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CAPÍTULO 4 LUZES SOBRE O CONTO DE ESCOLA

4.2 LUZES DIVERSIFICADAS

4.2.4. Filosofia

Neste passo, o olhar transdisciplinar aponta, primeiro, para a filosofia da educação brasileira e seus vínculos com a Escola Tradicional. O ato de filosofar tem, aqui, o sentido de pensar e tentar apreender a realidade em sua inteireza. Num segundo momento, centrou-se o foco na filosofia moral, o que justifica a análise do comportamento dos personagens sob o ponto de vista ético.

O Conto de Escola, lido com os alunos de Pedagogia, transcorre no ano de 1840. Desde logo deve salientar-se que a educação no Brasil, no século XIX, tinha caráter elitista, reflexo, aqui, da filosofia da educação européia tradicional. Pobres, mulheres e escravos eram excluídos da escola brasileira.

A Constituição Política do Império do Brasil, outorgada em 25 de março de 1824, não fazia menção à educação: não havia, ainda, uma filosofia da educação nacional. A referida tradição elitista fez-se representar claramente, por exemplo, nos programas de ensino do Colégio Pedro II, principal instituição educacional das elites brasileiras durante o século XIX e parte do século XX.

O regime republicano, nascido sob a marca do positivismo, instituiu o lema “ordem e progresso”. Iniciou-se um redimensionamento da educação no país e procurou-se romper, então, com a tradição “bacharelesca”.

As transformações sócio-econômicas e políticas por que passou o Brasil, na virada do século XIX para o século XX, foram acompanhadas por uma série de trabalhos voltados para as questões sócio-educacionais (sendo a mais recente, aliás, a lei da Inclusão Social). Em 1946, passados mais de cem anos dos acontecimentos narrados no Conto de Escola, é que surgiu a primeira lei federal destinada a embasar filosoficamente a educação no país.

O que se constata, logo à primeira leitura do conto, é que o professor Policarpo demonstra, em sala de aula, maior interesse pelas notícias dos jornais do que em ensinar seus alunos.

Sentado, pernas unidas, com o livro de leitura e a gramática nos joelhos, o narrador-protagonista, Pilar, se desespera ao olhar pela janela e ver um papagaio de papel, voando livre: “Para cúmulo de desespero, vi através das vidraças da escola, no claro azul do céu, por cima do morro do Livramento, um papagaio de papel, alto e largo, preso de uma corda imensa, que bojava no ar, uma coisa soberba”.

(Pode-se conjeturar, anacronicamente, que, fosse o professor Policarpo seguidor da filosofia da Escola Nova, talvez estivessem todos ---professor e alunos--- fazendo um interessante e gramaticalmente instrutivo passeio pelos jardins.)

A filosofia da Escola Tradicional, em pleno vigor na época em que o conto se desenrola, encontra-se presente na passagem em que Policarpo bate com a palmatória ---antipedagogicamente, dir-se-ia hoje--- em Pilar e Raimundo. (Aliás, é oportuno lembrar que Pilar só ia para a escola porque as punições que seu pai lhe aplicava, com vara de marmelo, eram bem doídas.)

Parte da Filosofia que trata do estudo das virtudes, a Ética mostra-se presente, no conto, por meio da preocupação de Machado em descrever o caráter dos alunos.

Dessa preocupação são exemplos as seguintes passagens:

“Pilar não era um menino de virtudes” (Pilar era inteligente e fazia as tarefas com rapidez, mas não gostava da escola. Ia porque tinha medo dos castigos do pai);

“Na semana anterior tinha feito dois suetos, e, descoberto o caso, recebi o pagamento das mãos de meu pai, que me deu uma sova de vara de marmeleiro. As sovas de meu pai doíam por muito tempo”.

Raimundo, por sua vez, era “aplicado”, “esforçado”, mas tinha, também, medo do pai, que, aliás, era o próprio professor. Tentou subornar o colega Pilar, oferecendo-lhe uma moedinha de prata. Isto seria, para ele, apenas uma “troca de serviços” (corrupção): “propôs-me um negócio, uma troca de serviços: ele me daria a moeda, eu lhe explicaria um ponto da lição de sintaxe. Não conseguira reter nada do livro, e estava com medo do pai. E concluía a proposta esfregando a pratinha nos joelhos...”.

Surge aí um grave problema filosófico: um dilema. Pilar diz: “não queria recebê-la, e custava-me recusá-la.”

Pilar deixa-se, então, corromper.

Para descrever o comportamento de Curvelo, diz o narrador- -protagonista, que “era levado do diabo”. Curvelo não apresenta um adequado padrão de comportamento ético. É curioso, mas “bisbilhoteiro” não se vale da curiosidade para aprender, mas para bisbilhotar.

Por fim, Chico Telha, Américo e Carlos das Escadinhas, meninos “vadios” e, portanto, excluídos da escolarização, são apresentados pelo narrador- -protagonista, contraditória e ironicamente, como sendo “a fina flor do bairro e do gênero humano”.

O professor Policarpo, autoritário, exemplifica a falta de respeito ao próximo quando humilha Pilar em frente de toda a classe. Pergunta-lhe “se recebia dinheiro para ensinar os colegas”. Sem deixar Pilar explicar-se, dá-lhe palmatoadas em ambas as mãos. Pilar, envergonhado, de “cara no chão”, soluça

e chora. Todos se assustam com a intemperança do professor. Curvelo, o delator, fica com medo, mas retoma a leitura:

“Compôs-se e entrou a ler em voz alta; estava com medo. Começou a variar de atitude, agitando-se à toa, coçando os joelhos, o nariz. Pode ser até que se arrependesse de nos ter denunciado; e na verdade, por que denunciar-nos? Em que é que lhe tirávamos alguma coisa?”.

Pilar leva, com ele, do episódio, duas lições de vida. Uma lição de corrupção, derivada do comportamento de Raimundo, e outra de delação, decorrente do comportamento anti-ético de se colega Curvelo.

De acordo com a programação de Filosofia I e de AACC, falar sobre Ética, articuladamente à leitura do conto, foi um modo de contribuir para a formação de novos professores, dos quais esperam-se esforços para a construção de uma escola democrática. Discutiu-se, com os alunos, o cruzamento do saber e do dever --- dois fundamentos, segundo Terezinha de Azerêdo Rios, do trabalho do educador competente.

No documento Um conto e vários encontros (páginas 50-53)

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