época nada dizia

sobre a experiência que tivera, da visão dos muros e paredes da Catedral sendo

derrubadas, enquanto Deus defecava assentado em seu trono sobre ela98, que é relatado mais adiante. Jung nos conta que certa vez, folheando o catecismo em

busca de algo diferente do que considerava “explanações sentimentais,

incompreensíveis e desinteressantes acerca do Senhor Jesus”, deparou-se com o

94

JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 90

95

I d. p. 50

96

I d. p. 57

97

I d. p. 90

98

(25)

parágrafo referente à trindade de Deus. Ficou muito interessado pelo assunto: uma

unidade que ao mesmo tempo é uma “trindade”! Ele declara:

Esperei com impaciência o momento em que deveríamos abordar essa questão. Quando chegamos a ele, porém, meu pai disse: “Chegamos agora à Trindade, mas vamos passar por alto este problema pois, para dizer a verdade, não a compreendo de modo algum”. Por um lado, admirei sua sinceridade, mas por outro fiquei extremamente decepcionado e pensei: “Ah, então é assim! Eles nada sabem disso e não refletem!99

Em outro lugar, Jung se refere a este fato:

assim ficou sepultada minha última esperança. Admirei a honestidade do meu pai, mas isso não me ajudou a superar o tédio mortal que a partir de então

me causava toda conversa religiosa”100. “O Catecismo me entediava

indivisivelmente.101

Para ele, seu pai não tinha paciência e se recusava a debater teologia, porque

tinha “dúvidas profundas e dilacerantes” que o obrigavam a pensar, pois esperava

alcançar a fé mediante esforço pessoal, e não pela graça de Deus102.

Quando se refere à sua mãe, Emile Preiswerk (1848-1923), Jung a recorda

com um sentimento filial mais vivo e mais convencido de que ela lhe foi “mais

forte”103 que seu pai. Ele diz que sua saúde era precária104, que segundo Noll tinha “acessos de doença mental”105 - talvez esteja aí a razão pela qual levou Jung à medicina e à psiquiatria mais diretamente . Ela que o iniciou na vida religiosa,

ensinando-lhe uma oração que repetia todas as noites, pois isso lhe “dava um certo

sentimento de conforto diante das inseguranças e ambigüidades da noite”106. A oração dizia: “Estende tuas duas asas, ó Jesus, minha alegria, e protege teu

99

I d. p. 57, 58

100

Jung, C. G. – Psicologia e Religião. Petrópolis: Vozes, 1990. XI / 1, par. 30

101

Jung, C. G. – Os Arquétipos e o I nconsciente Coletivo. Petrópolis: Vozes, 2003. I X/ 1, par. 30

102

JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 74

103

I d. p. 36

104

I d. p. 33

105

Noll, Richard. O Culto de Jung: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática, 1996, p. 160

106

(26)

pintinho. Se Satã quiser devorá-lo faz cantar os teus anjinhos: que esta criança fique

ilesa”.107

A imagem desse grande pássaro de asas desdobradas parecia-lhe

tranqüilizadora e protetora. “Pintinho”, em dialeto basileense é

kuechli

, e

kuechli

também significa

bolinhos

, os quais o pássaro Jesus deveria, portanto, engolir para livrá-los de Satã, que por sua vez, também os devoraria108. Talvez, tal imagem, que se formara em sua mente – Jesus, “devorador dos homens”, associara ao “phalo

sagrado”, conforme gritara sua mãe, no sonho. O sonho do falo sagrado é relatado

da seguinte maneira:

O presbitério fica isolado, perto do castelo de Laufen, e atrás da quinta do sacristão estende-se uma ampla campina. No sonho, eu estava nessa campina. Subitamente descobri uma cova sombria, retangular, revestida de alvenaria. Nunca a vira antes. Curioso, me aproximei e olhei seu interior. Vi uma escada que conduzia ao fundo. Hesitante e amedrontado, desci. Embaixo deparei com uma porta em arco, fechada por uma cortina verde. Esta era grande e pesada, de um tecido adamascado ou de brocado, cuja riqueza me impressionou. Curioso de saber o que se escondia atrás afastei-a e deparei com um espaço retangular de cerca de dez metros de comprimento, sob uma tênue luz crepuscular. A abóbada do teto era de pedra e o chão de azulejos. No meio, da entrada até um estrado baixo, estendia-se um tapete vermelho. A poltrona era esplêndida, um verdadeiro trono real, como nos contos de fada. Sobre uma forma gigantesca quase alcançava o teto. Pareceu-me primeiro um grande tronco de árvore: seu diâmetro era mais ou menos de uns quatro ou cinco metros. O objeto era estranhamente construído: feito de pele e carne viva, sua parte superior terminava numa espécie de cabeça cônica e arredondada, sem rosto nem cabelos. No topo, um olho único, imóvel, fitava o alto. O aposento era relativamente claro, se bem que não houvesse qualquer janela ou luz. Mas sobre a cabeça brilhava uma certa claridade. O objeto não se movia, mas eu tinha a impressão de que a qualquer momento poderia descer do seu trono e rastejar em minha direção, qual um verme. Fiquei paralisado de angústia. Neste momento insuportável ouvi repentinamente a voz de minha mãe, como que vindo do interior e do alto, gritando: “Sim, olhe-o bem, isto é o devorador de homens!” Senti um medo infernal e despertei, transpirando de angústia. Durante noites seguidas não queria dormir, pois receava a repetição de um sonho semelhante.109

107

I d. p. 24

108

GAI LLARD, Christian. Jung e a Vida Simbólica. São Paulo: Edições Loyola, 2003, p. 17

109

(27)

Jung demorou muitos anos para descobrir do que tratava o “objeto”110, ao se referir ao “phalo sagrado”. Só muito mais tarde descobriu que a forma estranha era

um falo e dezenas de anos depois, compreendeu que se tratava de um falo ritual111. Este sonho o acompanhou durante toda a vida, como expressão do arquétipo da

fertilidade representado pelo

phalo

sagrado, imagem arquetípica reunindo sexo e religião, carne e espírito112. Ele assim interpretou o sonho:

A significação abstrata do falo é assinalada pelo fato de que o membro em si mesmo é entronizado de maneira ictifálica (ereto). A cova na campina representava sem dúvida um túmulo. O próprio túmulo é um templo subterrâneo, cuja cortina verde lembra a campina e representa aqui o mistério da terra coberta de vegetação verdejante. O tapete era vermelho-sangue.113

Para Jung, Jesus e o

phalus

sagrado eram como o Deus grego Dioniso, expressões arquetípicas da fertilidade humana que transcendem até mesmo a

finitude da vida e não poderiam ser reduzidas à sexualidade incestuosa nem com

todo o esforço do mundo, como queria Sigmund Freud, segundo sua teoria da libido

sexual. Ele diz que tal sonho,

reaparecia cada vez que se falava com demasiada ênfase no Senhor Jesus Cristo. O “Senhor Jesus” nunca foi para mim completamente real, aceitável e digno de amor, pois eu sempre pensava em sua equivalência subterrânea como numa revelação que eu não buscara e que era pavorosa. O “Senhor Jesus” se me afigurava, não sei porque, uma espécie de deus dos mortos-protetor, uma vez que expulsava os demônios da noite, mas em si mesmo temível pois era um cadáver sangrento e sacrificado. Seu amor e sua bondade, incessantemente louvados diante de mim, pareciam-me suspeitos, pois aqueles que me falavam do “Bom Senhor Jesus”, eram principalmente pessoas de fraque negro, sapatos reluzentes e que sempre me lembravam os enterros – os colegas de meu pai e oito tios, todos pastores. Nos anos que se seguiram, até a minha crisma, esforcei-me penosamente por estabelecer apesar de tudo uma relação positiva com Cristo, tal como esperavam de mim. Mas não conseguia superar a minha desconfiança secreta. Enquanto se tornava mais impossível encontrar uma relação positiva com o “Senhor Jesus”, eu me lembro que, aos onze anos, a idéia de Deus já começara a me interessar.114

110

I d. p. 25

111

I d. p. 26

112

BYI NGTON, Carlos Amadeu Botelho. Transcendência e totalidade. Revista Viver: Mente&Cérebro, Jung: A Psicologia Analítica e o Resgate do Sagrado. Nº 2, p. 09.

113

JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 26

114

(28)

Voltando à sua relação com a mãe ela servia-lhe como “confidente”115 para compartilhar as experiências religiosas que teve na infância, porém, logo percebeu

que não podia confiar-lhe, porque ela o admirava muitíssimo, e ao invés de isso

servir de estímulo, isto não era um fato favorável116. Sua admiração era tão grande e desproporcional, pois mesmo ainda criança, Jung registra que quando tinha onze

anos de idade, ela o tratava como se fosse mais velho e conversava com ele de

adulto para adulto, e isto quase causou uma desgraça, pois lhe confidenciou um

incidente de seu pai, que só foi evitada graças a um período de horas de um dia para

outro117, sem, contudo, esclarecer do que se tratava. Sobre a imagem física de sua mãe, Jung recorda que lhe parecia uma mulher jovem e esbelta, mas que, quando

mais idosa era corpulenta, gorda mesmo e, hospitaleira que cozinhava muito bem e

tinha muito senso de humor; extremamente simpática, e que dela irradiava um

grande calor animal118. Era uma mulher que partilhava de todas as opiniões tradicionais, falava sobre assuntos corriqueiros e sem muita importância, mas que

revelava, repentinamente, uma “personalidade inconsciente de um poder imprevisto

– um aspecto sombrio, imponente, dotado de uma autoridade intangível”119. Se ela

demonstrava ser uma pessoa aparentemente inofensiva e humana, abruptamente se

tornava “temível”, e isto provocava nele “medo”. Jung registra que havia ocasiões

que ela falava, como que consigo mesma e suas palavras o atingiam profundamente,

de tal maneira que em geral ficava calado120. A imagem de sua mãe era tão forte que Jung diz que quando criança teve sonhos de angústia motivados por ela (por

115

I d. p. 54

116

I d. p. 54

117

I d. p. 57

118

I d. p. 29, 54

119

I d. p. 54

120

(29)

exemplo, do falo sagrado, onde ouvira sua voz que lhe dizia: “Cuidado com o

devorador de homens”. Durante o dia, era uma mãe amorosa, mas à noite a julgava

temível. Parecia então uma vidente que ao mesmo tempo é um estranho animal,

uma sacerdotisa no antro de um urso, arcaica e cruel. Cruel como a verdade e a

natureza. Era a encarnação de uma espécie de

natural mind

”121, isto é, guiava-se mais, pelo que ele chamou de “fundo invisível e profundo”122, do que em sua fé religiosa. Jung, esclarece que este fundo se refere como uma “ligação com os

animais, árvores, montanhas, campos e cursos d’água, e que era muito diferente

com as manifestações convencionais de sua fé cristã”123. I ndicando assim, que sua mãe exercia uma grande e forte influência sobre sua personalidade consciente e

inconsciente, a ponto de confessar:

De minha mãe herdei o dom, nem sempre agradável, de ver homens e coisas tais como são. Ela não sabia o que dizia, mas sua voz tinha uma autoridade absoluta e exprimia o que convinha à situação.124

Foi sua mãe que o introduziu no mundo religioso ao ler

Orbis Pictus

– I magens do Universo – de Johann Amos Comenius125, antigo livro para crianças no qual havia a descrição de religiões exóticas, particularmente as da Í ndia126, com ilustrações coloridas de Brahma, Vishnu, Shiva, entre outros127. Talvez deste livro tenha surgido a idéia de desenvolvimento das religiões, conforme um dos

pressupostos da teoria junguiana128. Jung recorda que ela fazia comentários ácidos

121

I d. p. 56

122

I d. p. 56

123

I d. p. 88

124

I d. p. 56, 57

125

http:/ / www.symbolon.com.br/ biografia2.htm, consulta realizada em 27 de Setembro de 2006.

126

JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 30

127

http:/ / www.nytimes.com/ books/ first/ m/ mclynn-jung.html, consulta realizada em 26 de Setembro de 2006.

128

(30)

quanto às letras dos hinos cantados nos cultos, quanto ao que havia de enfadonho

em alguns deles. Falava acerca da possível revisão do livro de cânticos, por exemplo:

“Ó tu, amor do meu amor, felicidade maldita”, devido aos seus evidentes dons

literários129. Apesar, de não saber o que dizia, conforme Jung admite, mas devido à sua “intuição”, ela sempre apontava algo de muito profundo nas diversas situações

familiares, eclesiásticas e religiosas130.

Quando sua mãe morreu Jung encontrava-se em Tessin. Assim, ele registra:

“fiquei aturdido pela notícia, porque sua morte foi inesperada e brutal131, em janeiro de 1923”132.

Quanto à família Jung, o contingente de teólogos era consideravelmente

grande. Eram nove. Dois da família do pai, além do próprio, e da família da mãe,

seis133 e, uma de suas primas era médium134. Segundo Richard Noll “alguns com tendências pietistas”135. Devido a este ambiente fortemente eclesiástico é de esperar que Jung registrasse suas impressões, sua participação na vida da I greja, e do papel

que a religião exercia sobre ele, e sobre a cidade de Basiléia136. Ele, não se acanha de afirmar: “Sou protestante”137. Mas, ao mesmo tempo não gostava de maneira

nenhuma de ir à I greja. A única exceção que abria era o Dia de Natal, e

especialmente o cântico natalino “É este o Dia que Deus criou...”, agradava-o

imensamente as músicas tocadas ao órgão e som do Coral do Templo. Ele escreve

129

JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 56

130

I d. p. 57

131

I d. p. 271

132

I d. p. 273

133

I d. p. 49

134

I d. p. 258

135

Noll, Richard. O Culto de Jung: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática, 1996, p. 22.

136

JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 106

137

(31)

em suas

Memórias

: “Era a única festa cristã que despertava meu fervor”138. Porém, Jung considerava a I greja uma “fonte de suplício”, devido às contradições que

percebia entre o espírito litúrgico e a vivência familiar, da linguagem religiosa

dissociada da vida cotidiana e sem a reverência devida às manifestações do Sagrado

na vida das pessoas, que eram exortadas a crer em “mistérios”, sem, contudo,

conhecê-los por experiência própria, a começar do pastor, no caso, seu pai, que com

seu “sentimentalismo insípido, profanava sentimentos tão inefáveis”139. Foi comparando com sua experiência religiosa que Jung avaliava a vida religiosa do pai,

tios, ministros religiosos com os quais teve contato, e membros da comunidade

religiosa, pois tinha a convicção pessoal de que aquela teologia e práticas religiosas,

“eram o caminho errado para atingir a Deus, pois não tiveram a experiência de que

essa graça só é dada àquele que cumpre sem restrição a Sua vontade”140. Ainda que muitos sermões tivessem como tema central os fiéis que deveriam fazer vontade de

Deus, em sua opinião, o pressuposto para tal experiência estava equivocado, pois a

mesma “podia ser conhecida pela revelação” das Escrituras. Contudo, sua convicção

não deixava aceitar que assim fosse, pois achava, pelo contrário, que essa vontade

seria tudo que poderia haver de mais desconhecido. “Minha impressão era que, cada

dia, seria necessário indagar acerca de Sua vontade”. Para Jung, a vontade de Deus,

é tão “imprevista quanto duvidosa”, isto é, pessoal e na maioria das vezes implacável

e temível, conforme sua própria experiência e, salienta, como que advertindo para a

possibilidade de as pessoas “pretenderem substituí-la por preceitos religiosos” e

assim se furtarem à obrigação de compreender tal vontade, no âmbito pessoal,

138

JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 31, 75

139

I d. p. 52

140

(32)

quando exige algum “sacrifício”141. Mas, assim mesmo, Jung fez sua Pública Profissão de Fé – rito de iniciação cristã, da Igreja Reformada, depois do Batismo,

por ocasião do nascimento – ou Crisma, para os Luteranos, porém, registra que tal

cerimônia fora marcada pelo “vazio”142. Confessou, sinceramente, que se “esforçou, com a maior seriedade, para crer sem compreender”, e dignamente procurou imitar

seu pai. Apesar da solenidade, tão característica deste tipo de cerimônia, Jung

percebeu a indiferença dos seus participantes, que mais se importavam com a

prática escrupulosa da tradição, observada assertivamente, mas que se limitara tão

somente às palavras, no entanto, sem nenhuma emoção, fosse de tristeza ou de

alegria, como seria de se esperar, devido à extraordinária significação da

personalidade celebrada, no caso Jesus Cristo, sua morte e ressurreição; antes, suas

fisionomias revelavam enfado e tédio, conforme observou, a partir de seu próprio

sentimento. Para Jung, aquela cerimônia não passou de uma “deplorável experiência,

que resultara em vazio, pior ainda, perda”, pois para ele, não houvera nenhuma

manifestação de qualquer traço de Deus, pois do contrário, seus participantes,

inclusive ele, não experimentaram algum tipo de emoção, fosse desespero intenso,

comoção ou alegria muito grande e contagiante, pois nisto estava a essência de

Deus. Para ele, a cerimônia que o uniria a Jesus, provocaria pelo menos a mesma

experiência que tinha tido, em sua infância, no sonho do “

phalo

sagrado”, mas, não passou, segundo ele mesmo disse “de uma ausência de Deus”. I sto foi suficiente

para Jung decidir não voltar mais à I greja, pois a partir de então, a I greja passou a

ser “um lugar da morte”, sentindo que seu ingresso à I greja fora a maior derrota da

sua vida. Para ele, as cerimônias religiosas eram vulgares e ridículas se comparadas

141

I d. p. 51

142

(33)

com seus “segredos”, a saber, seus sonhos, especialmente do falo sagrado, os quais

não inventara, mas entendia como que uma vontade mais forte se impusera sobre

ele. Seus “segredos”, não poderiam ser compreendidos como uma ação diabólica,

pois, segundo ele, o Diabo, não passa de uma criatura de Deus – que não age livre e

arbitrariamente, mas aceita ser da vontade de Deus, tida como terrível, temível e

implacável, que lhe foi como “fogo devorador e graça indescritível”, ainda que mais

tarde admita que tal experiência fora por “intermédio do Diabo, e se impusera contra

sua vontade”143. O desencanto que sentia o levara a uma espécie de desinteresse resignado, assegurando-lhe, no entanto, uma profunda convicção de que só a

experiência com Deus, pelo Espírito Santo, “inconcebível, cujas ações eram de

natureza sublime”144, lhe era decisiva quanto à religião145. Jung compreendia esta situação assim: “como Deus permanecera ausente – da cerimônia de recepção à

I greja, por Sua vontade separei-me da I greja e da fé de meu pai e de todos os

outros, na medida em que representavam a religião cristã”, ainda que tenha ficado

muito triste com isso. Porém, deixa bem claro, que isto não significava que tivesse

alguma “vocação nem para fundar uma religião, nem para professar uma dentre

elas”, pretendendo ser somente médico146. Quanto mais se afastava da I greja, mais se sentia aliviado, considerava seus colegas de fora da I greja, “menos virtuosos, mas

mais amáveis, de sentimentos mais naturais, afáveis, calorosos, alegres e cordiais”,

enquanto seu pai, talvez numa atitude de respeito, nunca o questionara, pelo fato de

se ausentar do Culto e da Eucaristia147.

143

I d. p. 62

144

I d. p. 95

145

I d. p. 96

146

I d. p. 322

147

(34)

Outro fato que o levou a distanciar-se da I greja, foi à associação que fez de

Jesus com os homens parecidos com os ministros religiosos, com suas vestes negras

e sapatos lustrosos, semelhante aos jesuítas, e aos homens que freqüentavam a

I greja, e identificados desde a infância quando presenciara ao enterro de um

homem, que morrera afogado, devido às cheias do Rio Reno; e, isto ele considerava,

seu “primeiro trauma consciente”148. Muito mais tarde, Jung compreendeu que o “jesuíta” que esculpira numa régua de madeira e, a “pedra” – sobre a qual sentado

falava-lhe e ouvia sua voz, e o sonho do “

phalo

sagrado” -, constituíam um segredo inviolável que jamais deveria ser traído, pois para ele, disso dependia a segurança da

sua existência”149. Só com trinta e cinco anos de idade, toma conhecimento, quando preparava seu livro

Metaformose e Símbolos da Libido

, que o tal “homenzinho (jesuíta esculpido na régua de madeira) e a pedra”, eram algo parecido com os

cache

– em francês, esconderijo, e

churingas

, pedras dos aborígines australianos,

onde são gravados relatos míticos, e percebe que se tratava de “um pequeno deus

oculto dos antigos”150. Segundo John Dourley (?), este segredo constituía o “pré-racional, a experiência natural e simples do divino no fundamento da vida pessoal e

evidente nas forças naturais, além da psique e dentro dela”151.

Aparentemente, Jung não se arrependeu do que lhe aconteceu. Ao contrário,

diz “nessa época principiou inconscientemente minha vida espiritual”152. Para ele, seus “segredos” significavam sinais de uma experiência religiosa pessoal, sem ser

mediada pela instituição eclesiástica nem pelos teólogos, que como seu pai, faziam

148

I d. p. 24

149

I d. p. 33

150

I d. p. 34

151

http:/ / www.metodista.br/ correlatio/ num_01/ a_doule.htm - consulta realizada no dia 01 de Novembro de 2006.

152

(35)

restrições do tipo: “mas não é exatamente assim!”, mas, como ele mesmo afirma:

“na minha consciência eu era religioso e cristão”153. A vocação para a vivência da transcendência logo cedo permitiu a Jung perceber que a religião formal do pai, que

asfixiava as emoções místicas do filho, não era pessoal, mas da instituição

eclesiástica154.

Tendo visto suas origens familiares e histórica-religiosa, podemos agora

verificar a formação acadêmica de Jung, e sua visão acerca da ciência da Psiquiatria.

I . 2. Jung na Escola: formação médica e sua visão acerca da Psiquiatria

Não eram apenas as aulas de ensino religioso que o aborrecia no Ginásio de

Basiléia, também as aulas de matemática, tornaram-se fonte de horror e tormento,

pois não se conformava que os números fossem identificados por sons – na verdade,

para ele os números tinham significados simbólicos, por exemplo: “o UM, primeiro

nome dos números, é uma unidade. Mas ele é também “a unidade”, o UM, o apenas

UM, o Único, o Não-Dois, não só um nome de número, mas também uma idéia

filosófica, um arquétipo e um atributo de Deus, a Mônada. Qualquer outra unidade

traz consigo novas propriedades e novas modificações”155 -, mas assim mesmo, ele conseguiu cumprir bem o currículo das disciplinas, graças à sua memória fotográfica;

e, às aulas de alemão. A gramática e a sintaxe não o interessavam, pois como ele

mesmo diz: “despertava a preguiça e me entediavam”156. Estudava seis horas de aula a fio, com sapatos furados, meias molhadas, calças rasgadas, e mãos sujas157,

153

I d. p. 34

154

BYI NGTON, Carlos Amadeu Botelho. Transcendência e totalidade. Revista Viver: Mente&Cérebro, Jung: A Psicologia Analítica e o Resgate do Sagrado. Nº 2, p. 08 e 09.

155

JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 269

156

I d. p. 66

157

(36)

condições que indispunham-no com a Escola, pois além desses fatos exteriores do

seu vestuário, também sentia “uma espécie de desalento mudo”, por se angustiar

diante da possibilidade de fracassar diante da grandeza do mundo que tomava

conhecimento, devido aos seus sentimentos de inferioridade que acompanhavam a

ausência de importância que dava a si mesmo. Acrescentou-se, outro motivo de

grande importância, pelo menos para ele, para desanimar diante dos desafios

escolares, quando aos doze anos de idade, devido a uma briga com um colega, na

Praça da Catedral, em que bateu a cabeça contra a sarjeta passou a sofrer síncopes

– perda temporária da consciência – e era acometido todas as vezes que tinha que

voltar ao colégio, ou quando seus pais lhe mandavam fazer algum trabalho escolar.

I sto fez com que faltasse às aulas durante mais de seis meses, permitindo-lhe passar

muito tempo ociosamente, em leituras, que lhe eram interessantes e lhe

proporcionavam uma distração benéfica158, com suas coleções de pedras e em brincadeiras solitárias159. Fora esta experiência que o fez sentir o que chamou de “má consciência”, pois esta situação, não o fez mais feliz, pelo contrário, sentia que

fugia de si mesmo, das responsabilidades pessoais e pelas preocupações

compassivas que causava aos seus pais, que consultaram muitos médicos, para

dar-lhe o melhor tratamento, os quais dar-lhe proibiram de fazer ginástica160. Numa conversa que presenciara, às escondidas no jardim de sua casa, ouvira seu pai dizer a um

amigo: “Os médicos ignoram o que ele tem. Falaram em epilepsia: seria terrível se

fosse incurável. Perdi o pouco que tinha (uma clara evidência às grandes

necessidades financeiras pelas quais passava), o que será dele se for incapaz de

158

I d. p. 66

159

I d. p. 40, 41

160

(37)

ganhar a vida?”161 Esta experiência, foi para Jung, como ele mesmo escreveu: “um raio que me feriu”162. Foi quando percebeu as responsabilidades que tinha diante da sua existência e, logo, pensou que precisava trabalhar163. Esta experiência fizera com que Jung percebesse que suas síncopes eram “arranjos demoníacos: o colega me

derrubara e eu colaborara”164. Então, como que retorna à sua sensatez, percebendo que ele mesmo havia montado toda aquela história vergonhosa. I sto fez com que

sentisse raiva de si mesmo e, ao mesmo tempo, vergonha, pois percebera que

estava sendo falso diante de si. Para ele, aquilo foi “um fiasco”165. Ele próprio diz que começou a ser consciencioso diante dele mesmo, e não somente a fim de

aparentar valor166, esta experiência passou a ser novo “segredo”, este “vergonhoso, uma derrota”167. Jung não se dava valor quando considerava a graça de Deus por ele mesmo. Seu sentimento de inferioridade se agravava à medida que não podia se

sentir seguro de si mesmo, pois se sentia “um diabo, um porco, ou um réprobo”168. Para ele, os conceitos que os outros tinham a seu respeito, como sua mãe lhe dizia:

“Você sempre foi um bom menino”, não o ajudavam a compreender, pois sempre se

considerou “um ser corrompido e inferior169, infantil, vaidoso, egoísta, arrogante,

sedento de amor, exigente, injusto, susceptível, preguiçoso, irresponsável, etc”170. Para ele, sua “má consciência” comprovava sua culpa e seu potencial para o mal, e

as censuras que recebia dos outros, lhe atingiam profundamente, a ponto de dizer

convictamente: “se não tivesse cometido realmente a falta, teria sido capaz de

161

I d. p. 41

162

I d. p. 41

163

I d. p. 41

164

I d. p. 41

165

I d. p. 42

166

I d. p. 42

167

I d. p. 41

168

I d. p. 48

169

I d. p. 48

170

(38)

cometê-la. Tinha a impressão de ser um indivíduo culpado que queria ser

inocente”171.

Durante sua formação na Faculdade de Medicina, na Universidade de

Basiléia172, aprovado em primeiro lugar173, Jung interessou-se pela teoria da evolução de Charles Darwin (1802-1882), a qual mexeu com suas antigas dúvidas,

seus sentimentos de inferioridade e humores depressivos174, a ponto de haver, segundo ele, “uma identificação inconsciente com os animais”175, o que o levava a faltar às aulas de vivissecção176. Interessou-se, igualmente, pela Psiquiatria, depois de ler

Lehrbuch der Psychiatrie

, de Krafft-Ebing –

Manual de Psiquiatria

177, que

segundo os autores do livro, o conteúdo que apresentava tinha “um caráter mais ou

menos subjetivo”, isto é, o psiquiatra só podia responder à doença da personalidade

pela totalidade de sua própria personalidade178. Seu primeiro livro, consagrado à psicologia da demência precoce179 (esquizofrenia, como era conhecida na época) propunha uma resposta ao que chamavam de “doença da personalidade”, com os

pressupostos da sua própria personalidade: a psiquiatria, em seu sentido lato, é o

diálogo de uma psique doente com a psique do médico, considerada “normal”, o

confronto da pessoa “doente” com a personalidade, em princípio também subjetiva,

do médico empenhado no tratamento. Jung dedicou-se saber o que se passava no

espírito do doente mental, mesmo sozinho, pois nenhum de seus colegas se

171

I d. p. 37, 48, 51

172

Noll, Richard. O Culto de Jung: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática, 1996, p. 156

173

JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 104

174

I d. p. 97

175

I d. p. 98

176

I d. p. 98

177

I d. p. 103

178

I d. p. 104

179

(39)

interessou pelo mesmo tipo de pesquisa, levou à frente180. Nesta pesquisa, Jung reconhece o papel que Sigmund Freud (1856-1939), que mesmo não sendo

psiquiatra, mas neurologista exerceu sobre ele, e admite que foi essencial,

principalmente, devido às suas pesquisas fundamentais sobre a psicologia da histeria

e do sonho. Seu maior interesse era receber informações diretamente do

inconsciente dos “doentes”. Foi acompanhado por Freud, que Jung recebeu seu

primeiro título

honoris causa

, pela Clark University, nos Estados Unidos da América do Norte, em 1909, quando apresentou

Estudos sobre as Associações

181. Como psiquiatra, Jung formulou sua teoria, inicialmente valendo-se do método de

associação de palavras

, depois desenvolveu outros conceitos, pois para ele “não há verdade unívoca em psicologia... Uma pergunta pode ser respondida de uma forma

ou de outra, conforme considerarmos ou não os fatores inconscientes”182. Nesta posição vemos nitidamente a influência do pensamento kantiano, como veremos

mais tarde. Quanto ao método de associação de palavras, segundo o

Dicionário

Crítico de Análise Junguiana

, de Andrew Samuels e outros,

tal método fora inventado por Galton e adotado por Wundt”. Trata-se de um método para a identificação de complexos pessoais mediante a investigação de associações e ou conexões psicológicas ao acaso. Através deste método Jung distinguiu diferentes tipos de complexos, dependendo de saber se estavam relacionados com eventos simples, contínuos ou repetidos; se eram conscientes, parcialmente conscientes ou inconscientes e se revelavam fortes cargas de afeto. Usado durante certo tempo, mas logo deixou por completo tal teste.183

Para Jung,

a verdadeira terapia só começa depois de examinada a história pessoal. Esta representa o segredo do paciente, segredo que o desesperou. Ao mesmo tempo, encerra a chave do tratamento. Cabe ao médico propor perguntas que digam respeito ao homem em sua totalidade e não limitar-se apenas aos

180

I d. p. 108

181

I d. p. 112

182

I d. p. 109

183

(40)

sintomas. Na maioria dos casos, não é suficiente explorar o material consciente. Conforme o caso, a experiência de associações pode abrir o caminho à interpretação dos sonhos, ou então ao longo e paciente contato com o doente.184

Como exemplo, podemos verificar um caso que Jung relata, de uma mulher

que assassinou sua melhor amiga, para casar-se com o marido dela. O que de fato

aconteceu, mas logo o marido faleceu, e a filha, nascida desse casamento, procurou

afastar-se da mãe, assim que atingiu a idade adulta, desaparecendo de sua vida de

uma vez por todas, e ela, não teve mais contato nem notícias da filha. Esta mesma

mulher, que amava apaixonadamente equitação, não podia mais se aproximar dos

cavalos, pois estes se tornaram ariscos, e nem mesmo os cães podiam “suportar”

sua presença, sendo que o seu preferido, um cão-lobo, foi atingido por uma

paralisia. I sto a levou a procurá-lo, e assim Jung, registra sua compreensão deste

caso:

aquele que comete um crime destrói a própria alma; quem assassina já está se justiçando. Alguém por cometer um crime, é preso, é atingido pela punição jurídica; mas se o comete em segredo, sem a consciência moral disso, e se o crime permanece ignorado, pode ser atingido pelo castigo. Tudo acaba por vir à luz. Às vezes parece que até mesmo os animais e as plantas o advertem.

Como alguém pode viver em extrema solidão?185

Na sua prática médica, mesmo quando ainda era assistente, na Clínica de

Burghölzli186, da Universidade de Zurique, Jung reagia à psiquiatria daquela época, que não levava em conta a personalidade do doente e se contentava com os

diagnósticos, com a descrição dos sintomas e dos dados estatísticos, pois achava que

o objetivo da psiquiatria era compreender o que se passa no interior do espírito

doente187, e passou a dar mais atenção para as reações significativas da psicose,

184

JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 110

185

I d. p. 114, 115

186

I d. p. 108

187

Referências

Documentos relacionados

Proteção para os olhos: Utilizar óculos de proteção contra produtos químicos.. Medidas de higiene: Evitar contato com a

cia para outra a consciência não cai no puro nada e nem a experiência passada é descartada.. Aufheben) ist ein Negieren und ein Aufbewahren zugleich"{33). Ora, se ela fosse

Corograpliiu, Col de Estados de Geografia Humana e Regional; Instituto de A lta C ultura; Centro da Estudos Geográficos da Faculdade de Letras de Lisboa.. RODRIGUES,

É com ele que continuaremos a tecer a discussão proposta para o presente artigo, qual seja: apresentar questões conceituais advindas da psicologia de Carl Gustav Jung

Tal como não se pode adicionar um vector linha com um vector coluna, também na multiplicação se deve respeitar a regra: o número de colunas da matriz à esquerda do operador deve

O teste de tetrazólio é resultado de muitas pesquisas e sua aplicação em embriões zigóticos para estudo da viabilidade de sementes de coqueiro é importante por possibilitar

A partir da pesquisa já mencionada, que vem sendo desenvolvida desde 2012, envolvendo observações e entrevistas com a diversidade de educadores que atuam em

Reduzir desmatamento, implementar o novo Código Florestal, criar uma economia da restauração, dar escala às práticas de baixo carbono na agricultura, fomentar energias renováveis