PONTI FÍ CI A UNI VERSI DADE CATÓLI CA DO RI O GRANDE DO SUL
FACULDADE DE DI REI TO
PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM DI REI TO
MESTRADO EM CI ÊNCI AS CRI MI NAI S
Por t o Alegr e 2006
ANA CRI STI NA BORBA ALVES
EX CLUSÃO SOCI AL, I N V I SI BI LI D AD E E
I N CLUSÃO N O SI STEM A PEN AL
A r eincidência com o r espost a
ao olhar do ( O) out r o
Pr of. Dr . Salo de Car valho
AN A CRI STI N A BORBA ALV ES
EX CLUSÃO SOCI AL, I N V I SI BI LI D AD E E I N CLUSÃO N O
SI STEM A PEN AL
A r eincidência com o r espost a ao olhar do ( O) out r o
Disser t ação apr esent ada no Pr ogr am a de Pós- Gr aduação em Ciências Cr im inais - Mest r ado, da Faculdade de Dir eit o da Pont ifícia Univer sidade Cat ólica do Rio Gr ande do Sul, com o r equisit o par cial à obt enção do gr au de Mest r e.
Ár ea de concent r ação: Violência.
Linha de pesquisa: Polít ica Cr im inal, Est ado e Lim it ação do Poder Punit iv o.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
A474e Alves, Ana Cr ist ina Bor ba
Exclusão social, invisibilidade e inclusão no Sist em a Penal: a r eincidência com o r espost a ao olhar do out r o / Ana Cr ist ina Bor ba Alves. Porto Alegre, 2006.
142 f.
Dissertação (Mestrado em Ciências Criminais) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, Faculdade de Direito, PUCRS, 2006.
Orientador: Prof. D r . Salo de Car valho.
1. Exclusão Social. 2. Cidadania. 3.
( I n) Eficiência do Est ado. 4 . Sist em as Sócio- Polít ico-Econôm ico. 5. Selet ividade de Cont r ole Penal. 6. Mal- Est ar . 7. Est igm as. 8. Est er eót ipos. 9. Reincidência. I. Car v alho, Salo de. II. Título.
CDD 341.5
Bibliotecária Responsável
AN A CRI STI N A BORBA ALV ES
EX CLUSÃO SOCI AL, I N V I SI BI LI D AD E E I N CLUSÃO N O
SI STEM A PEN AL
A r eincidência com o r espost a ao olhar do ( O) out r o
Disser t ação apr esent ada no Pr ogr am a de Pós- Gr aduação em Ciências Cr im inais - Mest r ado, da Faculdade de Dir eit o da Pont ifícia Univer sidade Cat ólica do Rio Gr ande do Sul, com o r equisit o par cial à obt enção do gr au de Mest r e.
Ár ea de concent r ação: Violência.
Linha de pesquisa: Polít ica Cr im inal, Est ado e Lim it ação do Poder Punit iv o.
Apr ovado em : ______/ ______/ 2006.
BANCA EXAMI NADORA
_______________________________________________ Or ient ador : Pr of. Dr. Salo de Car v alho - PUCRS
_______________________________________________ Pr of. Exam inador : Pr of. Dr . José Car los Mor eir a da Silva Filho - UNI SI NOS
AGRAD ECI M EN TOS
A Salo de Car valho, MESTRE, pela or ient ação e por t odo o per cur so t rilhado. Gr acias por m e haver sinalizado out r os cam inhos, par a além da cr im inologia r adical.
A Sér gio Salom ão Shecair a, pelas sugest ões iniciais da pesquisa, com pr óxim as seqüências “ pelas m ãos de Alice” Bianchini, e que se concr et izou com Salo de Car valho.
A Rut h Mar ia Chit t ó Gauer , por m e haver m ost r ado out r a for m a de ver o univer so que m e cer ca e de conviver com ele; sobr et udo, pela incondicional e car inhosa acolhida desde que cheguei ao m est r ado em Ciências Cr im inais.
Ao am igo Lédio Rosa de Andr ade, com panheir o de t ant as j or nadas - r egist r o a adm ir ação por sua cor agem e pela r ar a coer ência assegur ada ent r e discur so e pr áx is - , por m e haver guiado dent r o da sociologia e pelas discussões que t eceu, pacient em ent e, dur ant e m eu per cur so acadêm ico.
A Paulo de Tar so Brandão por t er m e m ost r ado que havia out r o olhar a ser lançado sobr e o
dir eit o e, pelo car inho de sem pr e.
Ao am igo Léo, por , além da am izade, m e haver m ost r ado há m uit o t em po a “ m icr ofísica do poder ” e, t am bém , pelas r icas discussões t r avadas ao longo da convivência: desde a adm inist ração dom ést ica à adm inist r ação pública.
A Sônia Mar ia Schm it z, pela font e de cor agem que r epr esent a e em que m e inspir o.
A Am aline Mussi, pelas r evisões t ext ual e gr am at ical e, acim a de t udo, pelas palavr as de ext r em o car inho que, nest e final de per cur so, j á quase sem for ças de pr osseguir , chegavam
-m e co-m o u-m suave -m as poder oso sopro m ot ivador .
A Elisa Bianchini, pelo indispensável apoio m et odológico e o car inho de sem pr e.
Às m eninas da secr et ar ia, Már cia, Kar en e Pat r ícia, pelo at endim ent o incondicional.
Ao Tr ibunal de Just iça de Sant a Cat ar ina, pelo apoio inst it ucional
A t odas as pessoas que, de algum a for m a, aj udar am na elabor ação dest a disser t ação, pelo car inho e am izade.
Agr adecim ent os/ par t e 2: acer ca de m inha exist ência...
À m inha m ãe, por m e haver m ost r ado, ainda na infância, que eu poder ia alinhar às ilust r ações de gibis, out r as, concebidas com m inha im aginação, dur ant e a leit ur a de t ext os ficcionais: or igem do m eu gost o pela leit ur a.
Ao m eu pai, que, r elevados os conflit os, ensinou- m e a t er r espeit o pelo out r o, enquant o
“ out r o” .
Aos m eus m anos Bet o, Dedé e Bá, pelo am or , car inho e cum plicidade que sem pr e nos
unir am .
Aos m eus sobr inhos Vit or Hugo, Lor enzo e Henr ique, pelo est ím ulo à busca de um fut ur o m elhor .
Às pr im ocas Giane, Gr eice e Giór gia, por t odo o car inho.
t udo, pela alegr ia e pelo pr ivilégio de poder com par t ilhar exist ência, felicidade, dor , chim ar r ão, conver sas diver sas; o per t encim ent o do que é do fem inino e do m asculino, e t udo o m ais; pela acolhida car inhosa em sua casa, onde m e sint o com o se
fosse m inha: gr acias!
A Cínt ia Döhler , ir m ã que o cor ação escolheu, pela r azão especial que confer e a m inha exist ência. Gr acias, ainda, por t odo o car inho, pela acolhida em sua casinha e pela com panhia da Mit sy dur ant e m inha est ada em Por t o Alegr e.
À m ana/ am iga Mônica Delfino, por m e haver auxiliado no desvendam ent o dos ( O) out r os, pelo valioso supor t e psicanalít ico pr est ado e, sobr et udo, pela r azão especial que nossa ir m andade assegur a à m inha exist ência: gr acias!
A Jackson Rodr igues, pela ver dadeir a acolhida em sua casa, j unt o com sua ar t e culinár ia, m úsica, acom panhados da Moniquinha, da Bibi, do Nini e do Bochecha.
À m ana/ am iga I ngrid Polly ana Schm it z de Lar dizábal, por poder com par t ilhar a vida: alegr ias, conquist as e, de vez em quando, dor . A Car la Ar car i, pela am izade e car inho
nascidos na adolescência
Ao m anoco Lecaldinho( Ricar do Giuliani Alves) , pelo car inho de sem pr e.
A José August o Ribeir o Mendes, pela car inhosa am izade.
A Alexandr e Salim , pela cum plicidade e car inho que nos uniu, m esm o sabedor es de que nossas falas enunciar iam as opiniões m ais díspar es.
A Nat ie e Lica, pela car inhosa acolhida na PUC, fazendo com que não m e sent isse est r angeir a
num a t ur m a onde caí de pár a- quedas no segundo sem est r e 2004.
“ Me pediram par a deixar de lado t oda a t r ist eza, par a só t r azer alegr ia e não falar de pobr eza, e m ais, pr om et er am que se eu cant asse feliz agr adava com cer t eza. Eu que não posso enganar m ist ur o t udo que vi. Cant o sem com pet idor , par t indo da nat ur eza do lugar onde nasci. Faço ver sos com clar eza: a r im a,
o belo e t rist eza. Não separ o dor de am or deixo clar o que a fir m eza do m eu
cant o vem da cer t eza que t enho de que o poder que cr esce sobr e a pobr eza e faz dos fr acos r iqueza foi que m e fez cant ador .”
RESUM O
Est a disser t ação de m est r ado pr et ende efet uar per cur so t r ansdisciplinar por algum as pr oblem át icas que envolvem a violência. Analisa a pr áxis da at uação dos sist em as social, polít ico, econôm ico e penal br asileir os, e quest iona as pr át icas e polít icas crim inais ut ilizadas sob o discur so da defesa social, est as que, no cot idiano, t êm - se m ost r ado com o ( r e) pr odut or as de cr escent e violência, or iginada no desm esur ado acionam ent o do poder punit ivo do Est ado. Dest aca a im por t ância do olhar do ( O) out r o e a im por t ância do poder de consum o na const it uição do suj eit o. At r ibui à exclusão dos dir eit os ao dir eit o de cidadania ( gr am át ica da exclusão) um a das causas que levar iam à desviação pr im ár ia ( gr am át ica da inclusão) do indivíduo nos sist em as penal e car cer ár io, am bos selet ivos, est er eot ipant es, est igm at izant es e per ver sos. Tr at a, ainda, a pr esent e pesquisa, de dest acar a selet ividade do sist em a de cont r ole penal. Selet ividade na escolha das pessoas a quem quer at ingir , ao selecionar os fat os e, novam ent e, após selecionados os fat os, selet ividade na exegese, ou sej a, a exclusão daqueles que não dever iam ser incluídos no sist em a, os quais acabam excluídos por dist or ções for m ais, at r avés da aplicação r et ór ica da nor m a. Dest aca o ( não) poder consum ir com o um dos gr andes m al- est ar es da br asilidade no m om ent o at ual. Ressalt a a im por t ância do olhar e equipar a a invisibilidade a um a for m a de não- exist ência, ao m esm o t em po em que levant a os m alefícios de um olhar est igm at izant e e est er eot ipant e, o qual faz com que a r eincidência sej a fr ut o de um a r eação social ao olhar do out r o. Um a pr ofecia que se aut ocum pr e.
RESUM EN
Est a diser t ación del m aest r eado se pr opone r em ont ar el paso t r ansdisciplinar para algunos pr oblem as que im plican la violencia. Analiza la pr áxis del funcionam ient o de los sist em as sociales, polít icos, económ icos y cr im inales br asileños, pr egunt ando sobr e las pr áct icas y las polít icas cr im inales usadas baj o discurso de la defensa social, eso en la pr áct ica se ha dem ost r ado com o gener ador es de m ás violencia con el uso inm ensur able de la ener gía punit iv a del Est ado. Separ a la im por t ancia de la m ir ada del ot r o y la im por t ancia de la ener gía en la consum ición, en la const it ución del ciudadano. At r ibuye a la exclusión de los der echos a lo der echo de la ciudadanía ( gr am at ical de la exclusión) una de las causas que conducir ían al desviam ient o pr im ario ( gr am at ical de la inclusión) del individuo en lo cr im inal y la cár cel de los sist em as, que es select ivo, est er eot ipant e, est igm at izant e y per verso. Tr at a, no obst ant e, la act ual invest igación par a separ ar la select ividad del sist em a del cont r ol cr im inal. Select ividad en la opción de la gent e a quién desea alcanzar , seleccionando los hechos y, ot r a vez, después de seleccionar los hechos, la elección en exegese t odavía se dist ingue, es decir , los que no t endr ían que ser incluidos, for m as m ás diver sas t or cidas con el r et ór ico acaban par a excluir lo del sist em a con un uso de de la nor m a. Separ a o no el poder consum ir com o uno de los gr andes m alest ar es del br asilidade en el act ual t iem po. Los st andar es hacia fuer a la im por t ancia de la m ir ada e iguala el invisibilidade a una for m a de no exist encia, a la vez que levant a las m aldiciones de un est igm at izant e y de un est er eot ipant e m iran, que hace con ésa la r ecaída es fr ut a de una r eacción social a la m ir ada de la ot r a. Una pr ofecía que si aut ocum pr e.
SUM ÁRI O
I N TROD UÇÃO ...
1 I N V I SI BI LI D AD E, GRAM ÁTI CA D A EX CLUSÃO E A I N CLUSÃO N O SI STEM A PEN AL ... 1.1 A im por t ância do olhar do ( O) out r o na const it uição do suj eit o ...
1.2 A im por t ância do ( não) poder consum ir na const it uição do suj eit o
na at ualidade ...
1.3 A gr am át ica da exclusão/ inclusão ...
1.4 A exclusão do dir eit o aos dir eit os de cidadania ...
1.4.1 O princípio da eficiência ...
1.4.2 Da ineficiência na concr et ização dos dir eit os básicos
fundam ent ais de cidadania inser t os na Const it uição Feder al br asileir a...
1.5 A gr am át ica da exclusão e a desviação pr im ár ia ( inclusão no
sist em a penal) , início da car r eir a cr im inal ...
2 O LABELI N G APPROACH E A SELETI V I D AD E D O SI STEM A D E CON TROLE PEN AL: AS REGRAS E SUA I M POSI ÇÃO ... 2.1 O labeling appr oach ...
2.2 A selet ividade do sist em a de cont r ole penal: as r egr as e sua
im posição ...
2.2.1 Regr as penais de que( m ) ? ...
2.3 Selet ividade de fat os: r egr as penais de quê? ... 12
18
18
25
31
37
40
43
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65
68
73
76
2.4 Selet ividade de pessoas: r egras par a que( m ) ? ...
2.4.1 Selet ividade ét nica ...
2.5 Selet ividade na im posição de r egr as pela exegese: novam ent e,
r egr as par a quem ? ...
3 EX CLUSÃO SOCI AL , I N V I SI BI LI D AD E, O M AL- ESTAR D O SUJEI TO N A ATUALI D AD E E A ( RE) I N CLUSÃO N O SI STEM A
PEN AL. REI N CI D ÊN CI A: A PROFECI A QUE SE AUTOCUM PRE... 3.1 O m al- est ar do suj eit o: de Fr eud à at ualidade ...
3.1.1 A pr om essa da aut o- suficiência ...
3.1.2 I deais de beleza, lim peza e or dem ...
3.2 O m al- est ar br asileir o na at ualidade ...
3.3 A invisibilidade e seus descam inhos ...
3.4 Const r uindo est er eót ipos, est igm as e et iquet as ...
3.5 A r eincidência com o r eação social ou r eação ao olhar do out r o: a
pr ofecia que se aut ocum pr e ...
CON CLUSÃO ...
REFERÊN CI AS ... 82
88
92
97
97
100
102
106
110
114
118
128
I N TROD UÇÃO
A dor de pensar não é um sint om a que, vindo de qualquer par t e, se inst ala no espír it o em vez de ocupar seu ver dadeir o lugar . É o pr ópr io pensam ent o em si que, conver t ido à ir r esolução, decide t or nar - se pacient e e quer er não quer er , quer er , exact am ent e, não quer er dizer em vez do que deve ser significado.
Rev erência feit a a est e dever, que ainda não t em nom e. Est e dever t alvez não sej a um a dívida, m as apenas o m eio pelo qual o que ainda não é, a palavr a, a fr ase, a cor , há- de chegar . De m aneira que o sofr im ent o de pensar
é um sofr im ent o do t em po, do acont ecim ent o.
Fr ançois Lyot ar d1
Pr et ende- se, no pr esent e t r abalho, t r açar per cur so por algum as
pr oblem át icas que com põem a violência, a pr áxis da at uação dos sist em as
social, econôm ico e penal br asileir os, as polít icas cr im inais adot adas sob o
discur so de com bat e à violência e, sobret udo, r epensar , a par t ir da análise
dos efeit os que est as pr oduzem no cam po pr át ico, os m ecanism os
punit ivos de pr evenção e punição e sua conseqüent e lim it ação. Do m odo
com o se apr esent am , const it uem - se com o r efor çador es e r epr odut or es de
Cont udo, de início cum pr e r essalt ar que o pr oblem a da violência,
t al com o um caleidoscópio, é m ult ifacet ado. Ser á feit o, assim , um r ecor t e
epist em ológico e, sobr e est e, lançado um olhar , apenas m ais um olhar
dent r e t ant os out r os que poder iam ser lançados sobr e o m esm o pr oblem a,
cada um , por evident e, conduzindo a cam inhos e conclusões difer ent es
daqueles a que se pode chegar aqui. I sso par ece clar o, m as indispensável
que sej a dit o, par a que não se criem det er m inism os nas pr oblem át icas
dest acadas no t r abalho.
A par t ir do diálogo de diver sas ár eas de conhecim ent o, ut ilizadas
com o r efer encial t eór ico, pr et ende- se denunciar o Est ado com o um dos
m aior es ( r e) pr odut or es da violência _ em seu desm esur ado sist em a
punit ivo e em sua im pot ência na im plem ent ação de polít icas
socioeconôm icas e er r adicação das desigualdades. Um Est ado que,
ut ilizando- se fala de Ver a Regina Per eir a de Andr ade, t em - se m ost r ado
eficient e na im plem ent ação de um “ Sist em a Penal Máx im o X Cidadania
Mínim a” .2
Vive- se num a er a globalizada, em que, na falt a de solução par a
pr oblem as com plexos de diver sas or dens, cada vez m ais os agenciador es
de nossa sociedade fazem chover leis penais.
Num t em po de t ant as incer t ezas, essas pr oduções legislat ivas
são fr ut o da t ent at iva de se am enizar em os clam or es sociais por
segur ança. Cont udo não se consider a que a m axim ização do uso do
2
Dir eit o Penal vá r ever t er o caos em que se encont r a.
Na t ent at iva de descor t inar a pr oblem át ica que envolve a
violência, é necessár io, segundo Salo de Car valho, per cor r er um cam inho
“ par a além das disciplinas” , adot ando- se per spect iva t r ansdisciplinar
dir ecionada à negação do m ét odo de despedaçam ent o. Est e se baseia “ na
obsolet a concepção car t esiana que funda a ciência m oder na,” a qual
“ com par t im ent alizou o conhecim ent o, afast ou a ciência da ar t e,
enr ij ecendo as for m as e engessando a cr iação.”3 Assim , par a fazer - se um a
possível leit ur a da violência na sociedade com plexa em que se vive, é
necessár io, no dizer de I lya Pr igogine, que se faça “ um a nova aliança”4
A escolha da pesquisa é est udar a ( r e) incidência pelo viés da
invisibilidade e exclusão social, enfocadas sob vár ias lent es: a
psicanalít ica, a social, a econôm ica. Seleciona- se par a a análise os
apanhados pelo sist em a penal br asileir o em r azão do com et im ent o dos
delit os cont r a o pat r im ônio, que, segundo dados est at íst icos publicados
pelo DEPEN5, são a m aior ia dos que const it uem a client ela do sist em a
car cer ár io br asileir o.
A exclusão social t em - se apr esent ado com o um dos gr andes m
al-est ar es da at ualidade no Br asil. Há um segm ent o social significat ivo, de
quem foi expr opr iado o dir eit o aos dir eit os de cidadania pr om et idos na
Const it uição Feder al br asileir a.
3
CARVALHO, Salo. Crim inologia e t ransdisciplinariedade. I n: Revist a Brasileir a de Ciências Cr im inais, n. 56, São Paulo, I BCCRI M/ Revist a dos Tr ibunais, 2005, p. 311.
4
PRI GOGI NE, I lya; STENGERS, I sabelle. A nova aliança: a m et am or fose da ciência. Tr ad. De Miguel Faria e Maria Joaquina Machado Tr incheir a. Br asília: UnB, 1991.
5
Há um im enso cont ingent e que não r ecebe olhar algum , quer do
Est ado, quer da sociedade. Um cont ingent e invisível, ou, at é m esm o,
inexist ent e par a um a out r a par t e da sociedade que se encont r a inser ida
dent r o de out r o cont ext o, qual sej a, ent r e aqueles que conseguem gozar
dos dir eit os de cidadania e usufr uir deles.
Exist e um gr ande núm er o de pessoas par a quem não há lugar
nenhum . Um cont igent e que, em apr opr iação da análise de Baum an,
t or nou- se expur go, desnecessár io ao t ecido social da at ualidade. São
“ vidas desper diçadas” , segundo o m esm o aut or .6
Salo de Car valho diz que as novas for m as sur gidas com a
exclusão “ ser iam car act er izadas pelo fat o de algum as pessoas per der em o
st at us de cidadão, não som ent e em r azão das r est r ições econôm icas, m as
por qualquer car act er íst ica que as possa difer enciar ” com o, por exem plo,
et nia, nacionalidade, r eligião. 7
Ent r et ant o essas m esm as pessoas, excluídas de um lugar , de um
olhar , por par t e da sociedade, quando chegam a r eceber algum a
visibilidade, est a se dá de for m a per ver sa, por que, não r ar o, ocor r e
quando do ingr esso dest e segm ent o social no sist em a penal. Assim ,
quando o Est ado ou a sociedade o vê, lança sobr e ele um olhar
est igm at izant e, est er eot ipant e.
Par a a ocupação dest e lugar que rest ou, é necessár ia um a
6
BAUMAN, Zy gm unt . Vidas desper diçadas. Tr ad. Car los Alber t o Medeir os. Rio de j aneiro: Jor ge Zahar , 2005.
7
seleção, a qual ser á r ealizada, num pr im eir o m om ent o, pela sociedade e,
ainda, efet ivada pelo Est ado at r avés da cr iação das r egr as e sua im posição
com sucesso. A seleção é im post a sob o discur so da defesa da sociedade e,
t am bém , com a pr om essa de r ecuper ação e r einser ção daqueles que são
apanhados pelo sist em a penal.
Cont udo, das diver sas funções e pr om essas j ust ificador as da
exist ência do sist em a penal – pr evenção ( ger al e especial) , punição,
r einser ção e r essocialização –, um a das únicas concr et izadas é a punição,
a qual vem r esult ando em um a sér ie de danos aos que por ele ( sist em a
penal) são apanhados. A efet ivação da punição só t em conseguido cr iar
est igm as nos que a sofr em , m ais os cor r espondent es est er eót ipos. Um a
est igm ação feit a e int r oj et ada com sucesso, pois, não r ar o, quando o
suj eit o sai do cár cer e e ingr essa no seio social, acaba, agora sim ,
r ecebendo da sociedade um olhar est er eot ipant e e, em r eação a esse
olhar , r eage da for m a que o out r o presum e. O olhar negat ivo que lhe é
lançado acaba por t or nar - se um a pr ofecia que se aut ocum pr e.
Tor na- se de fundam ent al im por t ância desconst r uir o discur so do
Sist em a Penal Oficial com o gar ant idor da defesa da sociedade e
r ecuper ador dos delinqüent es, pois est e Sist em a, na pr áxis, apr esent a- se
com o r epr odut or das desviações prim ár ia e secundár ia, or iginando a
( r e) inclusão per ver sa, a est er eot ipagem e a est igm at ização do suj eit o
excluído, dem onizando- o com o cr im inoso. Tr abalha, pois, o Sist em a Penal
e seus cár cer es, at r avés da m axim ização da r espost a punit iva, par a a
m ascar ando os concr et os conflit os sociais, que t êm na cr im inalidade um
de seus sint om as.
Assim , com o não se alçou a um a er a em que se possa expur gar o
dir eit o penal do t ecido social, ur gem est udos e at it udes par a a r edução
dos danos sofr idos por aqueles que const it uem a sua client ela.
Der r adeir am ent e, regist r a- se que, no cam po pessoal, a alavanca,
a pr incipal m ot ivação do present e t r abalho, a qual fez com que a dor
vir asse palavr a, foi a dor sent ida pela aut or a, diant e da dor dos out r os ( a
quem inclusive é dedicado est e t r abalho) , no exer cício da j udicat ura
cr im inal. A for ça par a expr im ir - se, or igina- se, sem dúvida, em um a
t ent at iva de sublim ação da dor sent ida, ao se ent ender v ia da
inst r um ent alização do poder punit ivo ou, assenhor ando- se da fala de
Am ilt on Bueno de Car valho, da const at ação d“ O ( im ) possível j ulgar penal”
por um a pessoa m ínim a e psicologicam ent e sã.8
8
1 I N V I SI BI LI D AD E, GRAM ÁTI CA D A EX CLUSÃO E A I N CLUSÃO N O SI STEM A PEN AL
1 .1 A im por t â n cia do olh a r do ( O) ou t r o9 n a con st it u içã o do su j e it o
9 Ao longo dest e t r abalho, ser ão feit as vár ias r efer ências às palavr as “ Out r o” e “ out r o” ,
sendo que a prim eira t erá a acepção de inconscient e; e a segunda, de pr óxim o, sem elhant e. I m port ant e art igo elucidat iv o dest a dist inção foi escrit o por Cy ro Marcos, confor m e segue: “ QUEM SABE DO OUTRO? Par ece que quer em os sem pr e saber do out r o. Saber do out r o, no pouco que nos concerne, e m uit o m ais daquilo que não nos diz
r espeit o. Não nos diz r espeit o, ist o é, m as nos desr espeit a. Pois bem . Há 150 anos, nascia alguém que algum t em po depois, lá em Viena, sur ge na m edicina com o
neur ologist a que at endia, sobr et udo, m ulheres ner vosas. Mulher es hist ér icas. At endeu hom ens ner vosos t am bém . Mas foi com as m ulher es que apr endeu algum a coisa par a invent ar out r a: a psicanálise. Mas, par a que ser ve a psicanálise? Par a, j ust am ent e, saber um pouco m ais do Out r o. Mas, para saber um pouco m ais do Out r o, é pr eciso abr ir m ão de quer er saber um pouco m ais do out ro. Mas que é ist o? Que Out ro é est e com
m aiúscula? Clar o, não é o m esm o que o out ro com m inúscula, est e m esm o out r o, est e pr óxim o, que se alguém am ar com o a “ si m esm o“ vai colocar t udo em sérias
dificuldades. Não é desconhecido de ninguém que usar o si m esm o com o m odelo de am or pode ser um péssim o negócio par a o pr óx im o. No m ínim o vai ficar r efém . Pois bem , m as o que est e m édico, com sua genialidade, veio nos m ost r ar ? Qual foi a gr ande sacada de Sigm und Fr eud, cuj o sesquicent enário de nascim ent o or a se celebr a? Na sua “ I nt r odução à Psicanálise” , assim com o ao longo de t udo que Freud vai escrevendo, a noção de inconscient e ganha novo est at ut o, novo pat am ar , nova r efer ência. At é ent ão, inconscient e er a um a noção pur am ent e descr it iva, ou sej a, er a o cont r ár io de conscient e, aquilo que não est ava na consciência. E ficava por aí. Com Fr eud, sur ge a noção
dinâm ica de sist em a e com ele vim os onde fica a sede do gover no. Fica no I nconscient e. O eu, na sua par t e conscient e, com o nos ensina Fr eud, “ não é senhor de sua pr ópr ia casa” . Daí em diant e, inconscient e não é m ais o m esm o, ou um m esm o que conscient e, difer indo apenas de sua facet a de negat ivização pr ovisór ia: apenas o que não é
Passar desaper cebido é um a form a de inexist ência, por isso, r epet idam ent e consult am os o espelho, na vã t ent at iva de capt ur ar a im agem que os olhos dos out r o vêem , no espelho procuram os nos ver de for a.
Diana Licht enst ein Corso e Már io Cor so
Luiz Eduar do Soar es, na obra Cabeça de Por co, apont a não só a
exclusão social, m as t am bém a invisibilidade com o um dos possíveis
fat or es de um det er m inado t ipo de cr im inalidade, qual sej a aquele
com et ido em det r im ent o do pat r im ônio.
Eugène Enr íquez, em seu art igo int it ulado O Out r o, Sem elhant e
ou I nim igo?, diz que vár ios est udiosos, filósofos, sociólogos, psicanalist as,
há m ais de vint e anos pr oclam am seu consenso sobr e um pont o que lhes
par ece essencial, a saber , “ a necessidade de t odo hom em de r econhecer
no out ro um sem elhant e e, se possível, um irm ão, para poder ocupar
falhos, em sum a, não nos acer t os, m as nos t r opeços. Teve aquele em pr egado que quis br indar ( anst ossen) seu chefe, cuj o pr opósit o er a “ vam os br indar ( anst ossen) nosso chefe” , m as, na hor a H disse: “ vam os aufzust ossen ( no lugar de anst ossen) nosso chefe! ” , o que quer dizer , vam os ar r ot ar nosso chefe. Côm ico, não é m esm o? Let r inhas que est avam desaloj adas, r ecalcadas, apar ecem de r epent e, e olha que pr oblem ão. O pr oblem a é que t r az ver gonha, assim com o no caso nar r ado daquele ginecologist a que, fazendo palest r a sobr e o apar elho genit al fem inino, quando t inha o propósit o de , lá pelas t ant as, dizer : apesar de num er osas pesquisas e num er osas t ent at ivas” , aparecem let r inhas deslizando ligeiram ent e e ele diz: “ apesar de num er osas pesquisas e
ver dadeir am ent e a posição de ser hum ano e ser social.”10
É que o olhar do Out r o nos const it ui. Nossa condição e
const it uição enquant o suj eit os depende do Out r o, do olhar do out r o. O
suj eit o t raz, em sua const it uição, sobr et udo, as r epr esent ações que
pr oduz acer ca de si m esm o e, a se r epr esent ar de um a for m a out r a, num
out r o lugar , t alvez o faça no lugar de um a falt a, de um a incom plet ude
quase insupor t ável de se ser o que se é, a da gênese do eu.
Nos pr im ór dios da vida, ent ão, o que im per a par a o bebê é a
indifer enciação. A cr iança encont r a- se, nest e pr im eir o m om ent o, num
est ado ant er ior ao do nar cisism o pr im ár io11, e só m ais t ar de ir á se
est r ut ur ar num a or ganização de r elação com o obj et o. Est a passagem se
dar ia em et apas: num pr im eir o m om ent o, não haver ia a det er m inação de
suj eit o, nem de obj et o, que ser iam par t es r epr esent ant es de um m esm o
cont inuum .12 Num a et apa seguint e, ser ia for m ada um a out r a
r epr esent ação: a do pr ópr io eu e a do seio/ m ãe com o separ ados,
m ar cando o início da difer enciação suj eit o/ obj et o. Todo esse pr ocesso
t er ia com o conseqüência a r upt ur a do cont inuum m ãe/ bebê, que é a base
par a a const it uição da r elação de obj et o e o est abelecim ent o da
individuação/ difer enciação do bebê.
10
ENRI QUEZ, Eugene. I n: Civilização e bar bár ie. Adaut o Novaes ( Or g.) . São Paulo: Cia da Let r as, 2004, p. 45.
11
“ No cont ext o da elabor ação da segunda t ópica, Fr eud r et om ou a essa quest ão da localização do narcisism o prim ár io, que foi ent ão sit uado com o o pr im eir o est ado da vida _ ant er ior , por t ant o, à const it uição do eu, car act er íst ico de um per íodo em que o eu e o isso são indifer enciados, e cuj a r epr esent ação concr et a poder íam os conceber , por conseguint e, sob a for m a da vida ut er ina.” ROUDI NESCO, Elisabet h; PLON, Michel. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeir o: Jor ge Zahar Edit or , 1998, p. 351- 352.
A possibilidade de r upt ur a dest e cont inuum nos r em et e à
segunda t ópica fr eudiana, na qual Sigm und Fr eud pensa o eu com o
essencialm ent e cor por al. Par a Sigm und Fr eud, há um sent im ent o de cor po
que sust ent ar ia a cont inuidade de cada um e ser ia a base par a a
const it uição do si m esm o. Em sua célebr e fr ase: " O eu é, pr im eir o e acim a
de t udo, um eu cor por al: não é sim plesm ent e um a ent idade de super fície,
m as é ele pr ópr io, a pr oj eção de um a superfície"13, Fr eud coloca em
evidencia o papel fundam ent al do cor po na for m ação do eu.
Dest acando est e aspect o, podem os nos r efer ir a est e cor po com o
um cor po especular . Um cor po que olha e que é olhado. Robson de Fr eit as
Per eir a diz que,
Um a out r a m aneir a de t ent ar m os ent ender o poder das im agens est á em adm it ir que a virt ualidade não só faz part e dos nossos ideais, com o se ar t icula com nossa const it uição subj et iva. Os out r os não são unicam ent e espelhos planos que r eflet em nossa im agem . São espelhos que t êm a par t icular car act er íst ica de reproduzir aquilo que nos falt a, reflet ir a im agem que nos falt a. Por isso nos fascina, nos enfeit iça.14
Jacques Lacan consider a a im agem especular fundador a do eu e,
em seu t ext o, O Est ádio do Espelho, com o for m ador da função do eu.
Most r a com o, nest a et apa do desenvolvim ent o, ocor r e o encont r o do
cor po da cr iança com o cor po do Out r o ( a m ãe que olha) , sendo que a
im agem do out r o vai gar ant ir - lhe a r ealidade de seu cor po int eir o e
independent e. Lacan m ost r a com o o r egozij o da cr iança diant e da
13
FREUD, S. ( 1923/ 1996) . O eu e o isso. I n: ___. Obr as com plet as. Rio de Janeir o: I m ago. vol. XI X. ( l923a, p. 40) .
14
apar ição da im agem est á ligado a um a ident ificação:
A assunção j ubilat ór ia de sua im agem especular por esse ser ainda m er gulhado na im pot ência m ot or a e na dependência da am am ent ação que é o filhot e do hom em nesse est ágio de infans par ecer - nos- á, pois, m anifest ar num a sit uação exem plar , a m at r iz sim bólica em que o eu se pr ecipit a num a form a pr im or dial ant es de se obj et ivar na dialét ica da ident ificação com o out r o e ant es que a linguagem lhe r est it ua, no univer sal, sua função de suj eit o.15
I m por t ant e sublinhar que a im agem do espelho diz r espeit o à
cr iança, m as diz r espeit o t am bém ao invest im ent o que o out r o vai
deposit ar nest a im agem . Jacques Lacan at r ibui m uit a im por t ância à
pr esença do out r o, que par t icipar ia, assim , da er ot ização da im agem da
cr iança, dando- lhe seu aval.
Diz ele que
essa for m a, aliás, m ais dever ia ser designada por eu- ideal se querem os reint roduzi- la num regist r o conhecido, no sent ido em que ela ser á t am bém a origem das ident ificações secundár ias, cuj as funções r econhecem os pela expr essão funções de norm alização libidinal.16
Nest a configur ação, Jacques Lacan r econhece a função
pr im or dial do out r o com o sendo aquele que colocar á em j ogo a dialét ica
do desej o. A cr iança r econhece, ent ão, segundo Lacan, no eu especular
( invest ido pela libido m at er na) seu Eu ideal ( obj et o do nar cisism o
pr im ár io) .
Por t ant o, par a fazer a passagem do est ado de nar cisism o
pr im ár io par o o est ado de r econhecim ent o do out r o com o obj et o, é o
out r o que inst r um ent aliza par a o bebê a m at er ialização do pr ocesso e o
15
LACAN, Jacques. Escrit os. Tr ad. Ver a Ribeir o. Rio de Janeir o: Jor ge Zahar , 1998, p. 97.
16
acesso a um eu unificado. I nt er essant e t am bém é pensar na et im ologia da
palavr a est r ut ur a ( st r uct ur a em lat im , do verbo st r uer e) que t ev e um
sent ido ar quit et ur al no com eço de seu uso. A est r ut ur a designa “ a
m aneir a com o um edifício é const r uído"17. Nos séculos XVI I - XVI I I , o
sent ido do t er m o " est r ut ur a" m odifica- se e am plia- se por analogia aos
ser es vivos, abr angendo t am bém o cor po do hom em per cebido com o um a
const r ução. O t er m o assum e ent ão o sent ido da descr ição da m aneir a
com o as par t es int egr ant es de um ser concr et o or ganizam - se num a
t ot alidade.
Robson de Fr eit as Per eir a r essalt a que nossa est r ut ur a subj et iva
fundam ent a- se num a ar t iculação “ sim bólica e im aginár ia18 em que a
17
Dict ionnaire univer sel fr ançois et lat in vulgairem ent appellé Dict ionnair e de Tr évoux, six édit ions ent r e 1704 et 1771, Tradução livr e do vocábulo de Mônica Delfino.
18
I m por t ant e o que Eugène Enr iquez escr eve acerca das form as im aginária e sim bólica da est rut uração do suj eit o, ressalt ando apenas que o referido aut or não se ut iliza de gr afia que m ar que a difer ença ent re out r o ( pequeno out r o) e Out r o ( gr ande out r o) : ” “ O out r o est á, por t ant o, present e, j á de início com suas car gas posit ivas e negat ivas, e não é de sur pr eender que m ais t ar de, em bor a sej a indispensável par a a const r ução do suj eit o com o ser hum ano [ ...] , o out r o possa, ao m esm o t em po, apar ecer na for m a de
adv ersário, ou m esm o de inim igo que busca a elim inação psíquica ou física do suj eit o. De que m odo o out r o ent r a na const r ução do suj eit o hum ano ( sem pr e suj eit o social) ? De duas for m as: um a form a im aginária e out r a form a sim bólica.” [ ...] “ Form a im aginária: Lacan assinalou a im por t ância da im agem especular em seu fam oso t ext o “ O est ágio do espelho com o for m ação da função do Eu. [ ...] Se o eu se const it ui at ravés da im agem especular, é por um a apr eensão global ( ant ecipação do dom ínio do cor po) . Mas essa apr eensão do cor po com o unidade, que faz sur gir o j úbilo for a do “ est ágio do espelho” , só é possível por que a cr iança é, ant es de t udo, const it uída com o unidade pelo olhar do out r o sobr e ela [ ...] só podem os nos ver por que o out r o nos vê e fala de nós. É,
port ant o, por um a ident ificação com a im agem que os out r os t êm sobr e nós que
podem os t er um a im agem de nós m esm os. O que significa que o eu é const it uído, desde a origem , com o inst ância im aginária e rem et e dir et am ent e ao conj unt o dos m odelos im aginários do suj eit o.” [ ...] . “ A im agem especular é, port ant o, a im agem do
sem elhant e, m as ela nos adver t e da pr esença de um out ro “ si m esm o” no espelho, e de um out r o r eal que nos fala, nos designa e nos at r ibui qualidades e defeit os. Assim , se o out r o nos const it ui em nossa unidade, t am bém nos const it ui em nossa divisão. Pois ele nos lem br a que, se pode aj udar a nos const ruir , pode t am bém nos rej eit ar ou provocar nossa r upt ura.” [ ...] “ [ ...] o fat o de que r econhecer - se obr iga a r econhecer igualm ent e o out r o, que nos fala com o out r o, e a r enunciar, port ant o, à onipot ência infant il
alienação vir t ual com o out r o sust ent a nosso nascim ent o com o suj eit os. A
pr esença e função do out r o é necessár ia par a nossa sobr evivência, em
t odos os sent idos.” Cont udo cham a at enção par a o fat o de que “ um dos
“ Ao fazer isso o suj eit o se depar a com a cast ração [ ...] , que t em com o significado: a) o suj eit o pode ser fr agm ent ado pela ação dos out r os, par t icular m ent e por seus pr ópr ios pais ou educador es; b) além disso, exist em out r os que são sem elhant es [ ...] com suas pr ópr ias exigências, que podem bloquear os desej os do suj eit o e, por t ant o, lem br á- lo de seus lim it es e dest iná- lo à finit ude; c) não só o out r o est á pr esent e, com t odo seu poder r eal ou fant asiado, com o est ão pr esent es out ros com var iadas im agens do suj eit o, m anifest ando pr essões e inj unções ( por vezes par adoxais) em r elação a ele, devendo ser arm ados ou seduzidos, ou sim plesm ent e aceit os, obr igando o suj eit o, se ele quiser agr adar , não ser r ej eit ado, a diver sificar suas at it udes e condut as e, por t ant o,
com por t ar - se de m odo pr ot eifor m e.” [ ...] cada indivíduo est á cada vez m ais ent regue ao olhar e à palavr a do out r o. [ ...] Assim , o suj eit o hum ano exper im ent a um a enor m e dificuldade par a desfazer - se dessa pr esença dos out r os dent r o de si, pr esença que ele m uit as vezes sent e não com o apoio, m as com o int r usão.” [ ...] ‘est am os expost os àquilo que A. Mij olla cham a, com per t inência, de “ os visit ant es do eu” , que abr em em nossa psique t rincheiras t ão m ais operant es por ser em inconscient es, ou m esm o negadas pelo suj eit o que é pr esa deles.” [ ...] . “ Assim , o out r o em si nem sem pr e é aquele ser
benevolent e no qual a pessoa se apóia par a const r uir sua ident idade, m as pode ser um a som br a, um falso duplo que suscit a um a inquiet ude da qual o suj eit o não sabe “ com o se liv rar. A form a im aginária pode, assim , nos fornecer os prim eiros rascunhos do out ro com o inim igo pot encial dedicado à nossa dest ruição int erna.” [ ...] “ Form a sim bólica: [ ...] o fat o é que, em bor a não sej a possível, com o pensava Lévi- St r auss em cer t a época, dividir a hum anidade em “ sociedade com ber ço e sociedade sem ber ço” , ou deduzir o car át er nacional dos r ussos par t indo dos m ét odos de acober t am ent o dos r ecém - nascidos, é incont est ável ( e Fr eud, assim com o os sociólogos, bem o dem onst r a) que os indivíduos são m arcados desde que nascem par a ser em os r epr esent ant es e dignos her deir os de um a linhagem fam iliar , nacional, et c. E a idéia de ‘for m a sim bólica ‘ acr escent a o essencial dessa relação ent re as gerações: a dívida com aqueles que nos precederam e, igualm ent e, a dívida com as ger ações fut ur as, a quem devem os t r ansm it ir um a her ança que não sej a oner osa. Essa dív ida n ã o sign ifica qu e o h e r de ir o de v a se com por t a r
e x a t a m e n t e de a cor do com o e squ e m a pr e scr it o. Ele pode aceit ar a her ança
enquant o procede a seu invent ár io, pode principalm ent e quest ioná- la, despr ender - se dela, t r ansfor m á- la ou at é r ecusá- la, m as com um a condição: r econhecer que ela exist e.” [ ...] .
“ A for m a sim bólica da pr esença do out r o em nós nos lem br a de nossos dever es em relação aos m ais v elhos que nós. Cuidado, não se t r at a aqui de algum obj et ivo
m or alizador , e sim da enunciação de um a norm a que gover na a espécie hum ana: t odo indivíduo t em , desde que nasce, um a dívida não só par a com seus pais, m as t am bém par a com sua nação ( e, acr escent em os, par a com a hum anidade int eir a) , e é o
efeit os disso é que se buscam os ser r econhecidos singular m ent e, com
fr eqüência essa busca t em efeit os m or t ífer os, pois a sobr evivência de um
im plica o desapar ecim ent o do out r o. Só há lugar par a um .”19
Salo de Car valho, nest a m esm a linha de pensam ent o, r essalt a
que, ao m esm o t em po em que o olhar nos faz sofr er a pr esença do out r o,
esse encont r o com o out ro é sem pr e t r aum át ico,
vist o ser a t endência do Um r esguar dar ( - se em ) sua finit ude e t ot alidade. A violência se m anifest a, por t ant o, quando o Um t om a posse do out r o, consum indo- o aos poucos, cont r olando- o em suas m anifest ações, cont endo seus desej os e sua ident idade20.
Alfr edo Jer usalinski escr eveu que “ A r elação ao olhar do out r o
pr im or dial se inscr eve inevit avelm ent e num a dim ensão par anóica, na
m edida em que desse olhar o suj eit o depende, de m odo r adical, par a a
conser vação de sua exist ência”21.
I m por t ant e ainda dest acar que “ na vida psíquica do indivíduo
consider ado isoladam ent e, o out r o int er vém r egular m ent e com o m odelo,
obj et o, apoio e adver sár io”22
, podendo- se dizer , segundo o m esm o aut or ,
que par a a m odelação da psique do indivíduo ela é at r avessada,
t r abalhada pelos out r os, t or nando- se o suj eit o psíquico, sim ult aneam ent e,
t am bém , um suj eit o social.23
1 .2 A im por t â n cia do ( n ã o) pode r con su m ir n a con st it u içã o do
19
Revist a da Associação Psicanalít ica de Por t o Alegr e. Psicanálise em Tem pos de Violência. Ano VI , vol. 12. Por t o Alegr e, Ar t es e Ofícios, p.29.
20
CARVALHO, S., 2005, p. 323.
21
Revist a da Associação Psicanalít ica de Por t o Alegr e, op. cit ., p. 07.
22
ENRI QUEZ, 2004, p. 45- 46.
23
su j e it o n a a t u a lida de
Há quase dois séculos, deixou- se de calcular o valor social de
cada um t endo com o r efer ências o lugar , a classe e a fam ília em que
nasceu, pois, na definição do “ valor de um a pessoa, suas r iquezas
com eçar am a cont ar m ais que sua origem . Passam os de um a época em
que se vener ava o “ ser ” ( nobr e, bur guês ou escr avo) par a um a época em
que vener av a o “ t er ”24.
E, at ualm ent e, para um a sociedade com andada pela apar ência,
im por t a é “ apar ent ar t er ” , o que ainda encer r a um a r elação dir et a com o
“ t er ” com o const it uição do suj eit o. Ocor r e que, segundo escr eveu Alfr edo
Jer usalinski, “ Nesse vér t ice or iginário podem os per ceber que se oper a
um a bifur cação na dir eção do ser , apont ando um de seus vet or es na
dir eção do ser e out r o na dir eção do t er ”25.
Vive- se num a er a dit ada pelo m er cado consum idor , em que a
for m ação de nossas ident idades e a possibilidade de ocupar algum lugar
est ão dir et am ent e ligadas à capacidade do suj eit o poder consum ir ou não.
Diz Mar ia Laur inda Ribeir o de Souza que “ O Est ado de Dir eit o fica
subst it uído, no im aginár io social, pelo poder de consum o, deixando à
m ar gem da hist ór ia e do dir eit o àqueles que se per dem na t erceir ização
da m isér ia sem nenhum fut ur o possível”26.
24
CALLI GARI S, Cont ar do. Ter r a de ninguém . ( 101cr ôniocas) . São Paulo: Publifolha, 2004, p. 232- 233.
25
Revist a da Associação Psicanalít ica de Por t o Alegr e. Psicanálise em Tem pos de Violência. Ano VI , vol. 12. Por t o Alegr e: Ar t es e Ofícios, p.08- 09.
26
Os não- consum idores t êm sido consider ados a “ suj eir a” da
pur eza pós- m oder na. Segundo Zygm unt Baum an, os consum idor es falhos
t êm sido consider ados a suj eir a a ser expur gada dest a er a pós- m oder na;
“ são eles os nov os “ im pur os” , que não se aj ust am ao novo esquem a de
pur eza. Encar ados a par t ir da nova per spect iva do m er cado consum idor,
eles são r edundant es – ver dadeir am ent e ‘obj et os for a do lugar ’.” 27 Diz
Eugène Enr iquez que, dent ro dest a lógica do m er cado de consum o,
O out r o t r ansfor m ou- se, de for m a cada vez m ais fr eqüent e, em um obj et o descar t ável quando não t raz m ais benefício par a aqueles que o fizer am int r oj et ar sua ideologia da com pet ição, que conseguir am m anipular seus sent im ent os, or ient ar sua condut a e nele inocular a culpa, em caso de fr acasso.28
Essa lógica de exclusão do consum idor falho é per ver sa, pois,
confor m e dest acam os da fala do aut or supr acit ado, além da r eificação do
out r o em r azão de sua im pot ência em ser um consum idor at ivo, ele é
r esponsabilizado por seu própr io fr acasso. Pr ossegue Eugène Enr iquez,
dizendo que “ A escolha é sim ples: ser vencedor ou fazer par t e da cor t e dos
“ deser dados sociais” ( Rober t Cast el) , dos m ar ginais, dos indivíduos em via
de exclusão.”29 E, os que est ão abaixo ou não conseguem int egrar o
quadr o, “ são r ej eit ados, hum ilhados. A culpa ser á deles. [ ...] Mor t e aos
vencidos ou, pelo m enos, falt a de consider ação ou defer ência com eles, ou
apenas o despr ezo pur o e sim ples“30.
O out r o se t r ansfor m a em r efugo, que pr ecisa ser det ido e
27
BAUMAN, Zy gm unt . O m al- est ar da pós- m oder nidade. Tr ad. Maur o Gam a e Cláudia Mar t inelli Gam a. Rio de j aneiro: Jor ge Zahar , 1998, p. 24.
28
ENRI QUEZ, 2004, p. 54.
29
I bidem , p. 53.
30
m ant ido em cheque. Esse r efugo é fr ut o dos pr oblem as socialm ent e
pr oduzidos e, ao que par ece, segundo Zy gm unt Baum an, não há qualquer
int er esse na sua r eciclagem , m ost r ando- se bem m enos dispendiosa a sua
r em oção.
Com o ser á vist o, há um a t endência cada vez m aior da
cr im inalização dos pr oblem as socialm ent e produzidos: “ é m ais bar at o
excluir e encar cer ar os consum idor es falhos”31. Assim , enquant o a busca da
pur eza m oder na expr essou- se at r avés da punição das classes per igosas, “ a
busca da pur eza pós- m oder na expr essa- se diar iam ent e com a ação
punit iva cont r a a ação dos m or ador es das r uas pobr es e das ár eas ur banas
pr oibidas, os vagabundos e indolent es”32.
Salo de Car valho adver t e que essa elim inação dos im pur os
at r avés da cr im inalização de suas condut as per passa e m uit o a at uação
dos m ecanism os punit ivos, sendo que
O efeit o delet ér io dest a pr áxis é o aum ent o da vulner abilidade de det er m inadas pessoas ou gr upos sociais à incidência das violências públicas. Out r ossim , par a além da at uação dos m ecanism os punit ivos, a recepção do discurso et iológico pelo senso com um legit im a a negação da alt er idade, vist o ser em os cr im inosos sem pr e “ est r angeir os” .33
Michel Foucault diz que um dos gr andes pr oblem as da seleção
pelo sist em a penal desses não- consum idor es, donos de lugar nenhum ,
donos de nada é que
quando se t om a a cr im inalidade, com o se fosse a m anifest ação dos
31
BAUMAN, 1998, p. 25.
32
I bidem , p. 26.
33
“ por t ador es de um a essência m aligna” que devem ser elim inados, corre- se o r isco de r epet ir essa hist ór ia34. A punição ganha um poder j ust ificável “ não m ais sim plesm ent e sobre as infr ações, m as sobr e os indivíduos; não m ais sobre o que eles fizer am , m as sobr e aquilo que eles são, ser ão, ou possam fazer .35
O ideal e a busca da felicidade e sua ( in) sat isfação hoj e est ão
colados ao poder de consum o do suj eit o. O consum o é ofer ecido a t odos,
indist int am ent e, com o se t odos pudessem usufr uí- lo, cont udo a r ealidade
nos m ost r a que t al ideár io se t em t r aduzido no “ fr acasso da pr om essa de
felicidade e sat isfação, por que est a fr ust r ação é par t e int egr ant e de nosso
cot idiano“36. A sociedade é diut ur nam ent e m et r alhada, de t odas as for m as,
com ofer t as de consum o. Pr ossegue Robson de Fr eit as Per eir a, dizendo
que:
Os out - doors anunciam pr odut os com o se t odos pudessem t er acesso a eles. Som os bom bar deados a t odo inst ant e com est ím ulos a que consum am os algum a coisa, sem saber bem o por quê. Est a pr om essa m ent ir osa t em um efeit o de int ensificar o sent im ent o de rev olt a e dest rut ividade, que afet a nossas form as de sociabilidade. I sso faz com que fiquem os sem pr e acom panhados de um sent im ent o de ver gonha e fr ust r ação pr ovocados pela ver gonha e fr ust r ação pr ovocados pela pobr eza de r ecur sos par a o consum o e pobr eza de r ecur sos sim bólicos.37
Um a quest ão int er essant e a ser obser vada no que t ange a est a
pobr eza ou quase ausência de r ecur sos sim bólicos é a posição em que o
Est ado coloca- se fr ent e ao suj eit o, em especial o Est ado br asileir o, que,
confor m e j á t r at ado no pr im eir o capít ulo, at r avés de nossa Const it uição
Br asileir a, com o “ um Pai pr ot et or ” , nela inser iu vár ias pr om essas
incum pr idas. Cont udo,
34
No cont ext o Foucault se r efer ia à est igm at ização dos loucos e da loucur a.
35
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir . Pet r ópolis: Vozes, 1977, p. 22.
36
PEREI RA, 1996, p. 30.
37
Est e fr acasso da função sim bólica t em conseqüências t ant o par a as r elações de vizinhança com o par a nosso sent im ent o de desvalor ização fr ent e a nossa própr ia língua, ou m esm o nossa ident idade nacional ( com t odas as dúvidas a r espeit o do que vem a ser obj et o hoj e em dia) . Pois quem provê os recursos? O pai, nas dim ensões sim bólica, im aginár ia e r eal. Se ele não gar ant iu os recursos, o pai não vale, não é suficient e, ou é inexist ent e.”38
I sso equivale dizer que o pai Est ado t or na- se invisível à gr ande
par cela da população cuj o dir eit o ao consum o foi expr opr iado, daí advindo
um a sér ie de sofr im ent os decor r ent es do não poder consum ir , do
const it uir - se nest e ser “ im pur o” a ser expur gado a qualquer cust o do
t ecido social.
I sso por que, colado ao “ poder consum ir ” , vem a legit im idade
par a se poder ocupar um lugar no m undo. O poder consum ir t r aduz- se
num a das for m as de m obilidade na at ualidade. É que “ essa quest ão feit a
sobr e qual o lugar a ser ocupado pode ser r espondida pela capacidade de
consum o que cada um possa t er ”39. Segundo Mar ia Laur indo Ribeiro de
Souza, a lógica é “ Consum ir ou deixar - se consum ir . O Est ado de Dir eit o
fica subst it uído, no im aginár io social, pelo poder de consum o, deixando à
m ar gem da hist ór ia e do dir eit o aqueles que se per dem na t erceir ização
da m isér ia sem nenhum fut ur o possível”40.
E, por cont a dessa im por t ância do “ t er ” , per am bulam invisíveis
pelas cidades br asileir as m uit as pessoas pobr es, j ovens na sua m aior ia,
que a sociedade não as vê. Não som ent e a sociedade não as vê, pois, par a
o Est ado elas t am bém são invisíveis, som ent e apar ecem , com o núm er os,
38
PEREI RA, 1996, p. 30.
39
I bidem , p. 28.
40
quando inclusos no sist em a penal.
1 .3 A gr a m á t ica41 da e x clu sã o/ in clu sã o
41
I m por t ant e dest acar que a acepção que será dada à palavra gram át ica é a
desenvolvida pela filosofia, qual sej a: “ Segundo um a t r adição r egist r ada por Diógenes Laér cio ( I I I , 25) , Plat ão foi o pr im eir o a “ t eorizar a possibilidade da G.” . De fat o, é fr eqüent e nos t ext os de Plat ão a r efer ência à G., cuj a nat ur eza é definida com m ais pr ecisão no Cr át ilo. O fundam ent o dessa definição é a analogia ent re a G. e a art e figur at iva. Assim com o um art ist a pr ocur a r epr oduzir os t r aços dos obj et os com o
Met ade da hum anidade não com e; e a out r a m et ade não dor m e,
com m edo da que não com e. Josué de Cast r o – Agenda MST 2003
Na at ualidade, a palavr a “ exclusão”42 t em sido ut ilizada pela
m ídia nos discur sos polít icos, sociais, econôm icos e inst it ucionais, com o
um a espécie de apar ador par a r et r at ar a desigualdade socioeconôm ica
r einant e no país, r est r ingindo e r eduzindo seu sent ido ao âm bit o
m er am ent e econôm ico.
Cont udo, no pr esent e t r abalho, a palavr a exclusão ser á abor dada
par a além da quest ão econôm ica, pois vár ias de suas facet as e
conseqüências ser ão analisadas, assim a ( in) j ust iça social e t odo o
sofr im ent o hum ano a ela associados. É que, segundo Luiz Eduar do
Soar es,
Há um a fom e m ais funda que a fom e, m ais exigent e e voraz que a fom e física: a fom e de sent ido e de v alor; de r econhecim ent o e de acolhim ent o; fom e de ser – sabendo- se que só se alcança ser alguém pela m edição do olhar alheio que nos r econhece e valor iza. Esse olhar , um gest o escasso e banal, não sendo m ecânico – ist o é, sendo efet iv am ent e o olhar que vê – consist e na m ais im por t ant e m anifest ação gr at uit a de solidar iedade e gener osidade que um ser hum ano pode pr est ar a out r em . Esse r econhecim ent o é a um só t em po, afet ivo e cognit ivo, assim com o os olhos que vêem e r est it uem à pr esença o ser que som os não se
nat ivo” e, por out r o, m ost r aria que “ as est r ut ur as pr ofundas são m uit o sem elhant es de um a língua par a out r a e as r egr as que as m anipulam e int erpret am t am bém parecem der ivar de um a classe m uit o r est r it a de oper ações for m ais concebíveis” ( Ensaios Lingüíst icos, t r ad. I t ., I I I , 1969, pp. 19 e 272) . Essaq G. ser ia, assim , a m at r iz de qualquer G. possível e t am bém apr esent ar ia os crit érios para a escolha de det erm inada G. na const it uição de um a linguagem . ( ABBAAGNANO, Nicola. Dicionár io de Filosofia. São Paulo: Mar t ins Font es, 1999, p. 490- 491) .
42
reduzem ao equipam ent o fisiológico.43
Em out r o pont o de sua obr a, o aut or supr acit ado r essalt a que
essas r eflexões não são hipócrit as e não t êm pr et ensão de suger ir que não haj a fom e, só fom e de am or ; quando não haj a necessidade de em pr ego, r enda, vest uár io, m er cador ias e m or adia, só o fet ichism o e a pr ocur a desenfr eada por sím bolos de inclusão. Há fom e física. Há m iséria e seu calvár io. Há um r osár io de car ências. Quer o apenas lhe dizer que não há só isso e que a hist ória não deve ser cont ada, unilat eralm ent e, pelo ângulo da econom ia.44
Ent ão pode- se dizer que, além da ausência de um olhar da
sociedade sobr e esse cont ingent e social, t am bém lhe foi expropr iado o
dir eit o de gozar os dir eit os civis e polít icos de um Est ado, e ist o ger ou, em
conseqüência, o sur gim ent o de um segm ent o social de “ não- cidadãos” , ou
sej a, os excluídos.
E quem ser iam esses excluídos/ incluídos de for m a per ver sa? Num
pr im eir o m om ent o, ser iam os m ar ginais, pedint es, m endigos, os quais
povoar am e povoam os espaços sociais, for m ando univer sos
est igm at izados e est er eot ipados, present es em t oda a hist ór ia da
hum anidade. Hodier nam ent e, t am bém podem os som ar a essa classe
excluída, pessoas idosas, deficient es, desadapt ados sociais, m inor ias
ét nicas ou de cor , desem pr egados de longa dur ação, j ovens
im possibilit ados de ascender ao m er cado de t r abalho, bem com o t odos os
explor ados em um subem pr ego, os t rabalhador es do m er cado infor m al e,
ainda, dent r e t ant os out r os, aqueles que percebem um m íser o salár io
43
ATHAYDE, Celso; MV Bill; SOARES, Luiz Eduardo. Cabeça de Por co. Rio de Janeir o: Obj et iva, 2005.
m ínim o.
A exclusão, nos locais públicos de fala ao início cit ados, apar ece
m uit as vezes com o sinônim o de pobr eza, de pr ivação e de despoj am ent o
dos bens e valor es de um a det er m inada sociedade. No ent ant o, Bader
Saw aia quest iona se ocor r e r ealm ent e um a exclusão, ou se não
poder íam os falar de um a inclusão, cont udo per ver sa, um a vez que t odos
os excluídos são incluídos na sociedade, por ém com o excluídos. É que:
A sociedade exclui para incluir e est a t r ansm ut ação é condição da or dem social desigual, o que im plica o car át er ilusór io da inclusão. Todos est am os inser idos de algum m odo, nem sem pre decent e e digno, no cir cuit o r epr odut ivo das at ividades econôm icas, sendo a gr ande m aior ia da hum anidade inser ida at r avés da insuficiência e das pr ivações, que se desdobr am par a for a do econôm ico.45
O que há, segundo a análise do m encionado aut or , é a dialét ica
exclusão/ inclusão.
No Br asil, as polít icas econôm icas at uais ger am exclusão e, ainda,
os que r est ar am incluídos, assim r est ar am de for m a pr ecár ia e m ar ginal
em det er m inados casos, pois, segundo José de Souza Mar t ins, se incluem
pessoas nos “ [ ...] pr ocessos econôm icos, na pr odução e na cir culação de
bens e ser viços est r it am ent e em t er m os daquilo que é r acionalm ent e
convenient e e necessár io à m ais eficient e ( e bar at a) r epr odução do
capit al”46
.
Jacint o Nelson de Mir anda Cout inho denom ina hom o fam elicus o
excluído com o não- consum idor , dizendo que “ No m undo globalizado
45
SAWAI A, Bader ( Or g.) As ar t im anhas da exclusão: análise psicossocial e ét ica da desigualdade social. 2. ed. Pet r ópolis: Edit or a Vozes, 2001, p. 08.
46
neoliber al, os excluídos são pr odut os do sist em a, m as car r egam a culpa de
não t er em sabido alcançar sua inclusão”47. Assim , r est a incluído, aquele
que est á inser ido no m er cado, consum indo.
Ao excluído, por sua vez, r est a a sobr eviv ência at r avés das
m igalhas por que, à m ar gem do m er cado, t r aduz- se num não- consum idor
e, “ coloca- se na condição de descar t ável e, por t ant o, no quadr o at ual,
m ost r a- se com o um em pecilho, dado cont inuar dem andando pelas
necessidades básicas ( hom o fam elicus) ”48.
Jock Young diz que,
at é os anos 1980, a palavr a ‘m ar ginalização’ é usada par a designar est e gr upo advent ício: são as pessoas que a m oder nidade deixou par a t r ás, bolsões de pobr eza e de pr ivação na sociedade afluent e. A par t ir de ent ão, por ém , a expressão passa a ser ‘exclusão social’ [ ...] , abr angendo com o abr ange um a expulsão m ais dinâm ica da sociedade e, o que é m uit o im port ant e, um declínio na m ot iv ação de int egr ar os pobr es na sociedade.49
A lógica dialét ica m ost r a que a exclusão é um pr ocesso com plexo
e de m uit as faces, com configur ações de dim ensões m at er iais, polít icas,
int er acionist as e subj et ivas. A exclusão não ger a som ent e a pobr eza, pois
est a é pr odut o do sist em a, m as se t r aduz no pr ocesso que envolve o
hom em por int eir o e suas r elações com os out r os, pois
A lógica dialét ica ex plicit a a rev ersibilidade da relação ent re subj et ividade e legit im ação social e r evela as filigr anas do pr ocesso que liga o excluído ao r est o da sociedade no pr ocesso de
47
COUTI NHO, Jacint o Nelson de Mir anda. O papel do pensam ent o econom icist a no direit o crim inal de hoj e. I n: Discur sos sediciosos: crim e, direit o e sociedade, Rio de Janeir o, v. 5, n. 9 e 10, p. 78, 2000.
48
COUTI NHO, Jacint o Nelson de Mir anda. O papel do pensam ent o econom icist a no direit o crim inal de hoj e. I n: Discur sos sediciosos: crim e, direit o e sociedade, Rio de Janeir o, v. 5, n. 9 e 10, p. 78, 2000.
49
m anut enção da or dem social, com o por exem plo, o papel cent r al que a idéia de nós desem penha no m ecanism o psicológico principal da coação social nas sociedades onde pr evalece o fant asm a do uno e da desigualdade, que é o de culpabilização individual. O pobr e é const ant em ent e incluído, por m ediações de difer ent es ordens, no nós que o exclui, ger ando o sent im ent o de culpa indiv idual pela exclusão.50
Essa inclusão ocor r e de for m a per ver sa, por que, além de fazer
os pobr es se sent ir em culpados e r esponsáveis pela pr ópr ia pobr eza, faz
com que adquir am um st at us social desvalor izado, est igm at izado, e que se
vej am , via de conseqüência, obr igados a viver isolados, at é m esm o
daqueles que se encont r am em sit uação idênt ica, a fim de dissim ular a
infer ior idade de seu “ Eu” . Acer ca do assunt o, Léo Rosa de Andr ade
expr essa:
Se olharm os as favelas, os alagados, as paliçadas, as per ifer ias, os m or r os, o subm undo, os desgr açados em ger al, ver em os os filhos dos escr avos, dos índios, dos im igrant es m al sucedidos, ver em os os m igr ant es, os bóias- frias, os sem - t er r as, os sem - t et o, ver em os os pr oduzidos e r epr oduzidos nessas cir cunst âncias. São a nação m iser ável, os nascidos e cr escidos na par t e m iser ável da pát r ia. Os que os per ceber am sem pr e lhes lançar am acom et im ent os aut o- exculpat ór ios, at r ibuindo- lhes desem pr ego por vagabundagem , ignor ância por vadiação, pr ole exager ada por descuido, doença por falt a de higiene. Enfim , aos excluídos é im put ada a condição de responsáv eis pelas circunst âncias hist óricas que lhes aniquila quaisquer m eios e t odas as chances, com o se eles fossem volunt ários da própria m iséria.51
A exclusão, assim , além da t ot al ausência de bens m at er iais de
consum o que pr ov oca, cr ia no indiv íduo um a sensação de fr acasso pessoal,
na m edida em que o r esponsabiliza pessoalm ent e de sua pobr eza, por não
t er conseguido ascender socialm ent e. Pr oduz, ainda, um a est igm at ização
do excluído.
50
SAWAI A, 2001, p. 08- 09.
51
O est igm a da desqualificação m ar ca o indivíduo feit o cicat r iz.
Jailson de Souza e Silva, a r espeit o, afir m a que esse efeit o per ver so ocor r e
devido a que a r esponsabilidade pelo fr acasso social foi t r ansfer ida ao
indivíduo52. E é em decor r ência disso que sur ge a figur a de um Est ado
assist encialist a o qual, segundo Ver a Telles, faz com que os dir eit os sej am
t r ansfor m ados em aj uda, em favor es53.
1 .4 A e x clu sã o do dir e it o a os dir e it os de cida da n ia
Enquant o, por efeit o de leis e cost um es, houver pr oscr ição social, for çando a exist ência, em plena civilização, de ver dadeir os infer nos, e desvir t uando, por hum ana fat alidade, um dest ino por nat ur eza divino; enquant o os t r ês pr oblem as do século – a degr adação do hom em pelo pr olet ar iado, a pr ost it uição da m ulher pela fom e, e a at rofia da criança pela ignorância – não forem resolv idos; enquant o houv er lugar es onde sej a possível a asfixia social; em out r as palavr as, e de um pont o de vist a m ais am plo ainda, enquant o sobr e a t er r a houver ignor ância e m isér ia, livr os com o est e não ser ão inút eis.
Haut eville- House, 1862 Pr efácio de Vict or Hugo à sua obr a “ Os Miser áveis”
I nicialm ent e, necessár io faz- se conceit uar o que vem a ser
cidadão e o que vem a ser cidadania. O Dicionário Houaiss r econhece ao
vocábulo cidadão o significado de “ indivíduo que, com o m em br o de um
Est ado, usufr ui de dir eit os civis e polít icos gar ant idos pelo m esm o Est ado e
desem penha os dever es que, nest a condição, lhe são at r ibuídos” e, ainda,
“ aquele que goza de dir eit os const it ucionais e r espeit a as liber dades
52
SI LVA, Jailson de Souza e. Por que uns e não out r os: cam inhada de j ovens pobres par a a univer sidade. Rio de Janeir o: 7Let r as, 2003, p. 158.
53
dem ocr át icas” . Já, par a o t er m o cidadania, apont a o sent ido de “ qualidade
ou condição de cidadão” e “ condição de pessoa que, com o m em br o de um
Est ado, se acha no gozo de dir eit os que lhe per m it em par t icipar da vida
polít ica”54.
Das acepções acim a r efer idas, pode- se depr eender que t odos
aqueles dos quais foi expr opr iado o dir eit o de gozar os dir eit os civis e
polít icos de um Est ado, vir iam a for m ar um a cat egor ia de “ não- cidadãos” ,
ou sej a, os excluídos.
Sílvia Tat iana Maurer Lane quest iona: “ Quem são os excluídos,
disfar çados em incluídos?” . E, ao m esm o t em po, r esponde:
São aqueles que par a não denunciar em as inj ust iças decor r ent es da ideologia dom inant e, necessár ia par a a m anut enção do poder de alguns e de um st at us quo, são ‘incluídos’ no sist em a.
São os negr os que denunciam a escr avidão, hoj e disfar çada em pr econceit os ou discr im inações am bíguas.
São os deficient es que denunciam a ausência da Saúde Pública e de Educação r eabilit ador a.
São os pobr es que denunciam a inj ust iça econôm ica e a m á dist ribuição de r enda que im pede o acesso à saúde e educação. São os índios ‘pr ot egidos’ em r eser vas, que são consider ados incluídos, apesar da aut odest r uição.
E, m uit o m ais... 55
Esses excluídos, acim a enum er ados, m uit as vezes, são cidadãos
explor ados das m ais diver sas for m as e disfar çados com o incluídos.
Const at a- se que m uit as pessoas e suas sit uações acabam por
ser vinculadas à gr am át ica da exclusão/ inclusão, r epr esent ando as m ais
diver sas for m as e sent idos or iginados dessa r elação inclusão/ exclusão.
Mar iangela Belfior e Wander ley diz que “ Sob esse r ót ulo est ão
54
HOUAI SS; VI LLAR; FRANCO, 2001, p. 714.
55