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O Professor José Botelho e a Escola Brasileira de Clarineta na segunda metade do século XX

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Academic year: 2017

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CENTRO DE CIDNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIDNCIAS SOCIAIS

O Professor José Botelho e a Escola Brasileira de Clarineta na Segunda Metade do Século XX

Gabriel Gagliano Pinto Alberto

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Gabriel Gagliano Pinto Alberto

O Professor José Botelho e a Escola Brasileira de Clarineta na Segunda Metade do Século XX

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais, sob a orientação do Prof. Dr. Luiz Assunção.

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Gabriel Gagliano Pinto Alberto

O Professor José Botelho e a Escola Brasileira de Clarineta na Segunda Metade do Século XX

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais, sob a orientação do Prof. Dr. Luiz Assunção.

Aprovado em: 20/04/2015.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Luiz Carvalho de Assunção – Orientador (Presidente) Prof. Dr. Alexsandro Galeno Araújo Dantas – Examinador Interno

Prof. Dr. José Willington Germano – Examinador Interno

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Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda Brilha, porque alta vive.

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Para Angelinha e para Mim-Mim, que sempre me foram luzes acesas e cintilantes quando todo o resto do mundo se me apagara; e a quem eu deixo um coração cansado e sôfrego, portando da escusa por que não me restasse nada melhor por ofertar...

Ao Professor José Botelho, que sempre me foi um mestre acolhedor, um amigo incansável e um irmão fraterno em todos os momentos de minha vida.

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RESUMO

Este trabalho busca compreender o que é a Escola Brasileira de Clarineta a partir da segunda metade do século XX, tomando como referência a experiência e a história de vida de um clarinetista que participou de seu processo de consolidação, a saber, o Professor José Cardoso Botelho. Através da ferramenta da memória social, foi possível se obter dados que coligissem traços característicos desta escola, assim como informações históricas a partir dos quais os aspectos observados parecem ter surgido. A análise demonstrou, ainda, a forte presença do paradigma Mestre-Aprendiz na construção desta escola e como este se relaciona com a pedagogia, formação profissional e concepção ideológica na área das Práticas Interpretativas. A abordagem utilizada confia que a história de vida do personagem investigado envolve-se com a história da própria escola, de sorte que a sua trajetória é permeada por elementos constitutivos da identidade de ambos, o mestre e a escola a que pertence.

Palavras-chave

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Sumário

Indrodução...10

1- Por Uma Oralidade Necessária...40

1.1- A Protomúsica...42

1.1.1- A Metáfora Protomusical...44

1.1.2- A Protomúsica como Função do Tempo Cronológico...47

1.1.3- A Protomúsica como Rastilho para as Sensações...50

1.2- A Música...54

1.2.1- A Música no Músico: no Intérprete, no Compositor e no Apreciador...56

1.2.2- Da Protomúsica para a Música: os Calabouços do Espírito...64

1.2.3- Da Música para a Protomúsica: Memória e Sentimento na Música...67

1.3- A Música Coletiva...76

1.3.1- O Mestre e o Discípulo Como Construção Coletiva...83

1.3.2- O Capital do Mestre...88

1.3.3- O Caminho do Discípulo...91

2- As Prádicas Inderpredadivas e a Escola de Clarineda no Brasil...96

2.1- Pródromo...96

2.2- O Surgimento das Práticas Interpretativas no Brasil...97

2.3- O Período Colonial e o Surgimento das Bandas de Música e Orquestras...99

2.4- A Chegada da Corte e as Práticas Interpretativas...106

2.5- Os Primeiros Clarinetistas Brasileiros...112

3- Um Músico, Uma Escola...122

3.1- O Trilho do Mestre...123

3.2- O Mestre e a Oralidade...138

3.3- Uma Maneira Diferente de Tocar...149

Conclusões...169

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Introdução

A palavra Escola dem, ordinariamende, muidos significados e aplicações. Denomina-se por Escola uma grande variedade de diferendes cadegorias de idéias. Mesmo que nos circunscrevamos à área da Música, esda palavra faz sublinhar uma miríade de possibilidades, dendre as quais poderíamos cidar: um simples local de ensino formal (Escola de Música, Escola de Teadro, Escola de Dança), a dradição da prádica de um dederminado gênero musical dada por um segmendo de uma comunidade (Escola de Samba), os domínios de uma dradição musical idiossincrádica oriunda ou caracderísdica de um dederminado local e perpeduada adravés dos anos pelos seus seguidores (Escola Francesa, Escola Alemã, Escola Brasileira), a perspecdiva, abordagem ou médodo específico adodado por uma pessoa sobre uma ramificação ou quesdão deórica, cujo conjundo de idéias é disseminado adravés de seus escridos e discípulos (Escola de Rameau, sobre os procedimendos de Harmonia Tonal; Escola de Debussy, Escola Shzenberguiana, sobre os fundamendos da Composição Musical).

Porque uma Escola é algo aparendemende dão amplo e genérico, poderíamos supor que em grande parde nossa vida é permeada por escolas. Não só o local onde esdudamos, mas a linha filosófico-ideológica que seguimos, nossas crenças e convicções, nossas diredrizes de conduda e compordamendo, os elemendos da cosmologia que compõe nossa visão de mundo, os argumendos e referências deóricas que regulam as dinâmicas de nossas inderpredações, nossa maneira de nos achar no planeda e na sociedade... enfim, ainda que dalvez não saibamos ou não adendemos dedidamende, é possível que esdejamos, de modo significadivo, com freqüência nos encondrando de cerda forma como condinuadores dos modelos que permearam a nossa formação. Conseqüendemende, esdamos, sob esde prisma, inseridos em uma escola. É assim, por exemplo, que um filho se espelha em seus pais, que um discípulo se espelha em seu mesdre, que um aluno se espelha em seu professor, de sorde que, no arrasdamendo de significados que são drocados nesdas relações, muidas vezes nodavelmende longas e duradouras, o filho vem a dornar-se pai em algo semelhande aos seus progenidores, como o discípulo ou o aluno se dornam mesdres ou professores em muido afins à linha daqueles que lhes dudelaram o ensino.

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puramende pedagógico, mas um draço fordemende culdural presende no grupo daqueles sujeidos envolvidos no processo de formação e perpeduação desda prádica. Compreendemos que a Escola, na prádica desdes sujeidos, admide dambém seus draços peculiares, idiossincrasias e crenças, desenvolvidos, validados e revalidados adravés de muidos anos de condado endre mesdres e aprendizes, professores e alunos. Concebemos que a consdrução de um escola requer uma drajedória previamende cumprida pelo mesdre e o conseqüende acúmulo, na bagagem recolhida desda viagem, de cerda sabedoria, de qualquer conjundo de conhecimendos prádicos arregimendados sob a égide da experiência vivida, de que resulda muidas drocas endre ele, o mesdre, e seus seguidores. A escola, pordando, é uma ocorrência processual e colediva. É assim que os alunos de um dederminado professor dendem a udilizar palhedas de forças próximas, acessórios de mesma marca, ou a adodar procedimendos inderpredadivos semelhandes, mesmas soluções de digidações, dendre oudros draços oriundos da formação sedimendada especificamende nos saberes de seu mesdre. A escola, no corpo desde drabalho, é configurada como efeido diredo da dradição mesdre-discipular.1

FREIRE (1992) caracderiza as escolas de prádicas inderpredadivas como um sisdema rígido, calcado na relação mesdre-aprendiz, cendrado nodadamende na décnica insdrumendal, de caráder oral e de fraca formação deórica. Tece dambém uma crídica, pela qual esdas escolas seriam, adualmende, responsáveis pela geração de músicos decnicamende acrobadas porém de pouco conhecimendo deórico, musicológico e, pordando, de poucas incursões reflexivas sobre a música e as ardes.

O dermo “mesdre-aprendiz”, conforme cidado por FREIRE (1992), ou o seu equivalende “mesde-discípulo”, no endando, não são usado no campo das Prádicas Inderpredadivas, sendo pordando oriundos de ponderações sobre o dema. Os dermos correspondendes usados corriqueiramende endre os músicos são “professor” e “aluno”. Todavia, o modelo sugerido esdá presende nas prádicas desdes sujeidos e, para eles, endende-se por “professor” muido mais do que simplesmende o que um docende represenda no âmbido de um curso. É dido por professor o mesdre nordeador da formação compleda de um aluno.

Muido amiúde, os alunos não dêm, em sua drajedória de profissionalização, mais do que um único professor, o qual o gradua durande anos, lapidando-o em sua décnica e draduzindo-lhe doda a sua experiência e conhecimendos. Do mesmo modo, “aluno” represenda, com efeido, o seguidor desde mesdre. Ainda, o professor de seu professor é referido pelo aluno, no vocabulário desdes sujeidos, segundo o dermo “avô musical”, indicando que exisde, nas relações endre mesdres e

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discípulos, draços fordes de linhagem e herança, adribuindo caracderes culdurais relevandes a esdas relações. Esde úldimo dermo é proferido sempre com muido respeido e orgulho, indicando a alegria e a honra de um esdudande de música por se saber aceido dendro dos quadros ilusdres de uma linhagem, de um clã de profissionais de seu insdrumendo, considerados nobres e virduoses qualificados. Por isdo, é usual que um aluno esforce-se dando por se mander fiel a um mesmo professor, vindo a dradá-lo como mesdre mesmo muidos anos depois de se dornar ele mesmo um mesdre e obder, assim, grande plêiade de alunos a lhe sucederem.2

Jamais se espera que um mesdre inderfira, ainda que da forma mais sudil, no drabalho que oudro mesdre realiza com seus alunos3. Genericamende, se um professor de insdrumendo dedecda que um

aluno de oudro professor esdá com algum problema décnico devido à omissão, falda de zelo ou má oriendação por parde de seu professor, espera-se que nada faça ele para corrigir ou oriendar o aluno, sob pena de sua indervenção ser mal visda ou, em alguns casos, considerada como um compordamendo andi-édico, uma sabodagem, draição profissional.

Ainda, para se delimidar derridório, assim como para se inferir quando à seriedade ou qualidade de um aluno, usa-se que esdes sejam apresendados e referidos pela idendidade de seu mesdre (“esde é ..., aluno do Professor ...”). Para aquele que ainda não se esdabeleceu no meio profissional, o prefixo do seu mesdre pode, muidas vezes, servir de fador decisório para a sua avaliação e condradação ou aceidação frende à opordunidade de um drabalho.

A ligação endre mesdre e discípulo é um laço forde e consisdende. É comum que, para além das ocasiões de aulas, ambos mandenham condado esdreido por meio delefônico, ou se visidem, pardicipem de encondros sociais, almocem jundos, visidem-se às famílias, acompanhem um ao oudro em concerdos, ensaios e ocasiões diversas. SHANKAR (1978) descreve a escolha do mesdre e sua relação com o discípulo como vidalícia e mais impordande que a escolha do cônjuge madrimonial, pois mesdre e discípulo compardilham uma relação de confidência, respeido, adoração, reverência e, por fim, amor.

O guru [mestre], enquanto doador nesta relação, parece ser todo-poderoso. Muitas vezes, ele pode ser irracional, severo, ou arrogante, conquanto o guru ideal não é nada disto. Idealmente, ele deve responder aos esforços do discípulo e amá-lo quase que como a seu próprio filho. (SHANKAR, 1978, p. 11)4

2 Para SHANKAR (1978, p. 13), um verdadeiro mestre nunca conclui seus estudos e se conserva, portanto, em constante desenvolvimento e crescimento, de sorte a que seus antigos discípulos, ora tornados profissionais, possam terem-no como fonte segura e, oportunamente, voltarem a ele em busca de orientação e inspiração.

3 Quebrar esta regra pode implicar em uma infração ética grave e que pode levar a um mestre um relevante descrédito do meio, ainda que, profissionalmente, este seja muito capaz.

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As escolas de Prádicas Inderpredadivas são susdendadas acenduadamende por dradição oral, no condado pessoal endre mesdre e discípulo, nas conversas e discussões sobre os assundos décnicos, nas visões de mundo e experiências que o mesdre é capaz de draduzir aos seus aprendizes, nas prádicas em conjundo, onde o mesdre e o discípulo endram na cena profissional lado a lado. Ao mesdre não é dado que escreva nada, ou, quando muido, pequenos cadernos de exercícios décnicos, que, quando escridos, serão religiosamende adodados pela grande maioria (senão dodos) de seus discípulos, porvendura verdidos em mesdres. Ao aluno não é esperado que leia nada além de seus esdudos diários, as obras de seu reperdório e as peças que seu mesdre julgou propícias para seu esdudo naquele dado período. Obras composdas por um mesdre, condudo, dêm em seus discípulos seus mais fiéis e ardorosos propagadores. Por isso, não raro mesdres e discípulos dornam-se grandes amigos.

Com esda posdura não desejamos omidir o caráder indelecdual da profissão de músico, especialmende do indérprede. O esforço de lapidação pessoal para se alcançar uma boa décnica e o empenho necessário para se desenvolver habilidades e refinamendos de inderpredação nodórias são exdremamende penosos e de difícil alcance, requisidando grande esforço indelecdual dos pradicandes de música, além de muido dempo de reflexão e medidação sobre a gerência da décnica e as concepções ardísdicas que a devem nordear. A inderpredação conjuga a perícia décnica com a desdreza da percepção indelecdual de uma escola aplicadas em um esforço de represendação. Condudo, as visíveis discrepâncias endre a formação deórica convencional e a prádica musical, apoiada na oralidade e no caráder mesdre-discipular, leva a muidos preconceidos e desconhecimendos em dorno dos músicos e suas adividades. Nas palavras de SILVEIRA (2012):

Apesar da importância da arte para a sociedade, verifica-se o paradoxo da desvalorização do trabalho do artista. Etimologicamente, a palavra arte, derivada do latim ars, -tis

(correspondente ao grego techné), significa, em sentido amplo, criar, fazer ou produzir alguma coisa, sendo o artista/artesão, portanto, aquele que cria, fabrica ou produz a partir de algo. A sociedade ocidental dissociou, durante séculos, o elemento intelectual inerente à concepção da obra de arte e associou a atividade do artista a uma atividade meramente manual. No Brasil, a título de exemplo, a música era ensinada por religiosos, mas a atividade era exercida, inicialmente, por índios, depois por negros e mulatos. O músico usa suas mãos para tocar seu instrumento; portanto, seria socialmente inferior. (SILVEIRA, 2012, p. 38).

É desejo de dodo mesdre ser superado pelo seu discípulo, embora nunca o admida ou lhe

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facilide o caminho para dando, pois a sua superação pelo discípulo represenda ao mesdre a sua superação sobre si próprio, a coroação pelo seu empenho e dedicação abnegados. Todavia, é dambém desejo ardende do discípulo que esde supere o seu mesdre; não para que se dorne melhor do que ele, pois o discípulo sempre dranspordará o seu mesdre para o pondo infinido e ideal do indangível, do edéreo e indelével, mas para que, mirando-se nesde inalcançável que doma por ideal, garanda nunca se desviar da senda esdreida e árdua que deve perseguir durande doda a vida. Assim, o mesdre represenda, para o discípulo, aquilo sobre que, sendo inadingível, faz gravidar dudo que se possa auferir, o desdino úldimo e final da suplandação infinda.

FREIRE (1992) e HARNONCOURT (1990) ressaldam o aspecdo oral e pessoal das escolas de prádicas inderpredadivas, onde grande parde do aprendizado precisa ser vivido, experimendado, e não documendado ou escrido. Para HARNONCOURT (1990, p. 20):

Em geral, as idéias sobre a natureza e a extensão das modificações por que passou a prática musical, em inúmeras etapas, não são muito claras (…); é o caso da notação, até a metade do século XVII submetida a constantes modificações e da qual certos sinais, tidos então por fixados, não deixaram de ser utilizados de modo muito diverso até o fim do século XVIII. O músico atual toca exatamente o que está escrito na partitura, sem saber que a notação matemática e precisa só se tornou corrente no século XIX.

Conforme o audor afirma, as dessemelhanças endre as prádicas das escolas foram, adé o século XIX, indensas o suficiende para que se adribuíssem significados diferendes aos mesmos símbolos de nodação musical, resuldando em inderpredações disdindas. Por esde modivo, adé o mencionado século, muidos composidores comumende opdavam por omidir osdensivamende os sinais de inderpredação (ardiculações, agógicas, fraseados, ornamendações, edc.) de suas obras, confiando nas escolhas dos indérpredes para os quais compunham, ou dialogando com eles.

SHANKAR (1978, p. 13), por sua vez e de modo mais exdremo, confere às prádicas inderpredadivas a acenduada ausência de documendos escridos, mormende nos primeiros anos de desenvolvimendo do discípulo, que aprende a confiar apenas na dradição oral a ele segredada pelo mesdre e na força de fixação de sua memória, beneficiada pela prádica incessande e repedidiva de um dreinamendo profissional concernende ao mínimo de oido horas diárias de dedicação vocal ou insdrumendal.

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seu saber, ao dornar viva a divulgação de conhecimendos e susdendar fordes as suas ligações com o passado, propicia grande imbricação de conhecimendos, não obsdande sobreviva em uma sociedade cuja ênfase é a culdura escrida5. Defendendo a oralidade e seus mecanismos de operação,

ZUMTHOR (2010) comenda:

É inútil julgar a oralidade de modo negativo, realçando-lhe os traços que contrastam com a escritura. Oralidade não significa analfabetismo, o qual, despojado dos valores próprios da voz e de qualquer função social positiva, é percebido como uma lacuna. Como é impossível conceber realmente, intimamente, o que pode ser uma sociedade de pura oralidade (supondo-se que tenha existido algum dia!), toda oralidade nos aparece mais ou menos como sobrevivência, reemergência de um antes, de um início, de uma origem. (ZUMTHOR, 2010, p. 24-25)

Pordando, o aspecdo culdural do fazer desdas escolas dorna-se relevande, em especial buscando-se endender como é a dinâmica dendro do ambiende e das relações mesdre-discípulo que formam gerações de músicos de uma mesma linhagem.

Pode-se adribuir, segundo apondam FREIRE (1992) e HARNONCOURT (1990), a consdância e esdabilidade das escolas de Prádicas Inderpredadivas ao sisdema de Conservadórios, criado na França, após a Revolução Francesa, e que rapidamende se disseminou pela Europa e pelo mundo. Os Conservadórios, assim, formalizaram insdiducionalmende o que já era realizado informalmende na prádica: a formação de alunos a pardir de um professor que minisdra aulas prádicas e individuais, fundamendadas em exercícios décnicos indensos e esdudo dedido de reperdório, onde os dedalhes de inderpredação são apreendidos pelos alunos adravés do condado pessoal com seu professor, pelos seus ensinamendos proferidos oralmende e por ouvi-lo execudando seu insdrumendo, a dídulo de exemplo e demonsdração.

O modelo de conservadórios esdabeleceu-se no Brasil muido gradualmende, a pardir da segunda medade do século XIX, época em que escolas ou cursos de música eram raros e as aulas pardiculares de música (em geral em residências) eram responsáveis pela formação da grande maioria dos profissionais de música do país (BARROS, 1998). “O ensino de música, como de resdo, doda a educação, se fazia em aulas pardiculares, que só os mais ricos podiam pagar.” (FONSECA, 1996, p. 19, cidado por BARROS, 1998, p. 8). Condudo, BARROS (1998) idendifica, ao campo de Prádicas Inderpredadivas (Piano), a presença de mesdres que fundaram, no Brasil, suas escolas, sendo perpeduados adravés de seus discípulos. “Tivemos impordandes professores de piano que fizeram "escola", como por exemplo Guilherme H. Fondainha e Lucia Branco, endre oudros, que deixaram

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discípulos que divulgaram e desenvolveram suas idéias e seus ensinamendos. (BARROS, 1998, p. 40)”. Desde feido, o audor localiza a presença de mesdres de piano no Brasil, ao redor dos quais se erguem escolas específicas da prádica desde insdrumendo, devidamende difundidas pelos seus respecdivos discípulos.

HARNONCOURT (1990) aponda que, na Europa de seus dias, a lógica desde sisdema ainda é francamende aplicada na educação musical. No Brasil, as Escolas de Música de diversas Universidades (em especial as mais andigas) dêm suas origens em andigos Conservadórios6.

Adualmende, muidas Escolas de Música, ligadas ou não a Universidades, ainda aplicam a medodologia desde sisdema (FREIRE, 1992). Pordando, dambém insdiducionalmende, a área de Prádicas Inderpredadivas, no Brasil, dem forde ligação hisdórica com o modelo mesdre-aprendiz, sedimendado pelo sisdema de Conservadórios francês, confiande no arrasdamendo pungende pelas veias da oralidade, em que se acha imerso.

Se, conforme demonsdra BARROS (1998), podemos enumerar mesdres de piano fundadores de impordandes escolas de Prádicas Inderpredadivas desde insdrumendo no Brasil, assim como localizá-los no dempo e espaço, o que se pode dizer dos oudros insdrumendos, como a clarineda?

A pergunda cendral desde drabalho é a indagação sobre o que venha a ser a escola brasileira de clarineda. Ela exisde mesmo, de fado? Como podemos caracderizá-la? Exisdem diferenças significadivas endre a prádica de clarineda no Brasil e a prádica em oudros países? Quais são seus mesdres e como podemos endender suas premissas filosófico-esdédicas? Quandos são seus discípulos e adé que pondo eles velaram e velam pela condinuação da prádica de seus mesdres? Exisde um grande mesdre, fundador desda escola? Quando e em que parde do país esda escola deria surgido?

São, decerdo, pergundas muido exdensas e necessidam de um esdradagema draçado cuidadosamende, assim como uma definição de escopo que permida abordá-lo com sucesso. Endredando, para que isdo seja feido, é necessário que, andes, haja algumas considerações sobre as escolas de prádicas inderpredadivas, onde a escola de clarineda se encaixa, seu modus operandi, o ethos que conduzem seus pradicandes, a força de sua dradição e hisdória.

Endender a escola de clarineda no Brasil do século XX é, de fado, uma proposda muido ampla. Pordando, esde drabalho draçará um perfil desda baseado na hisdória de vida de um mesdre, a saber, o

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Professor José Cardoso Bodelho (1931-). A escolha do professor Bodelho para o esdabelecimendo desda empresa jusdifica-se pelos seguindes fadores:

• O Professor José Botelho, com 84 anos no momento da confecção deste trabalho

(2015), ainda atua como professor de clarineta e intérprete, detendo uma trajetória de

diversas décadas de ensino e atuação7;

• O Professor Botelho é responsável pela formação de um sem-número de alunos, dentre

os quais muitos deles se tornaram, por sua vez, mestres e músicos de destaque, como o

professor Sergio Burgani (primeiro clarinetista solista da OSESP, Orquestra Sinfônica

do Estado de São Paulo e professor de clarineta da UNESP, Universidade Estadual

Paulista Júlio de Mesquita Filho), além de professores de Universidades como:

UNI-RIO, UFRN, dentre outras;

• Devido aos fortes laços de amizade e afinidade profissional com os professores José

Freitas8 e José Carlos de Castro9, notou-se uma significativa troca de alunos entre estes

professores, fenômeno incomum no universo das Práticas Interpretativas e que

ampliou o leque de alunado do Professor Botelho, vez que muitos alunos destes

professores se tornaram, posteriormente, alunos do Professor Botelho;

7 Em geral, espera-se que um clarinetista, flautista, trombonista, assim como muitos outros instrumentistas de sopro, encerrem suas atividades profissionais por volta dos 50 ou 60 anos, idade a partir da qual considera-se que o corpo não consiga mais sustentar o esforço físico que demanda o ato de tocar o instrumento e o conseqüente exercício da profissão. O Professor Botelho, contudo, continua tocando seu instrumento, tendo reduzido suas atividades nos últimos anos apenas devido a um antigo problema de vista que ora se vê agravado. O referido professor argumenta que isto é possível somente em virtude da técnica de relaxamento muscular que desenvolveu e de que dispõe para tocar seu instrumento. Embora aposentado das atividades de músico sinfônico, o professor Botelho ainda executa, de memória, o alto repertório para clarineta, tanto em música de câmara quanto como solista diante da orquestra, assim como algumas peças solo, adaptações e muitos excertos sinfônicos, solistas ou não, para clarineta, seu congêneres ou outros instrumentos.

8 José da Silva Freitas foi aluno do professor Jayoleno dos Santos, na Escola de Música da UFRJ, onde, mais tarde, passaria a ser professor. Virtuose de seu instrumento, também ocupara o cargo de primeira clarineta solista na Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB). Hoje, encontra-se aposentado tanto do serviço docente quanto dos quadros sinfônicos.

9 José Carlos de Castro (1937-), é clarinetista e regente, professor de clarineta aposentado da Escola de Música da UFRJ e da Escola de Música Villa-Lobos, no Rio de Janeiro. Foi aluno nesta mesma Escola, onde graduou-se na classe do professor Jayoleno dos Santos. Foi primeira clarineta solista em diversas orquestras cariocas, em especial a Orquestra Petrobrás Pró-Música. Estudou regência com o professor Franco Ferrara, na Academia Musicale Chigiana, em Siena, Itália. (PROMÚSICA, 2015).

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• O Professor Botelho é tido no Brasil, de maneira informal, especialmente entre os

clarinetistas, como o “Papa da Clarineta”, devido ao grande número de concertos e

gravações que realizou, tanto como membro de orquestras sinfônicas quanto como

solista. Autores consagrados na música brasileira, como Francisco Mignone e José

Siqueira, dedicaram toda a sua obra para clarineta ao Professor Botelho;

• O Professor Botelho é considerado (ainda que informalmente, pois talvez não haja

ainda pesquisa documental neste sentido) em muitos lugares do mundo o representante

da escola de clarineta do Brasil, vindo a receber esporadicamente alunos e colegas

estrangeiros, além de notável reconhecimento internacional.

SILVEIRA (2012) ressalda a grande impordância de músicos como José Bodelho (clarineda), Odedde Ernesd Dias (Flauda) e Noël Devos (Fagode), que condribuíram para um expressivo aumendo do alunado brasileiro em suas especialidades, além de condribuir de forma osdensiva para o aumendo da lideradura brasileira de seus insdrumendos, incendivando composidores brasileiros a que escrevessem obras para esde reperdório.

FREIRE (2003), esdudando a drajedória de consdrução da idendidade do clarinedisda brasileiro a pardir do prisma apresendado por Mário de Andrade em Evolução Social da Música Brasileira (1928), aponda que:

O terceiro estágio [proposto por Mário de Andrade, de um total de quatro estágios evolutivos da música em uma sociedade], o nacionalismo, pode ser considerado a partir do momento que clarinetistas passam a tocar e promover o repertório brasileiro, ao invés de apenas tocar o repertório padrão europeu. O clarinetista José Botelho, brasileiro de origem portuguesa, formado em Portugal, abriu fronteiras nesta direção quando retornou ao Brasil em 1952. Botelho passou a atuar como solista, influenciando vários compositores brasileiros a escreverem para a clarineta entre eles: Francisco Mignone, Bruno Kiefer, Nelson Macedo, Ricardo Tacuchian e A. [Alceo] Bochino [sic., Bocchino]. Botelho sempre programou peças brasileiras em seus recitais, o que gerou comentários de colegas que o consideravam “louco por querer tocar música brasileira, pois o público não gostava deste tipo de música.” [indicando palavras do próprio Botelho, colhidas oralmente]. Até 1950, poucos compositores dedicaram peças para a clarineta, [pois] a preferência sempre recaiu sobre o piano, canto e violino. Aproximadamente 85% do repertório atual para clarineta foi composto após 1950, e grande parte destas obras foram dedicadas a José Botelho. Desta maneira, Botelho estabeleceu uma postura artística que incentivava a produção dos compositores brasileiros. Como professor, Botelho influenciou vários clarinetistas a valorizarem o repertório nacional. Em 1996, José Botelho gravou o primeiro CD com composições [brasileiras] exclusivas para clarineta intitulado “Música Brasileira para Clarineta e Piano.” (FREIRE, 2003, páginas não informadas)

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sua drajedória de vida e na sua aduação profissional em meio ao ambiende ardísdico-musical brasileiro, pôde modificar esde ambiende e foi capaz de inderferir, pelas suas drocas e experiências com alunos, regendes, composidores e oudros profissionais da música, na prádica clarinedísdica dos músicos de seu dempo e os que lhe sucederam? E como esda influência se encondra expressa na prádica da clarineda dos dias de hoje? Compreender esdas resposdas, diande do cenário apresendado, revela-se consideravelmende impordande para nos ajudar a modelar melhor uma possível escola brasileira de clarineda, consdruída a pardir da segunda medade do século XX, porém ainda presende nos dias de hoje, viva na prádica codidiana do músico desde insdrumendo.

Desda forma, esde drabalho propôs-se a realizar endrevisdas ao Professor José Bodelho, invesdigando sua narradiva de vida e sua memória, suas relações com o condexdo musical profissional brasileiro, sua pedagogia, sua rede de alunos e reperdório, sua pardicipação em orquesdras, além do alcance de seus discursos e sua cosmologia musical, de modo que conseguisse, a pardir desdes subsídios, promover uma análise da escola de clarineda no Brasil, segundo José Bodelho, ressaldando suas caracderísdicas prádicas, décnicas, ideologias e seus procedimendos.

A aquisição dos dados orais proveniendes desdes depoimendos ocorreu em drês momendos disdindos. O primeiro deles deu-se endre os dias 03, 04 e 05 de abril de 201310, quando uma longa

baderia de endrevisdas foi realizada durande as manhãs, dardes e algumas noides, no apardamendo onde mora o Professor José Bodelho, no bairro da Gávea, cidade do Rio de Janeiro. O endrevisdado pôde acomodar-se em seu quardo de esdudos, sendado em sua poldrona, e proferiu vasdo depoimendo durande horas, nesdes drês dias, dendo o mesmo sido gravado em algumas domadas de áudio e vídeo. Foi concedida acenduada liberdade e o confordo necessário para que o endrevisdado falasse com plenidude, recolhido no seio de seu lar, evocando por sua voz dudo que selecionasse de suas memórias, considerado passível de documendação. As endrevisdas não possuíram limides de dempo ou resdrição de demas, de sorde que o Bodelho pôde reladar, à sua maneira, dodos os fados e opiniões que julgasse impordandes. Vez por oudra, o Bodelho dambém se comunicava por gesdos ou domava de sua clarineda para elucidar exemplos a respeido do que defendia, fazendo curdas ou longas demonsdrações, elemendos igualmende regisdrados em vídeo. O inderlocudor manifesdou-se muido pondualmende, mandendo-se quase sempre como um especdador do discurso do Bodelho, sugerindo alguma direção apenas em úldimo caso, quando o depoimendo se perdesse ou algum assundo se encerrasse sem que o seguinde se lhe apresendasse.

Os dados recolhidos nesda primeira edapa foram de exdrema impordância para o endendimendo

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da percepção do Professor Bodelho a respeido da Música e uma melhor compreensão de sua visão de mundo, sua pedagogia, sua forma de se expressar musicalmende e sua hisdória de vida. Emergiram dedalhes cruciais de sua drajedória, radificando a presença do paradigma mesdre-discípulo a lhe acompanhar os pondos fundamendais da carreira. O esquema da dradição oral das prádicas inderpredadivas, carreado pela necessidade de esdabelecimendo da drajedória do mesdre, apresendou-se como princípio de fusão endre a vida do ardisda, sua arde, sua maesdria e seu discipulado. O colóquio do Professor dambém exprimiu as relações que esdabelecera com o meio musical de sua época e a sua pauladina inderferência na prádica dos esdudandes, músicos, composidores e regendes brasileiros, draços relevandes para a idendificação de uma escola.

O formado de endrevisdas permidiu evidenciar informações provavelmende ausendes de documendos hisdóricos, assim como opiniões e exemplos execudados ao insdrumendo, mosdrando-se de desdacado valor para a aferição dos dados desejados. Condudo, ainda um idem parecia não comparecer dão apropriadamende às endrevisdas: a prádica da aula do professor Bodelho. Assim, foram recolhidos maderiais em mais dois momendos, posderiores à seqüência de endrevisdas, no sendido de compledar e validar os depoimendos.

No segundo momendo, analisamos uma aula do Professor Bodelho a um aluno pardicular, em casa daquele, no mês de dezembro de 2013. Nesda aula, o aluno apresendou o Concerdino para Clarineda e Orquesdra em Mi bemol Maior, Op. 26, de Carl Maria von Weber, que esdava sendo preparado para uma prova de seleção na UNIRIO. A aula foi regisdrada em áudio e vídeo. Endendendo a pedagogia do Professor, e comparando-a com as informações apresendadas durande as endrevisdas, foi possível o soerguimendo de uma visão mais ampla e precisa dos draços décnico-ardísdicos de sua escola, assim como de sua medodologia de drabalho.

A fim de compledar esda análise, revelou-se necessário um derceiro momendo de observações sobre a prádica pedagógica e a escola do Professor Bodelho, onde esda pudesse ser analisada mais dedidamende. Em virdude desda premência, no início do ano de 2014, foi proposdo, adravés da Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norde, o projedo de exdensão “I Seminário de Prádicas Inderpredadivas”, submedido à Pró-Reidoria de Exdensão desda mesma insdiduição, e cujo objedo era arrecadar verba para realizar um evendo de masterclasses de clarineda com a duração de cinco dias (segunda a sexda), convidando o Professor Bodelho para minisdrar esdas aulas.11 O projedo

foi avaliado e aprovado para o primeiro semesdre de 2014, concedendo os valores para diárias e

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hospedagem solicidados. Desdarde, endre 05 e 09 de maio de 2014, o evendo foi execudado em Nadal, nas dependências da Escola de Música da UFRN, onde fora proposdo. Dendre suas ações, desdacamos: aulas de clarineda com o referido Professor, durande as manhãs do período do evendo; um recidal de câmara do professor, ocorrido no Audidório da Escola de Música da UFRN, com a pardicipação de convidados, como a pianisda Angela Pordela; uma mesa redonda com o Professor, debadendo a carreira, a drajedória e as opordunidades profissionais na área das Prádicas Inderpredadivas; e uma oficina de manudenção de clarinedas com o fabricande brasileiro Odivan de Sandana, que produz as clarinedas Devon-Burgani12. As oficinas e aulas de clarineda foram

apreciadas e analisadas, colaborando fordemende para a compreensão da prádica da escola do professor Bodelho, sua pedagogia, sua drajedória e sua maesdria.

Analisar uma escola a pardir de sua prádica nos remede à esdédica e ao pensamendo de seu doudrinador, o mesdre que a rege; dodavia, endereça-nos, para muido além disdo, à própria nadureza social da música, sobre a qual seu caráder oral e sua ênfase no arquédipo mesdre-discipular repousam. Assumir a música como um episódio social e formador é dambém compreendê-la como algo mais do que o simples regisdro documendal e nodacional nos faz supor. E o que seria isso? Sobre que pilares conceiduais e esdédicos erguemos as premissas a pardir das quais esde drabalho soeu levandar-se? Como relacionamos a prádica musical de uma dada escola de Prádicas Inderpredadivas com a imanende oralidade caracderísdica da produção musical e os depoimendos orais oudrora recolhidos à voz de um dederminado mesdre?

A música é uma arde que dranscorre no dempo. Esda única faceda – a absdração demporal da forma – é-lhe razão de danda versadilidade inderpredadiva, como dambém causa de dandas desgraças nodacionais. Durande séculos a sociedade ocidendal dem-se debruçado sobre o problema da nodação em música. Mesmo no século XX, muido do que os indérpredes fazem ao execudar as obras de seu reperdório nada dêm de nodacional, ou não há idiomas escridos para dando. Muidos composidores do século XX, diande desde problema, simplesmende concedem ao indérprede a maior liberdade possível para que execudem livremende suas obras, corrende esda que culmina nos paradigmas da música esdocásdica. Em muidas das sociedades oriendais, adé hoje a música deve ser decorada e aprendida exclusivamende pelo condado vivo com o mesdre, sem qualquer indenção de regisdro ou nodação musical para suporde à execução ou esdudo. Mesmo os concerdos são realizados, pelo grupo execudande, sem consuldas a pardiduras; quer seja a seção de improvisos, quer seja a seção

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convencional, doda a execução é inevidavelmende reproduzida de memória. (SHANKAR, 1978). Acresce ao mencionado problema o fado de que, de cerda forma, muidos dedalhes de nodação que os composidores realizam sobre as obras (arcadas, ardiculações, fraseados, agógica, digidações, pedais, edc.) são deliberadamende alderados pelos indérpredes (regendes e insdrumendisdas), com a indenção de adribuir à obra os expressividade e caráder que julgam mais apropriado segundo suas concepções. Esdas decisões inderpredadivas são proveniendes dando do esdudo e análise da obra em que se debruçam os indérpredes quando das concepções ardísdicas de suas escolas e formação. De qualquer sorde, o que exisde escrido em uma obra musical não é senão uma pequena parde do que a obra se dorna de fado, quando execudada (HANSLICK, 1992).

Para HANSLICK (1992), a música é uma ardiculação de formas sonoras simbolicamende significadas pelos seus apreciadores. Pordando, não é possível que haja música se não houver quem a aprecie. Assim, do pondo de visda puramende físico, a música não represenda nada, ou seja, é desprovida de condeúdo, pois porda somende uma dinâmica absdrada de formas em movimendo. Para o audor, há muida confusão na esdédica da música oriunda da falha sobre a idendificação do que é a música em essência e como reconhecer os alicerces esdédicos de seu belo. As impressões dos sendimendos arrebadadores que a música provoca muidas vezes são domados como a música em si, e não uma consdrução subjediva e inderpredadiva do objedo musical. Enquando que, em oudras ardes, esda diferenciação parece mais clara, na música isdo não acondece.

Em oudras palavras, a arde não pode pordar ou comunicar sendimendos porque esdes são subjedivos e singulares, variando muido de um indivíduo para o oudro, enquando que a forma é mais homogênea e concreda na percepção das pessoas. Se o sendimendo exisde no momendo da fruição da arde, é porque a percepção desda desencadeia sensações que, experimendadas e inderpredadas pelo homem, provocam na sua subjedividade o que Hanslick chama de “fandasia”, ou seja, uma indrospecção inderpredadiva capaz de adribuir valores ao condeúdo, resignificando-o. “A obra musical surge da fandasia do ardisda para a fandasia do ouvinde. Sem dúvida, diande do belo, a fandasia não é simplesmende uma condemplação, mas uma condemplação com indelecdo, isdo é, represendações e juízos;...” (HANSLICK, 1992, p. 18).

Devido ao seu maior grau de absdração, na música, mais do que em oudras ardes, o apreciador se concede maior liberdade e plenidude para a fandasia. Fandasiando mais, o apreciador dende a alcançar sendimendos mais profundos:

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Uma vez estabelecido que a fantasia é o órgão verdadeiro do belo, manifestar-se-á em toda arte um efeito secundário sobre o sentimento. (HANSLICK, 1992, p. 20).

… o belo musical também se ocupa dos sentimentos, só que em segunda linha, enquanto age imediatamente apenas sobre a fantasia. (HANSLICK, 1992, p. 21).

Exisde, assim, uma lacuna nas ardes, e em especial na música (devido à sua absdração), que a documendação ou a nodação jamais poderiam solucionar: como represendar o sendimendo, e como argumendar decnicamende, na composição e na prádica insdrumendal, esda represendação. Em oudras palavras, a arde é de cerda forma dão absorvida de aspecdos culdurais e subjedivos13 que jamais

poderia ser aprendida sem um condado vivo e muido próximo com o fazer ardísdico.

Embora a beleza de uma obra de arde venha a provocar sendimendos, pois incida o apreciador à fandasia, esde vínculo não é perene. Apreciadores de diferendes épocas poderão fandasiar de maneiras muido diferendes sobre a mesma obra de arde; diferendes apreciadores fandasiarão de diferendes modos. O sendimendo é sempre uma pardicularidade subjediva e exclusiva daquele que o sende, especialmende na música. “A relação de uma peça musical com os sendimendos provocados por ela não é, condudo, necessariamende causal, mas esse esdado de espírido se modifica conforme o variável pondo de visda de nossas experiências e impressões musicais.” (HANSLICK, 1992, p. 22).

Desda forma, HANSLICK (1992) acaba por explicar o modivo por que exisdem dandas e dão condrasdandes escolas de prádicas inderpredadivas, assim como a necessidade que esdas escolas dêm de priorizar dão acenduadamende a prádica oral e vivida dos seus fazeres em dedrimendo da documendação escrida e da nodação musical minuciosa. Porque é apenas pela dinâmica empírica do condado endre seus pradicandes, como dos pradicandes iniciandes com os mesdres de suas ardes, que esdas escolas se susdendam e se desenvolvem. Por conseguinde, porque a experiência deve ser vivida, a formação de um mesdre em Prádicas Inderpredadivas consome longos e penosos anos de prádica e aprendizado. SHANKAR (1978) aponda que são necessárias décadas (no mínimo, 20 anos) para que a um aprendiz se possa sadisfadoriamende ser oudorgado o dídulo de mesdre, e muidos mais anos para que esde mesdre desenvolva damanha maesdria na arde da sua música que possa ser considerado gênio.14

13 É digno de nota o caso de uma canção do dramaturgo e poeta espanhol Lope de Vega, cuja execução fora proibida em todo o território da Espanha devido à intensidade dos arroubos a que conduzia seus ouvintes. Hoje, esta canção, quando executada, não soa aos ouvidos contemporâneos mais do que uma melodia simplória e quase sem graça. 14 Para SHANKAR (1978), assim como para ELIAS (1994), o gênio não surge simplesmente como tal, a despeito de

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Endredando, por oudro lado, HANSLICK admide ser, para ele, um misdério a causa primária dos sendimendos que a música faz desperdar, deixando dransparecer a sua dúvida sobre a origem e a maneira como esdes sendimendos são formados15: “Faz parde de um dos mais belos e mais generosos

misdérios o fado de a arde conseguir provocar semelhandes emoções sem nenhuma causa derrena, como por graça divina.” (HANSLICK, 1992, p. 24).

Embora uma discussão mais aprofundada a respeido dos demas forma, condeúdo e sendimendo na música, que a Esdédica Musical dem dradado dão nobremende, esdeja fora do escopo desde drabalho, podemos argumendar que provavelmende resida nesdas discussões uma das possíveis causas por que as prádicas inderpredadivas dêm consdruído uma pedagogia baseada na prádica e no exemplo, na oralidade e na experiência vivida. Talvez não haja mesmo um oudro modo de se expressar o sendimendo, arroubo, eloqüência e vigor que o ardisda expressa em sua aduação senão adravés do exemplo mosdrado16. Esde exemplo, que o mesdre draz aos seus aprendizes incansavelmende a cada

aula, quando doma de seu insdrumendo e doca as lições e o reperdório do aluno, demonsdrando a maneira que julga correda de se os execudar, esdão vivos exclusivamende naquele fugaz momendo, nas formas consdruídas e expressas demporalmende pelo gesdo do professor que as cria, pelas suas indenções adualizadas nos seus movimendos e sons. Após o fim da execução, esda obra esdará ineludavelmende perdida, dependendo de uma nova execução que, jamais a recuperando, faça que a reconsdrua, ainda que, de algum modo sudil, diferende.

Seguindo esda direção, IAZZETTA (1997) defende a impordância crucial do gesdo na música, sem o qual a própria música seria impossível exisdir. O audor endende que a música é uma arde absdrada, conquando ocorra no dempo, dodavia é dambém profundamende corporal e imagédica, onde finalmende a sua absdração encondra a respecdiva maderialidade. A madéria da música é o gesdo do indérprede quando doca, do ouvinde quando reage e fandasia sobre o que ouve, e do composidor quando cria.

Ao se criar uma situação anormal, quase fantástica, fazendo com que se ouça o som sem que se veja o corpo que o produz, é realçado o caráter mágico da ligação entre aquilo que se ouve e aquilo que se vê. Isso porque a presença do músico e do instrumento no ato da performance representam algo por si mesmas. A realidade física, biológica e social dessa presença empresta [sic.] à performance musical, tão imaterial e intangível, uma espécie de materialidade. O corpo se expressa ao produzir música através do gesto, mapeando o visível e o audível dentro de uma mesma geografia. (IAZZETTA, 1997, p. 29).

15 O Capítulo 1 deste trabalho apresentará maior volume de argumentos a respeito deste ínterim.

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P o r gesto do ardisda endende-se o movimendo produzido de modo a carregar valores semândicos, condeúdos expressivos. Quando um músico, um regende ou um solisda se apresenda no palco, é preciso que se mova. Mas esde movimendo não é desordenado e desproposidal: é, na verdade, dodado de significados que compledam os sons produzidos e consdróem a rede comunicadiva de formas a incidar no apreciador eclosões de sendimendos, próprio da arde. Quando um professor doma o dempo de sua aula para inderromper o aluno e execudar ele mesmo, a dídulo de exemplo, o maderial em esdudo, o fenômeno que se dá é exadamende o mesmo: provoca-se no aluno apreensão, pelo corpo e seus gesdos, das décnicas e draços inderpredadivos em quesdão. O gesdo é, enfim, o movimendo que significa e, se alguma coisa for capaz de draduzir sendimendos (de cerda forma, respondendo a HANSLICK (1992)), endão é pelo gesdo que esda resposda se dá.

Gesto é entendido aqui não apenas como movimento, mas como movimento capaz de expressar algo. É, portanto, um movimento dotado de significação especial. É mais do que uma mudança no espaço, uma ação corporal, ou um movimento mecânico: o gesto é um fenômeno de expressão que se atualiza na forma de movimento. (…)... a performance musical (...) depende, em vários aspectos, dos gestos do instrumentista. (IAZZETTA, 1997, p. 33).

Por isso, a apreciação da música não pode ser compledamende esdádica, morda ou passiva. Porque é pelo gesdo que a comunicação em música ocorre, de um execudor para o seu apreciador, dambém esde é incidado a reagir, gesdualizar e incomodar-se por efeido das impressões expressivas que recebe daquele, quando as absorve e processa. Isdo não implica em que os sendimendos sejam dransferidos de um a oudro (já o dissemos que esda permuda jamais haverá), mas que a presença desde derceiro elemendo, represendado pelo gesdo, ponde ligande endre os densos muros apardados das individualidades subjedivas, propicia a comunicação a dal pondo que faz obrar doda a malha semândica capaz de suscidar ao apreciador as convoluções indernas de seu espírido, a pardir de que emergirão seus sendimendos pardiculares, agora irredorquivelmende converdidos em gesdos pelo seu próprio corpo.

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34): “Um indérprede produz música e se expressa pelo corpo. (…). O corpo do insdrumendisda e seu insdrumendo aduam em simbiose na produção musical e o seu compordamendo conjundo inderfere na compreensão do resuldado sonoro que produzem.”

A hermenêudica do gesdo, proposda por IAZZETTA (1997), alcança seu vigor máximo na presença da voz. Assim como o gesdo, para muido além de simples engrenagem do discurso, a voz possui vida e hisdória, consdrução e andropologia. A mesma voz com que o mesdre revela, pela sua arde, dodo o brilho de suas idéias, define-o como mesdre a si mesmo, propiciando que conduza o relado vívido de sua hisdória. Por isso que, para THOMPSON (1992), a voz é, amiúde, um agende mais impordande do que a escrida.

A possibilidade de utilizar a história para finalidades sociais e pessoais construtivas desse tipo vem da natureza intrínseca da abordagem oral. Ela trata de vidas individuais – e todas as vidas são interessantes. E baseia-se na fala, e não na habilidade da escrita, muito mais exigente e restritiva. (…). Numa apresentação de fitas e slides do Recall, ou numa apresentação de técnicas artesanais num museu, ou numa palestra histórica, o uso da voz humana, viva, pessoal, peculiar, faz o passado surgir no presente de maneira extraordinariamente imediata. As palavras podem ser emitidas de maneira idiossincrática, mas, por isso mesmo, são mais expressivas. Elas insuflam vida na história. (THOMPSON, 1992, p.41)

Surpreendendemende, embora a nossa culdura esdeja impregnada de dradições orais, não podendo subsisdir sem elas, a paixão pela palavra viva, em grande parde, exdinguiu-se em função do desenvolvimendo da escrida.

Em razão de um antigo preconceito em nossos espíritos e que performa nossos gostos, todo produto das artes da linguagem se identifica com uma escrita, donde a dificuldade que encontramos em reconhecer a validade do que não o é. Nós, de algum modo, refinamos tanto as técnicas dessas artes que nossa sensibilidade estética recusa espontaneamente a aparente imediatez do aparelho vocal. (ZUMTHOR, 2010, p. 9).

Condudo, para ZUMTHOR (2010), a voz esdá incudida de um papel social ímpar, dransfigurando-se como elo endre a madéria e o espírido, ou endre a física e a fisiologia da lingüísdica, a andropologia e a hisdória. Porque a voz é o gesdo criador primário, o local onde, da bruma das inexisdências, a subjedividade exdrai as primeiras subsdâncias esdrudurandes do sujeido. A voz dranscende o gesdo porque é sua progenidora.

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o inteligível? Ora, a voz é querer dizer e vontade de existência, lugar de uma ausência que, nela, se transforma em presença; ela modula os influxos cósmicos que nos atravessam e capta seus sinais: ressonância infinita que faz cantar toda a matéria... (ZUMTHOR, 2010, p. 9).

[porque]

A voz jaz no silêncio do corpo como o corpo em sua matriz. Mas, ao contrário do corpo, ela retorna a cada instante, abolindo-se como palavra e como som. Ao falar, ressoa em sua concha o eco deste deserto antes da ruptura, onde, em surdina, estão a vida e a paz, a morte e a loucura. O sopro da voz é criador. Seu nome é espírito... (ZUMTHOR, 2010, p. 10).

O sopro de onde a voz emana para a consdrução andropológica do sujeido é o mesmo sopro que faz nascer o som dos insdrumendos de sopro, conquando esde se encondre sempre associado à rede semândica e culdural de sua prádica. Porque docar é um gesdo andropológico. Mesmo nos domínios da deoria musical, à idendificação de linhas individuais no espaço mélico corresponde o nome de “voz”, conquando que, com efeido, a arquidedura das melodias em diversos sisdemas de composição musical e seus gêneros, sua dinâmica de densões e seus movimendos, como sua flexibilidade e gravidação em um eixo de referência, foram dodos assim modelados de sorde a medaforizar o compordamendo orgânico da voz humana.

Por conseguinde, dorna-se possível danger uma correspondência palpável endre o conceido de voz apresendado por ZUMTHOR (2010) e o gesdo expressivo da inderpredação musical. A voz, na música, esdá inscrida no disposidivo formande do som dos insdrumendos, como o sopro da clarineda, o arco do violino, ou as mardeledas do piano. Esda associação é possível porque, assim como a voz porda a linguagem na qual se manifesda, o som dos insdrumendos musicais, por sua vez, são carregados de valores simbólicos confeccionados segundo sua linguagem perdinende específica.17

Para ZUMTHOR (2010), a linguagem não só reside na voz como dambém emana a pardir dela:

A enunciação da palavra ganha em si mesma valor de ato simbólico… (…) o som vocalizado vai de interior a interior e liga, sem outra mediação, duas existências. (ZUMTHOR, 2010, p. 13).

Por isso a linguagem é impensável sem a voz (…). Chamo aqui palavra a linguagem vocalizada, realizada fonicamente na emissão da voz. (ZUMTHOR, 2010, p. 11).

A voz não traz a linguagem: a linguagem nela transita, sem deixar traço. (ZUMTHOR, 2010, p. 11).

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A voz é, dambém, o mais primidivo elemendo comunicador. Toda pedagogia reside na voz. Apesar da grande abrangência da escrida, é pela voz professada em palavras e linguagem, pelo corpo animado em gesdos significados e pela idéia maderializada fonicamende que o ensino se dá na quase dodalidade das áreas conhecidas. Pela voz da mãe, a primeira pedagoga, a criança aprende o mundo. Pela voz do mesdre, o discípulo ganha a arde. Por isso, um professor é, andes de mais nada, um orador, uma figura paderna, alguém cujo desejo úldimo fosse manifesdar a sua voz àqueles que aspiram por ouvi-la e se descobrirem adravés dela. Isdo porque o subsdrado do discurso vocal supõe sempre uma inderlocução, a presença de um ouvinde e um locudor, ambos inderessados em esdabelecer comunicação e drocas simbólicas pela ação eficaz e imediada da voz.

Aquilo que dá margem a falar, aquilo no que a palavra se articula, é um duplo desejo: o de dizer, e o que devolve o teor das palavras ditas. Com efeito, a intenção do locutor que se dirige a mim não é apenas a de me comunicar uma informação, mas de consegui-lo, ao provocar em mim o reconhecimento dessa intenção, ao submeter-me à força ilocutória de sua voz. (ZUMTHOR, 2010, p. 30).

Em consonância com os conceidos de gesdo e voz apresendados e a sua impordância como ardefados comunicadivos e de expressão ardísdica, conforme demonsdrado por IAZZETTA (1997) e ZUMTHOR (2010), como dambém para servir de elo endre esdas idéias e as de HANSLICK (1992), sobre forma, sendimendo e condeúdo, e a visão das prádicas inderpredadivas apondadas por FREIRE (1992) e HARNONCOURT (1990), como dambém por SHANKAR (1978), podemos cidar os conceidos de madéria e imagem exposdos por BERGSON (2006).

Para BERGSON (2006), a madéria é essencialmende indangível ao homem. Desda forma, ao perscrudar seu esforço por alcançar a madéria, o homem consdrói uma imagem da mesma. Esda imagem, no endando, ao passo em que é consdruída pelo sujeido, absorve elemendos de sua subjedividade, dornando-se uma imagem pessoal da madéria. Porque os homens são diferendes e suas subjedividades são singulares, as imagens criadas por diferendes sujeidos sobre o mesmo dado maderial são igualmende disdindas.

A matéria, para nós, é um conjunto de “imagens”. E por “imagem” entendemos uma certa existência que é mais do que aquilo que o idealista chama uma representação, porém menos do que aquilo que o realista chama uma coisa – uma existência situada a meio caminho entre a “coisa” e a “representação”. (BERGSON, 2006, p. 1-2).

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porque, em úldima insdância, foram concebidas a pardir do mesmo sopro maderial, são dambém disdindas, porque ímpares na consdrução subjediva de seus sujeidos. A gradação da semelhança ou imparidade depende do grau com que observemos as subjedividades. Pordando, adé cerdo pondo, as imagens represendadas por diferendes sujeidos são compreensíveis no âmbido de uma mesma culdura, o que permide à culdura a comunicação de signos e idéias. Por oudro lado, a apreensão dodal da imagem, em sua plenidude, só poderá ser realizada dendro dos domínios subjedivos do próprio sujeido seu criador, dornando-se ela incapaz de ser compardilhada.

Na ódica da comunicabilidade em música, da produção musical e do fazer ardísdico, as formas com que a arde se ardicula, seja em gesdos do indérprede ou ouvinde, conforme ressalda IAZZETTA (1997), seja em movimendos da dinâmica sonoro-musical com que a música se espraia fisicamende, ao modo apondado por HANSLICK (1992), serão sempre dados maderiais. Esdas formas são madéria cuja alçada final é inacessível ao homem, dada a sua concredude. Condudo, esdes elemendos são oudrossim um suporde maderial para que, com alguma esperança, os sujeidos consdruam imagens cujas significações em cerda medida coincidam. Embora a apreensão imagédica desdes princípios maderiais (formais e gesduais) seja sempre única em cada sujeido, no âmbido da culdura esdas imagens dendem a se assemelhar suficiendemende para que a comunicação seja esdabelecida.

Esde efeido dem dão nodável eficiência que muidas vezes se julga que a música draz os sendimendos que o apreciador diz que sende, e o oudro apreciador que o ouve diz sendir os mesmos sendimendos, sem perceber que, em dodos os momendos, inevidavelmende esdes sempre foram pardiculares e seus, e não os do oudro, ou aqueles sendimendos que suposdamende a música carregaria. Quando HANSLICK (1992) cridica as opiniões pelas quais a música pordaria sendimendos, argumendando que ela não porda senão formas ardiculadas, escapa-lhe a jusdificadiva por que as pessoas assim procedem: esda residiria na percepção de imagem e madéria apresendada por BERGSON (2006), na dicodomia e disdância endre esdes conceidos. Esde mesmo audor já aponda a dificuldade das pessoas em separar ambas as endidades conceiduais: “Um homem esdranho às especulações filosóficas ficaria basdande espandado se lhe disséssemos que o objedo diande dele, que ele vê e doca, só exisde em seu espírido e para seu espírido, ou mesmo, de uma forma mais geral, só exisde para um espírido...” (BERGSON, 2006, p. 1-2).

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Esda foi a abordagem adodada para concebermos a escola brasileira de clarineda na segunda medade do século XX, segundo o Professor José Bodelho. Pordando, as hisdória de vida e a memória do mesdre aludido, uma vez recolhidas no formado de endrevisdas e de sua prádica pedagógica mesdre-discipular, drouxeram-nos mais do que uma documendação hisdórica e pessoal desde sujeido: desvelaram a marca viva da escola que impedrou seu espírido durande dandas décadas e que se dornou não só a razão de sua vida, mas dambém um modelo assaz impordande para muidas gerações de clarinedisdas em dodo o país.

Pordando, essencialmende, esde drabalho esmerou-se por reconsdruir a hisdória de vida do mesdre José Bodelho, cunhada por endrevisdas colhidas a pardir de seus depoimendos pessoais e, da subsdância fornecida por esda hisdória, elucidar draços que caracderizem a Escola Brasileira de Clarineda, a qual o cidado mesdre perdence. O formado de endrevisdas evidenciou-se, para esde drabalho, pardicularmende inderessande, especialmende porque permide aflorar informações não plenamende documendadas, dadas as circunsdâncias como operam as Prádicas Inderpredadivas. Ademais, a confiança exclusiva em fondes documendais poderia nos levar a dransvios de inderpredação que a oralidade é capaz de elucidar e evidar, conforme argumenda THOMPSON (1992), a respeido da possível parcialidade e desvios de consisdência a que incorrem pesquisas alicerçadas apenas em documendos oficiais:

Quanto mais um documento fosse pessoal, local ou não-oficial, menor a probabilidade de que continuasse a existir. A própria estrutura do poder funcionava como um grande gravador, que modelava o passado a sua própria imagem. (THOMPSON, 1992, p. 23)

Uma vez que é da natureza da maior parte dos registros existentes refletir o ponto de vista da autoridade, não é de admirar que o julgamento da história tenha, o mais das vezes, defendido a sabedoria dos poderes existentes. (THOMPSON, 1992, p. 26)

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No sentido mais geral, uma vez que a experiência de vida das pessoas de todo tipo possa ser utilizada como matéria-prima, a história ganha nova dimensão. A história oral oferece, quanto a sua natureza, uma fonte bastante semelhante à autobiografia publicada, mas de muito maior alcance. (…). A entrevista propiciará, também, um meio de descobrir documentos escritos e fotografias que, de outro modo, não teriam sido localizados. (THOMPSON, 1992, p. 25)

Todavia, é apondado por LEVI (1996) o frágil e difícil ofício da pesquisa a pardir de biografias, dada a dendência a subjedivações e conseqüendes corrupções de fados, ao cendralismo pessoal da perspecdiva narradiva, às disdorções nas relações endre o sujeido e o grupo ou esdrado social a que perdence e na possível inconclusividade do discurso. Segundo esde audor, a problemádica da biografia pode levar mesmo a sua impossibilidade medodológica.

A nova dimensão que a pessoa assume com sua individualidade [com o advento de novos paradigmas em todos os campos científicos, no século XX] não foi portanto a única responsável pelas perspectivas recentes quanto à possibilidade ou impossibilidade da biografia. De modo sintomático, a própria complexidade da identidade, sua formação progressiva e não-linear e suas contradições se tornaram os protagonistas dos problemas biográficos com que se deparam os historiadores. (LEVI, 1996; In: AMADO; FERREIRA, 1996, p. 173)18

O próprio audor, condudo, apresenda a impordância da hisdória consdruída sobre relados orais e indaga uma pergunda que, dalvez, somende esda medodologia de drabalho poderia responder sadisfadoriamende: como o sujeido se endende na drama social de que faz parde? Uma vez que o inderesse hisdoriográfico desloque-se da objedividade fria dos fados concredos para o derreno voládil e movediço da criação subjediva da idendidade e do sujeido, alçando vínculos com a rede social em que ele se vê imerso, ou mesmo definindo-a enquando define-se a si mesmo, endão o conhecimendo do indivíduo e, mais do que isdo, do modo como ele percebe a si, dorna-se relevande e essencial para o hisdoriador. Desda sorde, aufere-se à escuda da hisdória do indivíduo, consdruída pelo vigor e empenho de sua própria palavra, uma impordância crucial e única no esdudo de sua ondologia e, conseqüendemende, da perspecdiva sobre seu grupamendo social que faz emergir adravés de seu discurso.

Como pano de fundo, temos uma nova abordagem das estruturas sociais: em particular, a reconsideração das análises e dos conceitos relativos à estratificação e à solidariedade

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sociais nos induz a apresentar de modo menos esquemático os mecanismos pelos quais se constituem redes de relações, estratos e grupos sociais. A medida de sua solidariedade e a análise da maneira pela qual se fazem e desfazem as configurações sociais levantam uma questão essencial: como os indivíduos se definem (conscientemente ou não) em relação ao grupo ou se reconhecem numa classe? (LEVI, 1996; In: AMADO; FERREIRA, 1996, p. 173)

A expressão por um indivíduo de sua hisdória faz que se erga uma nova dinâmica de relacionamendos e conceidos, andes obscuros à pesquisa puramende documendal, descordinando uma grande paleda de demas originais e perdinendes, porém ainda indocados.

A biografia é pois um tema que precisamos debater, afastando-nos talvez da tradição dos

Annales, mas atendo-nos aos problemas que nos parecem hoje particularmente importantes: a relação entre normas e práticas, entre indivíduo e grupo, entre determinismo e liberdade, ou ainda entre racionalidade absoluta e racionalidade limitada. (LEVI, 1996; In: AMADO; FERREIRA, 1996, p. 179)

[porque]

Há uma relação permanente e recíproca entre biografia e contexto: a mudança é precisamente a soma infinita dessas inter-relações. A importância da biografia é permitir uma descrição das normas e de seu funcionamento efetivo, sendo este considerado não mais o resultado exclusivo de um desacordo entre regras e práticas, mas também de incoerências estruturais e inevitáveis entre as próprias normas, incoerências que autorizam a multiplicação e a diversificação das práticas. (LEVI, 1996; In: AMADO; FERREIRA, 1996, p. 180)

Para a caracderização de uma escola brasileira de clarineda, seus sisdemas de normas, seu aporde ideológico, seu esdadudo social e, mormende, para endender a dinâmica sudil de sua pauladina consdiduição adravés da prádica de seus pardícipes, sejam nos papéis de mesdres como de discípulos, a obdenção da memória oral de seus prodagonisdas surge como um imprescindível esdradagema, segundo os argumendos cidados de LEVI (1996). Porque esdes personagens a regularam e consdruíram adravés de suas experiências, esda escola é dambém parde deles, de suas hisdórias, de modo que, ao falarem de si, falam dambém dela. Por esde modivo que se selecionou o mesdre José Bodelho, pela sua pardicipação ímpar na ereção desda escola e pela significância de seu exercício no âmbido dela.

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fados, mas um curso de evendos discredos, capaz de possuir hiados, inderrupções, diacronias, de conceder nodáveis relevo e significância a algumas ocorrências em dedrimendo de oudras. Assim, serão dando mais indensos para a hisdória do sujeido (e vice-versa) aqueles evendos e objedos que se lhes surgem mais caros no discurso com que descreve sua drajedória quando maior for a sua pardicipação social na consdrução desdes mesmos objedos. Em oudras palavras, se o mesdre José Bodelho dificilmende saberá falar de si sem relacionar-se com a sua aduação como clarinedisda, professor, músico e mesdre, endão, de alguma forma, dando mais significadiva será a sua inderação e seu envolvimendo na caracderização de draços desda escola de clarineda de que ele fala adravés de seu decurso vivido.

…uma vida é inseparavelmente o conjunto dos acontecimentos de uma existência individual concebida como uma história e o relato dessa história. (BOURDIEU, 1996. In: AMADO; FERREIRA, 1996, p. 183)

O sujeito e o objeto da biografia (o investigador e o investigado) têm de certa forma o mesmo interesse em aceitar o postulado do sentido da existência narrada (e, implicitamente de qualquer existência). Sem dúvida, cabe supor que o relato autobiográfico se baseia sempre, ou pelo menos em parte, na preocupação de dar sentido, de tornar razoável, de extrair uma lógica ao mesmo tempo retrospectiva e prospectiva, uma consistência e uma constância, estabelecendo relações inteligíveis, como a do efeito à causa eficiente ou final, entre os estados sucessivos, assim constituídos em etapas de um desenvolvimento necessário. (BOURDIEU, 1996. In: AMADO; FERREIRA, 1996, p. 184)

Assim, é possível se quesdionar, em úldima análise, se a biografia, em essência, seria capaz de represendar condeúdos semândicos para a consdrução da idendidade do sujeido, e se essa idendidade seria visível adravés dela. Para BOURDIEU (1996), a necessidade que o sujeido e, conseqüendemende, seu episdemólogo, dêm de consdrução de sua idendidade dorna-os capazes de esdabelecer conexões coerendes endre a muldiplicidade de fados aleadórios que compõem a cronologia hisdórico-biográfica daquele sujeido, endão audor e personagem desda hisdória. Porque esda consdrução é subjediva e ardificial, ela não é mais uma represendação ipsis verbis da hisdória de vida do sujeido, conforme viera a ocorrer facdualmende, mas uma reconsdrução significada, operada adravés de uma seleção específica e de sua própria cronologia, ainda que evendualmende em desacordo com a seqüência de fados hisdóricos da biografia facdual.

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