1 Agradecimentos: à CAPES pela bolsa concedida à primeira autora durante estudos de doutoramento na Pós-Graduação em Psicologia CognitivadaUniversidadeFederaldePernambuco,períodoemque foielaboradoopresenteartigo.
2 Endereço:UniversidadeFederaldePernambuco,Pós-Graduaçãoem PsicologiaCognitiva,CFCH,8ºandar,CidadeUniversitária,Recife, PE,Brasil50670-901.E-mail:spin@ufpe.br
PontosdeConvergênciaentreoInferireoArgumentar
1AngelaSanta-Clara AlinaGalvãoSpinillo2 UniversidadeFederaldePernambuco
RESUMO–Inferireargumentarsãoprocessoscognitivoselingüísticosdamaiorrelevância.Apesardedistintos,oinferir eoargumentarapresentampontosdeconvergênciaqueindicamhaverumarelaçãoentreessasinstâncias.Semincorrerem aproximaçõesconceitualmentedesautorizadasepreservandoasespecificidadesdecadaumdessesprocessos,opresenteartigo procurouindicaralgunspontosdecontatoentreoinferireoargumentar.Essespontos,maisdoqueelementosdiscretose independentes,secaracterizamporumconjuntodeelementoscontínuoseinterdependentesquesecomplementammutuamente, sendoeles:oenvolvimentodepremissaseconclusões,anaturezasituacional,anaturezadialógica,eaprevisão.Oprincipal objetivodoartigofoiconduzirumareflexãoqueinteressaaestudiososdocampodaargumentaçãoedacompreensãodetextos, emparticular,eaestudiososdacogniçãohumana,demaneirageral.
Palavras-chave:inferir;argumentar;pontosdeconvergência.
ConvergentPointsbetweenInferringandArguing
ABSTRACT–Toinferandtoarguearetwoveryimportantcognitiveandlinguisticprocesses.Althoughdistinct,theseprocesses presentconvergentpoints,whichindicatetheexistenceofarelationshipbetweenthem.Withoutgoingintoconceptuallynon-authorizedapproximations,andpreservingtheparticularitiesofthetwoprocesses,thepresentpaperattemptedtoindicatesome oftheconvergentpointsbetweeninferringandarguing.Thesepoints,ratherthanbeingdiscreteandindependentelements, arecharacterisedbyasetofcontinuousandinterdependentelementswhichcomplementeachother,namely:theinvolvement ofpremisesandconclusions,thesituationalnature,thedialogicalnatureand(iv)theprediction.Themainaimofthepaper wastoreflectuponaspectswhichwillbeofinteresttoacademicsofthefieldofargumentationandtothosedealingwithtext comprehension,andespeciallytothoseconcernedwithhumancognitioningeneral.
Keywords:inference;argument;convergentpoints.
tomandooinferirnoâmbitodacompreensãodetextosenão nointeriordaargumentação.Estecenáriopossibilitouuma análisemaisdiversificadaarespeitodasrelaçõesentreoinfe-rireoargumentar.Antes,porém,deapresentarospontosde convergênciaidentificados,torna-senecessáriocaracterizar, aindaquedeformabreve,anaturezadessasinstâncias.
Asinferênciaseacompreensãodetextos
Compreender textos3 é fenômeno que envolve fatores denaturezalingüística,cognitiva,entreoutros.Osfatores lingüísticosreferem-seaosaspectossintáticos,semânticos, lexicaiseàhabilidadededecodificação(quandotextosescri-tos).Osfatorescognitivos,porsuavez,referem-seàmemória detrabalho,àsestratégiasdemonitoramento,àcapacidade deintegrarinformações(e.g.,Oakhill&Yuill,1996;Perfetti, Marron & Foltz, 1996; Yuill & Oakhill, 1991). Oakhill e Yuill(1996)agrupamessesfatoressobadenominaçãode processos de baixo nível (decodificação, reconhecimento depalavrasememóriadetrabalho)eprocessosdealtonível (inferênciasemonitoramento).
Inferireargumentarsãoprocessoscognitivoselingüís-ticosdamaiorrelevânciaqueapesardedistintos,são,em últimaanálise,duasfacesdeummesmofenômeno:ainte-raçãohumanapormeiodalinguagem.Embora,usualmente inferirsejaumaatividadeassociadaàcompreensãodetextos eargumentaràproduçãodetextos,épossívelestabeleceruma ponteentreessasduasinstâncias.Pinto(1995),porexemplo, relacionouessashabilidadesaotecerconsideraçõesbastante pertinentesarespeitodanaturezainferencialdaargumenta-ção,apontandoquenaargumentação,asjustificativaspara umpontodevistacorrespondemapremissasequeaquele queargumentadesejaqueointerlocutor,combasenessas premissas,chegueàsmesmasconclusõesqueele.
Opresenteartigoexploraapossibilidadedeidentificar pontosdeconvergênciaentreinferireargumentar,inserindo esta discussão em um cenário mais amplo do que aquele propostoporPinto(1995).Enquantooautordiscuteoinferir na argumentação, o presente artigo expande a discussão,
Asinferênciassãoapontadascomofatorcrucialnopro-cessodecompreensão,assumindopapeldedestaquetanto nosmodelosteóricos(Britton&Graesser,1996;Kintsch, 1998) como nas pesquisas conduzidas na área (Perfetti, Marron&Foltz,1996;Yuill&Oakhill,1991).
OModelodeConstrução-IntegraçãopropostoporKintsch (1998),porexemplo,envolveoconhecimentodemundodo receptordotexto,oselementostextuaiseainteraçãoentre estesaspectos.Deformabreve,essemodelopressupõedois componentes:otexto-baseeomodelosituacional.Otexto-baseserefereaoselementosexplícitosnotexto(conteúdo e forma lingüística), sendo definido como uma rede de proposiçõesintegradas.Omodelosituacional,porsuavez, envolveaselaboraçõesqueoleitorrealizaapartirdosseus conhecimentoslingüísticos,experiênciaseconhecimentode mundo.Emresumo,aelaboraçãodeummodelosituacional estádiretamenteligadaàconstruçãodeinferências.
De maneira geral, estabelecer inferências é atividade cognitivaresponsávelpelaformaçãodesentidosedeuma representaçãomentalorganizadaecoerentedotexto,resga-tandoanãoexplicitudedasinformaçõesneleveiculadas.Uma vezquenemtudonotextoestáexplicitadoeacompreensão nãoserestringeàmeraextraçãodeinformaçõesneledepo-sitadas,oestabelecimentodeinferênciastorna-seessencial nacompreensãodetextos(oraisouescritos).Éatravésdelas queasinformaçõestextuaiseasinformaçõesderivadasdo conhecimento de mundo do receptor do texto (leitor ou ouvinte)seintegrameseconectamemumarepresentação mentalcoerente.DeacordocomoModelodeConstrução-Integração(CI)deKintsch,arepresentaçãomentalresultada construçãodesignificadosemcadapassagemdotextoeda integraçãoentreasdiversasinformaçõestextuaisacrescidas erelacionadasaoconhecimentodemundodoindivíduo(e.g., Brandão & Spinillo, 1998; Graesser, Singer & Trabasso, 1994; Kintsch, 1998; Marcuschi, 1985, 1996; Oakhill & Cain,2004;Sampaio&Spinillo,1986;Mahon,2002;Vidal Abarca&Rico,2003;Yuill&Oakhill,1991).
Conscientesdopapeldesempenhadopelotextoepelos conhecimentos prévios do indivíduo, estudiosos da área consideramasinferênciascomointratextuaiseextratextuais (Graesser&Zwann,1995;Mahon,2002;VidalAbarca& Rico,2003).Asprimeirasreferem-seainformaçõesgeradas apartirdaconexãodeidéiasveiculadasnotexto;enquanto asinferênciasextratextuaissãogeradasapartirdeumacone-xãoentreumaidéiaveiculadanotextoeoconhecimentode mundodoreceptordotexto.Asinferênciasintratextuaissão geradasapartirdasrelaçõesentreidéiassucessivaspresentes notexto,permitindo,assim,explicitaroqueestavaimplici-tamenteveiculadonotexto.Asinferênciasextratextuais,por suavez,derivam-sedasrelaçõesentreidéiaspresentesno textoeidéiasrelativasaoconhecimentopréviodoindivíduo quefoiacionadopelotexto.
Portanto,inferirresultadeumprocessodeconstrução, emqueaintegraçãodasinformaçõestextuaisenglobatodo otextoeseassociaarecortesdoconhecimentodemundodo indivíduorelevantesparaacompreensãodeumdadotexto.É exatamenteoinferirquepossibilitaresgatarasinformações nãoexplícitasnotexto,inclusiveaquelasqueaindanãoforam veiculadas,comoporexemplo,asinferênciasdeprevisão queconsistememcriarhipótesesacercadoqueviráaseguir
emumtexto(Feldman,Bruner,Renderer&Spitzer,1990; Feldman&Kalmar,2000;Mahon,2002;Solé,1998;Yuill &Oakhill,1991).
Aargumentação
Nafilosofiaoestudodaargumentaçãoéumatradiçãoe umadasformasmaisprofícuasdosraciocíniosinerentesà própriaatividadefilosófica.Argumentarimplicaacapacidade dedialogar,depensar,deanalisar,deescolhere,emúltima análise,implicaocomprometimentodoindivíduocomos seusprópriosargumentos.
Aristótelesfoioprimeirofilósofoaexporumateoriada argumentação,definindo-acomoaartedeconvencer .Bus-candoencontrarummeiotermoentreasidéiasdePlatãoe asdosSofistas,definiuaRetóricacomoaartededescobrir meiosdepersuasãoparaosváriosargumentos.Aintenção do filósofo era produzir uma comunicação mais eficiente paraoSaberqueeleconsideravacomoalgoquedeveriaser adquirido.ARetórica,tornou-se,assim,aartedefalarde modoapersuadir/convencerdiversasaudiênciasdequeuma dadaopiniãoépreferívelàsuaoponente.
Oobjetivoprincipaldequalquerdiscursoargumentativo éprovocaraadesãodeumadadaaudiência.Portanto,odis-cursoésemprecriadoemfunçãodessaaudiência,poisantes deelaborarsuaargumentação,oemissorprecisaconstruir umarepresentaçãoapropriadadessaaudiência,deformaque possarealizarumacertaprevisãosobreapossíveladesãoaos argumentosaqueirãoserexpostos.Obviamente,nemtodos osargumentosprovocarãoamesmaadesão,ecadaaudiência requerumaestratégiaargumentativaparticular,demodoque oemissorpossaapresentar,nosmomentoscertos,osargu-mentosmaisapropriadosdemodoqueodiscursovenhaa serpersuasivo.Ofatoéque,paraargumentar,énecessário expor um conjunto de premissas (razões, provas, idéias) quejustifiquemousustentemumadadaconclusão(ponto devistaoutese).
Para que um discurso (ou segmento de discurso) seja consideradoargumentativoénecessárioqueapresenteuma organizaçãoeencadeamentológicodeargumentosdetalfor-maqueaaudiênciapossaacompanharoraciocíniodequem oproduze,aomesmotempo,serconvencidaarespeitoda consistênciadaposiçãoqueestásendodefendida(Logos),e, eventualmente,tomarumaposição.Paraqueodiscursoseja persuasivo é igualmente importante considerar, ainda, dois outrosaspectos:1)acredibilidadedequemargumenta(Ethos) e2)asreaçõeseopiniõesdaaudiênciadiantedamensagem aserveiculada(Pathos ).Emoutraspalavras,odiscursoar-gumentativo,tantoenfatizaaimportânciadequemelaboraa argumentação,comotambémvalorizaaaudiência.
Noâmbitodapesquisapsicológica,aqualvemocupando umcrescenteespaço,nasúltimasdécadas,aargumentação temsidodefinidacomoumaatividadediscursivadecunho social,intelectualeverbalqueserealizaatravésdajustifi-cação e refutação de opiniões, visando o convencimento. Considerando sua natureza multifacetada, Leitão (2000) apontacincodimensõescaracterísticasdaargumentação,a saber:verbal,dialógica,dialética,situadaeepistêmica.
verbal. Adimensãodialógica remete à sua constituição social e ao princípio das múltiplas vozes (heteroglossia), comocaracterizadoporBakhtin(1995),apartirdoqualse entende que a fala/ação humana pressupõe a expectativa deumaação-resposta.Ésempreemrelaçãoaum“outro”, presenteounão,determinadoouindeterminado.Umdiálogo internodeposições.
A existência de um tema controverso, ou passível de originar diferentes opiniões/pontos de vista, é a condição principalparaqueaargumentaçãoseinstale.Istoremeteà suadimensãodialética,ouseja,aconsideraçãodeexistência deperspectivascontrárias(divergênciasreaisoupressupos-tas).Adimensãosituadadaargumentaçãoserefereàsua sensibilidadeaocontextoeàscondiçõesdeprodução.
Por último, tem-se adimensão epistêmica que remete ao potencial transformador da argumentação, através do confrontodeposiçõesopostasquepossibilitaaemergência do“novo”.Asidéiasdeváriosautorescontemporâneostêm servido de suporte para esta reflexão. Miller (1987), por exemplo,assumeumaperspectivaqueeleprópriodenomina
interacionismo genético, a partir da qual a argumentação coletiva, que tem por meta alcançar soluções conjuntas para questões que exigem coordenação interindividual, é concebidacomooúnicotipodediscursoquepossuiuma natureza intrinsecamente construtiva. Esta perspectiva se opõe diretamente ao que ele classifica deindividualismo genético ,umavezqueodesenvolvimentoocorre,priorita-riamenteatravésdodesdobramentodasestruturasnoplano intrapsíquico.Taloposiçãotemlugar,porqueMilleracredita queaemergênciadonovonodesenvolvimentopsicológico, sóépossívelmedianteoconfrontoentreposiçõesdivergentes noplanointerindividual.
Adimensãoepistêmicatemsidoparticularmenteexplo-radaporLeitão(1999,2000,2001,noprelo),queconsidera aargumentaçãocomoumdosrecursosracionaismaisimpor-tantesparaaconstituiçãodoconhecimento.Interessadaem estudarcomoseproduzanovidadeapartirdaargumentação, ouseja,oseupotencialcomoconstitutivadoconhecimento, aautoradesenvolveuumaunidadetriádicadeanálisecom-postapor:argumento(queenglobaumpontodevistaeuma justificativa),contra-argumento(aoposiçãoaumpontode vista),eresposta(queéoaspectopsicológicodoconceito). Paraela,acontra-argumentaçãoéomecanismobásicodo desenvolvimento,vistoqueaoposiçãoaumdadopontode vistatemopoderdedesencadearprocessosderevisãode posiçõesoucrenças,permitindoaoindivíduosemoverrumo anovasperspectivas.
Omodelodesenvolvidopelaautorapropõeaanálisede enunciadosdodiscurso,buscandoidentificarapresençade operaçõesargumentativas(oscomponentesdaunidadetri-ádica),eexplicitarasoperaçõesepistêmicasquesereferem aosindicadoresdemudançaouampliaçãodosconceitosou representações em questão. Essas últimas são observadas atravésdaspossíveisalteraçõesdopontodevistainicial,após omesmotersofridoumarevisãomedianteumaoposição.
Pontosdeconvergênciaentreoinferireoargumentar
Umavezdefinidosecaracterizados,aindaquedeforma breve,oquevemaseroinferireoargumentar,epartindo
daidéiadequeépossívelestabelecerumaponteentrees-sas instâncias, procedeu-se a uma análise, sem pretender esgotartodasaspossibilidades,emqueforamidentificados algunspontosdeconvergência.Essespontos,maisdoque elementosdiscretoseindependentes,secaracterizamporum conjuntodeelementoscontínuoseinterdependentesquese complementammutuamente,sendoeles:oenvolvimentode premissaseconclusões,anaturezasituacional,anatureza dialógica,eaprevisão.
Oenvolvimentodepremissaseconclusões
Inferireargumentarrequerlidarcompremissasesuas conclusões.Nocasodacompreensãodetextos,issopodeser ilustradocomosexemplosaseguir:
Nessaespéciedeave,asfêmeastêmpenasdeváriascores norabo,masnuncatêmpenasazuis.Opassarinhoqueele haviaganhadodepresentedeseutiotinhapenasamarelase azuisnorabo.Portantoaquelaaveeraummacho4.
Estabelecendoumarelaçãoentreaspremissas(primeirae segundafrases),oleitorderivaumaconclusãoarespeitodo sexodaave:elaeraummacho.Nesseexemplo,aconclusão advémdeinformaçõesintratextuais.Noentanto,podeocorrer queaspremissasenvolvaminformaçõesextratextuaisrelati-vasaoconhecimentodemundodoleitor,comoilustradona passagemaseguir,retiradadeumasituaçãoemsaladeaula emqueaprofessoratrabalhavaacompreensãodeumtexto5 escritonoquadro(Spinillo,2002).
Tonicoestavadeitadofolheandoumlivro.Olocalestava todoembaçado.Derepentecaiusabonetenosseusolhos. Ele,depressa,procuroupegaratoalha.Entãoeleouviuum barulho:ploft.Ah,não!Oqueiriadizeràsuaprofessora? Eleiaterquecomprarumoutrolivro.Tonicoesfregouos olhosesesentiumelhor.
Professora:EmquepartedacasaTonicoestava? Aluno1:Nobanheiro.
Professora:Cadêissoaquinotexto?Quaisaspartesdo textoquederamessaidéiaparavocê?
Aluno1:Sabonete,toalha.Tudoissotemnobanheiro. Tavatomandobanhodebanheira.
Professora:Tácerto.Masdebanheira?Comosabe? Aluno2:Táaquitia(apontaparaotexto),dizquetava deitado.Nocomeçoeupensavaqueeletavalendonacama, masaidissesabonete,toalha.Aitinhaquesertomandoba-nho.Edebanheiraporquenochuveiroagenteficadepé; nãoficadeitadonão.
Assim,setemsaboneteetoalha(premissas),olocalsó podeserobanheiro(conclusão).Estaconclusãoéalcançada apartirdarelaçãoestabelecidaentreasinformaçõescontidas notexto(intratextuais)eoconhecimentodemundodoleitor (extratextuais).Omesmoocorreemrelaçãoàconclusãode queomeninoestavatomandobanhodebanheiraenãode chuveiro(premissa:omeninoestavadeitado).
Noqueserefereàargumentação,Pinto(1995)afirma que argumentar tem por objetivo gerar uma inferência na pessoaparaquemoargumentoéendereçadoenãoapenas
gerarumaaceitaçãoquantoàconclusão.Naargumentação, aspremissascorrespondemàsjustificativasparaumpontode vistaouacontra-argumentoslevantadosemrespostaacontra-argumentosqueoendereçadolevantoufrenteàsjustificativas apresentadasemdefesadeumpontodevista.
Aopassoqueaspremissasemumtextolido,porexemplo, permanecemrelativamenteconstantesdurantetodaaleitura, naargumentaçãooralaspremissaspodemsofreralterações àmedidaquenovasinformaçõesvãosurgindonodecorrer dodiscurso.ConformePinto(1995),aspremissasapresen-tadasporaquelequeargumentaservemdeapoioparalevar oreceptorachegaraumaconclusãoemparticular,ouseja, servemdebaseparagerarumainferêncianoreceptor,como ilustradoaseguir6:
Amãeestavadirigindo,levandoofilhoparaumacon-sultamédica.DuranteopercursoLuís,ofilhopequenoque seguedejoelhosnobancodetrásdoveículo,ficabrincando comoscabelosdamãe,fazendocócegasemseupescoço, perturbando,decertaforma,asuaatenção.
Mãe:Parecomisso,Luís! Luís:Eeunãogostodetu?
...econtinuoubrincandocomoscabelosdamãe,que nadamaisdisse.Apenassorriu!
Aodizer“Eeunãogostodetu?”,Luísestáseopondo (contra-argumento)àordemdamãeparaqueparedebrincar comelaenquantoestádirigindo.Essecontra-argumento,para seraceito(oucompreendido),deveprovocarageraçãode umainferênciaporpartedamãe.Destemodo,paratornar clara a inferência, a fala de Luís poderia ser reconstruída maisoumenosdestaforma:Seeugostodetu(premissa), entãoeupossocontinuarbrincandocomosseuscabelose fazendocócegasnoseupescoço!(conclusão).
Asalteraçõespelasquaispassamaspremissasdurantea argumentaçãooralpodemserentendidasquandoseconsidera o papel do contra-argumento no discurso argumentativo. Leitão (2000) aponta quatro possíveis formas de reação aoscontra-argumentosqueimplicamograudeajusteque vaiocorrernopontodevistainicial.Nareaçãodenegação ao contra-argumento, o argumento inicial é preservado; nareaçãolocalizada,partedocontra-argumentoéaceito, masoargumentoinicialpermanecesemmodificações;na
reaçãointegrada,domesmomodoquenaanterior,partedo contra-argumentoéaceitoeoargumentoinicialérevisado; nareação de aceitação, o contra-argumento é totalmente incorporadoeaposiçãoinicialéabandonada.
Para Pinto (1995), argumentação é um convite à infe-rência,vistoqueodesejodaquelequeargumentaéqueseu interlocutorchegueàsmesmasconclusõesqueeleapartir daspremissasapresentadas.Argumentossãobemsucedidos quando as pessoas às quais eles são endereçados aceitam asconclusõescombaseempremissas.Argumentosfracas-samquandooendereçadoserecusaaaceitaraspremissas ouquandoaceitaaspremissas,porém,nãoderivadelasa conclusão.
Noentanto,nãoháumasimplesrelaçãodelógicadedutiva nageraçãodeumaconclusão,poisestanãodependeapenas
das premissas apresentadas, mas também dos interesses, conhecimentos,crençasemotivaçõesdoreceptordotextoou daqueleaquemumargumentoéendereçado.Nestesentido, tanto argumentar como inferir são instâncias sensíveis ao contextoeàsituaçãodeproduçãoemqueocorrem,como vistoaseguir.
Anaturezasituacionaldoinferiredoargumentar
Comomencionado,inferireargumentarsãoprocessos sensíveisaocontextoemqueocorrem.Emsendoassim,é pertinenteocomentáriodeBronckart(1999,p.19)arespeito dalinguagemdeque“Aformaeoconteúdosefundemno discursocompreendidocomofenômenosocial:eleésocial emtodasasesferasdesuaexistênciaeemtodososseus elementos,desdeaimagemauditivaatéasestratificações semânticasmaisabstratas”.Aodefenderadimensãosocial dalinguagem,oautorconsideraascontribuiçõesoriundas da sociologia para estabelecer conexões entre as ações humanas em geral e as ações de linguagem em um dado momentohistórico.Paraeleoagircomunicativo(atividade delinguagememfuncionamentonosgruposhumanos)dá formaaosocial,aomesmotempoemquedelimitaasações deindivíduosparticulares,constituindoapessoaenquanto agentepsicológico.Assim,atesecentraldointeracionismo sócio-discursivoéque“(...)aaçãoconstituioresultadoda apropriação, pelo organismo humano, das propriedades daatividadesocialmediadapelalinguagem.”(Bronckart, 1999,p.42).
ComoenfatizadoporLeitão(1999,2000,2001,noprelo), aargumentação,enquantoumtipoparticulardeorganização do discurso também possui essa natureza situacional. Os sentidosdosdiscursossãocriadosnainteração,esobain-fluênciadomomentohistórico,socialeculturalemqueeles acontecem,nãosendopossívelsecaptarasintençõesdos interlocutoresdequalquerquesejaodiscurso,foradesua situaçãodeprodução.Assim,naargumentaçãoossentidos sãocriadosnodiscurso,istoé,constituídosnasituaçãode produção.
Noqueconcerneaoinferirnaatividadedecompreensão de textos, muitos dos sentidos do texto são atribuídos na interaçãodoleitorcomotexto(econseqüentementecomo autordotexto),istoé,nasituaçãodeleitura.Asituaçãode leituraremeteaoqueSolé(1998)denominadepropósitos daleitura.Segundoaautora,oleitortenta,apartirdosob-jetivosqueorientaramsualeitura,construirumsignificado dotexto.Essesobjetivosdeterminamaformacomooleitor seposicionafrenteaotextotantoemrelaçãoaoqueénele veiculadoquantoemrelaçãoàmaneiracomoaleiturase processa.Porexemplo,seoobjetivodoindivíduoélerum textoparaobterumainformaçãoespecífica,sualeituraserá pontuada,seletivanosentidodepriorizarefocalizardeter-minadaspassagensemdetrimentodeoutras.
Se,poroutrolado,oleitortemporobjetivoaprendersobre opontodevistadoautordotextoarespeitodeumtema, sualeituraseráfeitadeformamaisminuciosaeexaustiva, percorrendotodootexto.Percebe-se,portanto,quenãoselê qualquertextodamesmaforma.Comoospropósitosdoleitor variamemrelaçãoaumtexto,ageraçãodeinferênciasirá variaremfunçãodessespropósitos,bemcomoaimportância
atribuída a determinadas idéias em detrimento de outras, emboraessasidéiaspossamestarigualmenteenfatizadasno texto.Emvistadisso,decorrequeháumamultiplicidadede significadospossíveisparaummesmotextoqueépassívelde diversasalternativasdecompreensãodeacordocomaquilo queéinferidopeloleitoremumadadasituação.
Anaturezasituacionaldoinferiredoargumentarestá relacionadaànaturezadialógicaquecaracterizaambosos fenômenos,comotratadoaseguir.
Anaturezadialógicadoinferiredoargumentar
Emumaabordagemdialógica,anaturezadacognição humanaévistacomodual,estandosuasproduçõesrelacio-nadastantoaoqueéobservadoquantoaopróprioobservador. Omesmopodeserditoarespeitodalinguagem,emgeral, e de processos cognitivos particulares como o inferir e o argumentar.
DeacordocomBakhtin(1992,pp.319-320),
Oobjetododiscurso,sejaelequalfor,nãoéobjetodo discursopelaprimeiraveznesteenunciado,eestelocutor nãoéoprimeiroafalardele.Oobjeto,porassimdizer,jáfoi falado,controvertido,esclarecidoejulgadodediversasma-neiras,éolugarondesecruzam,seencontrameseseparam diferentespontosdevista,visõesdemundo,tendências.
Aesserespeito,Faraco(2003)comentaqueoindivíduo, aonascer,desembarcaemummeiosaturadodevozesem constantes e múltiplas relações dialógicas; compreendido comoocomplexocaldodaheteroglossia(complexohetero-gêneodevozessociais).Taisvozesouperspectivassãodas maisdiversasordens:concordânciaediscordância,aceitação erecusa,convergênciaedivergência,harmoniaeconflitoetc. Mergulhadonumaatmosferaheterogêneaderelaçõesemúl-tiplasdimensõesdainteraçãosócio-ideológica,oindivíduo assimilaasvozessociais(comsuasinter-relaçõesdialógicas), evaiseconstituindodiscursivamente.
(...)todoenunciado,alémdoobjetodoseuteor,sempreresponde (no sentido lato da palavra), de uma forma ou de outra, a enunciadosdeoutrosanteriores.(...)Oenunciadoestávoltado nãosóparaoseuobjeto,mastambémparaodiscursodeoutro acercadesseobjeto.Amaislevealusãoaoenunciadodooutro confereàfalaumaspectodialógicoquenenhumtemaconsti-tuído puramente pelo objeto poderia conferir-lhe.(Bakhtin, 1992,pp.319-320).
Aargumentaçãoéumaspectoparticulardanaturezadia-lógicadalinguagem,comopropõeLeitão(2001)aoafirmar que a argumentação pode ser concebida como uma arena dialógicaondeosindivíduostentamfazervalerseuspontos devista,lutandocontraasposiçõesdivergentesdosoutros. Pode-sedizerquesituaçõesdiscursivassãoargumentativas quandopontosdevistasãojustificadoseperspectivasalter-nativassãoconsideradasnosentidodemudaraperspectiva deumaaudiênciasobreumdadotópico.Estaênfasenopapel “dooutro”éoqueconfereàargumentaçãosuadimensão dialógica7.
Anaturezadialógicadoinferir,porsuavez,seexpressana interaçãoestabelecidaentreoleitoreoautordotextoatravés dotextoque,narealidade,funcionacomoumaespéciede elemento intermediário entre esses interlocutores. Se por umlado,oautorduranteoprocessodeproduçãoprecisater emmenteumleitorimaginário;poroutrolado,oleitorna tentativadeatribuirsignificadoaotextoprecisateremmente oprodutordaqueletexto.Oinferir,portanto,pressupõeum diálogoentreoautoreoreceptorcomvistasàconstrução dosignificadodotexto.
Segundo Marcuschi (1996), o texto é algo inacabado queseráconcluídopeloleitor.Oautoreleitorestabelecem umaco-autoriademaneiraqueoautorproduzparcialmente o texto, enquanto o leitor o completa. Como o texto não trazemsiumúnicosentido,osseuspossíveissentidossão co-construídosatravésdeumarelaçãodialéticaentreoco-nhecimentodemundodoleitoreosignificadoinicialmente pretendidopeloautor8.
Seaheteroglossianaargumentaçãoserefereaposições opostas,nacompreensãodetextos,aheteroglossiaserefere àmultiplicidadedesentidosquepodemserinferidosapartir doconhecimentodemundodoleitor.Essaheteroglossiade-corredanaturezadialógicadoinferiredoargumentar,como tambémdecorredessanaturezadialógicaofatodaprevisão estarenvolvidanessasduasinstâncias.
Aprevisãonoinferirenoargumentar
Como mencionado, o principal objetivo de qualquer discurso argumentativo é o convencimento de uma dada audiência em relação a um determinado ponto de vista. Neste sentido, o discurso argumentativo se configura em funçãodessaaudiência,vistoqueoemissorprecisafazer previsõesarespeitodesuaaudiência:dosseuspontosde vista,dasjustificativasquesustentamsuasposiçõesedas possíveisreaçõesquepodeapresentar(contra-argumentos) frenteaopontodevistaqueoemissordesejadefender.As-sim,comvistaàadesão,oemissornecessitaconstruiruma representação apropriada dessa audiência e prever, ainda, movimentosdeseusinterlocutoresqueconcerneàsreações quepodemapresentarduranteaargumentação.Tomemoso exemplo9aseguir:
7 Leitão(2001)pontuaanecessidadedesuperaraidéiaequivocadaque identificadiálogocominteraçãoface-a-face,sugerindoqueaatenção
sejadirecionadaparaosmecanismosdialógicosqueoperamnaargu-mentaçãosejaemsituaçõesdeinteraçãoface-a-face(conversações),em situaçõesmonológicas(produçãoescrita),ouatémesmoemsituaçõesde argumentaçãodoindivíduoconsigopróprio.Umoponente,sejaelereal ouvirtual,estásempreinteragindonaargumentação.Paraissoépreciso queodiálogosejaconsideradoumavisãoepistemológicaparticular, apartirdaqualsósepodementenderasaçõesdeumapessoanasua relaçãocomoambientesocialnoqualelasemergemeemrelaçãoàs açõesdosoutros.
8 Emboraasinferênciaspermitamflexibilidadeeliberdadenoprocesso decompreensão,hádirecionamentosestabelecidospeloprópriotexto queprecisamserconsideradosparaquenãosejamfeitascompreensões incorretas.Assim,apesardocaráterpolissêmicoeapluralidadedesig-nificaçõespossíveisnumtexto,nãosepodeinferirqualquercoisa,pois existeminferênciasdesautorizadaseincoerentesquevãodeencontro aoqueétratadonotexto(Marcuschi,1996;Mahon,2002).
Horadoalmoço.Amãecolocatortadegalinhanoprato deJuly,meninadedoisanosesetemeses.Pornãogostar datorta,elatentaencerrararefeiçãopedindoàmãeparair aoparquinho.
July:Euvouproparquinho(olhandopracâmera).Tem maruimnão.(balançandoacabeçanegativamente).
Ameninatemalergiaàpicadadoinsetoeusasempre repelente.
Nafaladacriançaháumacondutaopositivadeantecipa-çãodeoposiçãoàprópriaposição:“Euvouproparquinho”. Emoutraspalavras,Julyantecipaumapossívelobjeçãoda mãe:“nãovaiporquetemmaruim”,àsuaposição,quando diz:“temmaruimnão” .AfaladeJulyresponde,antecipada-mente,ànegativadamãe,descartandoumcontra-argumento, aindanãoexpresso.
Deformaanálogaàsprevisõesqueprecisamserfeitas peloemissorfrenteaumadadaaudiência,oautordeumtexto tambémprecisafazerprevisõesemrelaçãoàqueleaquemseu textoéendereçado.Comvistasafazer-seentender,mesmo cientedamultiplicidadedesentidosqueseutextopossavir asuscitar,oautorduranteoprocessodeproduçãoprecisa teremmenteumleitorimaginário:suascaracterísticas,seu conhecimentodemundo,seuspropósitosdeleitura.
No entanto, a necessidade de fazer previsões também caracterizaopapeldoleitordotexto.DeacordocomSolé, (1998,p.119),aprevisão“(...) consisteemestabelecerhipó-tesesajustadaserazoáveissobreoqueseráencontradono texto,baseando-senainterpretaçãoqueestásendoconstruí-dasobreoquejáseleuesobreabagagemdeconhecimentos eexperiênciasdoleitor”,comoilustraoexemploaseguir, retiradodeumasituaçãoemsaladeaulacomumtextoes-crito10noquadro(Spinillo,2002):
Gilbertoganhouumacapa,umpardegalochaseum guarda-chuva.Elequeriausaropresente.Paraisso,queria umdiadechuva.Finalmente,apósmuitosdiasdeespera, océuamanheceucobertodenuvenscinzentasepesadas. Gilbertovestiuacapa,calçouasgalochas,abriuoguarda-chuvaefoiparaacalçada.Amamãepreveniu:“Cuidado, filhote,oquevemaínãoéchuva.Éumaterríveltempes-tade!”.Oventonãoestavadebrincadeira.Sopravaforte, quesóvendo!Derepente,soproutãofortequeasbordasdo guarda-chuvasevoltaramparacima.Eachuvamolhouos cabelos,orosto,aroupadeGilberto,queentroucorrendo emcasa.AmamãetrocouaroupadeGilbertoesecouos cabelosdele.Masnãoconseguiusecar-lheorosto,poisuma chuvadepinguinhoscaíadosolhosdomenino.Elechora-vaporcausadoguarda-chuvaestragado.Então,elafalou baixinho,noouvidodeGilberto.Eumsorrisoiluminouo rostinhotriste.
Professora: O que você acha que a mãe de Gilberto disseparaele?
Aluno1:Euachoqueamãedelevaidaroutroguarda-chuvanovopraele.
Professora:Porquevocêpensaassim?
Aluno1:Porqueelequeriaterumguarda-chuva.Aquele seacaboutodo.Aíamãetinhadinheiroeiacompraroutro. Eleficavafelizdenovo.
Aluno2:Amãedelevaidarumchocolatepraeleco-mer.
Professora:Porquevocêachaisso?
Aluno2:Chocolateébom.Elecomeeesquecedoguar-da-chuva.Epáradechorar.
Aluno3:Euachoqueeladisse‘euteamomeufilho’. Professora:Porquevocêachaisso?
Aluno3:Porqueaieleiaparardechorarporcausaque elaamavaele.
Aointegrarasinformaçõesentrepartesdotextoeentreo textoeseuconhecimentodemundo,oleitorfazprevisões11, antecipandofatosecriandoexpectativasarespeitodoque viráaseguir.Sealgoveiculadonotextovaideencontroàs antecipaçõesfeitas,oleitorre-elaborasuainterpretaçãoso-bretodootextoousobrepartesdele.Assim,asinferências estabelecidasestãoemconstantere-elaboração,podendoser alteradasnodecorrerdainteraçãocomotexto.
Assim,oinferireoargumentarenvolvemprevisõesque antecipamfatosepermitemre-elaboraçõesanteseduran-te a interação dos interlocutores. As previsões ilustram a permanenteelaboraçãoere-elaboraçãoporpartedequem argumentaedequemestabeleceinferências.
ConsideraçõesFinais
Aparentementedistintos,oinferireoargumentarapre-sentampontosdeconvergênciaqueindicamapossibilidade deumaaproximaçãoentreessasinstânciasdacomunicação e da cognição humanas. Sem incorrer em aproximações conceitualmentedesautorizadasepreservandosuasespeci-ficidades,opresenteartigoprocurouindicaralgunspontos decontatoentreoinferireoargumentarcomoobjetivode ampliarareflexãoconduzidaporPinto(1995).Oautortrata asrelaçõesentreargumentoseinferênciasapartirdanatureza inferencialdoargumentar,definindoinferênciacomo“(...)
atooueventomentalnoqualapessoaderivaumaconclu-sãoapartirdepremissas,ouchegaaumaconclusãocom baseemumconjuntodeevidências.”(Pinto,1995,p.271). Nopresenteartigo,aoinserirasinferênciasnoâmbitoda compreensãodetextos,amplia-seaconcepçãodeinferência, abrindoespaçoparaapossibilidadedeseidentificarpontos deconvergênciamaisamplosediversificadosdoqueaqueles tratadosporPinto.
Entendidoscomoatividadesemconstantere-elaboração, inferireargumentarsãoprocessoslingüísticosecognitivosda maiorrelevânciaquetêmsidoobjetodeestudonoâmbitoda psicologiacognitivaedapsicolingüíistica.Duasperspectivas, dentreoutras,podemseridentificadasarespeitodosestudos nestaárea:aprenderainferireaargumentar,eoinferireo argumentarparaaprender.
Pesquisas inseridas no primeiro grupo examinam a possibilidadededesenvolverhabilidadesinferenciaisear-gumentativas.Noqueconcerneàcapacidadedeestabelecer inferências,diversosautoresconsideramquecompreender
10 TextoretiradodolivrodidáticodeZéliaAlmeida,AConquistadaLin-guagem–EstudoeProduçãodeTextos(Livro2),EditoraDimensão.
textos, no sentido de inferir, é um dos aspectos básicos e maisrepresentativosdodomíniodousodalíngua.Omesmo pode ser dito a respeito da capacidade de produzir textos argumentativos e a respeito do desenvolvimento da capa-cidadedeargumentar.Assim,parasetransformaremum usuáriocompetentedalínguamaterna,oindivíduoprecisa aprenderaestabelecerinferênciasnacompreensãodetextos (e.g.,Marcuschi,1996;Solé,1998;Spinillo,2002;Yuill& Oakhill,1991;Serra&Oller,2003)eaprenderaargumentar (e.g.,Coirier,1996;Coirier,Andriessen&Chanquoy,1999; Ferreira,2005;Golder&Coirier,1994;Leitão,1999,2000, 2001,noprelo;Rosenblat,2005).
Pesquisas inseridas na outra perspectiva consideram o inferireoargumentarrelevantesnaconstruçãodoconheci-mento,sendoambosentendidoscomoinstrumentosparaa aprendizagemdealgoenãomaiselespróprioscomoobjetos deaprendizagememsimesmos.Nocasodacompreensão detextos,énecessárioensinaracompreendertextospara aprender,porexemplo,osconteúdosdasdisciplinasescolares emtodososseussegmentos.Oprocessoinferencial,portanto, permitequeoindivíduosejacapazdebuscarinformações eaprendersobrediversosconteúdosapartirdaleiturade textos.Oleitorexperientenãoapenasestabeleceinferências apartirdeumdadotextocomotambémécapazdeestabele-cerrelaçõescomplexasentretextossobreummesmotema, tratando-oscomsefossempremissasquegeramconclusões sobreotemaemfoco.Noquetangeàargumentação,surge oqueosautorestêmdenominadointervençãoargumentativa, definida como um conjunto de ações discursivas a serem desenvolvidaspeloprofessor,afimdeestimularoprocesso deargumentaçãoemsaladeaulacomvistasàaprendizagem dealgumconteúdoescolar(DeChiaro&Leitão,2005;Fer-nandes,2002).Nestesentido,inferireargumentarsãopostos aserviçodaaprendizagem.
Paraconcluir,alémdepontosdeconvergênciaentreo inferireoargumentar,ambasasinstânciaspodemserelas própriasobjetodeaprendizagemcomotambéminstrumento deaprendizagem;destacando-se,assim,arelevânciadoinfe-riredoargumentardopontodevistapsicológico,lingüístico eeducacional.
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Recebidoem16.12.2005 Aceitoem05.04.2006
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