Ident ificando barreiras para aderência ao
t rat ament o de hanseníase
1O b stac le s to c o mp lianc e with tre atme nt fo r
Hanse n’s d ise ase
11 Pesqu isa fin an ciad a p elo Progra m a d e Peq u en a s Bolsa s p a ra In v est iga ções em Asp ect os Socia is e Econ ôm icos n a s En ferm id a d es Trop ica is, La b ora t ório d e Ciên cia s Socia is, Un iv ersid a d e Cen t ra l d a Ven ez u ela /TDR/ OM S/PN U D/Ba n co M u n d ia l. 2 N ú cleo d e Estu d os em Sa ú d e, Progra m a d e Est u d os Pós- Gra d u a d os em Psicologia Socia l, Pon t ifícia
Un iv ersid a d e Ca t ólica d e Sã o Pa u lo.
C.P. 1527, Soroca b a , SP 18041- 970, Bra sil. Z oica Ba k irt z ief 2
Abst ract T h is resea rch p roject a im ed a t id en t ifyin g som e of t h e fa ct ors rela t ed t o lep rosy p a -t ien -t com p lia n ce w i-t h -t h e m u l-t id ru g -t rea -t m en -t regim en . Th e m e-t h od ologica l fra m ew ork of -t h e Socia l Rep resen t a t ion s T h eory w a s u sed . Tw o grou p s of p a t ien t s w ere in t erv iew ed : com p lia n t a n d n on com p lia n t w it h t rea t m en t a n d t h ose com in g from t w o d ifferen t h ea lt h serv ices. W e ob -serv ed a co m m o n u n d erst a n d i n g a b o u t t rea t m en t i n t h e v a ri o u s i n t erv i ew s, ex p ressed a s a m et ap h or t o d escribe t h e t reat m en t ex p erien ce: t h e figu re of a bat t le in w h ich t h e bacillu s is p or-t ra yed a s a or-t h rea or-t , or-t h e p a or-t ien or-t a s a v icor-t im , or-t h e m ed ica or-t ion a s a w ea p on a n d or-t h e h ea lor-t h p rofes-sion a l a s a h ero or sa in t . St ill, t h e m ed ica t ion is rep resen t ed a s b ein g b ot h good a n d b a d for t h e p a t ien t ’s w ell- b ein g. Fin a lly, q u a lit y of t h e p h ysicia n - p a t ien t rela t ion sh ip a p p ea red t o b e t h e m a in d ifferen ce b et w een t h e t w o grou p s of su b ject s st u d ied .
Key words Lep rosy; Ph ysicia n - Pa t ien t Rela t ion s; Trea t m en t ; Socia l Rep resen t a t ion s
Resumo Est a in v est iga çã o v isa a id en t ifica r a lgu n s fa t ores a ssocia d os à n ã o a d erên cia a o t ra -t a m en -t o p oliq u im io-t erá p ico d a h a n sen ía se. O -t ra b a lh o u -t iliz a o referen cia l -t eórico d a s rep re-sen t a ções socia is com o b a se d e su st en t a çã o m et od ológica d a in v est iga çã o. Fora m en t rev ist a d os d ois gru p os d e p a cien t es a m b u la t oria is em t ra t a m en t o p oliq u im iot erá p ico: “a d eren t es” e “n ã o-a d eren t es” o-a o t ro-a t o-a m en t o, p rov en ien t es d e d ois serv iços d e so-a ú d e d ist in t os. N o-a s en t rev ist o-a s, foi observad a a p resen ça d e u m a rep resen t ação com u m en t re os d iscu rsos em p regad a com o m et áfo-ra p a áfo-ra ex p lica r o t áfo-ra t a m en t o: a figu áfo-ra d e u m a b a t a lh a em q u e o b a cilo é ret áfo-ra t a d o com o u m a a m ea ça , o d oen t e com o v ít im a , o m ed ica m en t o com o a p rin cip a l a rm a d e com b a t e e os p rofis-sion a is d a sa ú d e com o os h eróis ou sa n t os. Foi ob serv a d o t a m b ém q u e o m ed ica m en t o é rep resen t a d o p or a m b os os su jeit os com o resen d o a lgo ora b en éfico ora m a léfico a o b em est a r d o p a -cien t e. Além d isso, a rela çã o m éd ic p a -cien t e p a rece rep resen t a r u m p on t o im p ort a n t e, p ois n o-t a - se q u e a con fia n ça d ep osio-t a d a n a ca p a cid a d e d o m éd ico p a ra solu cion a r o p rob lem a d iv id e su jeit os “a d eren t es” d os “n ã o- a d eren t es” en t rev ist a d os.
Introdução
O problema da hanseníase
O n ú m ero estim a d o d e p esso a s a feta d a s p ela doen ça em 1995 é de 1,8 m ilh ões de p essoas n o m u n d o, sen d o q u e a m aioria d elas con cen tra-se n o su d este asiático (1.259.000). As Am éricas têm 219.000 p acien tes, d os q u ais o Brasil p os-su i 173.500 (Frist, 1996). En con tra-se a d oen ça n os cen tros u rban os e as m etróp oles brasileiras com p reen d em 50% d os casos (An d rad e, 1996). Ta l p erfil n ova s exige estra tégia s d e co n tro le qu e id en tifiqu em as áreas críticas, as qu ais são fon tes geradoras de n ovos casos, e as regiões de exclu são de aten dim en to em saú de n os cen tros e p eriferias das cidades (OPS, 1995).
A situ ação da h an sen íase n os an os 90 carac-teriza-se p or in ú m eras m u d an ças, sen d o qu e a m aioria d elas d eve-se à ráp id a im p lan tação d e ações d e con trole p rom ovid as p or d iversos se-tores n a cion a is d o â m b ito d a sa ú d e, som a d os a o a p o io d e o rga n ism o s n ã o govern a m en ta is in tern a cio n a is. Ta is m ed id a s d e co n tro le in -clu em a exp an são d a cob ertu ra d o tratam en to p oliqu im ioteráp ico recom en d ad o p ela Organ i-za çã o Mu n d ia l d a Sa ú d e (OMS), q u e é o m a is efica z m eio d e co n tro le co n h ecid o. Ap esa r d o in ten so trab alh o realizad o p elo Program a Na-cion al d e Con trole e Elim in ação d a Han sen íase n o Bra sil, a co b ertu ra d o tra ta m en to p o liq u i-m ioteráp ico é d e ap en as 54% (Rod rigu es et al., 1995).
O p rob lem a d a ad erên cia ao tratam en to d a h an sen íase está in tim am en te ligad o ao con tro-le d a en d em ia, visto q u e o in d ivíd u o in fectad o con tagian te rep resen ta a fon te d e tran sm issão d o b acilo qu e é o agen te etiológico d a en ferm i-d ai-d e. Com o tratam en to, o p ortai-d or i-d a form a con tagiosa d a d oen ça d eixa d e tran sm itir o b a-cilo e a ssim é in terro m p id a a ca d eia d e in fec-çã o. To d a via , p o r in ú m ero s m o tivo s – a lgu n s d o s q u a is esp era m o s id en tifica r n o p resen te tra b a lh o –, o ín d ice d e a d esã o a o tra ta m en to n o Bra sil é p recá rio (>25% d e a b a n d o n o, MS, 1994). Esp era va -se q u e, co m a in tro d u çã o d a p oliq u im ioterap ia (PQT), a ad erên cia au m en tasse, p ois este n ovo regim e terap êu tico red u ziria p ara d e seis m eses a d ois an os o tratam en -to q u e an teriorm en te d u rava, n o m ín im o, d ez an os (Sh an m u gan an d an et al., 1993). Além d is-so, trab alh os recen tes d e p esq u isad ores b rasi-leiro s d em o n stra m q u e o p ro b lem a ca rece d e m aior in vestigação. Por exem p lo, algu m as d as q u estõ es id en tifica d a s co m o rela tiva s à n ã o -ad erên cia ao tratam en to são: a au sên cia d o as-sisten te social n a equ ip e d e p restação d e servi-ço s (Am a ra l, 1993), a b a ixa esco la rid a d e d o s
p acien tes (An d rad e et al., 1994; Rosa San tos et a l., 1993), a d ificu ld a d e p a ra a u sen ta r-se d o trab alh o p ara com p arecer à Un id ad e d e Saú d e (Nascim en to et al., 1993), a com p lexid ad e d as orien ta ções forn ecid a s a o d oen te (An d ra d e et a l., 1994), a d ú vid a q u a n to à eficá cia d o tra ta-m en to, a a u sên cia d e vín cu lo a fetivo co ta-m a l-gu m p ro fissio n a l d a sa ú d e, a a u sên cia d e re-p ertório sob re re-p reven ção d e d oen ças e o sen tim en to d e itim p o tên cia etim fa ce d a sa ú d e (Ba kirtzief, 1995). Tais d im en sões d o p rob lem a in -d ica m a lgu n s ca m in h os, n o con texto b ra silei-ro, p a ra id en tifica r m o s a çõ es q u e p o ssa m ser in co rp o ra d a s a o s já so b reca rrega d o s ser viço s d e aten ção à h an sen íase.
O referencial t eórico da invest igação
Partin d o d o referen cial teórico d as rep resen ta-ções socia is, en ten d em os q u e a com p reen sã o d o tra ta m en to p elo p a cien te, p o r exem p lo, é su b m etid o a u m p ro cesso d e ela b o ra çã o p es-so a l q u e visa a tra d u zir a in fo rm a çã o m éd ica n u m a lin gu a gem q u e lh e fa ça sen tid o. Este p rocesso trad u z o d iscu rso m éd ico em catego-ria s d o sen so co m u m so b re sa ú d e e d o en ça qu e o su jeito já p ossu i em seu rep ertório d e co-n h ecim eco-n tos (Boltaco-n ski, 1989). Esta ativid ad e d e a q u isiçã o d o co n h ecim en to n ã o se d á d e fo rm a p a ssiva , co m o su jeito a cu m u la n d o a s in form ações ap resen tad as. Trata-se d e u m ati-vid ad e em qu e o su jeito con strói a realid ad e n o sen tid o p rop osto p or Berger Lu ckm a n (1990), q u e p rivilegia tan to a relação d ialética en tre a esfera in d ivid u a l e a so cia l, q u a n to a rela çã o d ialética en tre o p en sam en to e a ativid ad e.
M étodo de investigação
Local
A in vestigação foi realizad a em d ois serviços d e aten ção à h an sen íase n a cid ad e d e São Pau lo, a sab er, u m a Un id ad e Básica d e Saú d e (UBS) d o Mu n icíp io, situ a d a n u m b a irro d e p eriferia e u m am b u latório d e d erm atologia d e u m h osp i-ta l u n iversitá rio (H U), situ a d o n u m a regiã o cen tra l d a cid a d e d e Sã o Pa u lo. Os d o is lo ca is são b em d istin tos en tre si. Em p rim eiro lu gar, a UBS aten d e u m a clien tela local q u e resid e n as p roxim id a d e s, e n q u a n to o H U a te n d e u m a clien tela m ais am p la, in clu in d o p essoas p rove-n ierove-n tes d e m u rove-n icíp io s vizirove-n h o s. Em segu rove-n d o lu ga r, a UBS a ten d e a p en a s q u a tro p a cien tes d e h a n sen ía se n o m o m en to d o estu d o, visto q u e a m aioria d os p acien tes registrad os n o lo-cal já h aviam receb id o alta, n ão h aven d o n ovos casos. O HU, ao con trário, aten d e cerca d e seis-cen to s p a cien tes, receb en d o ca so s n ovo s se-m a n a lse-m en te. Ese-m terceiro lu ga r, a UBS p o ssu i u m p ro gra m a ed u ca tivo p a ra o s p a cien tes d e h an sen íase, en qu an to o HU n ão p ossu i tal ser-viço. Am b os os serviços, p orém , são con sid era-d os era-d e b oa q u aliera-d aera-d e e realizam o m esm o tip o d e tera p ia m ed ica m en to sa : a p o liq u im io tera -p ia reco m en d a d a -p ela OMS. Um d o s m o tivo s d a escolh a d estes d ois serviços d e b oa qu alid a-d e con sistiu em b u scar u m a form a a-d e con trole d a variável “q u alid ad e d o serviço”, p ois a m esm a rep resen ta u esm co n ju n to d e a çõ es d o p ro -gra m a d e h a n sen ía se. Co m o n ã o é o o b jetivo d este trab alh o fazer u m a avaliação d o p rogra-m a d e con trole, b u scarogra-m os d elib erad arogra-m en te lo-cais con sid erad os excelen tes p ela coord en ação d o p rogram a p ara q u e fossem con h ecid as ou tra s va riá ve is re la cio n a d a s à q u e stã o d a n ã o -ad esão ao tratam en to p oliqu im ioteráp ico.
Sujeit os
Fo ra m in clu íd o s n a in vestiga çã o to d o s o s p a -cien tes d e h an sen íase d a UBS (n =4, sen d o d ois h om en s, e d u as m u lh eres) em m arço d e 1995, e fo i en trevista d o u m gru p o d e p a cien tes (n =11, sen d o sete h om en s e q u atro m u lh eres) em tra ta m en to n o HU, q u e com p a recera m a o lo ca l n o p erío d o en tre fevereiro e m a rço d e 1995. Os p a cien tes fo ra m selecio n a d o s p o r co n ven iên cia , co n fo rm e su a a çã o d ia n te d a d oen ça : “a d eren tes” e “n ã oa d eren tes” a o tra -ta m en to, form a n d o, a ssim , d ois gru p os d e p a -cien t es, en ten d en d o p o r “a d eren tes” a q u eles q u e, segu n d o os p resta d ores d o serviço, com p a recem regu la rm en te à s co n su lta s a gen d a d as, e p or “n ãoad eren te” aqu eles qu e, ao con
-trário, n ão com p arecem às con su ltas. O gru p o d e su jeito s “a d eren tes” fo i fo rm a d o p o r p a -cien tes aten d id os n a UBS e n o HU. O gru p o d e “n ão-ad eren tes” foi form ad o p or p acien tes d o HU visto qu e n ão h avia p acien tes n ãoad eren tes a o tra ta m en to n a UBS. As p eq u en a s d ife -ren ças ob servad as en tre os su jeitos d o HU e d a UBS serão ap resen tad as com os resu ltad os d a p esqu isa.
Nã o o b sta n te a s d ificu ld a d es en co n tra d a s p ara recru tar su jeitos “n ão-ad eren tes” (p or d e-fin ição n ão com p arecem ao serviço), en trevis-tam os três d eles, sen d o tod os d o sexo m ascu li-n o, tod os d o HU (p ois li-n ão h avia p acieli-n tes fal-tosos n a UBS) e qu an to a escolarid ad e, u m p os-su ía o segu n d o grau com p leto, u m estu d ou até a sétim a série e o u tro n u n ca h a via estu d a d o. Do total d e 12 p acien tes “ad eren tes”, seis eram h o m en s e seis m u lh eres. Den tre o s seis h o -m en s “a d eren tes”, q u a tro tin h a -m o p ri-m eiro gra u in co m p leto, u m co m p leto u o p r im eiro gra u , e u m co n clu iu o segu n d o gra u . Da s seis m u lh eres “ad eren tes”, d u as p ossu íam o p rim ei-ro gra u in co m p leto, d u a s co m p leta ra m o p rim eiro grau , u rim a tin h a o segu n d o grau in corim -p leto e u m a n u n ca estu d o u . Qu a n to a form a clín icad a d oen ça , d en tre tod os os en trevista-d o s, so m en te u m p a cien te a p resen ta va a fo rm a in icia l d a d o en ça , en q u a n to o s o u tro s to -d o s a p resen ta va m a s fo rm a s a va n ça -d a s -d a m esm a . Qu a n to a a t iv id a d e, d o s três su jeito s “n ã o-a d eren tes”, u m é a p osen ta d o, ou tro está a fa sta d o p ela Previd ên cia So cia l e o terceiro trab alh a. Dos 12 su jeitos “ad eren tes”, três estão ap osen tad os, u m está afastad o p ela Previd ên -cia So-cial, d ois estu d am , u m n ão trab alh a e os ou tros cin co trab alh am .
Ent revist as
equ ip e m éd ica. As en trevistas foram gravad as e p o sterio rm en te tra n scrita s em su a to ta lid a d e p a ra fin s d e a n á lise. As p ergu n ta s, p rétesta -d as, segu iam ap en as o roteiro ab aixo:
1) Me fala u m p ou co sob re com o é esta d oen -ça qu e você trata aqu i.
2) Me fa la u m p o u co so b re co m o é se tra ta r d essa d oen ça.
3) O qu e você tem qu e fazer p ara se tratar? 4) Você con segu e fazer tu d o isso?
5) Você já fez tra ta m en to em ou tro lu ga r? Me con ta com o foi.
6) Me con ta com o é fazer o tratam en to aqu i.
Análise das ent revist as
A an álise d e con teú d o p assou p or d u as etap as, in ician d o com u m a leitu ra flu tu an te p ara id en -tifica r a s ca tego ria s em ergen tes n o d iscu rso, qu e seriam u tilizad as p ara an álise com p arativa en tre os d ois gru p os d e su jeitos, os “ad eren tes” e os n ãoad eren tes” ao tratam en to. Nesta eta -p a , o d iscu rso d o en trevista d o fo i tra n s-p o sto in tegralm en te p ara as categorias id en tificad as (“o b stá cu lo s p a ra o tra ta m en to”, e “co m o é a d oen ça”), ob servan d o a seq ü ên cia d a fala or igin al, p orém con d en san d o os con teú d os d en -tro d e ca d a ca te go ria , e lim in a n d o a ssu n to s tan gen ciais ao tem a “tratam en to” e “exp eriên -cia com a en ferm id ad e”. A p artir d aí, visto q u e tais categorias salien taram o p articu lar e o in -d ivi-d u al – n ão forn ecen -d o con teú -d os com u n s en tre o s su jeito s –, a s a n á lises fo ra m reto m a -d as con si-d eran -d o as en trevistas n a su a -d iversi-d a iversi-d e, b u sca n iversi-d o co m p reen iversi-d er a s m en sa gen s im p lícitas e p aralelas ao roteiro p rop osto. Nes-ta eNes-tap a, foi ob servad o a qu em o texto rem etia-se, sen d o o en trevistad or sen sível às figu ras d e lin gu a gem , à s tra n sgressõ es à s regra s ló gica s d e u m a n a rra tiva etc. Ta l a b o rd a gem tro u xe elem en to s n ovo s p a ra a n á lise en tre o s d o is gru p os d e su jeitos, com o exp osto a segu ir.
Result ados
A represent ação do t rat ament o como uma bat alha cont ra a doença
Med ian te a an álise d as en trevistas, em q u e fo-ram ab ord ad os os d iscu rsos, b u scan d o-se u m a com p reen são m ais glob al d a tram a tecid a p or cad a su jeito, en con trou -se u m en red o com u m en tre a s m esm a s p a ra rep resen ta r a exp eriên -cia com o tratam en to e a d oen ça. Usan d o o ter-m o “iter-m ageter-m d a d oen ça” eter-m p restad o d e Vin ey (Vin ey, 1989), tal en red o com p reen d ia con teú -d os -d e u m a im agem -d e “b atalh a” carrega-d a -d e
em o çã o. Oito d en tre o s 12 p a cien tes “a d eren -tes” d escreveram su a exp eriên cia com o trata-m en to cotrata-m o u trata-m a lu ta tra va d a con tra a en fer-m id ad e. Su as arfer-m as erafer-m o refer-m éd io, o con h e-cim en to sob re a d oen ça, o tratam en to, o au to-cu id ad o, a b u sca p or u m d iagn óstico correto, a ob ed iên cia à orien tação m éd ica, as p ergu n tas feitas aos m éd icos e o tratam en to correto. Tais in stru m en to s d e en fren ta m en to d a d o en ça co in cid em co m a s o rien ta çõ es gera is so b re o tra ta m en to fo rn ecid a s p elo s p ro fissio n a is d e saú d e d a área, p orém , n o d iscu rso d os p acien -tes, esta s m ed id a s su rgem co m u m to m em o-cio n a l d e m ed o e a n sied a d e d ign o s d e n o ta . Por exem p lo:
“(...) a h an sen íase n ão coça, eles m ord em , os bacilo m ord em a gen te (...) eles d ão cad a ferroa-d a (...) se n ã o cu iferroa-d a r (...) ela lev a a m a is sérios p rob lem a s (...) a gen t e n ã o p od e se m a ch u ca r (...) o m ach u cad o d em ora a cicatriz ar e aqu eles b ich in h o v a i com en d o (...) ele en ga n a a gen t e (...) o m a ch u ca d o v ocê olh a (...) p a rece q u e t á sarad o m as n ão tá. Por d en tro ele tá vivin h o (...) a í é on d e corre cert os p erigos (...) d e p erd ê u m d ed o, u m p é (...) Veja, eu já cortei o d ed o, (...) se eu n ão cu id asse (...) ele ia cair (...) ele vai p erd ê (...) eu ten h o m u ito cu id ad o.”(En trevista 013T)
No exem p lo acim a, vê-se a lu ta d a p acien te con tra os b acilos en gan osos q u e vão com en d o e m orden do p or den tro. Su a arm a é cu idar-se, e n ã o se m a ch u ca r sen ã o “ela leva a m a is sérios p ro b lem a s”. No ta -se u m to m a m ea ça d o r cer-can d o o ato gen érico d e cu id ar-se p ara n ão se m ach u car. Ob serva-se tam b ém q u e a p acien te in co rp o ra co n h ecim en to s a tu a is so b re a p re-ven ção de in cap acidades (cu idar-se p ara n ão se m ach u car), p orém d e m an eira su p erficial, p er-m itin d o a co n tra d içã o exp ressa n a a firer-m a çã o “ele ia cair [os dedos, os p és]” ou “ele vai p erder”, co n teú d o s esses a rca ico s e fa lso s. O b a cilo, agen te etiológico d a d oen ça, é retratad o com o “bich in h os qu e m ordem , dão ferroada e são en -gan osos”. A p resen ça do m icroor-gan ism o com o elem en to com u m n os d iscu rsos d os p acien tes foi en con trado tam bém n o estu do de Qu eiroz & Carrasco (1995), p orém os au tores p riorizaram a d iscu ssão sob re o p rocesso d e ad oecim en to e evolu ção clín ica d a h an sen íase, em q u e a relação d o in d ivíd u o com o m eio am b ien te e con -sigo m esm o p rop icia o su rgim en to d a d oen ça ou a cu ra n os d iscu rsos d os en trevistad os.
teorias arcaicas d a con d en ação d ivin a, d a h e -red itaried ad e e d e m iasm as p arecem su cu m b ir d ian te d o d iscu rso atu al sob re a ação d os b aci-los sob re o corp o. Porém , esta n ova in form ação é com p reen d id a d e m an eira su p erficial p erm i-tin d o qu e a id éia d e qu e os b ich in h os m ord em , d ã o ferro a d a e en ga n a m a gregu e a lgu m a s ca -ra cterística s m a is fa m ilia res a o d escon h ecid o “b acilo d e h an sen”.
A retó rica d a b a ta lh a co n tra a d o en ça n o d iscu rso d os p acien tes tam b ém com p reen d e a figu ra d o h erói con form e a m itologia ocid en tal (Bran d ão, 1991):
“ (...) eu a ch o q u e (...) t od a a im p ort â n cia qu e eu d er ao t rat am en t o m eu , é com o eu est ar fa z en d o u m bem p ros m eu s, p ra t od o o m u n d o (...) p orqu e é p reciso ven cer o p roblem a (...) e n a m in h a v ez eu fa ço isso, eu fa ço d ireit o o m eu t ra t a m en t o p orq u e eu p rez o d em a is a v id a .” (En trevista 012T)
No exem p lo a n terio r, su rge o p a cien te lu -tan d o p ara ven cer “o p rob lem a”, em p regan d o a a rm a d o fa zer o “tra ta m en to d ireito”. Neste exem p lo, a s “vítim a s” sã o seu s fa m ilia res e o m u n d o. Ad em a is, a em o çã o im p lícita n o d iscu rso é d e m ed o, com o tam b ém foi d oiscu m en -tado n o estu do de Rom ero-Salazar et al. (1995). Porém , tais h eróis e vítim as p odem ser diferen -tes p erson agen s n o m esm o discu rso, e u m m es-m o p erson agees-m su rge ora coes-m o h erói, ora co-m o vilão, ora coco-m o vítico-m a.
Heróis derrot ados versus heróis vitoriosos: a relação médico-pacient e
Com o afirm ou -se acim a, a m aioria d os d iscu rso s a p resen ta va a retó rica d a “lu ta” o u “b a ta -lh a” co m o fo rm a d e d escrever a exp eriên cia com a en ferm id ad e e o tratam en to. A “lu ta”, n o im a gin á rio p o p u la r, é co n stitu íd a p ela tría d e h eró i – vítim a – in im igo. Po rém , o b ser vo u -se u m a d iferen ça n a m an eira d e retratar a p essoa d o m éd ico en tre os d ois gru p os d e su jeitos. En -tre os su jeitos “n ão-ad eren tes” ao tratam en to, o m éd ico é rep resen tad o com o u m “h erói” d er-rotad o. Além d isso, o p róp rio p acien te se colo-ca n o p ap el d e “h erói” qu e vem lu tan d o con tra a d oen ça, m as qu e tam b ém está d errotad o p or ela . A im p o tên cia d o m éd ico e d o p a cien te d ian te d a en ferm id ad e foi d ocu m en tad a tam -b ém em o u tro tra -b a lh o (Ba kirtzief, 1995). Já en tre os su jeitos “ad eren tes”, o m éd ico é rep re-sen tad o com o u m “h erói” vitorioso e o p róp rio p acien te se retrata com o “h erói” b em -su ced i-d o. As cita çõ e s a b a ixo e xe m p lifica m o m o i-d o co m o o s trê s su je ito s “n ã o -a d e re n te s” re p re-sen taram os m éd icos e a si m esm os em relação ao tratam en to:
“ (...) eu qu eria ver se eles [m éd icos] (...) m e p assassem u m rem éd io p ra d u m a vez p ra eu fi-cá b om d esses n egócio (...) eu q u eria q u e eles [m éd icos] d escob risse o q u e é, d escob risse e fa lasse, e d aí m e av isasse o qu e é (...) Fico tratan -d o to-d a vi-d a e sem saber o qu e é, n é.”(En
trevis-ta 005T) [grifo n osso]
“ (...) sabe (...) essa d oen ça p ra m im tá sen d o m u ito d ifícil (...) tem m u ita gen te qu e tem sorte (...) eles [m éd icos] d á a lt a (...) logo fica liv re, m a s eu in feliz m en t e a t é h oje n ã o con segu i sa í fora (...) n ão con segu iram [m éd icos] m e tirar d o rem éd io (...) ela [m éd ica] qu is m e d ar alta d e to-d os rem éto-d io (...) in feliz m en te n ão con segu iram [m éd icos](...) a gen t e t em q u e lu t a r, p orq u e a saú d e é tu d o, m as in feliz m en te eu n ão tive sor-te.”(En trevista 008T) [grifo n osso]
“Hoje m esm o eu já v ou escu t á u m a b ron ca [p orqu e tem faltad o] m as ela [a m éd ica] n ão tá saben d o o qu e acon teceu com igo (...) eu tav a to-m an d o u to-m a farto-m ácia (...) aí eu falo: ‘u to-m vai fi-ca r p ra t rá s’. Aí ficou esse (...) p orq u e eu t en h o m e sen t id o m elh or em rela çã o a essa d oen ça , n u n ca m a is m e a p a receu m a n ch a s, en t ã o eu (...) t ô joga n d o com a sort e (...) e com D eu s, se Deu s m e a ju d a r (...) (risos) (...) p ra fa la r a v er-d a er-d e eu t ra b a lh o n u m ra m o m u it o corrier-d o, e t em d ia s q u e eu esq u eço a t é q u e eu ex ist o (...) tem d ias qu e eu n em alm oço, n ão jan to, n ão to-m o o reto-m éd io (...) qu an d o eu vou leto-m brá já p as-sou d a h ora , in feliz m en t e m e a con t eceu m u it o isso.”(En trevista 009T) [grifo n osso]
Nos d ep oim en tos acim a, d os su jeitos “n ão-ad eren tes”, os d ois “h eróis” q u e ap arecem são d errotad os/ im p oten tes: o “eu” e os “m éd icos/ eles”. Ad em a is, q u a n to à “so lu çã o d o p ro b le -m a”, o b ser va -se q u e esta en co n tra -se fo ra d o con trole h u m an o, d ep en d en d o, segu n d o eles, d a sorte ou d e Deu s. Ded u z-se, com isso, qu e a
rela çã o m éd ico- p a cien t en o ca so d o s su jeito s
“n ã o -a d eren tes” en co n tra -se fra giliza d a . Ou m elh or, os p a cien t es n ã o d ep osit a m con fia n ça n a cap acid ad e d o m éd icop ara solu cion ar o seu
p rob lem a com o seria d e se esp erar. Tam p ou co con fiam em si p róp rios com o cap azes d e resol-ver seu p rob lem a d e saú d e e d e ter au tocu id a-d o. Tais resu ltaa-d os tam b ém foram en con traa-d os n o estu d o d e Ba kirtzief (1995) e p o d em ser com p reen d id os à lu z d o argu m en to d e DiMatteo & DiNicola (1982) sob re o tem a d a ad erên -cia a tratam en tos m éd icos em geral. Os au tores su gerem qu e o ceticism o p or p arte d o p acien te q u a n to à co n d u ta m éd ica rep resen ta u m d o s m o tivo s m a is freq ü en tes p a ra o a b a n d o n o d o tra ta m e n to. Ele s p ro p õ e m u m b in ô m io p a ra com p reen sã o d a q u estã o: os con t eú d ostra n
s-m itid o s a o p a cien te so b re o tra ta s-m en to e o
m éd ico-p acien te ou serviço-p acien te. Para os au tores, o p rocesso (a relação m éd icop acien -te) tem su p rem acia sob re os con teú d os tran s-m itid os q u an to à q u estão d a ad erên cia ao tra-ta m en to. Ad icio n a lm en te, n o tra b a lh o so b re rep resen tações sociais d a h an sen íase, realiza-d o an teriorm en te p or Bakirtzief (1995), ob ser-vou -se qu e os p acien tes “n ão-ad eren tes” en tre-vistad os n ão ap resen tavam o q u e foi ch am ad o d e “vín cu lo afetivo” com algu m p rofission al d a sa ú d e. Ta l resu lta d o co n tra sto u co m o d ep o i-m en to d os p acien tes “ad eren tes” e “i-m ilitan tes” en trevista d o s n a q u ela p esq u isa , q u e p o r su a vez a p resen ta va u m vín cu lo im p o rta n te co m u m d eterm in ad o p rofission al d a saú d e.
Não é p ossível sab er se tais atitu d es (im p o-tên cia d ian te d a d oen ça e falta d e con fian ça n a ca p a cid a d e m éd ica ) existia m a n tes d a exp e -riên cia com o tratam en to d a h an sen íase ou se foram p rod u tos d a lon ga jorn ad a d e u m trata-m en to q u e, d e fa to, a in d a n ã o lh es d eu “a lta”. Os p acien tes “ad eren tes” tam b ém n ão h aviam tid o “a lta” e esta va m em tra ta m en to h á vá rios an os, en fren tan d o as d ificu ld ad es in eren tes ao m esm o, p orém con stru íram u m a im agem m ais o tim ista . Assim , o d iscu rso d o s su jeito s “a d eren tes” ap resen tava in d ícios tan to d e con fian -ça n o p rofission al/ serviço d e saú d e, qu an to em si p róp rios, a sab er:
“(...) Com a Dra . XXXX (...) a í sim com esse n ov o t ra t a m en t o (...) eu t en h o t id o m u it a con fian ça (...) e a am iz ad e qu e a gen te tem n as reu -n iões (...) A Dra . XXXX é a -n ossa gu ia (...) ela é fa b u losa (...) ela t em a p reocu p a çã o d e con se-gu ir levar o n osso p roblem a at é o fim d o t ra t am en t o. Porq u e (...) ou t ros am éd icos à s v ez es en con tram d ificu ld ad e m as (...) acabam d esistin -d o (...) ela lu t a m u it o (...) p or a gen t e (...) ela tem sid o u m a m ãe. Ela vai, p rocu ra e con segu e e a gen t e reu n id os, h á n ov e gru p os reu n id os lá (...) a gen te estava d isp osto até a com p rar as coi-sas se fosse p reciso.”(En trevista 012T)
“ (...) p elo m en os a q u i eles t ra t a m a gen t e m u ito bem . Eu ach o qu e eles aten d e a gen te bem d em ais m esm o. Eu n ão troco aqu i p or ou tro lu -ga r, d e jeit o n en h u m . Olh a , eu m oro lon ge v iu , m oro lá em Itaqu era, eu ven h o aqu i e n ão p erco u m a con su lt a n ão (...) eles qu eriam qu e eu (...) eu p od ia m e tratar n o p osto d e saú d e p orqu e lá p ert o d e casa t em m u it o, eu falei p ra eles: ‘n ão, se eu tivesse tratad o n u m p osto d e saú d e talvez eu t a ria en cost a d a n u m ca n t o ‘ p orq u e eles a t en d e u m d ia ou d ois d ep ois eles en cost a m e n ão qu erem n em saber m ais.”(En trevista 001T) “ (...) se eu n ão tivesse con segu id o tratam en -to aqu i, em ou tro lu gar eu n ão sarava (...) se fos-se m e tratar em h osp ital d o IN PS eu ach o qu e ti-n h a caíd o os p ed aço (...) eles ti-n ão tratam d ireito
e a q u i (...) q u a n d o com eçou a t ra t a r n u n ca m ais falh ou (...) tod o d ia qu e eu vin h a (...) rece-bia a con su lta e rem éd io (...) eu agrad eço m u ito ao Hosp ital (...)”(En trevista 003T)
Ap esa r d a s d ificu ld a d e d o tra ta m en to, a q u alid ad e d a relação m éd ico-p acien te p arece su p era r a s in co erên cia s p erceb id a s p elo s p a -cien tes “ad eren tes”, resgatan d o a im agem id ea-liza d a d o m éd ico, id en tifica d o co m u m h eró i ou san to salvad or. A p artir d estas ob servações, im p orta salien tar qu e a qu estão d a cred ibilid a -d e -d o t ra t a m en t o p a rece esta r a n co ra d a n a con fian ça d ep ositad a n os p rofission ais d a saú -d e. Ou seja , o s su jeito s en trevista -d o s ta n to id en tificam a d oen ça com sin tom as, com o as-sociam o p ap el d o m éd ico ao alívio d estes. Po-rém , n o ca so d a h a n sen ía se, o s sin to m a s p er-m a n eceer-m , e er-m u ita s vezes sã o a gra va d os, coer-m o m ed ica m en to. Mesm o o tra ta m en to sen d o efica z, d o p o n to d e vista m éd ico, o s sin to m a s p erm an ecem geran d o d ú vid as q u an to à eficá-cia d o tratam en to e/ ou a cap acid ad e d o m éd i-co em a livia r o so fr im en to físii-co d o p a cien te. Isto im p lica d izer q u e o tra b a lh o ed u ca tivo ju n to ao d oen te d eve ser con tín u o, p artin d o d e u m levan tam en to d as exp ectativas trazid as p e-lo m esm o, p ara en tão, sob re tais exp ectativas, reco n stru ir n ova s rela çõ es en tre tra ta m en to -sin to m a e sa ú d e--sin to m a . Ta l trip é,d oen ça -sin tom a-rem éd io, p arece levar o p acien te a d u -vid ar d a au torid ad e m éd ica esp ecialm en te n o ca so d a h a n sen ía se, em q u e os sin tom a s (rea-ções, m an ch as, d orm ên cia) p erm an ecem m es-m o a p ó s a a lta . Ta l exp eriên cia evo ca d ú vid a s qu an to à eficácia d o tratam en to, tan to en tre os su jeitos “ad eren tes”, com o en tre os faltosos:
“ (...) a d oen ça vai e volta, eles m e d ão rem é-d io e eu m elh oro (...) é-d e rep en te é-d á aqu ela vira-d a.”(En trevista 001T)
“(...) fica a ssim : v a i e v em , v a i e v em .”(En -trevista 004T)
“ (...) eu n ão estou (...) con ven cid o d e qu e eu seja p ortad or d a d oen ça (...) é com u m a p essoa sen tir esse tip o d e form igam en to (...) eu n ão sen -ti n en h u m -tip o d e p roblem a.”(En trevista 006T)
“(...) q u a n d o v ocê p en sa q u e (...) t á m elh o-ra n d o (...) vem rea çã o d a q u i, rea çã o d e lá (...)” (En trevista 013T)
O medicament o como uma faca de dois gumes
p ráticas referid as p elos su jeitos p ara colab orar co m o tra ta m en to o m ed ica m en to so, p o rém o m ed icam en to, n os d iscu rsos d e tod os os su jei-to s en trevista d o s, fo i a ú n ica p rá tica referid a co m u m a to d o s. O m ed ica m en to, q u e rep re-sen ta a p rin cip al arm a con tra a d oen ça, é visto co m o a tu a n d o o ra co eren te, o ra in co eren te-m en te cote-m a exp ectativa d o p acien te – q u e é a d e qu e o m ed icam en to alivie seu p ad ecim en to ou o cu re d a d oen ça. Nota-se u m a con trad ição ta n to n a s fa la s d o s su jeito s “a d eren tes” co m o n as falas d os su jeitos “n ão-ad eren tes”, em q u e o co rre sim u lta n ea m en te u m a exp ecta tiva d e q u e o p rob lem a seja su p erável m ed ian te o re-m éd io e u re-m a rep resen tação d o rere-m éd io core-m o sen d o algo n ocivo. Por exem p lo:
“ (...) se aban d on ar, n ão tom ar os (...) m ed i-ca m en t os cert o, a í fii-ca p ior p orq u e a gen t e v ê d oen t es p or a í m u it o p ior q u e isso (...) eu m e cu id o p orq u e eu t en h o m ed o d e ch ega r a esse p on t o (...) a n ão ser qu an d o o rem éd io com p li-ca, qu en em com p licou agora, qu e m e d eu aqu e-le n egócio n o fígad o.”(En trevista 004T)
“(...) é u m rem éd io d ifícil (...) ele ju d ia , fa z m al (...) m as in feliz m en te (...) até agora eu tô vi-ven d o d ele (... ) e a Talid om id a e Meticortem é o qu e su st en t a a gen t e. Porqu e sen ão já v iu (...) é p arar e sofrer”.(En trevista 008T)
“ (...) m e sa iu u m a coceira (...) n ã o sei se é en tox icação, se é os rem éd io tam bém (...) eu ta-v a , ta-v in h a t om a n d o t od a ta-v id a , sem p a rá , sem p ará.”(En trevista 005T)
E em segu n d o lu gar, com o d escrito acim a, a a sso cia çã o feita en tre a eficá cia d o m ed icam en to e a eficá cia d o icam éd ico, n os d ep oiicam en -tos d os en trevistad os, torn a ain d a m ais im p or-tan te a orien tação d ad a ao p acien te d e h an se-n ía se q u a se-n to a o s efeito s d o m ed ica m ese-n to se-n o co rp o d o p a cien te, esp ecia lm en te n o to ca n te aos sin tom as cu tân eos e n ervosos.
O s cont rat empos da vida urbana como obst áculo
Com o n o caso d e m u itos trab alh os p u b licad os sob re a qu estão d a irregu larid ad e n o com p are-cim en to ao serviço d e saú d e p ara o tratam en to d a h an sen íase, p roblem as p essoais e con tin gên -cia s d o t ra t a m en t o a d icio n a m o b stá cu lo s à a d erên cia (An a n d a ra j, 1986; Hertro ijs, 1974; Na ik, 1988; Vellu t, 1985). Eis a lgu n s exem p lo s d e qu eixas d e p acien tes “n ão-ad eren tes” en tre-vistad os n esta in vestigação:
“(...) Esses tem p os aí d aqu elas en ch en tes qu e eu fiqu ei u n s qu atro d ias sem vim aqu i.”(En tre-vista 008T).
“(...) eu n ão vim p orqu e eu sofri u m acid en -te, eu fu i tod o cortad o aqu i (...) assalto, e ten h o
com eço d e d iabete tam bém .”(En trevista 009T). “(...) n ão tava m arcad o d ireito lá o d ia certo, foi o cau so qu e eu fiqu ei-m an d ou eu vim h oje.” (En trevista 005T).
O conheciment o sobre a doença: o arcaico e o novo se encont ram
Os su jeitos en trevistad os ap resen taram rep re -sen t a ções sem elh a n t esn o q u e se refere à m es-cla d e co n teú d o s a rca ico s so b re a lep ra co m co n teú d o s a tu a is d a h a n sen ía se. Vê-se q u e a d oen ça era id en tifica d a p or m eio d e seu s sin -tom a s, ou seja , m a n ch a s, ca roços, d ores, d or-m ên cia, feb re, d eforor-m id ad e física. Aléor-m d isso, o m ed o d o con tágio/ tran sm issão tam b ém ca-ra cterizo u o rela to d o s en trevista d o s so b re a en ferm id ad e. Ad em ais, a in terp retação d a d or-m ên cia co or-m o sen d o p ro b leor-m a circu la tó rio, reu m atism o e/ ou d erram e ap areceu em algu n s casos, b em com o a n oção d e qu e os b acilos co -m e-m , -m ord e-m a p essoa p or d en tro p ara exp li-car as dores e atrofias. Não observam os u m a re-lação clara en tre escolaridade e con teúdo do co-n h ecim eco-n to sob re a d oeco-n ça.
No ta ra m -se, co n tu d o, d iferen ça s en tre o s su jeito s en trevista d o s n a Un id a d e Bá sica d e Saú d e (UBS) e os su jeitos d o Hosp ital Un iversi-tário (HU). Os p rim eiros d iscorriam livrem en te sob re a d oen ça, m an ifestan d o su as an gú stias, d ú vid a s, cren ça s e im p ressõ es so b re o tra ta -m en to e a d o en ça , en q u a n to o s ú lti-m o s a p resen ta va m m a io r d ificu ld a d e d e exp ressã o, fa -lan d o p ou co e elab oran d o d e m an eira lim itad a su as id éias sob re a m esm a. En ten d e-se q u e tal d iferen ça d e exp ressão d eu -se, em p arte, d evi-do ao p rogram a educativo desen volvievi-do n o Pos-to, n o qu al os p acien tes eram estim u lados a dis-cu tirem seu s p rob lem as em gru p o, exercitan d o a com u n icação oral, ao p asso qu e tal p rogram a n ão foi im p lem en tad o n o Hosp ital-Un iversitá-rio. Não foi ob servad a u m a relação en tre n ível d e escolarid ad e e a m an eira d e exp ressar-se, o q u e co rro b o ra a h ip ó tese d e q u e o p ro gra m a ed u cativo seja resp on sável p ela d iferen ça en tre os d ois gru p os.
Nã o o b sta n te, em a m b o s o s lo ca is, h a via u m a certa resistên cia em se relatarem asp ectos n egativos d o tratam en to. Im agin ou -se qu e isso p u d esse ser em p a rte d evid o a u m a p o ssível id en tifica çã o d o en trevista d o r co m o p esso a l d a eq u ip e m éd ica, in ib in d o assim a exp ressão d e críticas à m esm a.
saú d e, p or su as seqü elas físicas e tran sm issib i-lid ad e. Não foram n otad as alu sões m etafísicas relativas à en ferm id ad e n este estu d o.
Conclusões
As con clu sões ob tid as através d esta in vestiga-ção rem etem à im gem da batalh a ép ica, n a qu al os h eróis – p acien tes e p rofission ais d a saú d e – lu tam in can savelm en te con tra u m m on stro d i-fícil de ser con trolado, que é a han sen íase. As ar-m as d e q u e d isp õear-m são os ar-m ed icaar-m en tos, a s ações d e au to-cu id ad o p or p arte d o p acien te e as ações d e con trole p or p arte d o p rogram a d e aten ção à d oen ça. Ad em ais, com o n u m a gu erra, a adm in istração das in form ações sobre a en -ferm id ad e e o tratam en to e, acim a d e tu d o, as alian ças (vín cu los com os p rofission ais d a saú -d e) revela ra m -se -d e im p o rtâ n cia estra tégica p o r co n ferir cred ib ilid a d e a o s m éd ico s e, p o r con segu in te, ao tratam en to p or eles p rescrito.
As su gestõ es p a ra im p lem en ta çã o d o s co n h ecim en tos ob tid os n este trab alh o, ap resen -ta d a s d u ra n te a d escriçã o d o s resu l-ta d o s, d
izem resp eito à in crem en ta çã o d a s a çõ es ed u -ca tiva s n o s ser viço s d e a ten çã o à h a n sen ía se. Mais esp ecificam en te, d eve-se p rom over u m a m a ior in tegra çã o en tre o p a cien te e os p rofis-sio n a is d a sa ú d e, estim u la n d o o d esen vo lvi-m en to d e u lvi-m a relação d e p arceria, ou cu lvi-m p li-cid a d e, e tra n sp a rên cia n o en fren ta m en to d o p rob lem a – qu e é a en ferm id ad e.
Além d isso, d eve-se o rien ta r o p a cien te a p a rtir d e u m leva n ta m en to d a s exp ecta tiva s trazidas p elo doen te sobre o tratam en to, de m o-d o a recon stru ir com ele/ ela exp ectativas m ais realistas an te a ação d os m ed icam en tos, esp e-cia lm en te n o q u e d iz resp eito à rela çã o sin to-m a -sa ú d e e to-m ed ica to-m en to-sin toto-m a . Assito-m , os “h eróis d errotad os” p od eriam ser rein terp reta-d os com o “h eróis resistin reta-d o às reta-d ificu lreta-d areta-d es reta-d a lu ta”. Além d isso, faz-se n ecessário con scien ti-za r o s m éd ico s (q u e p rescrevem o s m ed ica-m en tos) de que o p acien te p ode estar in gerin d o m ed icam en tos p ara ou tras en ferm id ad es, fato este qu e requ er u m a orien tação clara p or p arte d o m éd ico so b re a a d m in istra çã o d e vá ria s d ro ga s sim u lta n ea m en te à q u ela s p rescrit a s p ara a h an sen íase.
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