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A imagem na palavra: a representação sob o signo da esfinge em "A arte de produzir efeito sem causa", de Lourenço Mutarelli

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(1)

Rafael Martins

A imagem na palavra

A representação sob o signo da Esfinge em A arte de produzir efeito sem causa, de Lourenço Mutarelli

Belo Ho rizo nte

(2)

i

Rafae l Martins

A imagem na pala vra

A representação sob o signo da Esfinge em A arte de pro duzir e fe ito se m causa, de

Lourenço M utarelli

Dissertação de Mestrado apresentada ao Pro grama de Pó s- G raduação em Estudo s Literário s da Universidade Federal de Minas G erais co mo req uisito parcial à o b tenção do título de Mestre em Estudo s Literário s.

Área de co ncentração : Teo ria da Literatura e Literatura Co mparada.

Linha de pesq uisa: Literatura, O utras Artes e Mídias.

O rientado r: Pro f. Marcelino Ro drigues da Silva.

Belo Ho rizo nte

(3)

ii

Ficha catalográfica elaborada pelos Bibliotecários da Biblioteca FALE/UFMG

Martins, Rafael.

M992a.Ym-a A imagem da palavra [manuscrito] : a representação sob o signo da Esfinge em A arte de produzir efeito sem causa, de Lourenço Mutarelli/ Rafael Martins. – 2014.

173 f., enc.: il., tabs, (color)

Orientador: Marcelino Rodrigues da Silva.

Área de concentração: Teoria da Literatura e Literatura Comparada. Linha de pesquisa: Literatura, Outras Artes e Mídias.

Diss ertaç ão (mes trado) – U niversidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Letras.

Bibliografia: f. 156-162.

1. Mutarelli, Lourenço, 1964- – Arte de produzir efeito sem causa – Crítica e interpretação – Teses. 2. Imagem – Teses. 3. Semiótica e literatura – Teses. 4. Sinais e símbolos na literatura – Teses. 5. Ficção brasileira – História e crítica – Teses. I. Silva, Marcelino Rodrigues da. II. Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Letras. III. Título.

CDD: B869.342

(4)

iii

(5)

iv

Agr adec i m entos

A Lo urenço Mutarelli;

ao meu pai, Jo sé Martins;

à minha irmã, G islaine;

ao s meus amigo s fiéis, Antho ny e Ito ;

ao meu sempre atencio so o rientado r, Marcelino ;

à Capes;

(6)

v Resum o

Imagem e palavra: ca mpo s cujo s co nto rno s são experimentado s co mo uma zo na co mum

de incerteza que explicita a questão da atrib uição de sentido à realidade - desta maneira

Lo urenço Mutarelli articula a relação entre o visível e o dizível em A arte de pro duzir e fe ito

se m causa (2 0 0 8). De que mo do as relaçõ es entre a imagem e a palavra po dem se

co lo car co mo elemento s estruturado res da narrativa? Po r meio de uma análise da

b ib lio grafia teó rica a respeito das interaçõ es entre imagem e palavra em disciplinas co mo

a Teo ria da Literatura e a Histó ria da Arte, pensamo s o relacio namento entre a linguagem

verb al e a imagética dentro da o b ra de Mutarelli, tendo co mo paradigma as reflexõ es de

Agamb en (2 0 0 7) a respeito da significação so b o signo da Esfinge.

(7)

vi Abst r ac t

Image and wo rd: fields o f study in which the b o undaries are experienced as an uncertainty

mutual zo ne that explicates the q uestio n o f reality meaning attributio n - is in that the way

that Lo urenço Mutarelli articulates the relatio n b etween the schemes o f the visib le and the

speakab le in A arte de pro duzir e fe ito se m causa (2 0 0 8). In which way these relatio nships

b etween wo rd and image co uld b e put as narrative structuring elements? Thro ugh an

analysis o f the theo retical biblio graphy in the interactio ns b etween wo rd & image in

Literature theo ry and Art histo ry we think the relatio nship b etween verb al language and

images inside the Mutarelli’ s wo rk having as paradigm the Agamb en’ s co nceptualizatio n

ab o ut the significance under Sphynx’ s sign.

(8)

vii Li st a de fi gur as

Capa: Imagem de A arte de pro duzir e fe ito se m causa...i Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 0 8, p.17 1)

Agradecimento s: Imagem de Mundo pe t......iii Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 0 4 , p.33)

Figura 1 – Imagem de Mundo pe t....12 Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 0 4 , p.3)

Figura 2 – Página de O ve r 12 ...18 Fo nte: (MUTARELLI, 19 88, p.2 1)

Figura 3 - Página de Impub licáve is...19 Fo nte: (MUTARELLI, 19 89 , p.25 )

Figura 4 – Excerto de O ve r 12 ....2 0

Fo nte: (MUTARELLI, 19 88, p.8)

Figura 5 - Imagens pintadas so b velhas fo to grafias; tensão entre representação e memó ria....2 2

Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 0 4 , p.5 3)

Figura 6 - Desenho s feito s em blo co s de ano tação ...2 2 Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 0 4 , p.9 2)

Figura 7 - Q uadrinho mo ntado co m recurso s digitais. A utilização de so ldado s de b rinquedo remete à infância, co ntrastando co m a vio lência da histó ria. O s idio mas, inglês no s b alõ es de fala e po rtuguês na “ legenda” , estão em tensão ...2 3

Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 0 4 , p.10 4)

Figura 8 – Página de A caixa de are ia, e m q ue se explicita o questio namento a respeito da representação da realidade...2 5

Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 0 5 , p.83)

Figura 9 – Fato interessante a ser no tado é a se melhança do narrado r da histó ria, retratado neste quadro , co m o escrito r W illiam S. Burro ughs...2 6

(9)

viii Figura 10 – Página de O s ske tchb o o ks de Lo ure nço Mutare lli, vo l.6...2 7

Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 12 , p.43)

Figura 11 – Imagem de Mundo pe t...37 Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 0 4 , p.1)

Figura 12 – Exemplo de transição ação para ação ...49 Fo nte: (MUTARELLI, 19 9 4 , p.6 3)

Figura 13 – Exemplo de intervenção do perso nagem no texto ...5 1 Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 0 8, p.136 )

Figura 14 - A intervenção do perso nagem na página...5 2 Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 0 8, p.137 )

Figura 15 - Diagrama q ue ab re o capítulo I – Inventário ...53 Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 0 8, p.10 )

Figura 16 - Fo to grafia inserida em meio à narrativa...53 Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 0 8, p.19 3)

Figura 17 – “ O o vo ”, de Simmas de Ro des...6 7 Fo nte:<http:/ / www.revistazunai.co m/ ensaio s/ sheila_maues_diacro nia.htm> Acesso em 2 8 de no v. 20 13

Figura 18 – Anagrama po ético de Luis Nunes Tino co ...6 8 Fo nte:<http:/ / www.revistazunai.co m/ ensaio s/ sheila_maues_diacro nia.htm> Acesso em 2 8 de no v. 20 13

Figura 19 - Diagrama que ab re o capítulo : “ Filho ruim tamb ém reto rna” ...6 9 Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 0 8, p.10 8)

Figura 2 0 – “ O o rganismo ” , de Décio Pignatari...7 1 Fo nte: (MENEZES, 19 9 1, p.7 3)

Figura 2 1 – Exemplo de vivificação sígníca...7 4 Fo nte: (ASSIS, 1881, p.32 7 )

(10)

ix Figura 23 - Trecho da primeira das sete páginas da transição ...76

Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 0 8, p.14 0 )

Figura 2 4 - Trecho da última das o ito páginas da transição ...7 6 Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 0 8, p.14 7)

Figura 25 – Ro man no te s, de Cy Two mbly...7 8 Fo nte: <http:/ / starr- art.co m/ exhibits/ cy- two mb ly- prints/ >

Acesso em 14 de fev. 2 0 14

Figura 2 6 – W ho who m if a hunte r, de Ferdinand Krewit………..83

Fo nte: <http:/ / www.mariannebo eskygallery.co m/ > Acesso em 14 de fev. de 2 0 14

Figura 2 7 - Página q ue exemplifica as diferenças no alinhamento e na tipo grafia...87 Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 0 8, p.135)

Figura 2 8 - Página que exemplifica a utilização de recurso s não verb ais...89 Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 0 8, p.138)

Figura 2 9 - Diagrama que ab re o capítulo : Imaginário ...9 2 Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 0 8, p.17 1)

Figura 30 – Imagem presente em de O s ske tchb o o ks de Lo ure nço Mutare lli, vo l.18...9 5 Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 12 , s/ n)

Figura 31 - Q uestio nando a representação ...10 0 Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 0 5 , p.4 6 )

Figura 32 – Ultima página de “ Estampa fo rjada” ...10 2 Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 0 4 , p.16 )

Figura 33 - Imagem presente em de O s ske tchbo o ks de Lo ure nço Mutare lli, vo l.18...12 5 Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 12 , s/ n)

Figura 34 - Diagrama q ue ab re o capítulo “ Inventário ” ...137 Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 0 8, p.10 )

(11)

x Figura 36 - Diagrama que ab re o livro 2 , “ No nsense” ...14 4

Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 0 8, p.15 0 )

Figura 37 - Página de Q uando me u pai se e nco ntro u co m o e t fazia um dia que nte...14 7 Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 11, s/ n)

Figura 38 - Imagem presente em de O s ske tchbo o ks de Lo ure nço Mutare lli, vo l.15...15 2 Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 12 , s/ n)

Figura 39 - Q uestio nando a representação ...15 4 Fo nte: (MUTARELLI, 2 0 0 5 , p.12 )

(12)

1

Sumár i o

Int r oduç ão

Entre palavras e imagens... 3

Capít ul o 1

Face a face com a Esfinge... 1 2 1 – Breves co nsideraçõ es so b re o o lhar... 12

2 - Mutarelli e a imagem... 17

3 – Mutarelli e a palavra... 2 9

4 – Mutarelli so b o signo de Édipo ... 30

5 – A arte de pro duzir efeito sem causa... 32

Capít ul o 2– A arquitetura da Esfinge... 3 7

1 – Visão geral... 37

2 – A civilização da imagem... 4 2

2 .1 – A Virada Pictó rica... 4 3

2 .2 – A civilização das imagens... 4 5

2 .3– Inventariando imagens... 4 7

3 – A palavra e a imagem, um lo ngo relacio namento ... 5 5

4 – A arte de pro duzir imagens... 6 6

4 .1 – Alguns antecedentes... 6 6

4 .2 – Po esia... 7 0

4 .3 – Pro sa... 7 2

5 – O pensamento gráfico ... 7 7

5.1 – Escrita e gesto ... 7 7

5.2 – Escrita: alguns “ ismo s” ... 7 9

(13)

2 5.4 – A questão da o rigem... 84

5.5 – O pensamento gráfico ... 86

Capít ul o 3

– O

enigma... 9 5 1 - O o lhar abissal... 9 5

2 - O enigma do enigma... 10 5

3 – O s enigmas de A arte de pro duzir efeito sem causa... 111

3.1 – O enigma do s có digo s... 111

3.2 – O enigma da frase... 116

3.2 .a – Burro ughs, wo rd virus, cut- up……… 12 1

3.2 .b – Mutarelli, cut- up, afasia………. 12 8

3.3 – O enigma do s diagramas………... 135

3.3. A repetição ... 139

3.3.b – As fo rmas do inquietante... 14 2

Vam os em fr ent e

Algumas considerações finais... 1 4 6

(14)

3

Introdução –

Entre palavras e imagens

Reco rdo - me q ue quando criança, ainda no início de minha alfab etização , passava

tardes inteiras deitado no q uarto de meu irmão mais velho assistindo filmes de terro r.

Sempre co m as janelas fechadas, no s co ncentrávamo s naquele mundo juvenil

estadunidense o nde garo tas co rriam na escuridão de mo nstro s que, emb o ra sempre

caminhassem, de uma maneira o u de o utra as alcançava m, matando - as das fo rmas mais

b izarras po ssíveis. Meu irmão tinha mais de vinte ano s. Eu, po r o utro lado , co m meus seis

ano s, havia recém ingressado na pré- esco la. Ver aq ueles filmes era um desafio para mim;

não era questão de medo , a q uestão era a co mpreensão . To do s o s filmes eram

legendado s. Entre as imagens de terro r e o s grito s de medo , aqueles perso nagens sempre

diziam meia dúzia de palavras para po ntuar algo parecido co m uma histó ria. Para mim,

devido ao po uco co ntato co m as palavras escritas, era uma luta ler co m a velo cidade

necessária. A co mpreensão daq ueles filmes se dava intermediada po r uma luta co nstante

entre as palavras e as imagens. As legendas o u as cenas, eu vivia mergulhado neste

emb ate entre imagens e palavras. Aqui não é diferente.

Ao iniciar esta dissertação , reto rno a um causo de infância, po is ele co ntém as

raízes de uma q uestão emb lemática a respeito das relaçõ es entre imagens e palavras. É a

q uestão da familiaridade que temo s co m o relacio namento entre a linguagem verb al e a

imagética. Na pro paganda, no cinema, no jo rnal, no manual de instruçõ es para

mo ntagem do guarda- so l, nas placas e no s sinais de trânsito , enfim, estamo s imerso s em

um mundo o nde a co municação não é puramente lingüística o u imagética, mas sim uma

co municação mista entre linguagem e image m (BARTHES, 2 0 0 5 ). No entanto , emb o ra

estejamo s cercado s po r essa co municação mista, no ssa familiaridade co m ela muitas

vezes no s cega à co mplexidade inerente ao pro cesso de interação entre o imagético e o

(15)

4 Uma segunda questão , tamb ém presente no causo relemb rado , é a necessidade

de co mpreensão do relacio namento entre imagem e palavra co mo parte de um to do

estético , sendo assim infrutífero analisar de fo rma estanq ue cada termo da relação . Em

grande parte, minha dificuldade quando criança era captar a ima gem e as palavras ao

mesmo tempo . Se eu me co ncentrasse só nas imagens, não seria capaz de interpretar o

filme, assim co mo , se eu so mente lesse, tamb ém não o co nseguiria.

Tendo em vista essas duas questõ es, a co mplexidade do relacio namento entre o

imagético e o verb al, muitas vezes dissimulada pela familiaridade, e a necessidade de

interpretação de amb as as instâncias enquanto partes de um to do estético , pensamo s a

o b ra A arte de pro duzir e fe ito se m causa, de Lo urenço Mutarelli, co mo um o b jeto de

grande interesse para a análise.

Lo urenço Mutarelli é um paulistano , exímio desenhista e ro teirista de quadrinho s,

criado r de álb uns aclamado s co mo clássico s, tais co mo Transub stanciação (19 9 1),

De sgraçado s (19 9 3) e a q uadrilo gia do detetive Dio medes (2 0 12 ), dentre o utro s. No ano

de 2 0 0 8, o auto r receb eu reco nhecimento crítico no meio literário co m seu quarto

ro mance, A arte de pro duzir e fe ito se m causa, pelo qual receb eu o prêmio Po rtugal

Teleco m, no ano de 2 0 0 9 .

Em A arte de pro duzir e fe ito se m causa, Lo urenço Mutarelli traz para a literatura a

sensib ilidade de artista gráfico , pro vinda de vário s ano s de dedicação às histó rias em

q uadrinho s, para mo ntar uma o b ra na qual elemento s visuais e verb ais se unem po r uma

b usca de sentido , po r uma narrativa q ue o s una. No livro o auto r apresenta uma narração

carregada co m o vo cab ulário das histó rias em q uadrinho s, narrando cenas co mo se

descrevesse imagens desenhadas para um de seus álbuns. Além dessas inserçõ es

textuais, enco ntramo s diagramas, fo to grafias, diferentes diagramaçõ es e co res. A o b ra,

material fértil para co mpreendermo s o relacio namento entre imagem e palavra, se

co mplexifica ao tensio nar o s regimes do visível e do dizível ao po nto de no s

(16)

5 No senso co mum, a relação entre imagem e texto é tratada tal qual um pêndulo :

algumas vezes a image m é vista co mo uma simplificação da matéria verb al, o utras vezes

é co nsiderada mais expressiva. No entanto , na o b ra estudada, as relaçõ es não parecem

aco ntecer de maneira simplesmente dualista, há algo de mais co mplexo q ue no s intriga.

Em A arte de pro duzir e fe ito se m causa, o relacio namento entre imagem e texto é

explo rado tendo o aspecto espacial dessas duas linguagens co mo po nto central. O que

no s intriga é po r co mpreender po r meio de quais pro cedimento s co mpo sicio nais Lo urenço

Mutarelli é capaz de criar imagens em A arte de pro duzir e fe ito se m causa. O u melho r, de

q ue maneira po demo s pensar o relacio namento entre o s elemento s imagético s e verb ais

dentro da o b ra, o que o s estrutura?

Muitas pesquisas, ao tratarem da relação entre a palavra e image m de um po nto

de vista histó rico , afirmam um vínculo , uma zo na de indiscernibilidade na qual a “ imagem

pintada, desenhada o u gravada po de ser co nsiderada uma fo rma de escrita, e a escrita é

tamb ém um ve ículo gráfico que co munica através de fo rmas” (VENERO SO , 2 0 10 , p.36 ).

Pensar assim é co mpreender a impo rtância do s aspecto s visuais na escrita, assim co mo

afirma Anne- Marie Christin: “ O que caracteriza a escrita, em to das as civilizaçõ es em q ue

surgiu, é que é o pro duto de do is me dia que a precediam há muito tempo , a linguagem

verb al e a imagem” (CHRISTIN, 2 0 0 4 , p.2 7 9 ). Desta maneira, se co nsideramo s a escrita

co mo um supo rte visual e gráfico , o atributo imagético da palavra passa a ser mais uma

camada de sentido pertencente à o b ra literária, lo go não po dendo ser meno sprezado o u

mesmo igno rado .

Na área da Se mió tica, é po nto reco rrente nas pesquisas que ab o rdam a relação

entre imagem e palavra principiarem pela indagação so b re a auto no mia da imagem

frente à linguagem verb al (SANTAELLA, 19 9 9 , p.4 2 ). Ao analisar o relacio namento entre

o s elemento s verb ais e imagético s, esses estudo s se apóiam no pêndulo : dependência /

auto no mia. Q uem significa mais: a imagem o u a palavra? Co mo se a única relação

(17)

6 pensamento que predo mino u no mundo o cidental do século XV ao XX, no q ue tange a

essa relação : “ Faz- ver pela semelhança, fala- se atra vés da diferença. De mo do q ue o s

do is sistemas não po dem se cruzar o u fundir” (2 0 0 8, p.39 ). Em o utras palavras, Fo ucault

trata do fundamento analó gico / mo tivado da imagem, frente ao caráter co nvencio nal /

arb itrário do signo linguístico .

Do ndis, em A sintaxe da linguage m visual (2 0 0 0 , p.16 ), afirma que a inteligência

visual não é detento ra da mesma simplicidade que é atribuída à linguagem verb al,

declarando ser um “ exercício inútil” a busca de uma analo gia entre elas. Sugere então a

necessidade de um alfab etismo visual, que levaria ao desenvo lvimento da capacidade de

leitura de alguns aspecto s co nstitutivo s da info rmação visual. Deb ray (19 9 4 , p.5 1), po r sua

vez, enfatiza q ue a info rmação visual não é um texto , po dendo ser interpretada, mas não

lida. Barthes, em O ó bvio e o o btuso (19 9 0 ), no entanto , chama a atenção para o caráter

co dificado e co nvencio nal do uso da fo to grafia pelo jo rnalismo e pela publicidade,

apro ximando - a, po rtanto , do caráter arb itrário do s signo s da linguagem verb al.

Emb o ra as divergências se acentuem, em função das diferentes po siçõ es teó ricas

no que se refere à q uestão da auto no mia da image m e de sua po ssível legibilidade,

parece ser po nto co mum o reco nhecimento de uma relação estreita entre linguagem

verb al e imagem. So b re isso , Aumo nt declara: “ a image m só tem dimensão simb ó lica tão

impo rtante po rq ue é capaz de significar – sempre em relação co m a linguagem verb al”

(2 0 0 1, p.2 4 9 ).

Sendo assim, co mo analisar a relação entre a image m e o texto ? Barthes, ainda em

O ó b vio e o o b tuso (19 9 0 ), b usca co mpreender as relaçõ es entre a mensagem lingüística

e a icô nica, dentro de um co ntexto intencio nal (a pro paganda), delimitando duas fo rmas

de interação : a fixação, na q ual o texto age co mo um elemento repressivo , exercendo

co ntro le so b re a po lissemia da imagem, desta fo rma guiando a intelecção ; e o re lais, no

q ual imagem e texto se co mplementam, po ssibilitando o sentido apenas em um nível

(18)

7 po r o utro lado , catego riza três tipo s de relação imagem- te xto : (1) imagem inferio r ao

texto ; (2 ) imagem superio r ao texto ; e (3) imagem e texto co m a mesma impo rtância,

agindo em co mplementaridade. Kib édi- Varga (apud SANTAELLA e NÖ TH, 19 9 9 , p.56 ),

ao analisar as relaçõ es imagem e palavra no plano co mpo sicio nal, define- as em três

po ssibilidades: (1) co existência, (2) interferência e (3) co - referência. Santaella e Nö th

ainda adicio nam uma q uarta po ssib ilidade, a (4 ) auto referencialidade, na qual incluem a

po esia visual.

Co mo vimo s, não faltam classificaçõ es para as po ssib ilidades de relação entre

palavra e image m. Da redundância à co ntradição , são delimitadas as zo nas de interação

entre estas duas linguagens, ao se traçar fro nteiras entre o s regimes do visível e do dizível.

Irina Rajewski, ao analisar esta questão , afirma:

É o pró prio traçar fro nteiras que no s faz cientes de co mo transcender o u subverter essas mesmas fro nteiras, o u de co mo ressaltar sua presença, co lo cá- las à pro va, o u mesmo disso lvê- las po r inteiro . Ao mesmo tempo , são esses ato s de transcender, subverter, co lo car à pro va o u ressaltar que lançam luz so bre a co nvencio nalidade e a co nstrutividade desses limites. (RAJEW SKI, 2 0 12 , p.7 1)

Analisar as relaçõ es entre imagem e palavra e nquanto estruturado ras da narrativa

em A arte de pro duzir e fe ito se m causa, de Lo urenço Mutarelli, no s parece aqui um

emb ate frente ao familiar, ao q ue viro u co nvencio nal, nas palavras de Rajewski. Emb ate

frente à vo z q ue no s afirma q ue o relacio namento entre a imagem e a palavra é apenas

ilustrativo , vo z q ue recusa o co mplexo e aco lhe o familiar. Sendo assim, é um de no sso s

o bjetivo s nesse trab alho explicitar e pensar as nuanças co mpo sicio nais de um auto r que

traz co nsigo a sensib ilidade de um artista gráfico , de maneira a co mpreender o s pró prio s

limites co nstruído s entre o visível e o dizível.

Se co nsiderarmo s a narrativa co mo “ um co njunto o rganizado de significantes,

cujo s significado s co nstituem a histó ria” (AUMO NT, 2 0 0 1, p. 2 4 4 ), image m e te xto

(19)

8

A arte de pro duzir e fe ito se m causa, a relaçã o espacial entre palavra e imagem emerge

tanto no s aspecto s co mpo sicio nais co mo no s semântico s. Lo go , há co erência e, assim

co mo no causo co m o qual iniciamo s este trabalho , ela é enco ntrada apenas no to do do

o bjeto estético

Há ainda o utro fato que no s leva em direção a essa co erência. Em A arte de

pro duzir e fe ito e m causa, entre o imagético e o visual há mais um po nto de co nvergência.

Lo urenço Mutarellié respo nsável tanto pelo texto quanto pelas imagens. O u seja, na o b ra

estudada a relação entre escrito r e ilustrado r pro vém de uma só mente criativa,

pro piciando assim um leque mais amplo de q uestõ es a serem estudadas, po is permite

uma apro ximação co m antigas classificaçõ es so ciais q ue distinguiam as diferentes artes.

Lemb ro aq ui as palavras de Barthes, ao tratar da separação q ue impo mo s entres o s

regimes do visível e do dizível:

Esta absurda lei de filiação , que é a no ssa lei, paterna, civil, mental, científica: lei seg reg acio nista em no me da qual separamo s grafistas e pinto res, ro mancistas de po etas; mas a escrita é uma: o desco ntínuo que é sua característica faz de tudo o que escrevemo s, pintamo s, traçamo s, um único texto . (BARTHES, 19 9 0 , p.9 6 , g rifo do auto r)

É tendo em vista esta absurda lei, co nfo rme afirma Barthes, que neste estudo

pensamo s A arte de pro duzir e fe ito se m causa co mo uma o b ra prenhe de po ssib ilidades

de interpretação no q ue diz respeito à relação entre a imagem e a palavra, po is,

evo cando aq ui as palavras de Arlindo Daib ert, “ o co nflito - na verdade, fruto de século s

de preco nceito – entre o livro (percebido co mo instrumento de sab er) e o quadro

(percebido co mo instrumento de prazer) eclo de dentro do pró prio espaço gráfico do

primeiro .” (DAIBERT, 19 9 5 , p.81)

Sendo assim, é dentro deste espaço do livro q ue o co rre a co ntestação entre o

dizível e o visível, entre as capacidades imagéticas e as verb ais, entre o s elemento s que

as diferenciam e o que as unem. Nesse territó rio em co nflito , nessas fro nteiras que se

(20)

9 as palavras ganham vida co mo o s o bjeto s dinâmico s que são . Em suma, neste estudo

visamo s unir mais uma vo z ao diálo go a respeito da relação entre imagem e a palavra no

co ntexto do ro mance co ntempo râneo , co nsiderando as po ssib ilidades de relação entre

essas duas instâncias, co nfo rme vê m sendo ab o rdadas pelas teo rias da literatura, do s

signo s e da arte.

Ao refletirmo s so b re as questõ es da significação e da representação à luz da

relação entre imagem e palavra no s deparamo s co m uma q uestão : o enigma. Partindo do

co nceito de enigmático que Agamb en (2 0 0 7 ) atribui ao s grego s, segundo o qual o

enigma não pressupõ e uma so lução , sendo sua reso lução mesmo desnecessária, q ue

pensamo s A arte de pro duzir e fe ito se m causa co mo uma o b ra so b o signo da Esfinge,

uma ve z q ue a impo ssib ilidade de so lução se po sta co mo um po nto de co nvergência de

vário s po nto s da narrativa.

Partindo da hipó tese de q ue o ro mance se articula co mo um enigma, pressupo r

uma firme estrutura de sentido seria deturpá- lo . Em o utras palavras, tentaremo s não

destituir o o bjeto de sua co mplexidade, plenitude e o riginalidade (BAKHTIN, 2 0 10 , p.15).

A o b ra A arte de pro duzir e fe ito se m causa, a o apresentar- se enigmaticamente, “ imuniza

o s leito res quanto à ilusão de verdade q ue pudesse suscitar” (AG AMBEN, 19 9 5 , p.10 8).

Lo go , co ub e ao no sso estudo não a busca da verdade, mas sim uma apreciação do s

po nto s o nde a ilusão perde seu aspecto de dissimulação , desnudando o pro cesso de

significação que passa pela relação entre imagens e palavras.

Pensamo s o relacio namento entre imagem e palavra co mo po nto no rteado r de

no ssa análise. De certa fo rma, no sso méto do analítico refletirá o mesmo trajeto narrativo

q ue se apresenta no livro , visando dessa fo rma co mpo r um quadro da co ncepção

enigmática de linguagem ab o rdada na o b ra, na q ual o significado não precede o

significante. Desta fo rma, para analisar a questão do relacio namento entre imagem,

palavra e enigma na o b ra A arte de pro duzir e fe ito se m causa, de Lo urenço Mutarelli,

(21)

10 No primeiro capítulo , “ Face a face co m a Esfinge” , apresentamo s um pano rama

da pro dução artística de Lo urenço Mutarelli, passando po r seus trab alho s co mo

ilustrado r, ro teirista e desenhista de quadrinho s, para finalmente chegarmo s às suas o b ras

literárias. O intuito é evidenciar o espaço que as relaçõ es entre imagem e palavra têm no

trab alho do auto r. Neste mo mento analisamo s tamb ém a diminuta fo rtuna crítica so b re

sua pro dução . Finalizamo s esse capítulo po r meio da inserção do livro A arte de pro duzir

e fe ito se m causa no co njunto da o b ra de Mutarelli, destacando o s po nto s principais do

enredo e da co nstrução do texto em fo co .

No segundo capítulo , “ A arq uitetura da Esfinge” , ab o rdamo s a relação entre

imagem e palavra, tanto do po nto de vista teó rico quanto no co ntexto o b ra estudada.

Imagem: palavra carregada de ampla co nceituação . Para pensar o sentido de um termo

tão central ao no sso estudo , partimo s do po nto de vista duas disciplinas distintas: a Teo ria

da literatura e a Histó ria da Arte. Tendo em vista essas áreas de pesquisa, fazemo s então

uma revisão da biblio grafia so b re as relaçõ es entre imagem e palavra, de maneira a

co mpreendermo s co mo esta interação tem sido tratada teo ricamente, seja em termo s de

o rigem, subo rdinação o u capacidade representativa. Em seguida, inventariamo s as

esco lhas co mpo sicio nais realizadas po r Lo urenço Mutarelli para criar a imagens,

pro po ndo assim uma co nceituação q ue é o fio de Ariadne de no ssa pesquisa, po is no s

permite co njecturar so b re suas reverb eraçõ es semânticas na narrativa.

No terceiro capítulo , “ O enigma” , no sso o bjetivo fo i pensar a maneira co mo o

enigma, enquanto articulado r da estrutura co mpo sicio nal, se expressa po r meio das

relaçõ es entre imagem e palavra em A arte de pro duzir e fe ito se m causa. Para isso ,

to mamo s co mo referência teó rica central o s estudo s de Agamb en (2 0 0 7 ) a respeito do

tema. Nesse capítulo , no sso fo co são as manifestaçõ es do “ significar enigmático ” no texto

e sua relaçõ es co m a incapacidade de atrib uição de sentido . Partindo das análises

(22)

11 desenvo lvemo s no ssa hipó tese: a relação imagem e palavra so b o signo da Esfinge, so b a

face do enigma.

Em suma, a análise do co rpus fo i realizada, b asicamente, em duas etapas. Na

primeira, visamo s explicitar a maneira co mo Lo urenço Mutarelli explo ra as relaçõ es entre

o elemento verb al e o elemento imagético na o b ra. Na segunda etapa no s apro fundamo s

nas reflexõ es de Agamb en a respeito do enigma e suas co rrelaçõ es co m o co rpus. De q ue

fo rma a interdependência entre imagem e palavra se po sta so b o paradigma enigmático ,

estruturando a narrativa co mo um to do ? É válida no ssa hipó tese de q ue a Arte de pro duzir

e fe ito se m causa se articula co mo um enigma, fazendo da relação entre imagem e

palavra uma e xpressão do pro cesso enigmático da significação ? Cab e aq ui espaço para

(23)

12

Capítulo 1

Face a face com a Esfinge

Fig ura 1 - Imag em presente em Mundo Pe t. (MUTARELLI, 2 0 0 4 , p.3)

1 – Breves considerações sobre o olhar

No co ntexto co ntempo râneo é cada vez ma is nítido o diálo go entre diferentes

mídias. Auto res migram do s livro s para o teatro , do teatro para o cinema, do cinema para

o s video games e deles para as histó rias em q uadrinho s. A figura do escrito r fechado em

seu q uarto , lutando so litário co m o papel em branco , é cada vez mais rara. Escrever para

teatro , ilustrar capas de livro s e álbuns de música, criar ro teiro s para cinema, terminar o

(24)

13 entrevistas no s mais variado s meio s de co municação ; assim é a ro tina de muito s auto res

da co ntempo raneidade, no entanto aq ui tratamo s de Lo urenço Mutarelli.

O auto r co meça sua carreira trab alhando co m ilustraçõ es e lo go passa para as

histó rias em q uadrinho s. Co m o sucesso e o reco nhecimento pro vindo s de sua o b ra em

q uadrinho s, passa então a escrever livro s, transitando po sterio rmente pelo teatro e

cinema, co mo auto r e ato r. Atualmente (2 0 13), atua e ro teiriza a web série Co rpo

e stranho1, prepara sua no va o b ra em q uadrinho s e finaliza sua co ntribuição para o

pro jeto Amo res Expresso s2. Em meio a isso o auto r ainda enco ntra tempo para ministrar

aulas a respeito de quadrinho s auto rais no Sesc Po mpéia (SP). Em o utras palavras, existe

um trânsito co nstante po r espaço s não estritamente literário s, fato este que reverb era na

o b ra do auto r.

Nesse sentido , co nco rdamo s co m Maria Zilda Ferreira Cury (2 0 0 7), ao afirmar que

o trânsito po r esses diferentes espaço s culturais interfere diretamente na o b ra do auto r.

O b ra na qual nem o o bjetivo e tampo uco o resultado são estritamente literário s, uma vez

q ue trazem co nsigo o diálo go co m diferentes mo dalidades artísticas.

Sendo assim, de q ue maneira abo rdar uma o b ra literária que vem carregada de

elemento s pro vindo s de o utras artes?

No ssas q uestõ es to mam o utra dimensão ao analisarmo s a fo rtuna crítica do auto r,

uma vez q ue, co mo é usual ao se tratar de um auto r co ntempo râneo , há po uco material

dispo nível. Tal situação se agrava quando o po uco material enco ntrado diz respeito a

diferentes áreas do co nhecimento e abo rdam diferentes manifestaçõ es artísticas. Explico :

a mais ampla pesq uisa já realizada so b re Lo urenço Mutarelli é uma dissertação de

mestrado que analisa sua o b ra em histó rias em q uadrinho s. A pesquisa, Co nside raçõ e s

so b re so cie dade e te cno lo gia a partir da po é tica e linguage m do s quadrinho s de

1Disponível no Yo utube .

2

(25)

14

Lo ure nço Mutare lli no pe río do de 19 88 a 2 0 0 6, fo i realizada po r Lib er Paz (2 0 0 8) e

defendida no pro grama de educação tecno ló gica na Universidade Federal do Paraná.

Este exemplo não é o único , mas re vela alguns fato s reco rrentes: (1) a predo minância de

pesquisas que visam histó rias em quadrinho s, e co nseq uentemente, (2) a po uca inserção

do auto r no âmb ito do s curso s de letras.

Algumas co nsideraçõ es a respeito da fo rtuna crítica: uma o po rtunidade se esb o ça

no cenário , po is ao termo s acesso a pesquisas q ue visaram as o b ras predo minantemente

visuais (Hq) de Lo urenço Mutarelli, o diálo go mediado pelo arsenal teó rico da

intermidialidade se to rna b astante pro misso r. Po r o utro lado , uma vez q ue há escassez de

pesquisas que visam as o b ras escritas, surge uma questão delicada. Co mo interagir

analiticamente co m estas o b ras, não legitimadas, dentro do âmb ito acadêmico literário ?

Regina Dalcastgnè apresenta muito b em esta questão :

Po demo s desco nsiderar o julg amento de valo r estético so bre a o bra e analisá- la a partir de sua especificidade, sem hierarquizá- la dentro de có dig o s e co nvençõ es do minantes, o u, ao co ntrário , usar as co nvençõ es estéticas ma is arraig adas no campo literário para referendar essa o bra disso nante, mo strando que ela po deria, sim fazer parte do co njunto de pro duçõ es culturais e artísticas co nsag radas na so ciedade, desde que o lhada sem preconceito (2 0 12 , p.10 ).

Co nfo rme o b servamo s, Regina Dalcastgnè apo nta do is caminho s para respo nder à

inq uietação relacio nada à abo rdagem de um co rpus à margem do s estudo s acadêmico s:

No primeiro , demarca- se a marge m simplesmente co mo margem, limitando - a em

um lo cal hierárquico díspar, desta maneira evitando eq uiparaçõ es co m a Literatura

legitimada. No segundo , insere- se o auto r no discurso “ permitido ” pela academia,

afirmando uma necessidade em dizer isso é lite ratura, b uscando assim justificar a

q ualidade estética do o bjeto de pesquisa ao apro ximá- lo de o b ras já legitimadas. Amb as

(26)

15 Em no ssa pesquisa, esse desafio meto do ló gico de inserção de uma o b ra estudada

no âmb ito do discurso teó rico - literário se po sta em um nível sensivelmente diferente. A

q uestão q ue urge é: co mo fazer co m q ue o discurso teó rico - literário não sufo que as

nuanças co mpo sicio nais pro vindas das histó rias em q uadrinho s presentes no s co rpus?

Tendo em vista esta questão o ptamo s po r uma ab o rdagem dupla, mista de palavra

crítica e palavra auto ral; mescla do q ue é legítimo e o que permaneceu muito tempo à

marge m, enq uanto elemento crítico .

Lo urenço Mutarelli, sendo um auto r co ntempo râneo , no s fo rnece uma imensidão de

material para análise em fo rma de entrevistas. Rachel Lima, em A e ntre vista co mo ge sto

(auto )b io gráfico (2 0 11), ao analisar alguns aspecto s desse gênero não canô nico , a

entrevista, co mpreende algumas de suas facetas:

1 - Incursão do sujeito no ambiente das celeb ridades, “ a partir da expo sição

maciça de suas experiências de caráter b io gráfico ” (LIMA, 2 0 11, p.35), fato do qual

deriva um certo preco nceito co m relação à a pro ximação da mídia, gerando assim uma

po ssível “ vulgarização da imagem do auto r” , co nfo rme afirma Philippe Lejeune. (19 86 ,

p.87 apud LIMA, 2 0 11, p.39 )

2 - a relevância da entrevista enq uanto espaço de demo cratização da cultura, no

q ual po r meio de um gênero claramente dialógico , ab re- se um canal entre o auto r e um

púb lico mais amplo .

A auto ra co nclui explanando so b re alguns do s limites no quais se po sta a

entrevista: “ entre a esfera pública e o espaço privado , entre o individual e o co letivo ,

entre a ficção e o ensaio , entre o espo ntâneo e o teatral, entre a o ralidade e a escritura.”

(LIMA, 2 0 11, p.4 1)

É tendo em vista estas co ntradiçõ es inerentes ao gênero entrevista, co nfo rme

apo nta Rachel Lima, q ue no s apro priaremo s da palavra auto ral co mo parte integrante de

no ssa análise. Tendo co mo ho rizo nte esses limites e co mpreendendo a entrevista co mo um

(27)

16 q ue tange à relação entre a imagem e a palavra, e suas po ssíveis limitaçõ es, o u seja,

reflexõ es a respeito do aspecto co mpo sicio nal da o b ra estudada.

Sendo assim, de maneira a não perdermo s a pluralidade da o b ra do auto r,

inicialmente faremo s um b reve passeio pano râmico, de maneira a explicitar um co njunto

de aspecto s que fo ram sendo retrab alhado s em diferentes mo mento s, e mídias, po r meio

de estruturas co mpo sicio nais díspares. O termo pano rama reveste- se aq ui de seu sentido

mais evidente, mais espacial. Pro cederemo s uma espacialização co nfessa da análise

visando destacar co mo Lo urenço Mutarelli co mpreendia e expunha a sua interpretação

do relacio namento entre imagem e palavra, seja em entrevistas, em q uadrinho s, em

livro s, o u mesmo em algo que flerta co m amb o s estes espaço s. Tendo em vista essa

delimitação meto do ló gica, inevitavelmente relevaremo s q uestõ es mais po ntuais, que po r

certo mereceriam a to talidade da reflexão , para no s co ncentrarmo s na relação entre

imagem e palavra. O u seja, neste capítulo inicial, situaremo s A arte de pro duzir e fe ito

se m causa no ho rizo nte do co njunto da o b ra do auto r, ao mesmo tempo em que no s

atentaremo s às esco lhas co mpo sicio nais e temáticas q ue po dem auxiliar no sso o lhar a

melho r co mpreender no sso co rpus de pesq uisa. Para tanto , mo ntaremo s um mo saico no

q ual se mesclam a palavra do auto r e a palavra crítica.

Em suma são essas as no ssas q uestõ es centrais: co mo o co njunto da o b ra respo nde

ao ser questio nado so b re a relação entre a imagem e a palavra? E o mais impo rtante, em

q ue a co mpreensão de diferentes pro cedimento s co mpo sicio nais po de no s ajudar na

(28)

17

2 – Mutarelli e a imagem

“ O mundo tratava melho r q uem ria” . Este é um pensamento de Mutarelli, co m o

q ual tive a o po rtunidade de to mar co ntato no e ve nto Re trato s de Artista: Mo lduras do

Pe nsame nto3, e m q ue o auto r disco rreu so b re Lite ratura e Riso. Esta frase é e mb lemática para co mpreendermo s o co ntexto em q ue se situa a fase inicial do trab alho do auto r4.

Lo urenço Mutarelli nasceu na cidade de São Paulo no ano de 19 6 4. Na Faculdade

de Belas Artes (SP), no ano de 19 85 , fo rmo u-se em Educação Artística. É neste perío do

q ue o auto r tem seu primeiro co ntato co m o mercado das histó rias em q uadrinho s,

trab alhando no s estúdio s Maurício de So usa co mo pinto r de cenário s para as histó rias da

Turma da Mô nica.

Interessado em desenvo lver um trab alho mais auto ral e adulto , Lo urenço Mutarelli

co meça a pro duzir em suas ho ras vagas, po rém não co nsegue espaço para suas

pub licaçõ es em nenhuma edito ra. É quando , decidido a se auto - publicar, ele lança pela

edito ra Pro - C, de Francisco Marcatti, do is fanzines: O ve r- 12 (19 88) e So lúve l (19 89 ).

Ainda nesta épo ca, o auto r faz participaçõ es em algumas revistas co mo Tralha, Po rrada e

Mil Pe rig o s.

As histó rias em quadrinho s pro duzidas no país nesta épo ca (década de 19 80 )

tinham co mo grande expo ente as tiras de humo r. Destacavam- se artistas co mo Angeli,

G lauco e Laerte. Lo urenço Mutarelli, visando se adequar ao mercado , vê então no humo r

uma das vias, se não a única, de acesso .

3Evento o rganizado pela Faculdade de Filo sofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas

G erais no dia 4/ 12/ 12.

4

(29)

18 No entanto , havia algo de diferente no humo r pro duzido po r Lo urenço Mutarelli,

ele gerava uma incapacidade de delimitação : É humo r? É eró tico ? É escato ló gico ?

O b servemo s uma página de O ver- 12 :

Fig ura 2 – Pág ina de O ve r- 12. (MUTARELLI, 19 88, p.2 1)

O b servamo s nessa página muito s do s fato res que levaram à difícil aceitação inicial

de Lo urenço Mutarelli: um traço fo rte e vio lento , uma temática tênue que flerta co m o

(30)

19 co ntexto humo rístico da década de 19 80 . Fato que exemplifica esta situação é o

desentendimento entre Mutarelli e Laerte, que na épo ca editava a revista Circo . So b re

esta co ndição , o auto r declara para o Suplemento Cultural do Diário O ficial de

Pernamb uco : “ Minha geração era muito fechada. Tiraram muito sarro do que eu fazia e o

Laerte fo i um cara q ue me sacaneo u muito , mas fo i algo que ele até já pediu desculpas

pub licamente.” (MUTARELLI, 2 0 11.b)

Entre o mal acab ado , o gro tesco , o infantil e o b izarro , Lo urenço era definido pela

inadequação . Se na década de 19 80 o mundo tratava melho r quem ria, dentro deste

co ntexto da pro dução de histó rias em quadrinho s, o auto r desco b riu, frente às muitas

po rtas fechadas, que aprender a rir era análo go a aprender a apanhar. Em 19 89 , uma

vez mais, do is fanzines são lançado s: Impublicáveis e So lúvel e no vamente vemo s o flerte

co m o humo r.

(31)

2 0 Mesmo enfrentando dificuldades Lo urenço Mutarelli co nsegue ter seus trab alho s

pub licado s em algumas revistas de circulação nacio nal, co mo Animal (19 88) e Tralha

(19 89 ). Nesta primeira fase da carreira do auto r, além da reincidência do humo r, no ta- se

uma b usca po r um traço e po r narrativa própria, havendo assim grande variação na

maneira co mo estes elemento s são abo rdado s.

Fig ura 4 - Excerto de O ve r 12. (MUTARELLI,19 89 , p.8)

Enquanto no s exemplo s anterio res temo s um traço mais “ pesado ” , carregado de

hachuras e perso nagens mais defo rmado s, aq ui vemo s um traço mais simples e

cartunesco , demo nstrando assim o elevado número de experimentaçõ es e mpreendidas

pelo auto r em busca de seu traço .

G rande parte da pro dução desta primeira fase da o b ra de Lo urenço Mutarelli, po r

ser um material de difícil acesso , fo i reimpressa pela Devir no álbum Se qüe las (19 9 8).

Neste álb um, enco ntra- se a pro dução marginal q ue co mpreende o perío do de 19 88 até

(32)

2 1 auto r desde seus primeiro s passo s co m o gênero humo r até suas ilustraçõ es para livro s de

RPG .

Em 19 9 1, Lo urenço Mutarelli pub lica seu primeiro álb um a receb er no to riedade

nacio nal: Transub stanciação (vencedo r da Primeira Bienal Internacio nal de Q uadrinho s,

melho r histó ria do biênio , Prêmio Ângelo Ago stini e prêmio HQ MIX). Este álbum firma

algumas das características técnicas q ue mais se destacam na sua o b ra, dentre elas o

apreço pelo nanquim, “ animal selvagem” a “ representar o mundo co m uma única co r, o u

co m a ausência de luz, q ue é o preto . Luz e so mb ras, vo lumes, texturas, pro fundidade,

figura e fundo ” (MUTARELLI, 19 9 8, p.17).

A b usca pelo do mínio da técnica do nanquim co ntinua co m a publicação de

De sgraçado s (19 9 3), Eu te amo Lucimar (19 9 4 ) e Co nfluê ncia da fo rquilha (19 9 6 ). Nestes

álbuns, Lo urenço Mutarelli atua co mo ro teirista e desenhista, realizando experimentaçõ es

co m diferentes técnicas de trab alho co mo nanquim e aguada em Eu te amo Lucimar, e

co m a estrutura narrativa, espo ntânea e impro visada, em Co nfluê ncia da fo rquilha.

Em 19 9 8, apó s trab alhar co mo ilustrado r de livro s de RPG na Devir, lança pela

mesma edito ra uma co letânea de seus desenho s de início de carreira: Se qüe las. Em 19 9 9 ,

pub lica seu primeiro álb um - O do b ro de cinco - po r uma grande edito ra, que é o

primeiro da “ trilo gia em q uatro partes” , co mpo sta tamb ém po r O re i do po nto (2 0 0 0 ), A

so ma de tudo I (20 0 1) e A so ma de tudo II (2 0 0 2 ).

Nesta fase mais madura de sua o b ra, Mutarelli realiza uma histó ria de cunho

po licial, ab o rdando de maneira sutil temas caro s até então , co mo as crises existenciais e

a melanco lia. Na “ trilo gia em quatro partes” o auto r adquire uma estética q ue se

distancia do clima unde rgro und de seus álbuns anterio res. Temas co mo o tempo , a

memó ria e a questão da representação co meçam a surgir.

Artista incansável em sua b usca po r experimentação e desenvo lvimento técnico ,

Lo urenço Mutarelli lança em 2 0 0 4 o álb um Mundo Pe t, q ue reúne histó rias previamente

(33)

2 2 artista experimenta diferentes técnicas de criação de imagens, co mo é o caso das

imagens que seguem:

Fig ura 5 – Imag ens pintadas so b velhas fo to g rafias; tensão entre representação e

memó ria. (MUTARELLI, 2 0 0 4 , p.53)

(34)

2 3

Fig ura 7 – Q uadrinho montado com recursos digitais. A utilização de so ldados de brinquedo remete

à infância, contrastando com a violência da histó ria. O s idiomas, inglês nos balõ es de fala e

po rtug uês na “ leg enda” , estão em tensão . (MUTARELLI, 20 0 8, p.10 4)

Em 2 0 0 5 , co m A caixa de are ia, o u e ra do is e m me u quintal, Lo urenço Mutarelli

adentra de maneira mais direta a pro b lemática da representação . Em uma histó ria de

cunho auto bio gráfico , vemo s pro blematizada a relação entre realidade e memó ria, real e

representação , temas q ue são abo rdado s incessantemente, dando à o b ra do auto r um

caráter metalingüístico .

A caixa de are ia marca o início de um lo ngo hiato na carreira de Lo urenço

Mutarelli, de 2 0 0 5 a 2 0 11, no q ual ele não desenhará mais quadrinho s, co meçando a se

dedicar à pro dução de seus ro mances, adaptaçõ es de ro teiro para cinema e texto s para

o teatro . Líb er Paz chama atenção para o fato de que o fo rmato de A caixa de are ia

indicava a transfo rmação pela qual passava a o b ra de Mutarelli, rumando so mente para

(35)

2 4

A apro ximação de A caixa de are ia co m a literatura co meça pelo fo rmato da publicação : 14 x 2 1 cm. O interio r, em sua maio ria, fo i impresso em papel pó len, em preto e branco (exceção feita às pág inas do pró lo g o e às duas últimas pág inas). Essas características fo ram esco lhas deliberadas do auto r e buscam intencio nalmente remeter ao formato básico do s livro s de ro mances literário s. Em co njunto co m o s dema is elemento s do álbum (ilustraçõ es e fo to s do s bo neco s que abrem o s capítulo s, desenho da capa, etc.), A caixa de are ia, co mo o álbum Transubstanciação, parece representar um marco de transição na ling uag em e interesses do auto r. (PAZ, 2 0 0 8, p.183)

A caixa de are ia é uma narração de cunho auto bio gráfico , na q ual o auto r trata de

q uestõ es co mo memó ria, identidade e representação . Ao narrar o s aco ntecimento s triviais

de sua vida, o perso nagem Lo urenço busca aprisio nar, tal q ual uma ampulheta, o perío do

de tempo em que vive, algo co mo uma experiência científica de co mpreensão da

realidade. No entanto , ao buscar representar sua própria vida, o perso nagem se depara

co m o s limites entre a realidade e a representação . Afinal, a “ realidade não é falsa que

nem um desenho animado q ue é falso ” (MUTARELLI, 2 0 0 6 , p.4 6 ).

A caixa de are ia, ao mo strar as vicissitudes de um auto r de HQ ’ s q ue busca

retratar sua realidade po r meio da arte, no s põ e em co ntato co m o s limites da linguagem

do s q uadrinho s. O perso nagem principal, Lo urenço , se questio na: até que po nto é

po ssível representar? Nó s no s questio namo s: até que po nto essa preo cupação é

impo rtante nesse mo mento da carreira para Lo urenço Mutarelli? O u seja, as HQ ´s,

(36)

2 5

(37)

2 6 No final de 2 0 11, Lo urenço Mutarelli finalmente reto rna ao s quadrinho s co m

Q uando me u pai se e nco ntro u co m o e t fazia um dia que nte. Emb o ra tenha participado

co mo co - ro teirista do álbum O Astro nauta (2 0 10 ), é so mente em 2 0 11 q ue reto ma a

auto ria de uma histó ria em q uadrinho s. Neste álbum, demo nstra que, emb o ra tenha

parado de lançar q uadrinho s, não paro u de experimentar diferentes recurso s de

linguagem. To memo s co mo exemplo a o rganização da página, em um fo rmato

diferenciado , 2 7 x 2 0 cm, ao mo do de um antigo álb um de fo to grafias. A histó ria é

co ntada em primeira pesso a, envo lvendo a temática da memó ria e do relato po r meio de

fo to s, tensio nando o s limites entre ficção e realidade.

Fig ura 9 - Fato interessante a ser no tado é a se melhança do narrado r da histó ria, retratado neste

(38)

2 7 No ano de 2 0 12 , po r meio de um pro jeto de financiamento co letivo , a edito ra Buriti

lança cinco ske tchb o o ks do auto r. Tratam- se de peq ueno s caderno s no s quais o auto r

fazia experimentaçõ es, buscando desprender- se de sua pró pria técnica. Nesses

caderno s, visando lib ertar- se de si mesmo , o auto r utiliza imagem e palavra co mo

elemento s que se integram em uma só unidade, a página.

(39)

2 8 Na página acima, no ta- se o nível de experimentação co ntido no s ske tchb o o ks. Em

um pro cesso que lemb ra uma co lagem, Mutarelli inicia a página co m carimb o s, passa

então a desenho s em pequeno s q uadro s, q ue lo go são to mado s po r palavras e mesmo

b alõ es de fala, terminando co m um diagrama q ue se assemelha muito ao s q ue

aparecerão em A arte de pro duzir e fe ito se m causa. Vale ressaltar q ue tais caderno s

fo ram feito s sem intenção de pub licação5, co mo dito pelo pró prio auto r. São apenas

experimentaçõ es, po rém são b ases fecundas para no ssa pesquisa no q ue tange à relação

entre imagem e palavra.

Tamb é m em 2 0 12 , Lo urenço Mutarelli teve pub licada sua participação no pro jeto

Cidades Ilustradas. O livro Manaus é parte integrante desse pro jeto , q ue co nvida, dentre

o utro s, artistas gráfico s e desenhistas de histó rias em q uadrinho s para co nhecer e ilustrar

sua passagem po r algumas cidades b rasileiras. Desde representaçõ es da vista de satélite

de Manaus a b elíssimo s q uadro s co lo rido s, vemo s Mutarelli no s mo strando que o artista

preso ao nanq uim e ao co ntraste entre o preto e o branco há muito passo u a integrar as

co res.

Enfim, co mo pudemo s no tar, Lo urenço Mutarelli tem uma lo nga histó ria artística na

área do s quadrinho s e das artes gráficas. Tal percurso artístico faz co m que, ao transitar

pelo ro mance, ele naturalmente traga co nsigo influências da mídia à q ual se dedico u

durante grande parte de sua carreira.

5A respeito da página que destacamo s, Lo urenço Mutarelli, em “ A vida co m efeito ” , caderno integ rante do

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2 9

3 – Mutarelli e a palavra

O primeiro e um do s mais co nhecido s ro mances publicado s po r Lo urenço Mutarelli

é O che iro do ralo (2 0 0 2 ), o b ra po sterio rmente adaptada para o cinema po r Heito r

Dhalia. Neste ro mance em primeira pesso a, po r meio de uma pro sa rápida e po ética,

temas co mo a relação entre o ho mem e as co isas e a deco rrente co isificação do ho mem

po r meio de relaçõ es de co mpra e venda são tratado s.

Ela entra. Ela treme. Eu pag o .

Ela perg unta pelo o lho de meu pai. *

E então já é o utro dia.

Eu pag o . (MUTARELLI, 2 0 0 2 , p.54 )

Em 2 0 0 4 , publica O natimo rto , seguido , no mesmo ano , po r Je sus Kid, uma

paró dia de ro teiro de cinema; em a mb as as o b ras reafirma- se o to m velo z e a

predo minância de diálo go s. Ainda no ano de 2 0 0 4 , lança a peça de teatro O que vo cê

fo i quando e ra criança?, q ue é indicada para o 18º prêmio Shell de teatro , na catego ria

melho r auto r. Esta fase da incursão do auto r pelo mundo das palavras revela uma

necessidade de se expandir artisticamente, criando em diferentes mídias: teatro , literatura

e cinema.

No ano de 2 0 0 8, Lo urenço Mutarelli lança A arte de pro duzir e fe ito se m causa. É

seu primeiro livro pub licado pela Co mpanhia das Letras, o que revela a visib ilidade

alcançada po r seu trab alho . Seus livro s anterio res haviam sido publicado s pela Devir e

pela DBA, amb as edito ras de meno r dimensão no mercado . Em o utras palavras, o auto r

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de pro duzir e fe ito se m causa alcança sucesso de crítica e púb lico , ganhando o terceiro

lugar do prêmio Po rtugal Teleco m, em 2 0 0 9 .

Em Nada me faltará (2 0 10 ), ultimo ro mance publicado até o mo mento desta

pesquisa, Lo urenço Mutarelli trab alha uma histó ria na qual o enigma se mo stra presente,

ao não serem reso lvido s muito s do s questio namento s lançado s durante a histó ria. Um

po nto peculiar desta o b ra é a narração , co nduzida so mente po r meio de diálo go s,

reafirmando assim, a maestria do auto r co m esse tipo de co nstrução .

A carreira literária de Lo urenço Mutarelli não mantém o mesmo nível, em termo s de

experimentação e desenvo lvimento técnico , de sua atuação na esfera do s quadrinho s.

Seu percurso literário é marcado po r alto s e b aixo s, co m o b ras que alcançam grande

repercussão de público e crítica co mo O che iro do ralo e A arte de pro duzir e fe ito se m

causa ao lado de o utras que se mo stram inexpressivas, co mo Migue l e o s de mô nio s.

De qualquer maneira é impo rtante enfatizar que a temática das relaçõ es entre a

imagem e a palavra so mente é explo rada de maneira específica em A arte de pro duzir

e fe ito se m causa, demo nstrando assim ser uma necessidade interna da o b ra. Embo ra ao

lo ngo de sua carreira literária Lo urenço Mutarelli tenha utilizado elemento s imagético s em

to do s o s seus livro s eles não dialo gam de uma maneira tão explícita co m a narrativa.

4 – Mutarelli sob o signo de Édipo

Uma o b ra co mo a de Lo urenço Mutarelli é um co nvite à reflexão , po is tanto seus

texto s co mo seus desenho s agem co mo armadilhas que prendem a atenção do leito r.

Emb o ra sejam po uco s o s crítico s que tenham levado a análise da o b ra de Lo urenço

Mutarelli adiante, aq ueles que o fizeram registram em suas ab o rdagens algumas

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31 A pesquisa desenvo lvida po r Líb er Paz (20 0 6 ), Co nside raçõ e s so b re so cie dade e

te cno lo gia a partir da po é tica e linguage m do s quadrinho s de Lo ure nço Mutare lli, é a

mais ab rangente já realizada, na q ual o pesquisado r pro cura traçar uma relação entre a

pro dução artística de Lo urenço Mutarelli e seu ento rno so cial, cultural e tecno ló gico .

Po ntualmente, cada o b ra vai sendo analisada po r meio de uma apro ximação teó rica co m

Bakhtin. No entanto , devido ao aspecto extremamente geral do trab alho de pesquisa, a

análise não se apro funda, de mo do que o aspecto mais relevante do trab alho é o caráter

b io gráfico - cro no ló gico da carreira do auto r.

Esta perspectiva ampla é tamb ém a esco lhida po r Daniel Levy Candeias (2 0 0 7 ),

q ue analisa as o b ras O che iro do ralo (2 0 0 2 ), O natimo rto (2 0 0 2 ) e Je sus Kid (2 0 0 4),

pro po ndo uma po ssível po ética do deseq uilíb rio psico ló gico . Embo ra esta pesquisa

demo nstre um caráter analítico meno s amplo do q ue a de Líb er Paz, uma vez que se

co ncentra apenas em três livro s, seu viés tamb ém é de b uscar características que

co nectem to das as o b ras do auto r, de maneira a revelar um pro jeto auto ral.

A transição de Lo urenço Mutarelli, do s quadrinho s para a literatura, tro uxe co nsigo

o perigo de se analisar a o b ra do auto r buscando apenas a “ influência do s quadrinho s” .

É fato que o auto r traz co nsigo a experiência adquirida em o utra mídia, mas até que

po nto so mente po r essa lente devemo s enxergar sua pro dução artística? Alcir Péco ra, na

o casião do lançamento do livro A arte de pro duzir e fe ito se m causa, em resenha para

Fo lha de São Paulo, declaro u que o livro não passava de um “ gibi sem desenho s” . Em

to m claramente pejo rativo , o co lunista e acadêmico revela a maneira co mo é atrelada

to da e qualquer o b ra de Lo urenço Mutarelli a seu passado no s quadrinho s, realizando - se

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5 – A arte de produzir efeito sem causa

A arte de pro duzir e fe ito se m causa divide- se em duas partes, do is “ livro s”

co nfo rme deno mina o auto r. O primeiro deles chama- se “ Efeito ” e o segundo

“ No nsense” . Cada capítulo destes livro s é aberto po r um diagrama. Enquanto o primeiro

livro co ncentra- se no s evento s que antecedem a crise afásica, o segundo relata o s fato s

q ue a sucedem.

Narra - se a histó ria de Júnio r, um ex- funcio nário de uma empresa de auto peças,

q ue apó s uma crise co njugal se vê o b rigado ab ando nar o emprego , a mulher e o filho ,

Caio . Buscando um po uco de paz para reco nstruir sua vida, Júnio r reto rna para a casa de

seu pai, Jo sé, carregando “ uma pequena mala e q uarenta e três ano s mal- do rmido s”

(MUTARELLI, 2 0 0 8, p.11). A histó ria é narrada em terceira pesso a, po r um narrado r q ue,

emb o ra tenha acesso ao s pensamento s do s perso nagens, mantém so mb ras e incertezas

so b re eles, co nfo rme o mo mento em que se enco ntra a narração .

Ao chegar ao apartamento o nde viveu co m a mãe, já falecida, e co m o irmão mais

no vo , na cadeia po r pro b lemas co m dro gas, é aco lhido po r seu Jo sé, o pai, a quem

carinho samente chama de “ sênio r”. O amb iente do apartamento parece não ter mudado

desde a partida de Júnio r, co m exceção do q uarto o nde ho je vive uma estudante de

artes, Bruna, lo catária de Sênio r.

A crise co njugal de Júnio r fo i causada pelo fato de sua mulher ter sido pega tendo

relaçõ es co m um amigo de seu filho , um jo vem de 14 ano s. No entanto , co mo agravante,

este jo vem é filho do patrão de Júnio r. Assim, Júnio r busca refúgio no velho lar, tentando

limpar sua mente da imagem da traição .

O dia- a- dia se instala e Júnio r inventaria, tal qual o visitante de um museu, o s

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33 da figura paterna. O pai preo cupa- se co m a situação do filho , que passa dia apó s dia no

so fá, q ue fo ra cama do cacho rro da família, há muito mo rto .

Certo dia, em uma remessa de co rreio , estranho s o bjeto s chegam para Júnio r:

É uma caixa de sapato . Dentro há um pedaço de tecido , um veludo vermelho co m cerca de quinze centímetro s de co mprimento e dez de larg ura. O u seria o co ntrário ? Três CDs. G ravações caseiras. Um velho e amarelado reco rte de jo rnal. Apenas a cabeça de uma matéria so bre um fato o co rrido na Cidade do México .

Daily N ews, Saturday, September 8 , 19 5 1

HEIR’ S PISTO L KILLS HIS W IFE;

HE DENIES PLAYING W M TELL. (MUTARELLI, 2 0 0 8, p.4 3)

Esta remessa, em especial a no tícia de jo rnal, tem um papel determinante na

histó ria. A no tícia relata o episó dio em que o escrito r americano , W illiam S. Burro ughs, é

acusado de matar sua mulher, Jo an. So b re o efeito de psico trópico s, o escrito r tentara

acertar um co po po sto so b re a cab eça da mulher, tal q ual na lenda de G uilherme Tell,

po rém, sub stituindo a maçã pelo co po e o arco e flecha pela arma de fo go . Burro ughs,

q ue sempre fo ra co nhecido co mo exímio atirado r, erra o co po e acerta a cab eça de sua

mulher, matando - a na ho ra.

Esta mensagem de jo rnal, ao apro ximar Júnio r de Burro ughs, tamb ém o leva a

to mar co ntato co m o wo rd virus. Segundo Burro ughs este tipo de vírus é um elemento que

ao po ssuir seu ho spedeiro o leva a ato s antes impensado s. Segundo o auto r

estadunidense teria sido este vírus, este elemento po ssessivo que o levara a atirar em sua

mulher Jo an6.

Co nfo rme Júnio r receb e tais estranho s o bjeto s, ele co meça a dedicar- se a

traduzi-lo s, tentando assim enco ntrar um significado para as remessas. Paralelamente a esta

6 Trataremo s co m maio r minúcia tais de talhes e a implicação que têm na o bra estudada no

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34 empresa, ele vê sua situação financeira se to rnar crítica. Sem trab alho , co meça a ro dar a

cidade lançando plano s ao vento , esperando pela ajuda de amigo s q ue não co nsegue

enco ntrar e se entregando ao alco o lismo .

No apartamento de seu pai, Júnio r trava amizade co m a estudante de artes Bruna,

perso nagem pela q ual tem certa atração sexual. Certa no ite, so zinho s em casa , o s

perso nagens co nversam e, apó s fumare m um cigarro de maco nha, a ima ginação de

Júnio r excita- o co m a po ssibilidade do q ue po de aco ntecer entre ele e a garo ta. No

entanto , uma co njunção de fato res leva as e xpectativas a não se co ncretizarem, levando

Júnio r a to mar uma garrafa de uísq ue em respo sta à frustração . Fo ra de si, Júnio r tenta

estuprar Bruna e so fre um ataque epilético , o primeiro de uma série que se seguirá.

Co nfo rme a histó ria se desenro la, Júnio r desenvo lve uma ro tina regrada a álco o l e

tentativas de tradução da frase recebida. Lançado ao so fá, o perso nagem perde a no ção

do tempo , co nfo rme suas crises epiléticas se to rnam mais freq üentes:

A percepção do tempo parece alterada. Não é o co nhaque, é ele. Sua frio . O tremo r nas mão s é intenso . Abstrai- se em de talhes que nunca po de acessar. O s po ro s de sua pele.[...]Diante do pavo r de um novo mundo revelado , co rre até o banheiro para ver seu ro sto no espelho . Esses não são o s seus o lho s. [...] Co m a a juda do s dedo s sepa ra as preg as do s o lho s. Arreg ala. [...]Nas pequenas veias, frases. Parece disting uir uma palavra na flexuo sa, minúscula e avermelhada artéria o cular. He irs. He irs. He irs Pisto l Kills...[...]Um no vo ataque o pro teg e da realidade (MUTARELLI, 2 0 0 8, p.119 - 121).

Sênio r, preo cupado co m o filho e suas crises epiléticas, leva- o ao ho spital, o nde o

médico pede um exame q ue po ssib ilitará o eventual diagnó stico de neuro cisticerco se,

uma parasito se do sistema nervo so . Incapaz de arcar co m o s custo s do exame, seu Jo sé

se vê o b rigado a aguardar meses até que o sistema púb lico dispo nibilize o exame.

Neste mo mento da o b ra, enco ntramo - no s no Livro II – “ No nsense” -, o nde o

Imagem

Fig ura 1 -  Imag em presente em Mundo Pe t. (MUTARELLI, 2 0 0 4 , p.3)
Fig ura  5  –  Imag ens  pintadas  so b   velhas  fo to g rafias;  tensão   entre  representação   e  memó ria
Fig ura 7 – Q uadrinho  montado  com recursos digitais. A utilização  de so ldados de brinquedo  remete  à  infância,  contrastando   com  a  violência  da  histó ria
Fig ura 8 – Pág ina de A caixa de  are ia, em que se explicita o  questio namento  a respeito  da  representação  da realidade
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