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Um conto e vários encontros

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Academic year: 2017

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NILTON CESAR NICOLA

UM CONTO E VÁRIOS ENCONTROS

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UM CONTO E VÁRIOS ENCONTROS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- -Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Letras.

Orientadora: Profa. Dra. Elisa Guimarães.

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N634c Nicola, Nilton Cesar

Um conto e vários encontros / Nilton Cesar Nicola- São Paulo, 2011

111 f. :il., 30 cm

Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2011 .

Referências bibliográficas: f. 181 – 190.

1 . Didática. 2. Ensino. 3. Contextualizar. 4.Leitura. 5. Transdisciplinar . l.Título.

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UM CONTO E VÁRIOS ENCONTROS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- -Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Letras.

Orientadora: Profa. Dra. Elisa Guimarães.

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. Elisa Guimarães – Orientadora Universidade Presbiteriana Mackenzie

Profa. Dra. Marisa Lajolo

Universidade Presbiteriana Mackenzie

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DEDICATÓRIA

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AGRADECIMENTOS

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O presente projeto nasceu do interesse do pesquisador por novos paradigmas para o ensino e por implementar uma proposta didático-pedagógica transdisciplinar. Neste caso a proposta consistiu na leitura crítica, através de diferentes perspectivas, de um conto de Machado de Assis. Postulou-se, com base nas ideias de Edgar Morin, a complexidade das relações entre as diferentes áreas do conhecimento e se questionaram padrões reducionistas, característicos da filosofia de ensino tradicional. Contextualizar e integrar foram os objetivos do trabalho desenvolvido com os professores de Leitura e Produção de Textos, Filosofia, Sociologia, Psicologia e História, disciplinas que compõem, juntamente com Atividades Acadêmico-Científico-Culturais (AACC), a matriz curricular do primeiro semestre do curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências Aplicadas e Tecnológicas do Litoral Sul/FACSUL. Projetos transdisciplinares como este, aplicáveis em todos os níveis, objetivam religar as áreas do conhecimento e valorizar o diálogo entre os saberes, de forma significativa e contextualizadora.

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This project became real due to the researcher´s interest in new approaches to teaching and in implementing a transdisciplinary teaching proposal. In this case, the proposal consisted of a reading assignment, under different perspectives, of a Machado de Assis´s short story. The project was based on Edgar Morin´s ideas of the complexity of knowledge of different subjects, and traditional school´s simplistic approaches to learning, were questioned. Contextualizing and integrating were the objectives of the work developed by teachers of Reading and Writing Texts, Philosophy, Sociology, Psychology, History , subjects that together with Academic-Scientific and Cultural Activities, are part of the freshman year of the School of Pedagogy at “Faculdade de Ciências Aplicadas e Tecnológica do Litoral Sul/FACSUL”. Transdisciplinary projects of such kind may be applicable at any school level, aiming to create a valuable dialogue between areas of knowledge, and also to achieve a more significant and contextualized learning.

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INTRODUÇÃO ... 10

CAPÍTULO 1 LUZES SOBRE A LEITURA ... 15

CAPÍTULO 2 LUZES SOBRE O ENSINO TRANSDISCIPLINAR ... 22

CAPÍTULO 3 NOVAS LUZES ... 30

3.1 LUZES SOBRE ITANHAÉM ... 30

3.2 LUZES SOBRE O CURSO DE PEDAGOGIA DA FACSUL ... 31

3.3 LUZES SOBRE OS ALUNOS E PROFESSORES ... 33

3.4 LUZES EM TORNO DO CONTO DE ESCOLA ... 39

CAPÍTULO 4 LUZES SOBRE O CONTO DE ESCOLA ... 42

4.1 RESUMO DO CONTO... 42

4.2 LUZES DIVERSIFICADAS ... 43

4.2.1 Leitura e produção de textos ... 43

4.2.2 Sociologia ... 45

4.2.3 História ... 47

4.2.4. Filosofia ... 49

4.2.5 Psicologia ... 52

4.3. LUZES TRANSDISCIPLINARES SOBRE LEITURAS DIRIGIDAS ... 54

4.3.1 Paulo Freire ... 54

4.3.2 Marcos Bagno ... 55

4.4 TRECHOS PARA REFLEXÃO ... 55

4.4.1 Freire, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996 ... 55

4.4.2 Bagno, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Edições Loyola, 2000 ... 58

4.5 AVALIAÇÃO TRANSDISCIPLINAR DAS LEITURAS INDICADAS ... 60

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faz. São Paulo, Edições Loyola, 2000 ... 61

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 63

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 66

APÊNDICES ... 70

APÊNDICE A - Projeto Formando Leitores ... 70

APÊNDICE B - Trajetória Profissional ... 72

APÊNDICE C - Ata de 13/fevereiro/2010 ... 74

APÊNDICE D- Ata de 17/abril/2010 ... 75

APÊNDICE E - Exercícios de leitura, síntese e crítica ... 76

APÊNDICE F - Fotos... 79

APÊNDICE G - Sondagem da Atividade Transdisciplinar ... 80

ANEXOS ... 81

ANEXO A - Folder da FACSUL ... 81

ANEXO B - Conto de escola, de Machado de Assis ... 83

ANEXO C - Morin, Edgar ... 91

ANEXO D - Freire, Paulo ... 94

ANEXO E - Alves, Rubem ... 96

ANEXO F - Ramos, Graciliano ... 98

ANEXO G - Pompéia, Raul ... 99

ANEXO H - Alves, Nilda ... 100

ANEXO I - Gadotti, Moacir ... 104

ANEXO J - Betto, Frei/Cortella, Mario Sergio ... 106

ANEXO K - Polity, Elizabeth ... 108

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INTRODUÇÃO

Justificativa da escolha do tema

Esta dissertação centra-se nas atividades de leituras, reflexões, pesquisas e trabalhos que se desenvolveram a partir de um projeto transdisciplinar, tendo a

leitura como eixo das atividades pedagógicas.

O referido projeto visou capacitar os alunos do primeiro semestre do curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências Aplicadas e Tecnológicas do Litoral Sul/FACSUL (Anexo A), de Itanhaém, a ler um conto – o Conto de escola, de Machado de Assis (Anexo B) – sob diferentes pontos de vista, levando-os a discutir, refletir, articular diferentes situações-problemas e relacionar os conteúdos das disciplinas da matriz curricular.

Abrangente e integrada, a matriz curricular do curso de Pedagogia da FACSUL/Itanhaém, objetiva propiciar ao aluno um aprendizado significativo e contextualizador.

A maioria dos alunos do curso é social e culturalmente carente. Não obstante essa carência, nota-se uma atitude bastante positiva, no que diz respeito à educação, tanto do corpo docente quanto do corpo discente, o que explica o envolvimento dos alunos no planejamento, gestão e execução de iniciativas vinculadas ao Projeto Pedagógico.

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Objetivo geral

O objetivo geral do trabalho é, por meio da análise do Conto de escola, de Machado de Assis, entrelaçar com a Literatura, numa perspectiva transdisciplinar, as diferentes disciplinas do curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências Aplicadas e Tecnológicas do Litoral Sul (FACSUL). O Conto de escola, nesse contexto, tornou--se um centro gerador de atividades transdisciplinares.

Objetivos específicos

O Projeto Pedagógico do curso de Pedagogia da FACSUL/Itanhaém procura instrumentalizar o aluno para, já a partir do primeiro semestre, em situações de natureza prática, contextualizar questões teóricas desenvolvidas pelas disciplinas constantes da matriz curricular, ou seja, Leitura e Produção de Textos, Filosofia, Psicologia Geral, História da Educação, Sociologia e Atividades Acadêmico-Cien- tífico-Culturais (AACC).

Outro objetivo é mostrar que a produção literária, como é exemplo o Conto de escola, de Machado de Assis, pode ensejar, seja qual for a disciplina –e as AACC, uma “disciplina-ônibus”, operam, nesse sentido, como elemento articulador–, farto material para o trabalho criativo de professores e alunos. “Disciplina-ônibus” é a

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Descrição do corpus

O corpus do trabalho é o conto de Machado de Assis, intitulado Conto de escola, e sua análise por parte de John Gledson, um dos mais importantes intérpretes da produção machadiana.

Metodologia

Foram os seguintes os passos dados para se atingir os objetivos propostos: seleção do conto a ser trabalhado, diálogo com os professores envolvidos no projeto, esclarecimento dos alunos quanto aos objetivos almejados, discussões prévias com professores e alunos.

Embasamento teórico

No atual contexto histórico-cultural, deve-se levar o aluno a adquirir a capacidade de estabelecer relações e interiorizar o conhecimento.

Para isso, a educação deve ser pensada numa perspectiva abrangente, contextualizadora e transdisciplinar. Segundo Edgar Morin, teórico da transdisciplinaridade, uma gama de interesses e conhecimentos diversificados potencializa o momento da aprendizagem. Ao contrário, se partimos de um ponto único, de uma visão monodisciplinar, o aprendizado se restringe às associações e aos interesses de uma fonte única.

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Foram também estudados os princípios da pedagogia de Paulo Freire, extraídos de dois de seus livros: A importância do ato de ler: em três artigos que se completam (Anexo D) e Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.

Além disso, leram-se os livros Conversas com quem gosta de ensinar, de Rubem Alves (Anexo E), e Preconceito linguístico: o que é, como se faz, de Marcos Bagno.

O Projeto Pedagógico do curso de Pedagogia da FACSUL/Itanhaém prevê, além de uma dimensão teórica, a existência também de uma dimensão prática. O aluno deve-se deparar com situações de natureza prática, visando contextualizar questões teóricas desenvolvidas pelas disciplinas constantes da matriz curricular, o que está de acordo com o Parecer nº 3/2006 que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia.

Estruturação dos capítulos

Esta dissertação está organizada em quatro capítulos.

No capítulo 1 são apresentados os pressupostos teóricos que fundamentam o trabalho. Nesse capítulo são discutidas as definições e os conceitos de leitura dos seguintes estudiosos: Maria Helena Martins, Paulo Freire, Marisa Lajolo, Angela Kleiman, Antonio Candido, Rildo Cosson e Dominique Maingueneau.

No capítulo 2 encontra-se uma síntese das idéias de Edgar Morin referentes ao ensino transdisciplinar. A pedagogia de Paulo Freire, filósofo sócio- -construtivista, teórico da leitura da palavra e do mundo, complementa a fundamentação da parte didática do projeto.

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FACSUL, instituição em que o projeto foi implementado. Salientam-se os objetivos do curso de Pedagogia, desenha-se o perfil do alunado, dos professores, e explicitam-se quais disciplinas compõem a matriz curricular. Para finalizar o capítulo explicitam-se as atividades preparatórias que se fizeram necessárias.

No capítulo 4, os vários encontros entram em cena. No centro do palco estão o Conto de escola e as disciplinas que compõem a matriz curricular do primeiro semestre do curso de Pedagogia, mencionadas acima. As disciplinas giram em torno do conto e lançam-lhe diferentes olhares críticos, discutidos em sala de aula e enriquecidos pelos comentários dos alunos.

Observe-se, entre parênteses, que as obras Infância, de Graciliano Ramos (Anexo F), e O Ateneu, de Raul Pompéia (Anexo G), colocam-se como referências para a continuação do Projeto --- mas não fazem parte do relato apresentado nesta dissertação.

Ao cabo, apresentam-se as considerações finais sobre o trabalho desenvolvido na FACSUL/Itanhaém, no primeiro semestre de 2010.

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CAPÍTULO 1

LUZES SOBRE A LEITURA

Saber ler e escrever, desde os gregos e romanos, significa ter uma educação apropriada para a vida. Educação que objetivava, e ainda objetiva, desenvolver as capacidades intelectuais, físicas e espirituais e que tornava, e torna, possível ao cidadão integrar-se à sociedade.

Sabe-se, por exemplo, que na Antiguidade, saber ler e escrever era privilégio de uma pequena parcela da sociedade. O ensino da leitura era feito através do uso do método analítico, das partes ao todo. Começava-se com o alfabeto, que precisava ser memorizado. Depois, soletrado. Seguiam-se palavras isoladas para serem decodificadas. Uma vez que já se lessem as palavras isoladas, apresentar-se-iam as frases curtas, as mais longas e, por fim, textos contínuos. Dominar a técnica de escrever (ou desenhar os sinais equivalentes a palavras inteiras, sílabas ou fonemas) era motivo de reconhecimento pela sociedade que assim, pelo trabalho do escriba, armazenava sua cultura.

Séculos de civilização transcorreram, mas, ainda hoje, lamentavelmente, muitos não conseguem superar a prática mecânica da leitura. Os que superaram essa fase são capazes de compreender a função da leitura, o seu papel na vida das pessoas e da sociedade. São capazes de inteirar-se do mundo ao seu redor através da leitura de livros, jornais e revistas, e tendem a conquistar autonomia e criticidade, pois estão preparados para o discernimento e a reflexão. Assim, ao longo do tempo, estudiosos do assunto sistematizaram questões ligadas ao ato de ler.

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Segundo Martins, o ato de ler se refere tanto a algo escrito quanto a outros tipos de expressão do fazer humano, caracterizando-se também como acontecimento histórico e estabelecendo uma relação igualmente histórica entre o leitor e o que é lido (MARTINS, 1982, p.30).

É importante lembrar, neste passo, de Paulo Freire, que, valendo-se de uma metáfora, diz que a leitura da palavra e do mundo só é possível na medida em que a pessoa se torna íntima do mundo e entende melhor a leitura que dele faz:

(...) a prática de velejar coloca a necessidade de saberes fundantes como o do domínio do barco, das partes que o compõem e da função de cada uma delas, como o conhecimento dos ventos, de sua força, de sua direção, os ventos e as velas, a posição das velas, o papel do motor e da combinação entre motor e velas. Na prática de velejar se confirmam, se modificam ou se ampliam esses saberes (FREIRE, 1997, p.24).

Não se pode negar, portanto, ser o processo de leitura complexo. Como em outras tarefas cognitivas, tais como resolver problemas numéricos, lembrar-se de informações necessárias, aprender a nadar, a velejar, a interligar conhecimentos em situações novas, ler requer o engajamento de fatores como percepção, atenção, memória e raciocínio.

A leitura estimula a pensar, a estabelecer relações entre diversas formas de conhecimento e a posicionar-se de forma eficaz, o que representa valioso instrumental para a formação do senso crítico.

A propósito da formação do senso crítico, deve-se lembrar novamente de Paulo Freire. Em sua obra A importância do ato de ler: em três artigos que se completam, Freire escreve que

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ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto (FREIRE, 1983, pp. 11-12).

Segundo Paulo Freire, é preciso ensinar os alunos a ler a palavra e o mundo, isto é, ler, através da palavra, a realidade social, política e econômica --- lê-la para transformá-lê-la.

Nessa linha de reflexão, Marisa Lajolo escreve:

“no contexto de um projeto de educação democrática vem à frente a habilidade de leitura, essencial para (...) todos aqueles que participam, mesmo à revelia, dos circuitos da sociedade moderna, que fez da escrita seu código oficial”. (LAJOLO, 2010, p.106).

A leitura é essencial a todos, indistintamente e ---segundo Lajolo --- “não apenas aos que almejam participar da produção cultural mais sofisticada, dos requintes da ciência e da técnica, da filosofia e da arte literária“ (LAJOLO, 2010, p.106).

A alfabetização, com a sistematização escolar, passou a ser valorizada no ambiente de educação formal, cujo objetivo é ensinar as crianças a ler, escrever, contar e dominar os conhecimentos básicos para sua integração à sociedade. Cabe à leitura a tarefa de mediar a transmissão dos diferentes conteúdos programáticos das escolas. Ela se encontra presente em todas as salas de aula e, portanto, deve ser valorizada e incentivada, merecendo atenção especial por parte dos professores. Leitura e escrita caminham juntas desde o início da escolarização infantil, fase que deve ser bem planejada para despertar na criança o gosto pela leitura.

A escola é o lugar onde a maioria das crianças aprende a ler e escrever. Muitas delas têm, na escola, sua única oportunidade de contato com a leitura e com os livros. É preciso que haja espaço para a leitura na escola. Leitura, cuja compreensão, segundo Angela Kleiman,

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Ao enfatizar-se o valor da leitura na escola, deve-se mencionar que ela está presente no contato com livros didáticos, e em toda e qualquer disciplina ou área de estudo. A leitura permeia todos os conteúdos do currículo escolar. É elemento de transmissão de cultura, valores, tradições, informações e conhecimentos.

A propósito, é importante notar que, nos anos iniciais do ensino fundamental, quem se define como professor alfabetizador pode ser considerado um professor de Português. Em suas mãos estão as sementes dos frutos chamados leitores.

Por meio das palavras de Marisa Lajolo, transcritas abaixo, pode-se apreender que o trabalho com a literatura em língua portuguesa é imprescindível num curso de formação de professores alfabetizadores:

O professor de Português deve estar familiarizado com uma leitura bastante extensa de literatura, particularmente da brasileira, da portuguesa e da africana de expressão portuguesa. Frequentador assíduo dos clássicos, sua opção pelos contemporâneos, pelas crônicas curtas ou pelos textos infantis deve ser, quando for o caso, mera preferência. Em outras palavras: o professor de Português pode não gostar de Camões nem de Machado de Assis. Mas precisa conhecê-los, entendê-los e ser capaz de explicá-los (LAJOLO, 2010, pp. 11-12).

Para um curso de Pedagogia, no qual se situam as atividades cujas etapas de desenvolvimento são apresentadas nesta dissertação, é de suma importância que se estimule o gosto pela leitura e pela literatura em língua portuguesa: “Um professor precisa gostar de ler, precisa ler muito, precisa envolver-se com o que lê”

(LAJOLO, 2010, p.108).

Segundo Antonio Candido, em O direito à literatura, publicado em 1995,

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Concebe-se a leitura literária como fundamental em um curso de formação de professores --- e não apenas de professores alfabetizadores. A propósito, Marisa Lajoloescreve que

É à literatura, como linguagem e como instituição, que se confiam os diferentes imaginários, as diferentes sensibilidades, valores e comportamentos através dos quais uma sociedade expressa e discute, simbolicamente, seus impasses, seus desejos, suas utopias. Por isso a literatura é importante no currículo escolar: o cidadão, para exercer plenamente a sua cidadania, precisa apossar-se da linguagem literária, alfabetizar-se nela, tornar-se seu usuário competente, mesmo que nunca vá escrever um livro: mas porque precisa ler muitos (LAJOLO, 2010, p.106).

A complexidade do ato de ler já se faz notar na leitura escolar iniciada na Educação Infantil, por meio de atividades de prontidão e preparo dos sentidos para aquisições de técnicas que se efetivem nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental. Para enriquecer o imaginário das crianças, tanto os pais como os

professores devem ler muito para elas. Nas salas de aula, o “cantinho da leitura”

deve conter livros de histórias infantis, contos e fábulas do interesse dessa faixa etária.

Rildo Cosson, autor de Letramento literário: teoria e prática, obra escrita para professores que desejam fazer da leitura literária uma atividade significativa, sugere a formação de uma comunidade de leitores nas salas de aula. Leitores que seriam motivados, por seus professores, já que os professores desempenham o papel de intermediários entre o livro e o aluno.

No entanto, não basta apresentar um livro aos alunos e pedir que o leiam. É preciso saber como se processa a leitura, quais as condições sócio-culturais dos alunos, seus interesses e a bagagem de experiências que trazem para a sala de aula.

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Segundo Dominique Maingueneau,

o estatuto estético da obra literária requer que o destinatário contribua para elaborar sua significação e não se contente em descobrir uma significação que estaria nele. (...) De fato, muitos textos não se contentam em se inscrever exatamente na esteira de uma convenção pré-estabelecida. Constroem eles próprios a maneira como devem ser decifrados, instituem um contrato privado dentro de um conjunto de convenções que não poderiam ser todas contestadas. (...) qualquer obra verdadeira “forma” seu próprio leitor durante o processo enunciativo. (...) por mais que o texto se esforce em descrever sua decifração, não conseguiria de fato encerrar seu leitor. Este está à vontade para relacionar quaisquer elementos do texto, desprezando o tipo de progressão que ele pretende impor. A obra é então um volume complexo percorrível em todos os sentidos. Por um lado, controla sua decifração, por outro torna possíveis modos de leitura incontroláveis (MAINGUENEAU, 1996, pp. 41-42).

Segundo Jacques Delors, presidente da Comissão das Nações Unidas sobre a Educação para o Século XXI, a leitura ajuda os alunos a aprender a ser, a conhecer, a fazer e a viver juntos (apud Cody/Siqueira, p.69, 2006). Esses quatro pilares das ações pedagógicas têm por objetivo nortear o currículo dos cursos de formação de professores. Nesses cursos, os alunos devem vivenciar uma educação que os leve a conhecer a teoria, saber pô-la em prática e conseguir trabalhar em equipe. E devem, também, aprender a ser bons leitores. Leitores de palavras, do mundo, dos seus semelhantes e da sociedade local e global.

Todos esses princípios norteadores dos processos e práticas de leitura fazem-se presentes no projeto da disciplina-ônibus denominada Atividades Acadêmico-Científico-Culturais (AACC), do curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências Aplicadas e Tecnológicas do Litoral Sul (FACSUL), em Itanhaém. Objetivou-se, por meio da análise do Conto de escola, de Machado de Assis, ligar as disciplinas do primeiro semestre de Pedagogia à Literatura. Essas leituras transdisciplinares visaram à construção de um ensino contextualizador e significativo.

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Marcos Bagno; e A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento,

de Edgar Morin.

Não escapou à atenção do pesquisador o princípio de que, na relação leitor/texto, a emoção e o raciocínio estão presentes, muito além da preocupação com o decodificar símbolos. Esta forma dinâmica de leitura é uma ponte entre o leitor e o conhecimento. Estabelecido o caminho a ser seguido, a leitura reflexiva dos participantes do projeto foi constantemente desafiada. Tratou-se de refletir sobre diferentes interpretações de um mesmo trecho, a partir de uma abordagem transdisciplinar.

Todo e qualquer texto narra alguma coisa e, à medida que se desenvolvem as capacidades sensoriais, emocionais, cognitivas e racionais, também se desenvolvem as leituras nesses níveis.

Deve-se observar finalmente que, pela complexidade do tema Leitura, torna--se difícil abordá-lo extensa e profundamente. Tratoutorna--se aqui de levantar subsídios de modo a justificar a leitura transdisciplinar do Conto de escola que o pesquisador se propôs a realizar.

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CAPÍTULO 2

LUZES SOBRE O ENSINO TRANSDISCIPLINAR

Sabe-se que formar professores é tarefa que não se restringe ao estudo dos conteúdos teóricos. É uma tarefa que deve avançar por meio da abordagem de situações complexas, vistas por vários ângulos, e que exigem o desenvolvimento de uma prática reflexiva.

No mundo contemporâneo são muitas as oportunidades em que a ação pedagógica se realiza. Embora a escola seja a instituição social destinada ao

trabalho do professor e do aluno, na “sociedade do conhecimento” outras

possibilidades se abrem, ao aluno e ao professor, para um crescimento constante. Um bombardeio de informações via satélite, rádio, televisão, internet, jornais e revistas faz com que eventos internacionais, nacionais e locais se tornem amplamente conhecidos. Os próprios desafios do progresso científico e tecnológico criam a necessidade de se repensar a didática. Num curso em que se formam professores esta responsabilidade redobra.

Para fundamentar a abordagem teórica do Projeto de Leitura do semestre I do curso de Pedagogia da FACSUL, optou-se pela transdisciplinaridade, já que os processos de ensino e aprendizagem não podem mais ser reduzidos ao domínio dos conteúdos das disciplinas, de forma fragmentada. Exige-se do profissional da educação que lide com o conhecimento em construção e que encare a educação como um compromisso ético e político, o que exige criticidade e autonomia.

Numa sociedade em constantes transformações, o aluno que consegue contextualizar os conteúdos, de forma transdisciplinar, encontra-se mais bem preparado para pensar, compreender e tomar decisões, graças à visão ampla e abrangente da realidade que o cerca.

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É importante esclarecer, além do que é leitura, o que se entende pelos atos de aprender e ensinar, elementos centrais da ação pedagógica, antes de se fechar o foco sobre o ensino transdisciplinar propriamente dito.

O ato de aprender implica um sujeito do conhecimento. Para a aquisição do conhecimento são necessárias as capacidadesde perceber (através dos sentidos) e refletir, compreender e decidir (através do raciocínio). O aprendizado ocorre assim que um significado é atribuído, pelo aprendiz, ao estímulo a ele apresentado.

O ensino centrado no aluno, tendo o professor como mediador, é o ensino em que o aluno fala. Deixar o aluno falar implica usar estratégias nas quais os alunos possam discutir, negociar significados entre si, apresentar oralmente ao grupo o produto de suas atividades colaborativas, receber e fazer críticas. O aluno tem que ser ativo. O aluno precisa aprender a interpretar, aprender a ser crítico e a aceitar a crítica. Aceitar acriticamente a fala do professor não leva a uma aprendizagem significativa, crítica, relevante. Não leva ao aprender a aprender.

Tais idéias, aliás, estão na base do que o professor e psicólogo norte- -americano Carl Rogers preconizou, em 1969, em sua conhecida obra Liberdade para aprender.

O ensino, segundo Edgar Morin, deve promover a “inteligência geral” apta a

referir-se ao complexo, ao contexto, de modo multidimensional. Deve favorecer a aptidão da mente em formular e resolver problemas essenciais e estimular o uso da inteligência geral. Este uso pede o livre exercício da curiosidade.

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métodos que permitem estabelecer as relações e as influências recíprocas entre as partes e o todo em um mundo complexo.

A transdisciplinaridade deve ser entendida como uma atitude, um trabalho de perseverança e coragem que resulta em sínteses imaginativas. Não basta pôr em contato os professores de disciplinas diferentes, para se criar a transdisciplinaridade. A atitude dos professores para com esta abordagem é que faz a diferença, é que dá vida ao trabalho docente.

Hilton Japiassu (O sonho transdisciplinar e as razões da filosofia, 2006, pp.27-28) vê a transdisciplinaridade da seguinte forma:

não é uma categoria do conhecimento, mas da ação;

apresenta-se como a arte de um tecido bem definido e flexível impedindo o divórcio entre seus elementos constitutivos;

intensifica-se sempre a partir do desenvolvimento das próprias disciplinas.

Conceitos importantes para que se compreenda o significado da palavra

transdisciplinar, diferenciando-a de termos semelhantes, mas não sinônimos, encontram-se a seguir:

pesquisa interdisciplinar é a que se realiza nas fronteiras e pontos-limites entre diversas ciências (por exemplo, entre filosofia e história), podendo ser realizada tanto por um indivíduo como por uma equipe. Resulta no diálogo entre saberes;

pesquisa multidisciplinar é a praticada por uma equipe de pesquisadores oriundos de diferentes ramos do saber. São vários especialistas lidando com um só assunto. As descobertas são resultados do trabalho da equipe;

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interação entre as disciplinas. Daí nasce um novo conhecimento, transdisciplinar, não uma nova disciplina.

É preciso lembrar que os Parâmetros Curriculares Nacionais preconizam o ensino transdisciplinar desde 1999, época da redefinição das novas políticas educacionais que deveriam substituir as tradicionais. Eles foram elaborados com base na Lei de Diretrizes e Bases, nº 9394/96, que prescreve dever ser o ensino contextualizado e não fragmentado.

Para o ensino da língua pátria, por exemplo, o trabalho dos alunos deve girar em torno dos interesses da escola, da comunidade e dos próprios alunos. A atuação dos professores deve-se caracterizar pela abordagem multicultural e transdisciplinar, a fim de provocar reflexão e ação por parte dos alunos.

Contextualizar o conteúdo que se transmite e vê-lo apreendido significa

assumir que todo o conhecimento envolve uma relação entre o sujeito e o objeto (PCN’s – Ensino Médio, 1999, p.137).

Ivani Fazenda, em seu livro Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa

(1994), ensina que, na década de 70 do século passado, buscou-se uma explicação filosófica, um conceito sobre o que seria a interdisciplinaridade. Na década de 80 buscou-se uma diretriz sociológica, isto é, a construção de um método. Na década de 90, um projeto antropológico, uma teoria do interdisciplinar.

Atualmente, com o desenvolvimento do pensamento complexo de Edgar Morin, valoriza-se a transdisciplinaridade, suscetível de fazer crescer um rico, profundo e fértil diálogo entre as ciências naturais, humanas e a filosofia.

O método proposto por Morin é o de provocar e estimular a elaboração de estratégias de conhecimento nas diversas áreas do saber, não de forma fragmentada, nem linear.

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A supremacia do conhecimento fragmentado de acordo com as disciplinas impede frequentemente de operar o vínculo entre as partes e a totalidade, e deve ser substituída por um modo de conhecimento capaz de apreender os objetos em seu contexto, sua complexidade seu conjunto (MORIN, 2001, p.14).

O conhecimento que nasce da abordagem transdisciplinar deve ser, portanto, contextualizador. É uma possibilidade de aprendizagem que pressupõe o entendimento da complexidade das relações humanas em todos os seus níveis: social, econômico, político, cultural, afetivo e intelectual.

Edgar Morin enfoca criticamente a problemática do conhecimento na esfera multidimensional em que se vive, composta por questões econômicas, psicológicas, sociológicas, mitológicas, biológicas e físicas, estudadas em disciplinas:

a organização do conhecimento em disciplinas seria útil se as disciplinas não estivessem fechadas sobre si mesmas, compartimentadas umas em relação às outras (...). O princípio de separação torna-nos talvez mais lúcidos sobre uma pequena parte separada do seu contexto, mas torna-nos cegos ou míopes sobre a relação entre a parte e o seu contexto (MORIN, 1996,p.8).

Voltando à realidade escolar, observa-se que os sistemas educacionais estão baseados na divisão do ensino em disciplinas, sem proporcionar, regra geral, a ligação entre as áreas. O conhecimento sobre o próprio homem é também parcelarizado: a psicologia estuda o espírito humano, mas o cérebro, órgão biológico, é estudado pela biologia.

Diz Morin:

não seríamos seres humanos, indivíduos humanos, se não tivéssemos crescido num ambiente cultural onde aprendemos a falar e não seríamos seres vivos se não nos alimentássemos de alimentos provenientes do meio natural (op. cit., p.8).

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O método proposto por Morin é o de provocar e estimular a elaboração de estratégias de conhecimento, nas diversas áreas do saber, não de forma fragmentada, nem linear, porém de forma transdisciplinar e transversal.

Para o Projeto em fase de realização na FACSUL/Itanhaém, foi importante pesquisar: como as ideias de Morin podem ser introduzidas no contexto escolar?

Em Diálogo sobre o conhecimento (Morin; Pena-Vega; Paillard, 2004, apud Masini, 2008, p.97), existe menção a um projeto realizado em Paris, ao longo do ano letivo de 2001, que responde à indagação anterior.

Os cinco objetivos do projeto desenvolvido em Paris, que também estão sendo perseguidos pelos professores do curso de Pedagogia da FACSUL, encontram-se abaixo relacionados:

 incentivar a reflexão por meio da aproximação entre pesquisadores e estudantes;  levar em conta a curiosidade e o questionamento dos estudantes;

 estimular o espírito crítico e criativo;  incentivar o trabalho coletivo;

 abordar conhecimentos de maneira transdisciplinar (MASINI, 2008, p.97).

Os alunos já chegam à sala de aula com uma rede de experiências e significações geradas pelo domínio da língua e pela cultura. Ambas, língua e cultura, caminham juntas, criando inúmeras teias de conhecimentos. No conhecimento transdisciplinar deve-se levar a didática a valorizar igualmente os conhecimentos adquiridos através dos sentidos e/ou do intelecto, que constroem uma grande rede de saberes interligados.

No livro Os sete saberes necessários à educação do futuro, Edgar Morin explica que o ser humano é singular e múltiplo, que todo ser humano traz em si o cosmo. Traz em si multiplicidades interiores, uma poliexistência no real e no imaginário. O ser humano é complexo e traz em si caracteres antagônicos: sapiens e

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prosaicus e poeticus. A condição humana, segundo Morin, deveria ser o objeto essencial de todo o ensino: o ser humano é a um só tempo biológico, psíquico, cultural, social, histórico.

Para Morin, os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo paradigmas

inscritos culturalmente neles. O “grande paradigma do Ocidente”, o paradigma

cartesiano (sujeito/objeto, qualidade/quantidade, causalidade/finalidade, sentimento/razão, liberdade/determinismo, existência/essência) separa a filosofia e a pesquisa reflexiva, de um lado, e a ciência e a pesquisa objetiva, de outro. Para articular e organizar os conhecimentos é necessária a reforma do pensamento. Esta reforma é paradigmática: é a questão fundamental da educação. Existe, segundo Morin, inadequação cada vez mais ampla, entre, de um lado, os saberes compartimentados, e, de outro, problemas cada vez mais multidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, planetários.

É oportuno salientar que, para Morin,

a dificuldade da compreensão humana exigiria o recurso não a ensinamentos separados, mas a uma pedagogia conjunta que agrupasse filósofo, psicólogo, sociólogo, historiador, escritor, que seria conjugada a uma iniciação à lucidez (MORIN. 2008, p.51).

Seria o caso de se instituir, afirma Morin, em todas as Universidades e Faculdades, “um dízimo epistemológico ou transdisciplinar, que retiraria 10% da duração dos cursos para um ensino comum, orientado para os pressupostos dos diferentes saberes e para as possibilidades de torná-los comunicantes” (MORIN, 2008, p.84).

Inspirando-se nesta última citação, o pesquisador, os demais professores e a coordenadora do curso de Pedagogia da FACSUL/Itanhaém, houveram por bem dedicar parte da carga horária do primeiro semestre à implementação do Projeto de Leitura Transdisciplinar.

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objetivos do curso de Pedagogia. Descreve-se o perfil dos alunos e apresenta-se o corpo docente. Explicitam-se as disciplinas que compõem a matriz curricular e norteiam o ensino. Finalizando o capítulo, relatam-se as atividades que fizeram parte da fase preparatória do Projeto.

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CAPÍTULO 3 NOVAS LUZES

3.1 LUZES SOBRE ITANHAÉM

Dando início ao Capítulo 3, que objetiva situar o Projeto de leitura trandisciplinar do Conto de escola, de Machado de Assis, faz-se oportuno apresentar Itanhaém, cidade onde a FACSUL se localiza e onde a maioria dos alunos tem domicílio.

A Estância Balneária de Itanhaém --- no litoral sul do Estado de São Paulo, distante 107 quilômetros da Capital --- é o segundo município mais antigo do Brasil, integrante da Região Metropolitana da Baixada Santista. Foi fundada pelo navegador português Martim Afonso de Souza, em 22 de abril de 1532, tendo recebido o nome de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém. Foi, por certo período, sede da antiga capitania de São Vicente.

Há duas versões para a origem do nome da cidade, proveniente do tupi ( ita-nha´ê): uma afirma que significa pedra que canta; outra, pranto de pedra ou pedra que chora.

Além de lindas praias, Itanhaém oferece várias atrações turísticas, como é o caso da Cama de Anchieta, formação rochosa no costão da Praia dos Sonhos que, segundo a lenda, por seu desenho plano, escavado pela ação do mar e pelo vento, tornou-se o local preferido do jesuíta José de Anchieta, para descansar, olhar o mar e buscar inspiração para escrever seus poemas.

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Sua população, segundo dados do IBGE/2010 é de 87 053 habitantes, distribuídos numa área de 599 017 km². Ela é composta, em sua maioria, por mestiços (brancos com índios). Há uma reserva indígena no município.

3.2 LUZES SOBRE O CURSO DE PEDAGOGIA DA FACSUL

A Faculdade de Ciências Aplicadas e Tecnológicas do Litoral Sul (FACSUL) está sediada na Rua Joaquim Meira, 304 --- Centro.

O curso de Pedagogia é mantido pela Associação de Pesquisa Psicanalítica Educacional e Teológica, APET, tendo como ato legal a RESOLUÇÃO CNE/CP n° 1, de 15 de maio de 2006. (Para maiores esclarecimentos pode-se consultar seu site: htpp://www.facsulonline.com).

O Parecer CNE/CP n°3/2006, publicado no Diário Oficial da União, Brasília, em 16 de maio de 2006, seção 1, p.11, institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, Licenciatura.

Em seu Artigo 3°, encontra-se o fundamento legal para o Projeto Pedagógico do curso, conforme se segue:

Art. 3°: O estudante de Pedagogia trabalhará com um repertório de informações e habilidades composto por pluralidade de conhecimentos teóricos e práticos cuja consolidação será proporcionada no exercício da profissão, fundamentando-se em princípios de interdisciplinaridade, contextualização, democratização, pertinência e relevância social, ética e sensibilidade afetiva e estética.

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Inovadora é a inclusão das Atividades Acadêmico-Científico-Culturais/AACC no sentido de incentivar o desenvolvimento da autonomia do aluno no seu processo de formação profissional e crescimento cultural. Atribui-se às AACC a carga horária de 100 horas por semestre.

O curso de Pedagogia da FACSUL/Itanhaém propõe-se a formar profissionais capazes de atuar em diversos âmbitos educativos e de responder às demandas e exigências de uma sociedade cada vez mais complexa. Com vistas a isso, eles precisam preparar-se para enfrentar, com criatividade e competência, os problemas do cotidiano, ser flexíveis, tolerantes e atentos às questões decorrentes da diversidade cultural. Espírito crítico, responsabilidade social, atitude ética e visão transdisciplinar do conhecimento procuram enriquecer a formação dos alunos da FACSUL.

Espera-se que essa formação abra perspectivas e oportunidades de criar--se uma cultura de educação continuada. Que o pedagogo seja um profissional capaz de estabelecer íntima e constante relação entre teoria e prática, fomentando a pesquisa, o trabalho participativo, a troca de experiências e de leituras literárias e informativas pertinentes ao fazer pedagógico.

Os egressos do curso de Pedagogia da FACSUL poderão exercer diferentes atividades profissionais, tais como:

 ser professor de educação infantil e/ou dos anos iniciais do Ensino Fundamental, em escolas de rede pública oficial e da rede particular;

 ser professor das disciplinas de formação pedagógica de profissionais docentes;

 ser diretor de escola na rede pública e particular;

 ser coordenador pedagógico de escola pública e particular;

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 ser assessor ou consultor pedagógico em serviços de difusão cultural e de comunicação de massa, jornais, revistas, televisão, editoras, rádios, agências de publicidade etc.;

 ser assessor administrativo e pedagógico de escolas e empresas;

 ser membro especialista de equipes multidisciplinares em atividades educacionais desenvolvidas em organizações escolares e não escolares.

Pelo exposto, fica claro que o Projeto transdisciplinar de leitura do Conto de escola, de Machado de Assis, é pertinente e relevante no que diz respeito às diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Pedagogia --- com os alunos e professores integrados, no caso da FACSUL, em torno de atividades ligadas à Literatura.

A seguir, considerações sobre os corpos discente e docente da FACSUL.

3.3 LUZES SOBRE OS ALUNOS E PROFESSORES

A primeira turma de graduandos/licenciandos da FACSUL se compôs, inicialmente, de trinta e cinco alunos. (Alguns abandonaram o curso, no primeiro semestre, por motivos de ordem financeira.)

A turma, muito heterogênea, era formada por alunos, em sua maioria, oriundos de escolas públicas municipais e/ou estaduais de Itanhaém, Mongaguá e Praia Grande; outros, da Educação para Jovens e Adultos (EJA). A faixa etária média era de 24 anos.

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Relações de parceria e convênios foram firmados pela FACSUL com a Prefeitura, com a Biblioteca Municipal Paulo Bomfim e com a Academia Itanhaense de Letras, visando ao desenvolvimento de projetos e ações pertinentes ao ensino, à pesquisa e à extensão cultural (Apêndice A).

Exemplos do que lá ocorre são as atividades de que os alunos da FACSUL têm participado: recreação e lazer nas praias, sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Esportes e Lazer; supervisão de brinquedotecas em clínicas psicopedagógicas; palestras ---como as de Márcia Tiburi, doutora em Filosofia, escritora e professora universitária, e de Terezinha Rios, doutora em Filosofia, professora universitária e autora de vários livros sobre educação--- e as oficinas de redação, como a de João Anzanello Carrascoza, escritor e professor da ECA/USP, promovidas pela Secretaria Estadual de Cultura, em parceria com a Biblioteca Municipal.

Este professor/pesquisador (Apêndice B), coordenador das Atividades Acadêmico-Científico-Culturais (AACC), já no pedido de autorização para abertura do curso de Pedagogia da FACSUL, em 2008 ---ano do centenário da morte de Machado de Assis---, indicou o Conto de escola para o primeiro projeto de leitura transdisciplinar.

O primeiro projeto transdisciplinar visou à realização de um trabalho integrado que contemplou objetivos transdisciplinares estabelecidos conjuntamente pelos professores das disciplinas da matriz curricular do curso.

Para isso, os professores de Leitura e Produção de Textos, Filosofia I, História da Educação I, Sociologia Geral, Psicologia Geral e AACC reuniram-se, a convite da coordenadora do curso, com o fim de discutir o projeto e definir os objetivos, duração, etapas e critérios de avaliação. (Nos apêndices C e D encontram-se cópias das respectivas Atas das Reuniões Pedagógicas.)

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contextualizadora de leitura do Conto de escola, sob diferentes olhares. Os mecanismos apropriados para articular teoria e prática ao longo do projeto se fazem presentes nas dimensões curriculares planejadas, executadas e avaliadas no interior das disciplinas, sob a coordenação do professor de AACC.

O apoio administrativo evidenciou-se pelo fato de as reuniões pedagógicas serem remuneradas e pela aquisição de livros para uso de professores e alunos.

No decorrer das reuniões pedagógicas, surgiu, entre os professores, a ideia de transformá-las em Seminários de Leituras, o que deu início às atividades de extensão cultural, e ao estudo das ideias inovadoras de Edgar Morin sobre conhecimento complexo, transdisciplinaridade e relações entre elas e as ideias de Paulo Freire, no que tange à leitura da palavra e do mundo. O professor de AACC coordenou esses encontros (Anexos H a L).

O corpo docente do curso, em processo de formação, vem-se caracterizando por compor-se de professores interessados no trabalho transdisciplinar, que dispõem de tempo para reuniões pedagógicas e que gostam de trabalhar em equipe.

A seguir, detalham-se a formação profissional dos professores do curso e as ementas de suas respectivas disciplinas:

- Leitura e Produção de Textos: Professora Rosa Maria de Morais, mestre em Educação, especialista em Didática do Ensino de Língua Portuguesa, bacharel em Letras. Reside em Itanhaém; professora aposentada da rede de Ensino do Estado de São Paulo.

Ementa:

1. Implicações metodológicas e político-sociais no ensino da linguagem.

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3. Leitura como elemento mediador do processo ensino-aprendizagem. 4. O texto e a realidade nas práticas escolares.

- Psicologia Geral: Professora Josana Bastos, especialista em Psicopedagogia e bacharel em Pedagogia. Reside em Itanhaém, onde coordena a área de Educação Infantil da Secretaria Municipal de Educação.

Ementa:

1. Contexto histórico e social do surgimento da Psicologia enquanto ciência.

2. Fundamentos epistemológicos subjacentes às concepções de homem e de sua relação com o mundo.

3. Princípios e vertentes psicológicas e suas possíveis implicações com a Educação.

- História da Educação I: Professora Maria Aparecida Anversa, mestre em Educação, bacharel em Pedagogia. Diretora de escola, aposentada, da rede de ensino do Estado de São Paulo. Reside, desde sua aposentadoria, em Itanhaém.

Ementa:

1. Conceitos de educação, sociedade e escolarização.

2. Características da educação na Antiguidade e na Idade Média. 3. Surgimento da Escola Moderna.

4. Brasil Colônia: os jesuítas.

5. Brasil Império: contexto histórico.

6. Brasil República: até o governo de Getúlio Vargas.

- Sociologia Geral: Professor Cláudio Ramos, bacharel em Administração de Empresas, especialista em Comunicação Social. Reside na cidade de Praia Grande, onde trabalha, com a Prefeitura, em projetos ambientais.

Ementa:

1. Origem e definição da Sociologia.

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4. Estado e democracia.

5. Globalização e neoliberalismo.

6. Métodos e técnicas de pesquisa social.

- Filosofia I. Professora Sílvia Siqueira, doutora em Educação pela Wayne State University (EUA), mestre em Administração Escolar, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, licenciada em Pedagogia. Reside em São Paulo, onde trabalha como diretora oficial da Escola Britânica de São Paulo-St Paul´s School. Tem casa em Itanhaém e, desde 2008, está ligada à FACSUL, onde trabalha, também, como coordenadora do curso de Pedagogia.

Ementa:

1. Introdução ao ato de filosofar.

2. Filosofia da Educação: elucidações conceituais de filosofia, educação e sociedade.

3. Senso comum e conhecimento filosófico. 4. História da racionalidade ocidental. 5. Filosofia, ética e educação.

Quando da sugestão da leitura do Conto de escola, de Machado de Assis, como elemento axial do primeiro projeto transdisciplinar (já constante do plano apresentado, em 2008, à Comissão Examinadora do MEC), a professora Rosa Maria de Moraes, de Leitura e Produção de Textos, acolheu a ideia com entusiasmo. Disse que num curso de formação de professores de Educação Infantil e Fundamental I (anos iniciais) é bom que se leia Machado de Assis, em especial o conto escolhido, pois, a partir dele, outros contos poderiam ser lidos e trabalhados, tais como os contos de fadas que alimentam o imaginário infantil.

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Para a professora de Filosofia, Sílvia Siqueira, que é também coordenadora do curso de Pedagogia, seu objetivo seria o de ler o Conto de escola com os olhos da ética e refletir filosoficamente sobre os conceitos de delação e de corrupção. A propósito, a professora Sílvia sugeriu Ética e Educação como tema da primeira Semana de Pedagogia, para a qual oportunamente convidou a professora Terezinha Rios.

De parte dos professores de Psicologia Geral e Sociologia Geral, muitas horas foram dedicadas às leituras preparatórias e ao desejado diálogo entre as disciplinas. Inicialmente, eles não traziam em suas bagagens os conhecimentos necessários para participar das discussões e do planejamento. Os Seminários de Leituras foram, nesse sentido, esclarecedores e, com a motivação que demonstraram, em pouco tempo entenderam os objetivos propostos e o espírito das abordagens inovadoras. Colaboraram muito. Em pouco tempo falavam dos personagens do Conto deescola como se fossem seus velhos conhecidos.

Além dos esforços da coordenação, no sentido de resolver os problemas anteriormente mencionados, outros esforços se fizeram necessários: para definir as datas de reuniões, que satisfizessem a todos os professores; de como integrar as atividades transdisciplinares nos horários das disciplinas; de viabilizar material para docentes e discentes; e de como formar uma atitude transdisciplinar, visando a atingir um meta-objetivo, além daqueles definidos nas ementas das disciplinas.

Para vencer tais dificuldades foi preciso acreditar no que se estava propondo e priorizar as atividades transdisciplinares do Projeto, previstas no Projeto Pedagógico do curso.

A despeito de tudo, criaram-se, entre coordenadora, professores e alunos, oportunidades valiosas de troca de conhecimentos e opiniões, já que

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Este foi o primeiro Projeto e outros já estão em andamento. Obras como

Infância, de Graciliano Ramos, e O Ateneu, de Raul Pompéia, fazem parte das leituras recomendadas aos graduandos/licenciandos da FACSUL.

3.4 LUZES EM TORNO DO CONTO DE ESCOLA

Visando a definir os objetos das diferentes áreas do conhecimento, relacionando-os ao Projeto transdisciplinar, e construir uma linguagem comum entre o organizador (o professor de AACC) e os participantes ( professores e alunos do primeiro semestre do curso de Pedagogia da FACSUL/ Itanhaém), leituras de apoio foram sugeridas. Abaixo encontram-se os títulos dos livros indicados e referências sobre os seus respectivos autores.

O que é História

Vavy Pacheco Borges, professora do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP. Lecionou inicialmente no ensino particular fundamental e médio, e, depois, por muitos anos, no Departamento de História da PUC/SP. Coordenou uma equipe de professores e alunos da PUC/SP, que realizou projeto de pesquisa sobre o ensino de História, projeto publicado pela Editora Brasiliense: O Ensino de História --- Revisão urgente.

O que é Psicologia

Maria Luiza Silveira Teles, pedagoga, com pós-graduação em Psicologia e Sociologia, dedicou-se também ao estudo de Psicologia da Educação. Publicou uma

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O que é Filosofia

Caio Prado Jr. (1907-1990), formado em 1928 pela Faculdade de Direito, hoje incorporada à Universidade de São Paulo, obteve nela, em 1956, o título de livre docente com a tese Diretrizes para uma política econômica brasileira. Eleito deputado estadual, teve, em 1947, seu mandato cassado, em consequência do cancelamento do registro do Partido Comunista do Brasil, pelo qual se elegera. Recebeu o título de intelectual do ano pela publicação do livro A Revolução Brasileira, sendo também agraciado com o prêmio Juca Pato.

O que é Sociologia

Carlos Benedito Martins, sociólogo, graduado e mestre em Ciências Sociais pela PUC de São Paulo. Foi coordenador do Departamento de Sociologia daquela Universidade no período de 1977 a 1981. Doutor em Sociologia pela Universidade de Paris, apresentou a tese "Le Nouvel Enseignement Supérieur Privé au Brésil (1964-1983): rencontre d'une demande sociale et d'une opportunité politique". É autor de Ensino Pago: um retrato sem retoque, publicado pela Global Editora. Organizou também o livro Ensino Superior Brasileiro: transformações e perspectivas atuais, publicado pela Editora Brasiliense.

O que é leitura

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CAPÍTULO 4

LUZES SOBRE O CONTO DE ESCOLA

Conto de escola, de Machado de Assis, foi escolhido --- em função de sua temática ---, como texto-base, nas reuniões preparatórias da coordenadora com os professores, já em 2008, ano do pedido de autorização, ao MEC, da abertura do curso de Pedagogia da FACSUL/Itanhaém.

Tal escolha decorreu também de que, por ocasião do centenário de morte de Machado de Assis, a Lei nº 1.522/08 instituiu 2008 como o Ano NacionalMachado de Assis.

Deve-se lembrar que, a propósito das celebrações, a Editora Cosac Naify, de São Paulo, publicou a tradução de Le Conte de l’ècole, versão francesa do Conto de escola (coleção Dedinho de Prosa). Obra indicada

para figurar na lista de referência do Ministère de l’ èducation Nationale, Le

Conte de l’ècole foi indicada para o ciclo 3 --- que corresponde aos alunos de oito a dez anos ---, na categoria “romances e textos ilustrados”. O livro da Cosac Naify, além disso, foi exposto na Mostra Internazionale

d’Illustratore per L’Infazia, de Sarmede, Província de Treviso, Itália, e

inscrito na Bienal de Ilustração de Bratislava, Eslováquia, e foi incluído no catálogo “The White Ravens, da Internationale JugendBibliothek (Munique, Alemanha).

4.1 RESUMO DO CONTO

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menino Pilar opta afinal pela escola. Motivo: o castigo que seu pai lhe impusera por ter cabulado aulas na semana anterior. Na escola, Pilar ouve de Raimundo, filho do professor Policarpo, a seguinte proposta: Pilar ganharia uma moedinha de prata em troca de explicações sobre um ponto de sintaxe. Curvelo, outro aluno, dirige-se a Policarpo e delata os dois colegas. Policarpo, furioso, atira, pela janela, a moeda na rua e castiga Pilar e Raimundo ---vendedor e comprador, “respectivamente---,” aplicando-lhes palmatoadas. Na manhã seguinte, após sonhar com a moeda, Pilar sai de casa com a intenção de procurá-la. Na procura, sente-se atraído pela passagem de um batalhão de fuzileiros. Acompanha-o. Retorna mais tarde para casa, sem moedinha nem ressentimentos, e possuidor de dois conhecimentos novos: o da corrupção e o da delação.

4.2 LUZES DIVERSIFICADAS

4.2.1 Leitura e produção de textos

Sob a perspectiva da disciplina Leitura e Produção de Textos, desde logo destaca-se o ponto de vista do narrador: o conto é narrado em primeira pessoa do singular por um narrador-protagonista, Pilar, que, já adulto, remete-se a fatos ocorridos em sua infância.

A propósito desse tipo de narrador, Ligia Chiappini Moraes Leite, escreve --com base na classificação estabelecida por Norman Friedman--- que narrador -- protagonista é o personagem que não tem acesso ao estado mental das demais personagens. Narra de um centro fixo, limitado quase que exclusivamente às suas percepções, pensamentos e sentimentos” (CHIAPPINI, 2007, p.43).

E este é bem o caso do narrador-protagonista Pilar.

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Os contos machadianos estão menos voltados para o incidente de uma intriga e mais centralizados em torno do comportamento e sentimentos dos personagens. Através dum flagrante vital, sintético, expressivo [Machado] tenta captar a essência de um indivíduo, de uma instituição social, de uma faceta qualquer da tão variegada tipologia que lhe invade a ficção (BRAYNER, 1982, p. 433).

A ação da narrativa desenrola-se durante dois dias. No primeiro deles, os personagens Pilar, Policarpo, Raimundo e Curvelo relacionam-se dentro de uma sala de aula situada na cidade do Rio de Janeiro, sede da Corte.

Estabelece-se, desde logo, o confronto entre o espaço da escola

(opressivo) e o espaço da rua (amplo e livre).

Palavras de Pilar:

“Para cúmulo de desespero, vi através das vidraças da escola, no claro azul do céu, por cima do morro do Livramento, um papagaio de papel, alto e largo, preso de uma corda imensa, que bojava no ar, uma cousa soberba. E eu na escola, sentado, pernas unidas, com o livro de leitura e a gramática nos joelhos”.

Nota-se, em Machado de Assis, como no exemplo acima, um estilo moderno (Conto de escola faz parte dolivro Várias Histórias, publicado em 1896), caracterizado por períodos curtos e adjetivação econômica e precisa. Tal estilo, aliás, marca a produção machadiana posterior à publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de 1891, romance que dá início à fase madura da produção do escritor.

O vocabulário empregado é de uso comum: à exceção de poucos termos (como “suetos” e “botica”, por exemplo), as palavras são as utilizadas comumente no dia a dia.

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variedade padrão da língua portuguesa. Os pronomes, por exemplo, colocam-se na maioria das vezes de modo enclítico, como são exemplos as seguintes flexões: “deixei-me”, “citava-me”, “sentar-se”, “estender-lhe”, “saquei-a” e “entreguei-lha”.

Manifesta-se ainda a busca de verossimilhança pela coloquialidade dos diminutivos, que aparecem, por exemplo, nos trechos: “Uma pratinha que mamãe me deu”, “Cá estava ela comigo, pegadinha à perna”, “com uma ou duas pancadinhas na mesa”.

Extraídos do conto, tais exemplos deram margem à realização de trabalho integrado entre os professores de Leitura e Produção de Textos e AACC.

4.2.2 Sociologia

A Sociologia dedica-se ao estudo sistemático da organização das sociedades humanas e dos fatos sociais a elas ligados, estudo que procura explicar o comportamento coletivo no âmbito das sociedades, culturas e subgrupos.

Da perspectiva sociológica, procurou-se determinar, no conto, a que classes sociais (conceitos-chaves na reflexão sociológica) pertencem os quatro personagens: Pilar, Policarpo, Raimundo e Curvelo.

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A descrição do mestre Policarpo destaca-lhe as “chinelas de cordovão”, a “jaqueta de brim lavada e desbotada, calça branca e tesa e grande colarinho caído”. Policarpo, exercendo o cargo de professor, respeitável na sociedade carioca de meados do século XIX, mostra, pelos trajes, embora simples, ocupar uma posição social acima da do narrador-protagonista.

Há também um claro descompasso social entre Pilar e o filho de Policarpo, o menino Raimundo. Este oferece a Pilar “uma moeda, e tão moeda que me fez pular o sangue no coração”, moeda que, para Raimundo, tem um valor relativo: “—Mamãe depois me arranja outra. Ela tem muitas que vovô lhe deixou, numa caixinha; algumas são de ouro”. A moedinha, para Pilar, tinha, entretanto, um valor extraordinário: “era bonita, fina, branca, muito branca; e para mim, que só trazia cobre no bolso, quando trazia alguma coisa, um cobre feio, grosso, azinhavrado...”. A propósito, o trecho seguinte também merece ser citado: “Imaginei-me ali, com os livros e a pedra embaixo da mangueira, e a pratinha no bolso das calças, que eu não daria a ninguém, nem que me serrassem; guardá-la--ia em casa, dizendo a mamãe que a tinha achado na rua. Para que me não fugisse, ia-a apalpando, roçando-lhe os dedos pelo cunho, quase lendo pelo tacto a inscrição, com uma grande vontade de espiá-la”.

Quanto a Curvelo, o que justificaria a atitude de delatar os dois colegas ao professor Policarpo? Palavras de Pilar: “olhei para o Curvelo e estremeci; tinha os olhos em nós, com um riso que me pareceu mau”. E após a denúncia: “Pode ser até que se arrependesse de nos ter denunciado; e na verdade, por que denunciar-nos? Em que é que lhe tirávamos alguma coisa?”.

Pode-se deduzir que os dois meninos, Pilar e Raimundo, tiraram de Curvelo a oportunidade de ser o novo dono da moedinha. Sua vontade de tê-la, provavelmente tão grande ou maior que a de Pilar, parece explicar a denúncia feita ao irascível professor Policarpo e indiciar a situação de classe de Curvelo, semelhante à de Pilar.

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4.2.3 História

Ciência humana que permite produzir, adquirir e transmitir conhecimentos ligados à tradição, à evolução e ao passado da Humanidade, a História também se presta a aprofundar a visão crítica do conto de Machado de Assis.

A ação do conto se desenrola numa segunda e terça-feiras do mês de maio de 1840. Vivia-se, então, o fim do período regencial que se iniciara em 1831, com a abdicação de Dom Pedro I, em favor de seu filho Pedro de Alcântara.

Esse momento histórico é marcado, no conto, pelo fato de que o mestre Policarpo, em plena aula, acompanha pelos jornais a agitação política que levaria, em julho de 1840, à aclamação do novo imperador, Dom Pedro II.

Em maio de 1840, uma facção do Partido Liberal propôs a antecipação da Maioridade de Pedro de Alcântara, que faria 18 anos em 1843, mas foi proclamado maior de idade quando ainda tinha 14 anos, em 23 de julho de 1840.

Também indicativa da iminência do golpe, conforme consta no penúltimo parágrafo do conto, é a marcha, pelas ruas do Rio de Janeiro, de fuzileiros que, segundo o narrador-protagonista, “vinham batendo o pé rápido, igual, direita, esquerda, ao som do rufo; vinham, passaram por mim, e foram andando”. A marcha desses soldados dissuadiu o menino Pilar de ir à escola: Não fui à escola, acompanhei os fuzileiros, depois enfiei pela Saúde, e acabei a manhã na praia da Gamboa. Voltei para casa com as calças enxovalhadas, sem pratinha no bolso nem ressentimento na alma”.

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Politicamente, seria Policarpo um conservador? Sim, aparentemente. Para John Gledson, no entanto ---em análise surpreendente---, o professor Policarpo está furioso

com a própria ideia da maioridade antecipada. Como foram os liberais que decidiram tomar o poder usando o artifício de propor a maioridade, será que isso significa que ele era um conservador? É possível, mas parece pouco provável dada à sua classe social (GLEDSON, 2006,p.94).

Segundo Gledson, o que dá uma pista maior da verdade é a ação violenta de Policarpo, atirando, pela janela, a moeda de prata “do tempo do rei” (D. João VI):

A moeda, pode-se imaginar, tinha a efígie do rei. (...) A ação, em sua raiva destrutiva, parece simbólica: simboliza um ódio frustrado e reprimido à monarquia. Policarpo ---podemos supor--- tem simpatia pelos republicanos, e, sendo ele mesmo liberal ou não, está furioso com a facção do Partido Liberal que decidiu usar a monarquia para seus próprios objetivos (GLEDSON 2006, p. 95).

Gledson, em sua leitura do conto, dá uma “segunda volta no parafuso” ao conjecturar que, além de republicano, Policarpo poderia ser um liberal “exaltado”:

Parece mais do que provável, então, que Policarpo seja um adversário da monarquia. O Partido Republicano dividia-se entre os “moderados”, que desencadearam o processo que levou à Maioridade, e os “exaltados”, que não queriam ter nada a ver com a Maioridade, ou mesmo, em muitos casos, com a monarquia (GLEDSON, 2006, p.96).

E Gledson explica:

Porcalhões! tratantes! faltos de brio! (...) A última frase parece especialmente enquadrar-se na outra situação, refletindo a raiva dos “exaltados” em relação aos “moderados” covardes, que tinham comprometido seus supostos princípios em busca do poder (GLEDSON, 2006, p.97).

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ambiente de inquietação que tomava o Rio de Janeiro às vésperas da ascensão de Dom Pedro II ao trono do Brasil.

4.2.4 Filosofia

Neste passo, o olhar transdisciplinar aponta, primeiro, para a filosofia da educação brasileira e seus vínculos com a Escola Tradicional. O ato de filosofar tem, aqui, o sentido de pensar e tentar apreender a realidade em sua inteireza. Num segundo momento, centrou-se o foco na filosofia moral, o que justifica a análise do comportamento dos personagens sob o ponto de vista ético.

O Conto de Escola, lido com os alunos de Pedagogia, transcorre no ano de 1840. Desde logo deve salientar-se que a educação no Brasil, no século XIX, tinha caráter elitista, reflexo, aqui, da filosofia da educação européia tradicional. Pobres, mulheres e escravos eram excluídos da escola brasileira.

A Constituição Política do Império do Brasil, outorgada em 25 de março de 1824, não fazia menção à educação: não havia, ainda, uma filosofia da educação nacional. A referida tradição elitista fez-se representar claramente, por exemplo, nos programas de ensino do Colégio Pedro II, principal instituição educacional das elites brasileiras durante o século XIX e parte do século XX.

O regime republicano, nascido sob a marca do positivismo, instituiu o lema “ordem e progresso”. Iniciou-se um redimensionamento da educação no país e procurou-se romper, então, com a tradição “bacharelesca”.

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O que se constata, logo à primeira leitura do conto, é que o professor Policarpo demonstra, em sala de aula, maior interesse pelas notícias dos jornais do que em ensinar seus alunos.

Sentado, pernas unidas, com o livro de leitura e a gramática nos joelhos, o narrador-protagonista, Pilar, se desespera ao olhar pela janela e ver um papagaio de papel, voando livre: “Para cúmulo de desespero, vi através das vidraças da escola, no claro azul do céu, por cima do morro do Livramento, um papagaio de papel, alto e largo, preso de uma corda imensa, que bojava no ar, uma coisa soberba”.

(Pode-se conjeturar, anacronicamente, que, fosse o professor Policarpo seguidor da filosofia da Escola Nova, talvez estivessem todos ---professor e alunos--- fazendo um interessante e gramaticalmente instrutivo passeio pelos jardins.)

A filosofia da Escola Tradicional, em pleno vigor na época em que o conto se desenrola, encontra-se presente na passagem em que Policarpo bate com a palmatória ---antipedagogicamente, dir-se-ia hoje--- em Pilar e Raimundo. (Aliás, é oportuno lembrar que Pilar só ia para a escola porque as punições que seu pai lhe aplicava, com vara de marmelo, eram bem doídas.)

Parte da Filosofia que trata do estudo das virtudes, a Ética mostra-se presente, no conto, por meio da preocupação de Machado em descrever o caráter dos alunos.

Dessa preocupação são exemplos as seguintes passagens:

Referências

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