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O Brasil é o bric da vez!

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DEBATE

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N

o momento em que empresas brasileiras abrem novo foco de

investi-mentos, buscando a expansão dos negócios em outros países, é opor-tuna a discussão sobre o que as instâncias do governo oferecem aos empreendedores que buscam a conquista de novas fronteiras comerciais. Nesta entrevista, o advogado Edson Ferreira, vice-presidente do Banco do Brasil entre 1995 e 1999, avalia a estrutura de que o país dispõe para dar suporte às empresas que disputam os mercados externos. Autor do estudo “Economia aberta: o exemplo das multilatinas, empresas maiores que Estados”, Ferreira ava-lia que, apesar da existência de alguns problemas, o Brasil está preparado para prosseguir no salto de crescimento que se concretiza agora e detém um arcabouço institucional que já se mostrou sólido o suficiente para a superação de momentos de crise. Administrador e pós-graduado em Administração Pública pela FGV, Ferreira atuou durante trinta anos no Brasil e no exterior pelo Banco do Brasil e é conhecedor dos movimentos de expansão da instituição e de empresas nacionais que partiram em busca de novos mercados. A seguir, a palavra de um profundo conhecedor desses bastidores.

Por Jeferson Melo Fotos Raphael Mendes

O BRASIL é O

BRIC DA VEZ!

Nossas empresas fazem bonito lá fora, mas todas apostam no

garantido: a próxima onda é totalmente informatizada. E para

ela ainda não estamos preparados

ENTREVISTA

EDSON FERREIRA

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Como foi bater ponto no Banco do Brasil

por trinta anos?

Edson Ferreira Com exceção do

se-tor de tecnologia, atuei em todas as áreas e níveis do banco, ou seja, da agência até a presidência, pois fui vice-presidente no período de 1995 a 1999. Trabalhei no Banco do Brasil por três décadas, hoje tenho meu escritório de advocacia. Sou administrador de empresas públicas, te-nho grande orgulho de ser ex-aluno da EBAP (Escola Brasileira de Adminis-tração Pública) e ter especialização na FGV. Nas três décadas como bancário, atuei no Brasil e no exterior, sempre em assuntos de interesses do Banco do Bra-sil. Trabalhei nos Estados Unidos, fui di-retor executivo de duas empresas do BB em Nova York, na área de leasing. Mais recentemente, defendi uma dissertação de mestrado em Direito e Políticas Pú-blicas e estou nos inícios de um projeto de doutorado na Universidade de Brasí-lia. Enfim, um eterno aprendiz [risos].

Mas o senhor teve também atuação no governo, certo?

Edson Ferreira Sim, tive uma

pas-sagem no governo, na área de coorde-nação do Planejamento Estratégico, área em que também atuei no Banco do Brasil. Em várias fases da instituição, atuei em fina sintonia entre a adminis-tração do banco e a do Ministério da Fazenda, em programas de expansão do BB. A primeira delas foi na extinção da conta movimento, quando o banco passou a atuar em todas as áreas do mercado. A segunda foi na expansão da rede externa do BB, quando trabalhei no exterior. Um terceiro momento foi quando se deu a verdadeira recupera-ção do banco, entre 1995 a 1999, sob a administração do presidente Ximenes

[Paulo César Ximenes Alves Ferreira],

quando realizamos uma remodelação de todas as áreas do banco. Nas etapas anteriores houve tentativas de mudança de enfoque, que veio a se consolidar a partir de 1995. A diretriz era de que o banco precisava buscar a sustentabili-dade com seus próprios instrumentos e deixar de ser uma autarquia dependen-te do crédito do Governo.

O Banco do Brasil tem várias ramificações?

Edson Ferreira Uma coisa que me

encanta explicar, porque raramente se

aborda, é que, quando se fala em Banco do Brasil, é preciso saber que são qua-tro ilhas integradas num arquipélago. O BB atua em sintonia com uma entidade chamada Previ, mantendo toda sua au-tonomia administrativa e financeira. A outra ilha são as participações, as Brasis. O banco tem empresas em que ele tem participação integral ou participação associada com o mercado, na área de seguros e na área de cartões de crédito. São as chamadas Brasis. Esse universo – Banco do Brasil, as Brasis e a Previ – atuando em sintonia com a política de governo, em sintonia com o executivo, tem uma capacidade monumental de ajudar o país. A Previ é o maior fundo de pensão da América Latina. Houve uma discussão estratégica em que a Pre-vi decidiu apoiar o fortalecimento da

in-fraestrutura brasileira. E aí investiu em portos, estradas, distribuição, telecomu-nicações. Fez investimentos estratégi-cos. O BB é muito mais que um banco, é uma corporação de valores e serviços a serviço do Brasil. E quando está bem entrosado com a área econômica, com a área política, como está agora, o BB está na manchete internacional.

Falando sobre internacionalização, que infraestrutura institucional o Estado ofe-rece às empresas?

Edson Ferreira Eu produzi o

estu-do “Economia aberta: o exemplo das multilatinas, empresas maiores que Es-tados”, onde essa questão é abordada, inclusive o crescimento das empresas fora do Brasil. O estudo faz uma lei-tura crítica de que a economia mun-dial viveu um momento fantástico nos

últimos vinte anos e a pergunta que colocamos era se o Brasil havia tirado proveito desse momento positivo, des-se chamado ciclo dinâmico da econo-mia. Esse ciclo dinâmico de vinte anos compreenderia o período entre 1988 e 2008, com seu momento alto entre 2003 e 2006, quando o crescimento médio mundial alcançou os 4,8%. Foi nesse período que surgiu a interpretação de que o Brasil era o melhor entre os países do BRIC [o grupo de emergentes: Brasil, Rússia, Índia e China]. Acontece que, nesse período, o Brasil não tirou o me-lhor proveito. A média de crescimento entre os BRICs foi de 7,1% e a contri-buição do Brasil chegou a apenas 2,8%. Quem aproveitou melhor esse ciclo foi a China, depois a Índia e até a Rússia, que cresceu mais que a gente.

Mas o Brasil perdeu esse ciclo?

Edson Ferreira Certamente não,

porque alguns agentes, entre eles as

empresas multilatinas [multinacionais

latinas], deram saltos fantásticos. Aí, surgem as questões, pois, se elas de-ram esse salto, qual foi a contribuição do governo para isso? Outras empresas poderão dar saltos nessa nova fase de crescimento? Em que o governo con-tribui nesse momento? Isso tudo vem na esteira de uma interpretação positiva do processo de globalização. Essa cor-rente vê a globalização como um fenô-meno positivo. Concordo que é preciso inclusive ensinar isso para as crianças na escola, a acreditar na globalização e em seus efeitos no campo econômi-co, na democracia, no enriquecimento cultural, nas normas políticas e cultu-rais, na informação e informatização, na internacionalização do Estado e do direito. Esses são alguns dos elementos positivos da globalização.

E como se traz isso para o nosso mundo?

Edson Ferreira É bom lembrar que

a própria ideia da globalização nasce com um grande empreendedor, Jean Monnet, um empresário competente que vendia conhaque nos Estados Uni-dos. No cenário entre as duas guerra mundiais, ele vislumbrou que a Europa estava há muitos anos brigando comi-go mesma e quando deixasse de lado as disputas e descobrisse a verdadeira base da solidariedade no comércio e na

troca, na união, enfim... Nessa visão, a globalização é influenciada e influencia o empresário empreendedor. Em meu estudo, estabeleci uma relação entre essa visão otimista e os empreendedo-res multinacionais, e o quelevaria à expansão de suas empresas, em muitos casos apesar de um país burocratizado, demorando a crescer, com problemas na área de educação. No entanto, mes-mo assim existem fatores de sucesso no ambiente globalizado e esses empresá-rios perceberam.

E que fatores são esses?

Edson Ferreira Eles não estão

re-lacionados nem com o tamanho físico nem com as riquezas naturais. Estão relacionados com o uso da inteligên-cia, a capacidade de competição e de inovação. É nesse circuito que começa a ter importância o papel do arco insti-tucional que o governo possa oferecer. O papel dos governos é sempre parcial. Se o governo avançar na economia e pretender ocupar um papel estrutu-rante, acabará criando uma relação de dependência do setor privado. O papel do governo é de muito cuidado. Ele não pode estar tão ausente que não partici-pe dessa estrutura de crescimento nem tão presente que atrapalhe e sufoque o crescimento. Essas premissas são en-contradas nos estudos de Michael Por-ter, que concluiu que se o estado entrar no mercado e o regular excessivamente, embota a competição. Acaba protegen-do posições arraigadas... Querenprotegen-do ou não, o presidente Collor fez isso quando rompeu com a antiga agenda da aber-tura de mercado. Outros estudos, como os desenvolvidos por Robert J. Barro, da Universidade Harvard, e Xavier Sala-i-Martin, da Universidade de Columbia, mostram a importância do apoio à com-petitividade e à difusão tecnológica para o crescimento das empresas.

Quem torna efetiva a inserção no merca-do mundial?

Edson Ferreira Por mais que

fun-cionários do governo realizem viagens internacionais e participem de congres-sos, apesar da importância das missões do Itamaraty e das visitas oficiais do presidente, no fundo quem verdadei-ramente realiza essa inserção são as empresas: as importadoras, as

expor-tadoras ou presexpor-tadoras de serviços lá fora, como é o caso do Banco do Bra-sil. Então, empresas como a Gerdau, a JBS, a Petrobras e o próprio BB saíram sozinhas e foram a esses ambientes globalizados, descobrindo seus cami-nhos. Sozinhas em tese, pois o BNDES sempre deu grande apoio e suporte. E essas empresas vão para o exterior atuar num ambiente de concorrência, de alta competitividade. E as empresas que vêm para cá chegam com a força histó-rica da competição internacional. Em meu estudo, utilizando dados de 2007, tracei uma comparação entre as várias empresas multilatinas (do Brasil, Chile e México) com o PIB mundial. E o

re-sultado foi interessante. Petrobras, Vale do Rio Doce, Banco do Brasil, União, Gerdau e outras, totalizando quinze empresas brasileiras, estão listadas en-tre as principais multilatinas, contra quatro chilenas e duas mexicanas. Es-sas empreEs-sas em conjunto tiveram um faturamento de 500 bilhões de dólares em 2007. O somatório de faturamentos comparado com o PIB mundial equiva-leria à quarta maior empresa do mun-do. Ou seja, o PIB dessas 31 empresas as coloca como o quarto país do mundo. Isoladamente, a Petrobras é de longe a maior das multilatinas. E outras em-presas brasileiras estão entrando nesse grupo, como as Casas Bahia, a Cemig. E todas elas indo cavar seu lugar no mercado externo.

O que mais contribui para a inserção das empresas no mercado externo?

Edson Ferreira Um ambiente de

re-gulação bem estruturado, uma política de capital bem competitiva, disponibi-lidade de mão de obra especializada e toda a infraestrutura que permita escoar a produção. Todos esses fatores demandam do governo uma atuação institucional forte.

E o governo está preparado para tal desafio?

Edson Ferreira Sim, está preparado

e as condições são favoráveis. Além des-sas exigências, há algumas mais, como a questão da corrupção, a estabilidade política e a estabilidade das políticas econômicas. Em minha visão, estamos preparados para esse novo salto e te-mos um arcabouço institucional que já deu demonstrações de que é suficiente para superar momentos de crise, como a que ocorreu agora. E dou exemplos disso. Costumo destacar nesse agrupa-mento de excelência o Banco Central e a CVM, instituições que evidenciam a capacidade institucional brasileira de dar esse salto de crescimento, em que haveria um aumento do universo de em-presas transnacionais, com a absorção de pequenas e médias. O BNDES realiza o trabalho de apoio a esse crescimento, iso-ladamente com as áreas de telecomuni-cações, de energia, de alimentos. A JBS é o maior exemplo disso, como a Gerdau. Todas recebem o apoio do BNDES.

Chegou a vez do Brasil ou ainda falta muito?

Edson Ferreira O Brasil é o BRIC da

vez! E é possível situar esse movimento no tempo e também corrigir distorções. Em termos de gestão pública, o início dessa arrancada se dá com a Lei de Res-ponsabilidade Fiscal e com o programa de apoio aos bancos, o Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Forta-lecimento do Sistema Financeiro Nacio-nal), tão discutido na época, mas que foi a antevisão de um problema que o Brasil resolveu antes de todo mundo. O Brasil se arrumou antes da crise, na metade da década de 90, com o grande avanço da estabilização monetária e do controle da inflação, com o Plano Real. Isso foi um processo construído a partir da tarefa de desfazer os grandes nós que tínhamos – e

ENTREVISTA

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O papel do governo

é de cuidado. Ele

não pode estar tão

ausente que não

participe desse

processo nem tão

presente que sufoque

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alguns ainda temos. Ou seja, dominou-se a inflação, arrumou-dominou-se o dominou-setor público (houve até enxugamento), reequilibra-ram os bancos e se adotou a lei de res-ponsabilidade fiscal: estavam lançadas as bases dessa fase de crescimento que vivemos hoje. Perdemos a década de 80, há quem diga que perdemos também a de 90, mas discordo, pois essas grandes ações se deram na metade dos 90.

Então estamos bem agora, é só tocar pra frente?

Edson Ferreira Não é bem assim.

Nós passamos bem pela crise de agora. Na crise de 1998 estávamos em pleno processo de arrumação, e mesmo as-sim o país conseguiu se superar. Não foi sem dores, mas conseguimos chegar a 2002 com a casa praticamente arru-mada. O mercado tem uma dinâmica própria e, naquela ocasião, as empre-sas souberam voltar-se para o mercado interno, que é robusto, ocupar espaços e se acomodar. Principalmente as em-presas de alimentos, serviços e de bens não exportáveis souberam se compor naquele momento da crise. A partir de 2002/2003 a economia mundial iniciou um ciclo dinâmico de crescimento, ocupamos espaços de exportação e chegamos à formação de superávits co-merciais de US$ 30 bilhões a US$ 40 bilhões, no momento mais alto da esta-bilidade mundial, em 2006. Está tudo resolvido? Não, mas estamos prepara-dos para uma nova fase de crescimento.

As oportunidades daquele período de crescimento foram aproveitadas?

Edson Ferreira Perdemos

oportu-nidades, infelizmente. Poderíamos ter crescido mais do que 2,8% ao ano, o que acho pífio. Tivemos, em minha visão, algumas medidas impróprias no setor público. Saímos de 17 para 34 mi-nistérios. É um desafio, hoje, saber o nome dos ministros. Tivemos o incha-ço da máquina pública. Isso foi ruim, mas pode ser corrigido. Embora esse inchaço não tenha sido totalmente im-produtivo, pois foi nessa época que sur-giram as agências reguladoras na área de energia, telecomunicações. Mas não podemos dizer que a economia brasilei-ra aproveitou a oportunidade histórica de investir no crescimento, na inova-ção, na competitividade. Ela investiu

na capacidade de produção primária, exportando matérias-primas sem valor agregado. Esse é um dos muitos nós que identificamos. Perdemos tempo naquela discussão entre monetaristas e desenvolvimentistas, entre o Minis-tério da Fazenda, o Banco Central e o Ministério do Planejamento, discussão que perpassou todo o governo FHC e entrou no governo Lula, na primeira etapa, a do Palocci. Mas aquele mo-mento de crescimo-mento foi tão bom que essa discussão, mesmo tendo atrapalha-do, não foi suficiente para que deixás-semos de exportar e formar superávits importantes, mas que poderiam ter sido formados com base em produtos com valor agregado e não apenas na expor-tação de café, soja e minério de ferro.

Aquele era o momento de crescimento da economia. Depois tivemos a crise, mas ainda estávamos nos beneficiando do bom período de 2003, de 2006... Nós estamos preparados para o crescimento, sim, mas precisamos mesmo é crescer!

Mas o desaquecimento das exportações não é resultado dessa nova crise que atingiu, principalmente, a Europa?

Edson Ferreira Ele não é só

decor-rente da crise dos compradores, mas tam-bém de nossa incapacidade de enfrentar os novos produtores, como a China, que abocanhou o mercado brasileiro de sa-patos e tecidos, por exemplo. Nós ado-tamos uma boa estratégia, de tirar essas indústrias do sul do país, levando para a Paraíba e o Ceará, uma medida interna de racionalidade, própria da economia, própria da rapidez dos empresários, que traduz a capacidade de produção para o mercado interno, mas que não consegue melhorar a inserção dos nossos produtos lá fora. Perdemos muito espaço para a China, nesse jogo de mercado. Inclu-sive, sem que isso represente crítica, numa espécie de desconstrução da estra-tégia internacional que o Brasil realiza agora, alguns movimentos políticos são perniciosos para nós, como o de reco-nhecer a China como uma economia de mercado, coisa que ela não é. Tanto que é por isso que os produtos chineses chegam à nossa porta.

Apesar disso, estamos entrando lá fora. Quais os braços operacionais?

Edson Ferreira Estamos sim e um

dos principais braços dessa investida é o Banco do Brasil. Ele está preparado e é dinâmico. O BNDES também. Mas é preciso reformular algumas instituições regionais. Essa é uma crítica que faço: nós perdemos a capacidade de pensar nosso desenvolvimento regional de ma-neira integral. Como atuei na Secretaria de Desenvolvimento Regional, sei que hoje não existe um plano e ações de desenvolvimento integrado. O país tem um planejamento centralizado, mas não conta com um planejamento regional equilibrado. Nem temos um plano para a Amazônia, houve até uma tentativa por parte do Mangabeira Unger. Não temos um plano para o agronegócios – que, pu-xado pelo gado, soja e café, sustenta boa parte do superávit da balança comercial

brasileira. Sou a favor do livre mercado, penso que esses planos não precisam vir do Estado, mas precisam ser criados, im-plantados, orientados. Não temos uma agência reguladora para o setor rural, o agrobusiness. Nos segmentos em que as agências reguladoras entraram e atu-am, o mercado se deu bem. Então os braços operacionais hoje para esse novo ciclo de expansão são o Banco do Brasil e o BNDES.

O senhor disse há pouco que o Brasil não aproveitou o que poderia da expansão mundial de 2003. O que faltou?

Edson Ferreira Sim, o que faltou se

temos uma Bovespa e uma CVM de alto gabarito, um BC bem organizado... Com todos esses elementos positivos, o que faltou? Lembro-me um pouco do [filósofo Jürgen] Habermas: faltou a capacidade comunicativa, de interlocu-ção entre os agentes. Faltou e falta esse espaço de interlocução entre os organis-mos. Governo com governo e governo com empresas. O governo, com a ex-pansão da administração pública, com 34 fontes de orientação política, que são os 34 ministérios, não consegue se comunicar. Existe enorme dificuldade de compreensão das atividades de um ministério por parte de outro ministé-rio. Existem muitas ações repetidas de políticas públicas em vários ministérios, não existe integração entre elas, são po-líticas públicas sombreadas. O que um ministério faz vai além da sua missão institucional e alcança a do outro. E o que o outro faz alcança o deste. Por exemplo, o Ministério da Pesca tem uma política independente do Ministé-rio da Agricultura. Na área social ocorre o mesmo. O sombreamento da política pública é um dificultador de caminhar-mos todos na mesma direção.

O que é esse sombreamento?

Edson Ferreira Em política

públi-ca é uma sobreposição de tarefas entre uma área organizacional e outra. No mercado financeiro, por exemplo, o Banco do Brasil sabe exatamente o que faz, assim como o BNDES ou a CVM. Mas isso não ocorre com a administra-ção pública inchada, não há espaço de entendimento para a aplicação das po-líticas públicas na medida exata. O que estamos vendo de crise, e lamentamos

todos como brasileiros, o que estamos vendo em Pernambuco e Alagoas é fruto desse sombreamento. Falta capacidade de interlocução institucional. As insti-tuições que se falam entre si, como o BC, CVM, TCU, dão excelente cola-boração para que as empresas e até o ci-dadão façam o seu papel. Já os que não conversam entre si... Como o Ministério da Saúde, que não consegue controlar uma gripe H1N1 nem evitar a falência dos hospitais, porque há sobreposição de inventividade. É preciso racionalizar e buscar eficiência econômica, esses são os dois elementos mais importantes da ‘cabeça privada’. A cabeça privada faz conta, é eficiente, racionaliza. A cabeça pública precisa ganhar essa visão. Temos

a maior economia agrária do mundo e não criamos uma agência reguladora dos agronegócios e das questões fundi-árias. Temos um ministério fundiário, mas que não fala nem com a Funai.

A criação de uma agência reguladora não complicaria ainda mais?

Edson Ferreira A natureza jurídica

de uma agência reguladora pressupõe autonomia e responsabilidade, inde-pendência da ação política, na acepção mais empobrecida da palavra política. A agência tem a função de regular e regulará com o Banco Central. O BC mexe na taxa de juro, pode fazer aqui ou acolá alguma política de acomo-dação, mas ele atua com firmeza e se não fizer isso não controla a inflação. Pelo trabalho que desenvolvi, sou um observador privilegiado do mercado financeiro, bancário, do mercado de crédito e securitário, e sei que nesses setores os controles são fortes, transpa-rentes e organizados. Assim não fosse e teríamos capotado nessa última crise, como aconteceu com os EUA, com a França, a Espanha, a Alemanha.

O Banco Central está estruturado, che-gou ao topo?

Edson Ferreira Apesar de já terem

alçando patamares bastante avançados, tanto o Banco Central como a CVM precisam se modernizar, numa figura nova, tratada por Norberto Bobbio em sua obra A Era dos Direitos. Ele fala ali do nascimento dos novos direitos, mas não incluiu o direito à informação, que é a era em que estamos vivendo. A inter-net traz e torna efetiva a globalização, surgida com o mercantilismo. Assistimos aqui e agora a Petrobras, com toda essa maravilha que é a capacidade de explo-rar em águas profundas, com uma tecno-logia única desenvolvida por ela mesma. Estamos vendo a Gerdau comprando si-derúrgicas nos Estados Unidos. Estamos vendo a JBS comprando unidades indus-triais de alimentos. Todas essas empresas estão indo no garantido, mas a quarta onda é totalmente informatizada. E para ela ainda não estamos preparados. Não controlamos nem a informatização uti-lizada nas eleições! Sim, estamos bem, damos exemplos, a CVM é copiada em alguns países do mundo, nosso Judiciário deu saltos monumentais, não só no

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ENTREVISTA

A cabeça privada faz

conta, é eficiente.

A cabeça pública

precisa dessa visão.

Maior economia

agrária do mundo,

não temos agência

reguladora do

agronegócio

Poderíamos ter

crescido mais que

2,8%, mas houve

medidas impróprias,

como sair de 17

para 34 ministérios.

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so à Justiça, mas na informatização dos processos. Mas nosso arcabouço institu-cional, no mundo informatizado, esse ainda não temos. Há muito ainda a fazer.

Corrigir a falta de comunicação, uma das deficiências da esfera pública, não de-manda tantos recursos.

Edson Ferreira Considere que o

úni-co canal que o governo tem diretamente com as empresas é o da cobrança de im-postos. E ele é extremamente eficiente nessa cobrança. Esse canal precisa ser aperfeiçoado para o Estado conhecer as necessidades das empresas. E isso se faz com o fortalecimento dos interlocutores, os que falam com os empresários, como é o Banco do Brasil, como é a Caixa Econômica Federal. O BB, por exem-plo, conhece profundamente a realidade das empresas. Não é só conversar com o setor privado na hora de definir impostos e na hora da cobrança. É preciso criar uma ação comunicativa dentro e fora de casa. Hoje essa interlocução tem um pri-meiro esboço, que é o entendimento dos grandes conglomerados com o BNDES, que trabalha para o fortalecimento das empresas. Isso é importante, pois fortale-ce as empresas, tornando mais robusta a capacidade de contribuição econômica, a geração de empregos, pagamentos de impostos, de produção e exportação. En-tão o BNDES ao fortalecer esses gran-des grupos dá uma enorme contribuição para o país. Só que esses grupos todos cabem aqui dentro desta sala. O Brasil é muito, mas muito maior do que isso. Portanto é preciso criar mecanismos de apoio também para as médias e peque-nas empresas.

Como as empresas mencionadas, que hoje competem lá fora, conseguiram vencer barreiras e entrar em novos mercados?

Edson Ferreira Elas souberam

uti-lizar ferramentas básicas da adminis-tração, o que o setor privado sabe usar muito bem. O fator central do sucesso é a exploração inteligente de dados tangí-veis: ou seja, estudar o mercado, analisar o produto, dimensionar sua capacidade financeira, acompanhar seu desenvolvi-mento tecnológico, participar de feiras internacionais, observar o que se produz lá fora, aproximar-se do nível dessa pro-dução. Por que o setor privado dá cer-to? Por que a Gerdau dá cercer-to? Porque

eles fazem uso desses dados tangíveis. Em seguida vem a exploração, tam-bém inteligente, dos dados intangíveis: competência, experiência e motivação. O melhor exemplo é a Petrobras, hors-concours, depois a Gerdau, a Vale, JBS, Braskem e a Embraer. Mas os exemplos de sucesso não podem ser pontuais. Eles precisam ser multiplicados às centenas.

A Embraer teve um empurrãozinho do Banco do Brasil, certo?

Edson Ferreira Sim, a Embraer é um

caso à parte. Estava quebrada, falida e foi o BB que deu um crédito corajoso de 120 milhões, na data limite do quebra ou não quebra. O BB, inspirado por uma fotografia que existe na agência de Nova York, foto que mexe com nosso orgulho pátrio. A Embraer diz nesse anúncio:

“Dê a um brasileiro uma tonelada e meia de aço e veja o que ele é capaz de fazer”. E aí aparece um jato da Embraer. A Em-braer é um ícone de nossa capacidade de inovação. Alguém dirá que ela é uma soma ou um corta e cola de produtos im-portados, mas não importa. Embora boa parte de seus componentes seja impor-tada, ela é um exemplo da inteligência brasileira. Foi totalmente reformulada. E o que foi feito com a Embraer está sendo feito com a indústria naval, daqui a qua-tro ou cinco anos teremos orgulho de ver navios brasileiros circulando, certamente levando produtos industriais para outros mercados. Embarca um produto bruto na origem e o entrega elaborado no des-tino. Outra empresa que vale lembrar é a Braskem, que segue essa linha da agressi-vidade e do uso inteligente dos fatores de que dispõe. Ela acaba de comprar duas

grandes empresas nos EUA. Comprou a Sunoco Chemicals. O Brasil sabe pouco sobre o que a Braskem faz, mas é uma referência no setor privado.

Em que segmentos a internacionalização é mais relevante e representativa?

Edson Ferreira Na ponta, temos o

petróleo e o gás, lógico, com a Petrobras. No caso da Petrobras vejo o processo de expansão em duas vertentes. Primeiro, ela tem uma capacidade de pesquisa in-vejável, conhecida no mundo todo. Ela tem o Cenpes, um centro de pesquisa com 386 mestres e 167 doutores, verda-deira universidade... Se tem um sonho que não realizei, foi o de ser executivo da Petrobras, esse é um nó na minha garganta [risos]. Sua segunda vertente é a natureza de seu ativo. Na medida em que ela incorpora ao seu balanço essa riqueza, é uma empresa imbatível. Foi o que aconteceu com o pré-sal. Dificil-mente outro país do mundo, sem uma estrutura como a do Cenpes, teria condi-ções de explorar petróleo em águas pro-fundas. A Petrobras é especial e se des-taca, pois sozinha tem um faturamento que supera em muito o das três outras multilatinas brasileiras que a seguem na lista. No setor bancário, o Banco do Brasil é uma empresa com ativos de US$ 724 bilhões. Tem depósitos de US$ 354 bilhões e um patrimônio de US$ 45 bi-lhões, além de uma marca que está pre-sente em quase todos os municípios do país, como parceira do desenvolvimento. No setor bancário se destacam ainda o Itaú e o Bradesco. Na mineração, a Vale. Na metalurgia, a Gerdau; na siderurgia, a CSN; na aeronáutica, a Embraer. No setor de energia, a Eletrobras. Química, todo o destaque para a Braskem.

O BB também busca a atuação no varejo em outros países?

Edson Ferreira O atendimento no

varejo do BB também está se espalhan-do pelo munespalhan-do. Ele muespalhan-dou sua estraté-gia na atual administração. Houve uma época, antes de 1995, em que chegou a ter quase 55 pontos no exterior, por cau-sa da facilidade que havia para captar recursos lá fora. Mas quando o mercado mundial entrou em crise o banco foi fe-chando essas agências, pois eram pontos captadores. Onde haviam praças comer-ciais, mudou o perfil: em vez de ter um

gerente captador, passou a ter a orienta-ção de apoiar as empresas brasileiras. Há cerca de oito meses, em uma nova visão, o banco resolveu investir na expansão do varejo. No Brasil, ele sai de 12 milhões de clientes para quase 30 milhões. En-tão aprendeu a atuar melhor no varejo. Essa expansão ocorreu entre 1995 e 2010, sendo que no Governo Lula houve uma estratégia de avanço mais forte no vare-jo, o banco se informatizou e conseguiu evitar que o atendimento fosse pessoali-zado. O BB aprendeu de tal modo que agora está indo para algumas praças externas também para atuar no varejo – atendendo prioritariamente o cliente brasileiro daquela localidade. Está indo para a Argentina, onde fechou acordos recentes com o Banco da Patagônia, está adquirindo um banco de varejo nos Es-tados Unidos e conseguiu expandir sua rede no Japão, onde havia três agências e agora sobe para sete ou oito agências. Ou seja, o BB está em franca expansão, deu um salto qualitativo e, nos últimos dez meses, produziu a maior quantidade de fatos relevantes da sua história.

Como o senhor avalia a abertura das novas embaixadas pelo Itamaraty. Ajuda as em-presas que buscam se internacionalizar?

Edson Ferreira O Itamaraty

desen-volve um trabalho estupendo e muitas vezes pouco reconhecido. A instituição conta com um pessoal de altíssimo ní-vel, o que muito facilita as relações negociais das empresas brasileiras. Como existe uma boa interlocução com o Itamaraty, todos tiram proveito. Existem críticas quanto à abertura de embaixadas em locais que, aparente-mente, possuem pouca relevância ou despertariam poucos interesses comer-ciais, mas minha avaliação é positiva. Entendo que onde o Brasil estiver presente, além do interesse político, é nossa tarefa desenvolver os interesses econômicos. Por isso vejo com simpa-tia a abertura de novas frentes. Lem-bro que na década de 80 tivemos uma expansão de embaixadas para a África, o chanceler era o Silveirinha [Azeredo da Silveira] e fazia parte da estratégia do governo marcar presença na África. E o Silveirinha pediu: “Vamos

espa-lhar embaixadas lá na África e eu sei o quanto preciso do Banco do Brasil”. Na época fui nomeado para ir para a Costa do Marfim, acabei não indo, pois esta-va envolvido na área de planejamento. No momento não há estratégia de va-rejo do BB para o mercado africano, existe é uma disposição de apoiar as empresas brasileiras que estão indo para lá, na área de construção civil, tecnologia agrícola, distribuição. Mas, voltando ao Itamaraty, na época do Sil-veirinha também houve crítica. E hoje sabemos o quanto foi importante abrir embaixadas na África. Não podemos perder as oportunidades econômicas abertas pelas políticas do Itamaraty. E o presidente Lula faz isso com maes-tria, surpreendentemente para muitos. Acho que não cabe discutir se o apoio ao Irã é ruim ou bom ou se a entrada da Venezuela no Mercosul, politicamen-te, é ruim ou boa. É preciso discutir a essência econômica e a racionalidade. E os países não são seus homens. Os estados ficarão e são muito maiores que seus governantes.

A Petrobras tem

invejável capacidade

de pesquisa. O

Cenpes é um centro

de pesquisa com

386 mestres e 167

doutores, verdadeira

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