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Artemídia escrevente: a caligrafia entre a arte e o design

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Academic year: 2017

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Artemídia escrevente:

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Bianca Kondo

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

Instituto de Artes

Artes Visuais

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto

de Artes da Universidade Estadual Paulista - UNESP como

requisito parcial para a obtenção do Título de Bacharel em

Artes Visuais.

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Artemídia escrevente:

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Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

Instituto de Artes

Artes Visuais

Orientador: Prof. Dr. Pelópidas Cypriano

Banca Examinadora:

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09 Imagem x Escrita 14 Linguagem visual 04 Resumo . Abstract 06 Agradecimentos 07 Introdução

16 A arte da caligrafia

17 O instrumento dita a forma 19 China

23 Ocidental x Oriental 26 Caligrafia Japonesa 32 Action Painting

36 Escrita, tipografia e design 37 Dos copistas aos impressores 44 Gutenberg

59 Um Processo de Criação

72 Considerações Finais 73 Bibliografia Geral

75 Referências Iconográficas

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48 A industrialização e o aperfeiçoamento da

im-prensa

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O termo “artemídia escrevente” expressa um processo artístico-científico realizado na interface Arte-Comunicação-Ciência apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso em Artes Visuais na modalidade Bacharelado.

A primeira parte reúne, na abordagem da pes-quisa artístico-científica, um panorama histórico da relação entre imagem e escrita, tendo como principal foco a caligrafia e suas diferentes expressões na arte e no design, envolvendo inclusive suas inter-relações. A identificação é feita a partir de levantamento bibliográfi-co e ibibliográfi-conográfibibliográfi-co, tanto de impressos quanto de material virtual. A abordagem envolve a seleção de depoimentos e comentários de autores com o objetivo de oferecer um embasamento histórico mais profundo, já que se trata de fatos e acontecimentos.

A segunda parte diz respeito ao conjunto de tra-balhos produzidos durante o período de quatro anos do curso de Artes Visuais, incluindo uma reflexão a respeito do processo de criação e tudo o que o envolve – influ-ências, memórias, olhares etc. – para, enfim, estabele-cer uma conexão entre todos esses elementos a fim de tornar claro essa incrível rede de criação. O presente trabalho está inserido na linha de pesquisa “Processos e Procedimentos Artísticos” do Departamento de Artes Plásticas do Instituto de Artes da UNESP e descreve:

processo criativo, produção e influências.

A metodologia utilizada foi a Cibernética Peda-gógica Freinetiana, desenvolvida no Grupo de Pesquisa “Artemídia e Videoclip”, do qual é líder o orientador deste Trabalho de Conclusão de Curso. O resultado e a discussão da pesquisa artístico-científica foram relata-dos em monografia com as seguintes versões: versão em pdf para divulgação em repositório virtual na Bibliote-ca do Instituto de Artes; versão Bibliote-capa dura para acervo físico na Biblioteca do Instituto de Artes; versão de trabalho para a banca examinadora; versão em template apropriado para submissão a Congresso Científico Inter-nacional na área de Artes.

Palavras-chave: artemídia, caligrafia, imagem e

escri-ta, arte e design.

The term “writing media art” expresses an artistic- scientific process performed in the Art-Science Communica-tion interface presented as Final Paper in Visual Arts bacca-laureate modality.

The first part gathers, in artistic-scientific research, a historical overview of the relation between image and writing, which its main focus is calligraphy and its different expressions in art and design, including their interrelations. The identification is made from bibliographical and icono-graphical survey, both printed and virtual materials. This approach involves the selection of authors’ statements and comments in order to offer a deeper historical basis, since it comes to facts and events.

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surrounds it – influences, memories, visions etc. – to finally establish a connection between all these elements in order to make clear this incredible web of creation. This work is inserted in the line of research “Artistic Processes and Pro-cedures” of the Department of Fine Arts of the Art Institute of UNESP and describes: creative process, production and influences.

The methodology used was Freinetiana Educational Cybernetics, developed in the research group “Art media and Videoclip”, whose leading advisor is the one from this Final Paper. The result and discussion of the artistic-scientific research were reported in monography in the following ver-sions: PDF File repository for dissemination in the virtual library of the Institute of Arts; hardcover version for phy-sical collection in the Library of the Institute of Arts; paper version for the committee; template version appropriate for submission to International Scientific Congress in the area of Arts.

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A

ntes de tudo, gostaria de agradecer aos meus pais por essa vida maravilhosa e cheia de amor que eles me proporcionaram desde sempre. Obrigada pelo apoio, pelo companheirismo, pela paciência e por sempre transformarem o meu dia-a-dia em contínuos finais de semana. Esse trabalho não teria sido possível de ser realizado sem vocês.

À minha irmã e melhor amiga, por todos os minutos que passamos juntas; são verdadeiras injeções de ânimo e alegria. Obrigada por me tornar completa.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Pelópidas Cypriano, pela paciência, pela compreensão e pela segurança transmitida.

Ao Prof. Dr. Omar Khouri, pelas aulas sempre enriquecedoras e por ter gentilmente aceito a participar da Banca Examinadora desse trabalho.

Ao Prof. Me. Paulo Eduardo Machado, pela minuciosa análise do conteúdo apresentado e pelas importantes coloca-ções expostas na banca de qualificação desse trabalho.

E, por fim, agradeço aos meus amigos pelo carinho, pelo incentivo e por todos os momentos que passamos

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A

rtista ou designer? Designer e artista? Ou somente designer? Questões envolvendo os campos da arte e do design e suas possíveis inter-relações me interessam profundamente des-de o ingresso ao curso des-de Artes Visuais da UNESP, em 2009. Por possuir interesses maiores nas abordagens que a área do design gráfico realiza, a questão designer é também um artista? sempre es-teve presente em minhas reflexões durante esses anos de gradu-ação. A busca por respostas foi o que, a princípio, me motivou a escolher essas duas áreas como objetos de estudo e pesquisa para este Trabalho de Conclusão de Curso. Porém, não era apenas isso que despertava minha curiosidade e meu desejo por um aprofun-damento teórico e de conhecimento.

Desde o primeiro ano de faculdade minhas preferências por uma temática oriental sempre estiveram evidentes na

produ-ção de meus trabalhos; e o preferir escrever a desenhar também foi ficando mais claro conforme o passar dos semestres. Além de pintar, trabalhar com a escrita e incorporá-la em minhas produ-ções foi se tornando um desejo cada vez mais forte; porém a in-serção dessa relação imagem x escrita nas obras produzidas dentro da faculdade era, de certa forma, complicada dada às questões sobre arte/design mencionadas anteriormente. O curso de Design Gráfico feito na Academia Brasileira de Arte (ABRA) durante o terceiro ano de BLAV, em 2011, foi onde eu senti total liberdade para explorar o entrelaçar desses dois elementos. No entanto, não foi suficiente para sanar todas as minhas dúvidas e a vontade de conseguir conciliar, num mesmo trabalho, qualidades de um artis-ta visual e de um designer – a estesia com a funcionalidade.

No primeiro semestre desse ano de 2012 – 7º semestre e último ano de curso – tivemos uma matéria chamada Processo de Criação, do Prof. Dr. Milton Sogabe, na qual, a partir de leituras teóricas a respeito do assunto, era para se refletir e analisar tudo o que envolvia seu próprio processo de criação, incluindo – prin-cipalmente – experiências vividas no passado, memórias mar-cantes, influências... ou seja, era uma reflexão sobre a vida. No decorrer desses estudos a respeito de tudo o que me cercava e de como absolutamente todos esses fatores se entrelaçavam nessa incrível rede de criação, o tema que permitia a análise e centrali-zava todas as questões existentes até o momento se tornou claro: a caligrafia – tema que envolve arte, design, escrita, imagem e

até aspectos orientais; tema cujo encaixe foi perfeito dentro dessa busca pessoal por um maior autoconhecimento.

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influências, olhares etc. – se conectam e formam esse complexo processo de criação, culminando em uma maior consciência a res-peito da identidade pessoal presente nas obras produzidas.

A monografia foi dividida em duas partes: a primeira reú-ne, na abordagem da pesquisa artístico-científica, um panorama histórico da relação entre imagem e escrita, tendo como principal foco a caligrafia e suas diferentes expressões nos campos da arte e do design, envolvendo inclusive suas inter-relações. A abordagem feita envolve a seleção de depoimentos e comentários de autores com o objetivo de oferecer um embasamento histórico mais pro-fundo, já que se trata de fatos e acontecimentos.

O primeiro capítulo, Imagem x Escrita, introduz um breve histórico a respeito dessa relação desde os tempos remotos e como a escrita surgiu; além de discutir sua importância através da Linguagem Visual, assunto de extrema relevância principal-mente nos tempos contemporâneos.

O segundo capítulo, A Arte da Caligrafia, reúne uma pesquisa a respeito das diversas expressões dessa arte mundo afora, destacando principalmente as semelhanças e as diferen-ças entre o Oriente e o Ocidente; e como a caligrafia influenciou outras formas de expressão – a Action Painting, por exemplo – no decorrer da história. Aqui, a visão oriental recebe uma atenção especial, devido à maneira como esse modo de ver e viver a vida dos asiáticos – principalmente dos japoneses – influencia sobre-maneira o meu processo de criação.

E Escrita, Tipografia e Design, último capítulo dessa

primeira parte, reúne uma breve pesquisa a respeito da história da tipografia e a forma como ela está relacionada à arte da cali-grafia. Abordando esse assunto, é possível compreender melhor a razão pela qual as fronteiras entre arte e design são tão discu-tíveis atualmente – afinal, o design surgiu do campo da arte. E além dessa pesquisa sobre as conexões entre esses dois temas, o

capítulo se encerra com um estudo sobre a importância do ato de escrever e da própria escrita em si.

A segunda parte da monografia, Um Processo de Criação, diz respeito ao conjunto de trabalhos produzidos durante esses quatro anos do curso de Artes Visuais. Esse capítulo inclui tam-bém uma reflexão a respeito do processo de criação e tudo o que o cerca. Estabelece, enfim, uma ligação entre todos esses elementos para tornar claro essa complexa e singela rede de criação.

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D

esenho e escrita são provenientes de um mesmo propósito: ambas foram criadas da “necessidade fundamental dos seres humanos de armazenar informação para comunicar, a si mesmos ou a outros, distantes no tempo e no espaço” (FISCHER, 2009, p. 13). A escrita nasceu da imagem. Segundo Flusser (2002, p. 9):

Surgiram pessoas empenhadas no “relembramento” da função originária das imagens, que passaram a rasgá-las, a fim de abrir a visão para o mundo concreto escondido pelas imagens. O método de rasgamento consistia em desfiar as superfícies das imagens em linhas e alinhar os elementos imagéti-cos. Eis como foi inventada a escrita linear. Trata-va-se de transcodificar o tempo circular em linear, traduzir cenas em processos.

Independente do sistema de escritura (logográfico, silábi-co, alfabético), a prática da escrita inicialmente era feita com de-senhos, percorrendo caminhos e processos de transformação até a abstração. A pictografia (“escrita pictórica”) e a logografia (“escrita da palavra”), segundo Fischer (2009, p. 15), são “pré-escritas”. A primeira, surgida da “[...] necessidade de transmitir uma varieda-de maior varieda-de informação pontual [...] registrando com um ou mais símbolos pictóricos” (Ibidem, p. 19), era basicamente o registro do cotidiano através do desenho da imagem das coisas independen-temente dos sons; enquanto que os logogramas eram “[...] sinais

de palavras completas que representam o som do nome do objeto” (Ibidem, p. 23).

Considerada “[...] a origem comum de todos os sistemas de escrita” (EMBAIXADA DA CHINA, 2009, p. 9), a pictografia “[...] pode transmitir uma mensagem muito complicada, sem recorrer ao discurso articulado. No entanto [...] transmite valores fonéticos representando objetos específicos e assim promovendo a identificação com a fala” (FISCHER, 2009, p. 20). É uma “[...] comunicação por meio da arte gráfica, transmitindo uma mensa-gem limitada em um domínio limitado” (Ibidem).

Figura 1

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A combinação de imagens simples resulta na escrita ideográfica, cujos ideogramas são sinais que significam ideias, não coisas (FISCHER, 2009, p. 26). A respeito disso, afirma Jean (2008, p. 14): “Combinan-do vários pictogramas, pode-se mesmo expressar uma ideia, daí o termo às vezes empregado ser o de ideogra-ma”. Alguns países orientais – sendo a China o maior exemplo – ainda utilizam a escrita ideográfica nos dias de hoje. No caso chinês, elementos fonéticos (identifica-dores de som) e elementos significantes (identifica(identifica-dores de sentido)1 se fazem presentes com o objetivo de

com-plementar informações das quais os signos ideográficos sozinhos não conseguem suprir uma vez que sozinhos geram muita ambiguidade. Segundo Fischer (2009, p. 155), “os elementos significantes na verdade têm papel restrito na decodificação dos caracteres chineses” e, de acordo com Coulmas (1989 apud FISCHER, 2009, p. 155), “o fonetismo é muito mais importante no proces-so de leitura”. DeFrancis (1984, apud FISCHER, 2009, p. 155) complementa: “o elemento fonético é muito superior para indicar a pronúncia do que o elemento semântico para indicar o sentido”. Porém, “[...] o fone-tismo e o elemento significante juntos retêm uma ‘chave visual’ exclusiva, aparentemente, para memorizar o som e o sentido” (FISCHER, 2009, p. 155). É devido a isso que parece mais adequado chamar os sinais chineses de “caracteres” – “sinal” reflete unidade, enquanto que “caractere” sinaliza flexibilidade combinatória (Ibidem). O autor complementa:

Cada caractere chinês expressa a dinâmica de um ou mais sinais de sentido combi-nados com um ou mais sinais de sons, e

cada componente da combinação deve ser lido em qualquer número de formas, assim como o produto final. Só um caractere, e nunca um sinal, alcança um desempenho tão multidimensional (Ibidem).

1Termos usados por

Steven Roger Fischer no livro História da Escrita, p. 153.

Figura 2

Pictogramas chineses – à esquerda, as formas antigas; à direita, as formas modernas. Do alto para baixo: o sol, a montanha, a árvore, o meio, o campo, a fronteira, a porta.

Na China, “o pictograma, elemento de origem, elemento-chave de todas as escritas, subsiste, ainda hoje, nos caracteres chineses” (JEAN, 2008, p. 46). Segundo o autor:

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Figura 3

Desenvolvimento de alguns caracteres chineses importantes da dinastia Shang, em escrituras derivativas.

se torna padronizado e abstrato, não se reconhecen-do mais o objeto nele, porém mantenreconhecen-do essa relação do objeto ao pictograma e seu valor fonético. Esses símbolos, que ainda “[...] não conseguiam transmi-tir ‘qualquer ou todo pensamento’ porque estavam ligados a um referente externo” (Ibidem), só se tornaram sinais de um sistema de escrita quando seu valor fonético começou a superar seu valor semânti-co em um sistema de valores limitados e semelhantes e quando teve sua ligação com um referente externo cortada (Ibidem). Em relação a essa transformação, o autor afirma: “não se percebia mais no símbolo gráfico (ou pictograma) apenas um objeto externo ou abstrato [...], começava-se a ler um som [...] por seu valor independente” (Ibidem, p. 30).

“Quando o som assumiu a prioridade no siste-ma, a escrita incompleta se tornou escrita completa” (Ibidem); “o som de um símbolo assumiu um status sistêmico para se tornar um signo” (Ibidem) – e

quando o símbolo se tornou signo, por volta de 3700 a.C., a arte gráfica começou a “falar”. A escrita pictórica era escrita fonética. Era precisamente essa exploração consciente do fonográ-fico no pictográfonográ-fico que tornou a escrita incompleta uma escrita completa2

(FISCHER, 2009, p. 33).

O autor resume:

A escrita plena tornou-se possível quando o signo e o som não estavam mais ligados a um sistema referenciado em objeto externo [...] – podia-se ler

Na fonetização ou “sonorização” dos primeiros pictogra-mas “[...] se percebe uma relação especial entre um objeto, sua re-presentação gráfica e seu valor ou sugestão fonética” (FISCHER, 2009, p. 29). O pictograma se transforma num símbolo quando

2 Segundo o autor,

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um signo só por seu valor sonoro, em um sistema padronizado com um número limitado de signos (Ibidem, p. 32).

A respeito dessa transição e seus resultados, Martins (1998, p. 40) escreve:

“Decompondo” o som das palavras, o homem perce-beu que ele se reduzia a unidades justapostas, mais ou menos independentes uma das outras (enquanto som) e nitidamente diferenciáveis. Daí surgiram os dois tipos de escrita que marcam essa grande revo-lução decisiva: a escrita silábica, na qual o sistema se funda em “grupos de sons”, representados por um sinal, e a escrita alfabética, em que cada sinal corresponde a uma letra. A segunda representa, por consequência, um progresso com relação à primei-ra, porque atinge o limite da análise que ela tinha iniciado. Assim, pois, pode-se dizer que a escrita alfabética representa, com relação à silábica, uma complexidade maior de ordem ideológica, mas uma inestimável simplificação técnica.

A escrita alfabética representa a capacidade de organizar e transmitir ideias de forma mais abstrata, na qual a fragmenta-ção da linguagem é tão intensa que os signos – no caso, as letras – se isolados não fazem sentido, conforme afirmação de Fischer (2009, p. 76): “com poucas exceções, as letras não têm significado próprio. Seu significado – seu valor sonoro – emerge quando se juntam com outra ou outras letras para produzir uma palavra”.

A letra, sem existir por si mesma no interior da lin-guagem, é indispensável para a existência da sílaba, que seria, no fundo, a “unidade” da linguagem. A in-venção da letra é, pois, de um arrojo extraordinário, e representa [...] o pináculo daquela capacidade de

Figura 4

Os hieróglifos antigos continuam, de maneira transformada, em nosso próprio alfabeto.

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Essa escrita é “[...] conectiva, com a comunicação sendo feita na sequência letra a letra de sons separa-dos” (FISCHER, 2009, p.184-185) – ao con-trário da escrita chinesa e suas derivativas, que possuem “[...] valor

semân-tico, na base de caractere para caractere” (Ibidem, p. 184). Essa diferença contribui para um melhor en-tendimento a respeito do significado singular – e sua importância – da caligrafia no Oriente, já que “[...] o efeito visual da escrita na Ásia Oriental é muito mais forte do que no sistema alfabético ou outros” (Ibi-dem, p. 185) (ver adiante).

“A distinção visual é importante. Parece que numa população altamente instruída, as habilidades de produção, recepção e retenção da língua estão neurologicamente ligadas à forma escrita da língua”, afirma Fischer (2009, p. 185). De acordo com Coul-mas (1989 apud FISCHER, 2009, p. 185),

As diferenças entre sistemas de escrita baseados no morfema [como no chinês] e sistemas de escrita baseados em sons [como no inglês] não são apenas distin-ções superficiais de códigos, mas têm conotações neuropsicológicas relativas às diferentes formas de armazenagem e processamento das unidades da língua escrita.

Figura 5

Coluna dedicada a Rômulo, fundador da cidade de Roma.

Figura 6

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A fonografia, reduzindo o número de sinais ao mínimo, facilita a aprendizagem e o empréstimo de seus signos; e esse reducionismo, que permite uma reprodução quase exata da fala, estimula o uso dessa escrita por muitas línguas diferentes (FIS-CHER, 2009, p. 76). Ainda segundo o autor:

O alfabeto pleno de vogais dos gregos não mudou a maneira das pessoas pensarem. Facilitou a forma das pessoas escreverem o que pensavam. Nesse sentido, favoreceu um maior letramento, mais discussões, e assim mais domínios complexos de pensamento. No entanto, a escrita grega não gerou a democracia, a teoria da ciência ou a lógica formal. Auxiliou a preservar os pensamentos daqueles que refletiram sobre tais coisas, e a treinar outros a construir sobre essas ideias e outras semelhantes (Ibidem, p. 147).

Linguagem Visual

C

onforme exemplificado anteriormente, a relação entre texto e imagem sempre existiu. Flusser (2002, p. 10) complemen-ta ao afirmar que a escricomplemen-ta é mecomplemen-tacódigo da imagem:

Os textos não significam o mundo diretamente, mas através de imagens rasgadas. Os conceitos não signi-ficam fenômenos, signisigni-ficam ideias. Decifrar textos é descobrir as imagens significadas pelos conceitos. A função dos textos é explicar imagens, a dos concei-tos é analisar cenas.

A luta entre texto e imagem é dialética: “embora textos Parece que ocorre um processo mental diferente nos

ha-bitantes da Ásia Oriental durante a leitura de suas escritas. “Em chinês e japonês, em particular, a imagem gráfica da palavra é aparentemente armazenada na mente como parte do processo de recuperação léxico, talvez a um grau muito maior do que o pro-cesso de recuperação da ‘palavra-total’ do alfabeto do Ocidente”, afirma Fischer (2009, p. 185).

A Embaixada da China (2009, p. 75) também comenta a respeito do assunto:

Cientificamente, o cérebro humano é dividido em dois hemisférios. O hemisfério esquerdo desem-penha sobretudo as funções do pensamento lógico racional e o direito, responde pela imaginação, a criatividade. Ao contrário das línguas alfabéticas e fonéticas que ativam apenas o hemisfério esquerdo, a língua chinesa é uma combinação de conceitos abstratos e imagens concretas que solicita ambos os hemisférios. Além de favorecer o desenvolvimento de ambos, como já foi provado, o seu aprendizado constitui uma terapia eficaz para certos distúrbios, além de atuar como catalisador no desenvolvimento da inteligência humana.

Segundo Jean (2008, p. 52), “[...] muitos pensam que o aparecimento do alfabeto marca verdadeiramente o início da democratização do saber”, já que apesar de as 23 letras do nosso alfabeto não reproduzirem todos os sons,

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Através de um processo de apresentação visual-textual, a linguagem visual pode transmitir de forma mais simples ideias complexas, reduzindo o tempo de digestão desse material escrito – que é mais complexo – presente na vida cotidiana das pessoas (FISCHER, 2009, p. 272). Segundo o autor, “[...] as imagens e sua colocação padronizada no texto de fato ajudam a transmitir ideias complexas de modo mais simples do que a escrita con-vencional” (Ibidem). Como o cérebro humano utiliza diferentes caminhos para processar informação verbal e não-verbal, “[...] um leitor usando ambos os canais imediatamente entenderá mais e mais depressa e será capaz de se lembrar melhor” (Ibidem) (pro-cesso semelhante ao que ocorre durante a leitura dos caracteres chineses, como já visto anteriormente).

Martins (1998, p. 427) explica essa diferença de processa-mento e a vantagem de se relacionar imagem com texto:

Na diferença psicológica entre o sinal e a imagem reside todo o segredo do enorme prestígio desta última, do seu poder sugestivo infinitamente maior. A imagem não requer quase nada de colaboração por parte do homem: ela traz em si mesma o seu signifi-cado. Já o sinal, a palavra, não existe por si mesmo: é apenas um catalisador. Quando “percebemos” inte-lectualmente a imagem, percebemo-la nela mesma; quando lemos a palavra escrita, traduzimos, somos obrigados a traduzir, o sinal daquilo que representa.

“A fraqueza da linguagem é ser frágil em termos de de-talhes e precisão” (FISCHER, 2009, p. 272) já que “[...] não pode transmitir o amplo leque do pensamento humano” (Ibidem). Porém é uma suplementação essencial para completar a escrita, principalmente pela nova tecnologia. “Com ela, os sistemas de es-crita do mundo adquiriram uma nova dimensão”, afirma Fischer (2009, p. 272).

expliquem imagens a fim de rasgá-las, imagens são capa-zes de ilustrar textos, a fim de remagicizá-los. Graças a tal dialética, imaginação e conceituação que mutuamen-te se negam, vão mutuamenmutuamen-te se reforçando” (Ibidem).

Se os textos não mais significam imagens – textolatria3 –, nada resta a explicar, e a história para

– já que essa é uma explicação progressiva de imagens, desmagicização, conceituação; um processo de recodifi-cação de imagens em conceitos (FLUSSER, 2002, p. 11). As explicações passam a ser supérfluas.

Giannino Carta4 (apud MARTINS, 1998, p. 419)

exemplifica bem essa relação intrínseca que existe desde o início dos tempos ao afirmar:

No começo foi a procura do verbo. E a imagem ajudou. As pinturas das cavernas foram, além do resto, palavras desenhadas, objetivação e manifestação de sensações, mensagens pictográficas destinadas a de-senvolverem-se, mercê da elaboração mági-co-sacerdotal, na escritura ideográfica, que é, em última análise, uma estilização das formas levada às extremas consequências.

Além dessa ligação, texto e imagem também podem se relacionar de uma outra forma, em um outro sentido. Segundo Horn (1998 apud FISCHER, 2009, p. 272), alguns pesquisadores modernos afirmam que “[...] texto e imagem evoluíram independentes em nossa cul-tura, de uma forma que podem ser vistos juntos como uma linguagem autônoma: uma ‘linguagem visual’”. Não seria a escrita-simbólica de aeroportos e estações de trem, mas um casamento entre o visual e a escrita, um fenômeno híbrido separado (Ibidem).

3Termo usado por

Vilém Flusser no li-vro Filosofia da Caixa Preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia (2002, p. 11).

4 A imaginação e

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C

aligrafia (do grego kallos “beleza” + graphe “es-crita”) é um tipo de arte visual que, etimologicamente, quer dizer “bela escrita”. Possui características e signifi-cados singulares em cada região do mundo, sendo que as diferenças existentes entre a oriental e a ocidental são as mais explícitas (ver adiante).

Essa bela arte “manuscrita” (feita à mão), de acordo com Massoudy (1981)1 , é, “pragmaticamente,

[...] a fronteira frágil e movediça entre a arte e a neces-sidade de expressão, entre o desenho e a escrita dos signos”. Ainda a respeito disso, afirma:

A significação de um texto é uma coisa, sua caligrafia, outra; às vezes, as duas estão intimamente ligadas. A caligrafia não é so-mente a fixação de um texto, mas também uma composição abstrata que exprime uma concepção do mundo (Ibidem).

Em todas as suas variantes regionais, a linha é o elemento dominante. Ela conduz o olhar pelo espaço e nos faz acompanhar o desenvolvimento do texto. Assim como o desenho, a caligrafia é uma arte da linha. Para Massoudy (1981), “quem olha uma caligrafia percebe primeiramente seu aspecto plástico para só depois se preocupar com sua significação. Com frequência, a in-formação fica prejudicada pelos efeitos estéticos”.

A dimensão caligráfica provém da riqueza e da variedade dos níveis de percepção: a composição ou forma global; depois, o equilíbrio ou o desequilíbrio sugeridos pelos espaços brancos e negros, o ritmo; em seguida, a decifração da significação primeira das palavras e de sua significação subjacente, conotativa (Ibidem).

As ferramentas utilizadas e os suportes adotados exercem grande influência nas características do desenho das letras.

1 La calligraphie

árabe vivante, Flammarion, 1981. Disponível na ses-são Testemunhos e Documentos do livro A Escrita: Me-mória dos Homens

de Georges Jean (2008, p.136-139).

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2,QVWUXPHQWRGLWDD)RUPD

O

material e o instrumento mandam”, afirma Ponot (1973)2. Segundo ele, “[...] os signos dependem

tanto da civilização que os forja quanto dos instrumen-tos que os traçam e do material que lhes serve de supor-te”. A respeito disso, Harris (2009, p. 7) explica:

Alguns materiais e instrumentos são mais adequados para uma construção exata de uma escrita do que outros. Por exemplo, a maioria dos escribas anteriores a 1500 utilizava pergaminho ou velino, que per-manecem até hoje como duas das melhores superfícies para se escrever. Frequente-mente, a ferramenta de escrita é de igual importância.

A arte da caligrafia se inicia com a cuidadosa se-leção das ferramentas e materiais. “Frequen-temente, a dificuldade em conseguir alcançar um bom resultado é uma indicação de que o suporte ou o ins-trumento de escrita não estão adequados” (Ibidem, p. 14).

Mesmo que dois

2 Communication

et langage, 1973. Disponível na sessão Testemunhos e Documentos do livro

A Escrita: Memó-ria dos Homens de Georges Jean (2008, p.130-131).

indivíduos se utilizem de um sistema gráfi-co, segundo Ponot (1973), “[...] concebe-rão seus signos de maneira totalmente diferentes ao traçá-los um com o cálamo sobre o papiro, o outro com um estilete sobre o barro”, por exemplo. O mesmo se vale a respeito da reprodução de um modelo já existente – o resultado também será diferenciado. O au-tor complementa: “Ao fim de certo tempo, a natureza do suporte condicionará o emprego do instrumento de tal sorte que nenhuma semelhança existirá mais entre o original e as reproduções, nem entre as próprias reproduções”.

Apesar da forma dos signos ser, inicial-mente, resultado do material e do instrumento,

convém não perder de vista sua carreira posterior, cujo desen-volvimento pode colocar tudo em questão – pode-se transformar estilos anteriormente fixados sem que se crie novos sistemas gráficos, apenas com a mudança da posição da mão ao segurar a pena de ganso, por exemplo.

Além disso, Ponot (1973) comenta:

[...] o conhecimento do material de criação e de transformação nos ajuda a melhor compreender ‘por que certas línguas e escritas desapareceram sem dei-xar vestígios, ou subsistem somente por parcos tra-ços, ao passo que outras, protegidas dos rigores do tempo, favorecidas pelo clima e confiadas a material

Figura 9 Estojo de bicos metálicos. Figura 8

(19)

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pouco destrutível, continuaram intactas e puderam atingir a modernidade’.

Na prática ocidental, “a pena de ave é o mais tradicional dos instrumentos” (HARRIS, 2009, p. 15). Embora seja, provavelmente, o melhor entre todos os instrumentos de escrita, ela não é tão conveniente para os iniciantes da arte caligráfica já que exige uma prática maior em seu manuseio. “Sendo feita de um material mais macio do que uma pena de aço ou um cálamo, ela requer uma pressão mais suave do que o esperado, mas a sutileza da linha que ela cria é muito superior à de ou-tras penas” (Ibidem). De acordo com Paulo Heitlinger3,

sua “ponta podia ser biselada à direita para um traçado fino e uniforme, ou biselada à esquerda, para obter uma

3 Informação

dis-ponível em seu site

Tipografia: origens, formas e uso das letras, conforme bibliografia.

escrita mais negra [...], com maior contraste entre traços grossos e finos”.

A pena de ave, juntamente com o cálamo, tem sido utiliza-da desde a antiguiutiliza-dade. “Embora ambos tenham sido superados por outras ferramentas de escrita, o cálamo continua sendo uma ferramenta ideal para uma caligrafia expressiva. Ele é, normal-mente, feito e um caniço de jardim de caule oco” (HARRIS, 2009, p. 14), e pode ser considerado ancestral das canetas-tinteiro e esferográficas (JEAN, 2008, p. 15). Segundo Heitlinger, “o corte da ponta do cálamo determina a grossura do traço e a alternância entre traços grossos e finos – uma característica da maioria dos estilos caligráficos”.

Figura 10

“A primeira posição é a que se chama ‘de frente’, porque a pena é segurada quase frente a frente ao corpo, e de manei-ra que ela produza sobre a li-nha perpendicular ou sobre a oblíqua grossos em gradação descendente. A segunda po-sição é ‘de lado’, pois a pena é segurada de maneira que o bico fique na direção da linha horizontal para produzir os grossos nessa mesma linha, assim como também acima e abaixo das partes curvas. A terceira posição é chamada ‘inversa’, porque a pena, da maneira que é segurada, pro-duz grossos ascendentes.”

L’Art d’écrire (A arte de escre-ver), Paillasson, 1763.

Figura 11

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China

A

China possui um papel essencial e de destaque na his-tória da arte da caligrafia e da própria escrita em si. Sua escrita é a mais antiga do leste da Ásia, estando em uso há mais de três mil anos (FISCHER, 2009, p. 150), o que a classifica como um caso único segundo Jean (2008, p. 45): “nascida por volta do segundo milênio a.C., codificada por volta de 1500 antes de nossa era e constituída em sistema coerente entre 200 a.C. e 200 d.C., é per-ceptivelmente a mesma que os chineses leem e escrevem hoje”. Ainda a respeito disso comenta:

A escrita chinesa é a mesma escrita chinesa de sem-pre. De fato, em outros tempos, os caracteres chine-ses eram traçados – ou melhor, belamente caligrafa-dos – tradicionalmente com pincel e nanquim (tinta chinesa); hoje, os chineses utilizam uma caneta ou uma esferográfica. Certo, as máquinas de escrever e de imprimir são dotadas de caracteres sem grossos e finos, mas, na essência e salvo modificações encon-tradas para simplificar, a escrita chinesa continua fiel a suas origens (Ibidem, p.45-46).

De acordo com Fischer (2009, p. 150), toda escrita da Ásia Oriental começa com a escrita chinesa: “a história da escrita do leste da Ásia é a glória da escrita chinesa”. Ela foi e continua sendo um dos maiores veículos culturais do mundo (Ibidem, p. 151).

Além de terem inventado uma escrita que resistiu à pas-sagem do tempo, a criaram de uma forma que seus logogramas por sua própria natureza são funcionais e artísticos ao mesmo tempo – diferentemente dos alfabetos ocidentais, que são quase

inteiramente funcionais (Ibidem, p. 162) – obede-cendo a uma “[...] série de regras sutis que fazem dela, verdadeiramente, uma arte poética” (JEAN, 2008, p. 48).

A história da caligrafia chinesa é tão antiga quanto à própria linguagem e está intimamente ligada ao desenvolvimento da escrita chinesa (EM-BAIXADA DA CHINA, 2009, p. 41). Origem e re-ferência de outras caligrafias orientais, seus vários estilos “encontram [...] correspondências na evolu-ção da própria escrita, quando não influenciaram direta ou indiretamente esse processo” (Ibidem). Segundo Illouz (1985)4,

a história da caligrafia chinesa – e japonesa – “[...] acompanha, ao longo de seu curso, a evolução de suas técni-cas e de seus meios, a ponto de eles estarem indissociavelmente unidos”. A autora de-fende a ideia de que “os mistérios de uma obra pintada, desenhada ou escrita residem tanto nos materiais que a compõem quanto nos propósitos dos quais ela é o objeto”.

A respeito da contribuição da China

4 Les Sept Trésors du

lettré: lês matériaux et la peinture chinoise, Erec, 1985. Disponível na sessão Testemu-nhos e Documentos do livro A Escrita: Me-mória dos Homens de Georges Jean (2008, p.132-135).

Figura 12

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chineses (EMBAIXADA DA CHINA, 2009, p. 40). Segundo o site Beyond Calligraphy, o

pin-cel é considerado o mais importante dentre os quatro. Afirmam que é uma extensão do

corpo e da alma do calígrafo, e por o consi-derarem uma entidade viva, é

profunda-mente respeitado no Extremo Oriente. Illouz (1985) afirma:

Para a caligrafia, uma boa ponta é indispensável. Cada traço deve ser reali-zado com a ponta central do pincel. Os traços feitos com a ponta lateral, pro-duzidos com o pincel na posição horizontal, devem ser evitados, embora, às vezes, sejam mais fáceis de traçar; danificam a ponta, obrigam a reconstituí-la, mergulhando o pincel outra vez na tinta, e seu aspecto fraco e pouco fir-me tira do conjunto o vigor e a continuidade.

Segundo a autora, o calígrafo precisa ter “[...] o cuidado de minimizar o inconveniente da ne-cessidade de recarregar o pincel constantemente e de conservar, por consequência, esse sopro, que é o mais importante critério de qualidade de uma caligrafia”.

para a História, em relação aos instrumentos utilizados na prática caligráfica – cujo papel é fundamental, como visto anteriormen-te –, os chineses também deixaram a sua marca. A invenção do papel é atribuída a um chinês chamado Cai Lun, funcionário da corte dos Han (25-220), em 105 d.C. (FISCHER, 2009, p. 160; EMBAIXADA DA CHINA, 2009, p. 35), e significou uma revolu-ção sem precedentes não só na história da escrita no país como também em outras nações. Com ele, a escrita tornou-se acessí-vel ao grande público (EMBAIXADA DA CHINA, 2009, p. 35) e a sua utilização acelerou o ritmo – antes lento e laborioso – da fabricação do texto escrito no Ocidente que, juntamente com a “invenção” de Gutenberg, contribuem para o início da história da tipografia (JEAN, 2008, p. 95) (ver adiante).

Gaur (1992 apud FISCHER, 2009, p. 232) comenta a res-peito de sua importância no Ocidente:

O impacto do papel sobre a civilização ocidental pou-cas vezes é devidamente valorizado. O pergaminho e o velino nunca puderam sustentar a alfabetização em massa, a impressão em âmbito mundial, escritó-rios modernos, jornais, registros oficiais, educação geral etc. Tudo isso é consequência do papel e da imprensa. A própria imprensa só foi possível pela disponibilidade do papel [...] Nos anos 1900, o papel tinha se tornado “o mais importante, eficiente e insubstituível meio de armazenagem moderna de informação. Econômica e intelectualmente, nossa sociedade tinha se tornado uma sociedade do papel”.

O papel, junto com o pincel, a barra de tinta e a pedra de tinta são conhecidos como os “Quatro Tesouros do Estúdio” – principais utensílios e materiais para a escrita dos caracteres

chine 40).

cel os co

Figura 14

O pincel, caractere chinês.

(22)

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Figura 15

Barthes (2005)5 comenta a diferença entre esse

instrumento utilizado no Oriente e a pena – que era utilizada no Ocidente:

Quanto ao pincel (passado sobre uma pedra de tinta ligeiramente umedecida), possui seus gestos, como se fosse o dedo; mas, enquanto nossas penas antigas só conheciam o empastamento ou o despren-dimento e só podiam arranhar o papel sempre no mesmo sentido, o pincel pode deslizar, torcer-se, levantar, concretizando o traçado, por assim dizer, no volume do ar; ele possui a flexibilidade carnal, lubrifi-cada, da mão.

5 O império dos signos,

Skira, 1970, Le Seuil, 2005. Disponível na sessão Testemunhos e Documentos do livro A Escrita: Me-mória dos Homens de Georges Jean (2008, p.144-145).

De acordo com Fischer (2009, p. 161-162), os pincéis eram feitos com pelos de marta, cabra ou lebre. Os pincéis feitos de pêlos de martas selvagens velhas ofereciam os melhores re-sultados para as linhas dos caracteres e, ainda, os escribas expe-rientes podiam dizer o pêlo de qual animal tinha sido usado pela vivacidade dos traços.

A pedra de tinta é o segundo instrumento mais importan-te, de acordo com o Beyond Calligraphy. É considerada a alma do estúdio do calígrafo, e se bem cuidada, seu tempo de vida é infi-nito. Existem dois tipos principais: as de uso cotidiano e as para fins decorativos e coleção; e sua característica mais importante é a qualidade da superfície onde se mói a barra de tinta – a barra é moída sobre a pedra de tinta e, em seguida, diluída em água (EMBAIXADA DA CHINA, 2009, p. 39).

A fabricação da tinta usada na prática ca-ligráfica segue o princípio de uma liga de cola e de fuligem. As tintas de qualidade precisam ter flui-dez, estabilidade notável no tempo, dureza, solidez de pedra, profundidade brilhosa, ligeiramente azulada, segundo Illouz (1985). Apresentam-se em dois tipos: as endurecidas (barras

de tinta) e as líquidas; essa última é de qualidade in-ferior e não suporta

ois tipos: as endurecidas (barras ta) e as líquidas;

última é de dade

in-e não ta

(23)

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tanto a passagem do tempo como a tinta feita a partir da barra. Além disso, por ser um produto “pronto”, vai contra toda a espiri-tualidade da caligrafia, segundo o site: “[...] the entire concept of a ‘ready-made product’ goes against the spirituality of calligraphy. For those and other reasons serious calligraphers will never even consider using liquid ink, even for studying purposes”.

A essência da caligrafia pode ser encontrada no proces-so da moagem da tinta. No relato de Takase (1999) – mestra da caligrafia japo-nesa – sobre sua primeira experiência é possível se ver o papel essencial desse processo e sua relação com um dos fatores imprescindí-veis da arte da caligrafia oriental – a concentração:

I first met with Japanese Calligraphy when I was just six years old. I can say it did not appeal to me then. Especially the part where I would have to tediously grind the sumi ink against the ink stone for what seemed an eternity. And it helped not at all that my instructor would say myste-riously that the essence of calligraphy can be found in the grinding of the ink.

It is the grinding of the ink, a metaphor for the process and the form, that takes one from the myriad distractions of life to that Zen temple in early autumn. To the state of Seishin Toitsu. As the water takes the ink and as the color approaches the subtle shade, I am possessed of a strong energy that is focused and flowing. There is no hesita-tion and no doubt. When the ink is complete, my spirit (Seishin) is focused (Toitsu) in the here and now. And my mind is one with the task. This is Seishin Toitsu. This is the mindset that without which there would be no calligraphy.

Tinta e papel possuem uma conexão importante e jun-tos formam uma perfeita harmonia e trazem equilíbrio estético para as nossas vidas através de uma obra caligráfica. Massoudy (1981)6 comenta sobre essa relação entre a forma espacial das

letras negras e a brancura que as envolvem:

Em uma composição caligráfica, o vazio não exis-te; existe apenas o espaço negro ou o espaço bran-co e cada espaço, quer seja negro ou branbran-co, deve encontrar sua força [...]. O espaço, em caligrafia, encontra seu valor em sua relação com as letras negras, e vice-versa.

A imprensa também foi uma das grandes invenções da China antiga (EMBAIXADA DA CHINA, 2009, p. 65). Junta-mente com a mecanização desse processo de impressão com caracteres móveis por Gutenberg e a criação do papel – como já mencionado anteriormente –, dá-se início a um evento de alcan-ce incomensurável: a invenção da tipografia (JEAN, 2008, p. 92) (ver adiante).

Figura 17 Barra de tinta chinesa.

Figura 19

Os quatro tesouros ao lado pertenceram a um dos imperado-res da China Figura 18

Barra de tinta chinesa.

6 La calligraphie árabe

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Ocidental xOriental

D

e acordo com o site Beyond Calligraphy, a arte ociden-tal da escrita visual, ou caligrafia – “bela escrita” –, está mais para uma arte artesanal, enquanto que, a caligrafia no Extremo Oriente é considerada uma arte dentro da arte, um estilo de vida, um caminho em direção à imortalidade. Essa é frequentemente designada como “imagético do coração” ou “pintura da alma”; e é baseada no conceito de imagens e visões abstratas do mundo ao redor.

No Ocidente, a legibilidade é mais importante do que a estética, ao contrário do que ocorre tanto na China quanto no Japão: a estética precede a legibilidade (FISCHER, 2009, p. 182). Segundo o autor, “isso atinge tal grau que uma pessoa instruída nessas sociedades pode até se sentir insultada se lhe disserem que sua caligrafia é ‘claramente legível’” (Ibidem). Habilidade caligrá-fica é a marca da Ásia Oriental erudita, tanto na produção quanto na leitura, o que também reverte conceitos ocidentais sobre o objetivo principal da escrita (Ibidem). Além disso, “[...] pode ser vista como arte em miniatura e cada caractere expressa a instru-ção, habilidade e dom artístico do calígrafo” (Ibidem, p. 162).

A história da caligrafia no Ocidente está relacionada à literatura e fortemente vinculada à história do surgimento e aperfeiçoamento dos livros. Segundo Jean (2008, p. 74), “essa bela escrita ‘manuscrita’ [...], ornada de maravilhosas iluminuras, valoriza sobremaneira nossos primeiros livros, exatamente os ‘manuscritos’”. Além disso, sua história também se funde com a da tipografia: eram dos escribas dos anos 1300 e 1400 as

caligra-fias que se tornaram as fontes dos primeiros tipógrafos (FIS-CHER, 2009, p. 220) (ver adiante).

Figura 20

Trecho do livro História da Escrita, de Roger Fischer.

(25)

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Figura 22 O Saltério de Luttrell: escrito para um rico proprietário de terras de Lincolnshire em aproximada-mente 1325-35; apresenta a es-crita Prescisus em sua forma mais admirável8.

7 La calligraphie

árabe vivante, Flammarion, 1981. Disponível na sessão Testemunhos e Documentos do livro

A Escrita: Memó-ria dos Homens de Georges Jean (2008, p.136-139).

8 A Arte da Caligrafia,

de David Harris, p. 55.

“Entre os povos muçulmanos cuja religião proíbe a reprodução da figura humana, a caligrafia foi eleva-da ao mais alto grau; todo o esforço do artista está ali concentrado”, segundo Massoudy (1981)7. “A religião

muçulmana, ao proibir representar o rosto de Deus ou o do Profeta, fez com que a escrita se tornasse o elemento decorativo essencial das mesquitas e de todos os outros monumentos” (JEAN, 2008, p. 58). O espírito próprio da escrita árabe é a sua capacidade de se prestar a inú-meras formas, a prodigiosas metamorfoses; ela é a base fundamental da arte dos “arabescos” (Ibidem, p. 58-59).

Para Massoudy (1981), “no coração de nosso sobres-saltado século XX, no qual predominam rapidez e rentabili-dade, a caligrafia continua sendo a arte da paciência, na qual não se podem queimar etapas”. A concentração é essencial para um bom resultado:

O momento em que o calígrafo concentra-se é o começo de um impulso que o libertará de uma dificuldade opressiva. E ele buscará, no mais fundo de si mesmo, seu próprio caminho. Seu corpo inteiro deve participar do ato caligrá-fico e deve estar em sintonia com seu espírito. A concentração exige um vazio visual e auditi-vo. O calígrafo deve criar para si um ambiente tranquilo; seu tempo não deve estar limitado por problemas da vida exterior. Ele construirá o vazio, como se todas as coisas desapareces-sem à sua volta. Um vazio esférico do qual ele seja o centro; quanto mais sua concentração aumenta, mais ele se aproxima desse centro. Descobre, então, um mundo rico, tornando-se seu próprio mestre. Perde seu peso, sua mão torna-se alada e sua expressão, mais profunda e mais autêntica. Sua energia atinge o auge e ele passa essa energia para suas letras.

Figura 23

Others can show you the way, but you must walk it yourself

(26)

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A concentração é uma abertura para uma outra visão, mais clara e mais límpida. Por sua capacidade em receber e transmitir emoções, em dar-lhes vida, a lin-guagem de sua arte caligráfica pode se tornar universal, mesmo que sua base seja o alfabeto árabe, indecifrável para muitos. Segundo o autor, “graças à utilização do ca-ligrama9 – letra-imagem, palavra-imagem –, significação

e visualização tornam-se universais”. É essa expressão que torna a arte da caligrafia tão singular:

Como o calígrafo vivencia sua arte, ele é a expressão gestual dela, alça voo com a leveza de uma letra ou carrega o peso de uma outra. A expressão, para ele, pode ser um grande momento de liberdade. Berra o que tem a dizer e espalha suas palavras (Massoudy, 1981).

A Embaixada da China (2009, p. 41) também comenta sobre essa característica na caligrafia chinesa:

A caligrafia chinesa é um meio de expres-são artística e auto-aperfeiçoamento. As pinceladas, os caracteres e as configurações imprevistas e cambiantes que assumem um texto caligrafado refletem o estado de espírito e o ânimo do calígrafo. A beleza da escrita chinesa encontra nela a sua mais perfeita e completa expressão.

No caso do Japão, a expressão – tão marcante nas caligrafias orientais – dessa arte se eleva ao mais alto grau: é uma meditação em movimento10.

9 Segundo Jean

(2008, p. 79), caligramas são “[...] textos que ‘vestem’ exteriormente repre-sentações de seres vivos ou de objetos inanimados”.

10 DAVEY, H. E.,

1995, 2004.

Figura 24

(27)

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&DOLJUDêD-DSRQHVD

O

riginada da caligrafia chinesa, a caligrafia japonesa ou shodō (lit. “o caminho/princípio da escrita”) é uma das artes cul-turais mais populares do Japão. Considerada como o caminho para a realização espiritual, o Shodō permite que o movimento

dinâ-mico da alma do artista se torne visível e observável na forma de uma rica tinta preta. Vários praticantes dessa arte sentem que o “ritmo visível” da caligrafia japonesa corporifica uma “pintura da mente” – e reconhecem que revela nosso estado espiritual. Esse reconhecimento pode ser melhor compreendido a partir do tradicional provérbio japonês: “Kokoro tadashikereba sunawachi fude tadashi”11.12

Segundo Davey (2004), é aparente a ideia de que a mente controla e move o corpo – assim como é igual-mente clara a noção de que as ações físicas podem ser consideradas reflexões da mente. De maneira semelhan-te, no shodō a mente controla o pincel através da mão, e as linhas criadas por ele no papel refletem diretamente a mente do calígrafo. Dessa forma, o shodō funciona como um reflexo exterior do nosso estado mental. O autor ainda comenta que alguns calígrafos japoneses e psicólogos analisam a personalidade de uma pessoa através da sua caligrafia (ver adiante).

11 “Se sua mente

está correta, o pincel estará correto”.

12 Shodo: A

Japane-se Path to Moving Meditation, de H. E. Davey. Disponível no site Shudokan Martial Arts Asso-ciation, conforme bibliografia.

Todas as artes culturais japonesas possuem uma inter -relação, além de exigirem e utilizarem características bastante similares. Como disse Eri Takase, mestra da caligrafia japonesa:

[...] with the calligraphy brush, as with the sword, one cannot escape from the effects or indecisiveness and hesitation. One cannot start over. One cannot change what has already been done. With calligraphy as with the tea ceremony as with the Martial Arts, all movements are visible and an integral part of the art. The speed with which the line is drawn. The pause. The fluidity of one movement into the next. A powerful line. A gentle line. All visible. All an integral part of the art (TAKASE, 1999).

Davey (1995)

também comenta sobre o assunto, rela-cionando Shodō com Budō (Artes Marciais):

Each brush stroke in Japanese calligraphy must be per-fectly executed since the artist never goes back to touch up any character. Each movement of the fude, or brush, is ideally performed with the full force of one’s mind and body, as if one’s very life depended upon the successful completion of each action. It is this spirit of decisiveness, of throwing 100% of oneself into the moment’s action without hesitation, that perhaps most clearly connects Budo and the art of Japanese calligraphy.

Figura 26 Eri Takase Figura 25

(28)

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O autor afirma que ambas exigem um uso equilibrado da mente e do corpo, assim como um estado de integração física e mental: “In Japanese painting and calligraphy, a strongly concentra-ted mind must control the brush, and a relaxed body must allow the brush to act as an exact reflection of the mind’s movement. Shodō, as much as Budō, demands this coordination” (DAVEY, 1995).

Para escrever os caracteres, precisa-se seguir o número de traços prescritos (de um a 25) para cada um, numa ordem determinada e partindo de um ponto específico – “o número, ordenamento e orientação do traço não servem apenas à estéti-ca [...] também servem para organizar estéti-cada estéti-caractere dentro de um grupo de caracteres semelhantes memorizados para facilitar recuperação posterior” (FISCHER, 2009, p. 161). Há oito traços básicos, embora os calígrafos anotem 64 (Ibidem).

“Antes de caligrafar uma letra ou uma palavra, é preciso prever os instantes em que será possível retomar a respiração e, também, a ocasião de se abastecer de tinta”, segundo Massou-dy (1981). “A capacidade do calígrafo em reter sua respiração se reflete na qualidade de seu gesto” (Ibidem). Segundo o autor, “um movimento prolongado ou curto não será o mesmo caso se inspire ou se expire durante sua execução. Quando o movimen-to é longo, para que a linha fique perfeita, o calígrafo retém sua respiração, a fim de não prejudicar o gesto”.

As paradas para o reabastecimento de ar e de tinta preci-sam ser planejadas. Esse planejamento e a visualização mental da obra a ser feita são imprescindíveis para uma caligrafia de quali-dade, além de fazerem parte da própria essência da arte caligráfi-ca oriental. Massoudy (1981)13 comenta a respeito:

Figura 27

Ensinamento de escrita, gravura japonesa, século XIX, Museu Nacional de Educação, Rouen.

13 La calligraphie árabe vivante,

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Os calígrafos perpetuadores dos métodos tradicionais não gostam de utilizar pe-nas metálicas com reservatório, porque provocam um fluxo de tinta ininterrupto que torna inútil tal controle e faz com que o calígrafo perca o prazer de sentir o peso do tempo.

Para Takase14, os fundamentos da caligrafia

japonesa são tão importantes para a arte quanto são sig-nificantes para qualquer esporte ou arte marcial. Antes de ser capaz de quebrar as regras, a pessoa necessita, primeiramente, conhecê-las. Na caligrafia tradicional todos os materiais são rigorosamente prescritos. Pode-se usar apenas um certo tipo de papel e a tinta precisa ser preta – embora são valorizadas aquelas que possuem cores naturais sutis que aparecem nas pinceladas de estilo kasure15.

Os códigos são os guardiões da tradição; ser-vem para controlar a excitação interior do calígrafo e o fluxo transbordante de seus sentimentos, além de seu sistema de medidas fornecerem uma referência ideal de julgamento (Massoudy, 1981). Porém, segundo o autor, “[...] é necessário ultrapassar as regras estabelecidas: para atingir sua arte, o calígrafo deve transgredi-las após tê-las seguido, pois de uma composição caligráfica deve-se depreender algo de indefinido, impalpável, poderoso, fora de qualquer norma”. Takase, defensora da ideia do onkochishin16, também concorda: “Japanese Calligraphy

is too beautiful a bird to be locked in the cage of a thousand years of tradition”17.

14 Entrevista para

o site California Reiki, conforme bibliografia.

15 Pinceladas que

dão a impressão de que o pincel está ficando sem tinta.

16 “Respeite o

passa-do, crie o novo”.

17 “Caligrafia

Ja-ponesa é uma ave bonita demais para ficar trancada na gaiola de mil anos de tradição”.

Elementos essenciais que caracterizam toda arte mar-cam sua presença na beleza dinâmica do shodō, segundo Davey (2004): criatividade, equilíbrio, harmonia, elegância e a beleza do traço – aspectos que podem ser reconhecidos e apreciados por todas as culturas: não é necessário possuir a habilidade de ler os caracteres chineses e os sinais fonéticos japoneses para poder apreciar a arte da caligrafia japonesa.

Como já mencionado anteriormente, disciplina mental e controle físico são totalmente imprescindíveis para um calígrafo. A caligrafia não tem como ser corrigida ou mudada – não há ajus-tamentos, reorganizações ou retoques; é frequentemente rápida e não pode haver hesitação e dúvidas. O artista precisa dar tudo de si para ser capaz de obter um desempenho relativamente curto, porém perfeito na qual tudo importa (segundo Takase, durante a entrevista mencionada).

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Aqui, “[...] literatura e arte gráfica se tornam uma coisa só. Uma escrita romanizada não po-deria assumir papel artístico como esse” (FISCHER, 2009, p. 182). Diferentemente de seus congêne-res ocidentais, um único caractere (kanji) pode representar uma pala-vra, frase, cena, estado de espírito; além de ser poema e pintura ao mesmo tempo, o que é impossível de ser alcançado através do alfa-beto latino ou mesmo na pintura, segundo o site Beyond Calligraphy. Barthes (2005)18 comenta a

respei-to dessa característica singular: A papelaria japonesa tem por objeto uma escrita ideográfica que parece, aos nossos olhos, derivar da

pintura, embora, na verdade, estejam fundidas – é importante que a arte tenha uma origem escritural e não somente expressiva. Tanto mais que a papelaria japonesa inventa formas e qualidades para as duas matérias primordiais da escrita, a saber: a superfície e o instrumento que traça, tanto mais, comparati-vamente, que ela negligencia as excentricidades que formam o luxo fantástico, exótico, das papelarias americanas: o traço, excluindo aqui a rasura ou a retomada – pois o caractere é traçado alla prima –, nenhuma invenção da borracha ou de seus substitu-tos (a borracha, objeto emblemático do significado que se quer apagar ou do qual se quer, ao menos, minimizar, adelgaçar a plenitude; mas para nós, do lado do Oriente, por que as borrachas, se o espelho está vazio?).

Figura 30

Caligrafia, pintura e poesia se fundem nes-se trabalho de Ikeno Taiga (1723-1776), mostrando um cão ne-gro na neve (à direita) e um barco junto a um barranco (à esquerda).

Figura 29

Snow fluttering about, Sagasaki

Taibou, escrita cursiva.

18 O império dos signos,

(31)

Jean (2008, p. 46) também afirma: “na pintura chinesa e na japo-nesa, a caligrafia dos caracteres é também um elemento semânti-co: grafismo, cor e intensidade do traço se conjugam para dar ao visual sua inteligibilidade completa”.

19 “Caligrafia Zen”.

20 “Traços de tinta”.

21 “Caligrafia

vanguardista”.

22 “Imagem de tinta”.

Figura 32

Aforismo de calígra-fo chinês Jin shen li shui, ou “Ouro pode ser encontrado em Lishui”, escrito da es-querda para a direita em vários caracteres tradicionais: Pequeno Selo, Clerical, Regu-lar, Semi-Cursiva e Cursiva.

Há cinco diferentes estilos de caligrafia originadas da Chi-na, mas que os japoneses também utilizam: escrita de selo (tensho) - posteriormente dividida em Pequeno Selo e Grande Selo -, escrita clerical (reisho), escrita cursiva (sousho), escrita regular (kaisho) e escrita semi-cursiva (gyousho). Porém não definem as fronteiras da caligrafia – elas não existem. Cada estilo inclui inúmeros sub-esti-los, alguns criados por calígrafos famosos e outros pela evolução natural da linguagem escrita.

Apesar da maioria dos estilos terem sido desenvolvidos em território chinês, pode-se distinguir estilos característicos de determinados países. No caso do Japão, os calígrafos nativos

inventaram estilos como o kana, zen calligraphy19 ou

bokuseki (“traces of ink”20) e avant-garde calligraphy21

(zenei shodou). Hoje, não só os calígrafos chineses, mas, como também, pintores ocidentais da arte abstrata são influenciados por esses estilos, espe-cialmente pelos dois últimos mencionados.

Além de ser uma forma de arte por si só, o shodō também influenciou o sumi-ê, que é feito a partir de ferramentas e técnicas semelhantes. Foi profundamente influenciada pela pintura moderna abstrata, e vice-versa. Por essas “inter-relações” e características semelhantes, outro estilo caligrá-fico foi desenvolvido no Japão: bokushou (“image of ink”22). De acordo com Beyond Calligraphy, é um

cruzamento entre caligrafia, sumi-ê e arte moderna abstrata, e pode ser considerado como um sub-esti-lo da avant-garde calligraphy.

Figura 31

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Designers com histórico caligráfico contribuíram na criação de um estilo ”pop”, criando logotipos e outras composições criativas estando à beira de quebrar as estritas regras da caligrafia – e muitas vezes chegando a quebrá-las –, porém estando cons-cientes dessas abordagens modernas, já que a fronteira entre o shodō e um amontoado aleatório de linhas pode ser difícil de se traçar, especialmente para um leigo. Como esse estilo “pop” está profundamente enraizado na esté-tica do Extremo Oriente, essa precaução

Figura 33

Avant-garde calligraphy, de Hidai Nankoku, um dos fundadores do estilo no Japão. Pintura sem título, tinta sobre papel. Coleção privada, Japão.

e consciência são essenciais para que não ocorra um “relaxamento” nas regras da caligrafia tradicional e uma diluição de sua beleza essencial – conforme já mencionado anteriormente na citação de Eri Taka-se: “Respeite o passado, crie o novo”.

Figura 34

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A

ction Painting ou Expressionismo Abstrato surgiu nos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial, por volta dos anos 40 e 50. Sob a influência da filosofia existencialista, os expressionistas abstratos – ou “action painters” – desenvolveram, a partir do Surrealismo, uma nova abordagem da arte, rompen-do torompen-dos os esquemas espaciais da pintura tradicional (ARGAN, 1992, p. 532).

Produto de um ressurgimento artístico pós-guerra do expressionismo na América e mais especificamente em Nova York, a “pintura de ação” se desenvolveu em uma época na qual a mecânica quântica e a psicanálise estavam começando a florescer e a mudar a percepção das pessoas a respeito do mundo físico e psicológico. O termo foi inventado pelo crítico americano Harold Rosenberg em 1952, sinalizando uma grande mudança na pers-pectiva estética de pintores e críticos da Escola de Nova York. Segundo ele, a tela era “uma arena para atuar”:

At a certain moment the canvas began to appear to one American painter after another as an arena in which to act — rather than as a space in which to reproduce, redesign, analyse or “express” an object, actual or imagi-ned. What was to go on the canvas was not a picture but an event (ROSENBERG, 1961).

Sua crítica deslocou o foco do objeto para a própria luta do artista, sendo a pintura final apenas uma manifestação física, uma espécie de resíduo, do verdadeiro trabalho de arte: a ação – ou processo – da criação da pintura – “the act itself is the ‘object’”:

“The big moment came when it was decided to paint . . . just to PAINT. The gesture on the canvas was a gesture of liberation, from Value — political, aesthetic, moral” (Ibidem).

Essa se tornou

[...] um equivalente à própria vida: um processo contínuo no qual o artista enfrenta riscos comparáveis e supera os dilemas com que se defronta atra-vés de uma série de decisões cons-cientes e inconscons-cientes, numa reação a exigências tanto internas quanto externas (JANSON; JANSON, 1996, p. 383).

Esse estilo de pintura é feita através de mo-vimentos de braço e pulso, gestos pictóricos, pin-celadas, com tinta lançada, espirrada, derramada etc. Tal como a caligrafia chinesa – que juntamente com o misticismo do Extremo Oriente, ou zen-bu-dismo, também influenciaram essa corrente –, essas pinturas requerem uma execução rápida (GOMBRI-CH, 2008, p. 604). “Não devem ser premeditadas; pelo contrário, devem assemelhar-se a um impulso espontâneo” (Ibidem).

Hofmann23 (1957 apud ROSENBERG,

1961) comenta a respeito da função da linha nessas obras: ela pode estabelecer o movimento real do corpo do artista como um movimento estético – as-pecto característico também da caligrafia no Extre-mo Oriente, o que comprova suas relações:

In painting, the primary agency of phy-sical motion (as distinct from illusionary

23 Hans Hofmann:

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representation of motions, as with the Futurists) is the line, conceived not as the thinnest of planes, nor as edge, contour or connective but as stroke or figure (in the sense of “figure skating”). In its passage on the canvas each such line can establish the actual movement of the artist’s body as an aesthetic statement. Line, from wiry calligraphy to footwide flaunts of the house painter’s brush, has played the leading part in the technique of Action Painting, though there are others ways besides line of releasing force on canvas.

Jackson Pollock é o representante mais conhecido e um dos pioneiros da Action Painting da Escola de Nova York. Seu trabalho passa para a definição de uma linguagem existencial própria, de identificação de si mesmo, como homem e artista, com a obra, culmi-nando com a sua técnica

pessoal e revolucionária do dripping – ou goteja-mento da tinta sobre a tela estendida no chão (ARGAN, 1992, p. 681). Escreveu P. Bucarelli (apud ARGAN, 1992, p. 681): “A pintura pode, pois, exprimir por si mesma os movimentos mais profundos do ser; a intensidade da emoção será expressa com tanto mais clareza quando mais repetíveis na tela forem a ‘quantidade’ e a duração da ação pictórica”.

Figura 35 Jackson Pollock

Figura 36

One: Number 31, 1950, óleo e esmalte sobre tela. The Museum of Modern Art, Nova York.

O expressionismo não-objeti-vo de Kandinsky e a exploração surrealista dos efeitos do acaso são as principais fontes de sua obra (JANSON; JANSON, 1996, p. 383-384). Na composição de um quadro seu cada cor desen-volve seu ritmo e cada pintura parece “[...] um conjunto de quadros pintados na mesma tela, cujos temas se entrelaçam, in-terferem, divergem, tornam a se reunir num turbilhão delirante” (ARGAN, 1992, p. 532). Seu total compromisso com o ato de pin-tar é o que o difere de seus predecessores, essência essa de sua obra transmitida perfeitamente pelo termo Action Painting (JANSON; JANSON, 1996, p. 384).

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Outro artista importante é Franz Kline que, juntamente com Jackson Pollo-ck e outros expressionistas abstratos, foi considerado um action painter devido a seu aparentemente estilo espontâneo e intenso, se concentrando menos ou absolutamente nada nas figuras ou imagens, e sim nas pin-celadas efetivas e no uso da tela. Suas obras mais famosas são em preto e branco, cujas características levam a crer que o artista foi influenciado pela caligrafia japonesa.

Figura 39

Formas Brancas, 1955. Óleo sobre tela. The Museum of Modern Art, Nova York.

Figura 38 Franz Kline

Figura 40

Referências

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