FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS
GOVERNANÇA GLOBAL E TRANSFERÊNCIA DE POLÍTICA: DO PROTOCOLO
DE CARTAGENA À POLÍTICA NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA
YUNA SOUZA DOS REIS DA FONTOURA
Dissertação apresentada à Fundação Getúlio Vargas-RJ – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Administração Pública.
Orientadora: Professora Dra. Ana Lucia Guedes
Coorientador: Professor Dr. Roberto Pereira Guimarães
Rio de Janeiro
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS
GOVERNANÇA GLOBAL E TRANSFERÊNCIA DE POLÍTICA: DO PROTOCOLO
DE CARTAGENA À POLÍTICA NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA
YUNA SOUZA DOS REIS DA FONTOURA
Este exemplar corresponde à versão final da dissertação defendida e aprovada pela Comissão Julgadora em 14/04/2011.
Banca Examinadora:
_______________________________
Prof. Dra. Ana Lucia Guedes – EBAPE/FGV
_______________________________
Prof. Dr. Roberto Guimarães – UNICAMP/SP
_______________________________
Prof. Dra. Deborah Zouain - EBAPE/FGV
_______________________________
Prof. Dr. Carlos Milani - UNIGRANRIO
_______________________________
Dissertação dedicada ao meu marido, Carlos
Frederico Fontoura, por fazer dos meus sonhos,
AGRADECIMENTOS
Primeiramente à Deus e à Virgem Maria pelo amor infinito, pela inspiração maior e por
estarem sempre presentes na minha vida sendo meu suporte para todos os momentos.
Ao meu marido, Carlos Frederico Fontoura, pelo amor, incentivo e paciência ao longo
do mestrado.
Aos meus amados pais, Erington Reis e Maria Alzenir Reis, por serem os principais
educadores da minha vida, pelo amor e paciência ao longo deste processo de
dissertação. Ao meu amado irmão, Leonardo, pelo amor, amizade e incentivo de
sempre.
Aos meus avós, Manoel Silveira, Maria das Mercês, Manoel dos Reis e Arlete Fontoura
pelo amor e por compreenderem o meu período de ausência.
Aos meus sogros, Thelma Fontoura e Carlos Eduardo Fontoura, pelo seu amor, suporte
e compreensão pela minha ausência ao longo do mestrado.
À Fundação Getulio Vargas, mais especificamente à EBAPE, pela oportunidade de
desenvolver esta pesquisa. À Capes pelo apoio financeiro essencial para o
desenvolvimento desta dissertação.
À professora Ana Guedes por ter me demonstrado a relevância do tema “transferência
de política” para a Administração Pública, por sua acessibilidade, orientação,
comentários e observações pertinentes ao longo do processo de orientação.
Ao professor Roberto Guimarães com quem muito aprendi, por ter me despertado o
interesse em torno do debate sobre os transgênicos no Brasil e no mundo, além de ter
me ensinado que o conhecimento não deve estar dissociado do respeito ao meio
ambiente e à vida humana.
À professora Deborah Zouain por seus ensinamentos e por te sido meu suporte nos
momentos difíceis ao longo do mestrado. Agradeço também por seus comentários
pertinentes como membro interno da minha banca.
Aos professores Armando Cunha, Alketa Peci e Enrique Saravia, que muito me
Aos entrevistados Roberto Guimarães, Leila Oda, Lídio Coradin, Sergio Figueiredo,
Marijane Lisboa, Jairon Nascimento, Francisco Aragão, Gabriel Fernandes, Rubens
Nodari e Larissa Packer, por terem me concedido uma entrevista que foi essencial para
a minha compreensão sobre o tema analisado, além de terem sido fundamentais para as
conclusões finais desta dissertação.
Ao Joarez Oliveira e à Celene Melo, pelo apoio e carinho de todas as horas durante o
meu mestrado.
Aos meus colegas de turma, em especial, Lilian Alfaia e Alexandre Fernandes, pela
amizade, por terem contribuído para o meu crescimento intelectual e por acreditarem
RESUMO
O processo de globalização dos últimos anos evidenciou que as atividades estatais são
desagregadas em favor de uma estrutura de relações entre diferentes atores que operam
em um contexto global. Neste sentido, esta pesquisa defende que o que pode
precisamente ser compreendido como verdadeiramente “global” evidenciado nas
últimas décadas do século XX são a transformações das mudanças ambientais em
desafios globais. Ao analisar, especificamente, a questão da biossegurança, torna-se
importante, portanto, destacar dentro deste contexto de globalização, os aspectos
relevantes de governança global (processo no qual diferentes atores estão envolvidos),
mais especificamente, a transferência de política, no qual a formulação de políticas
públicas para o desenvolvimento social é influenciada por experiências em contextos
políticos distintos. Diante disto, foi definido como objetivo de pesquisa analisar como o
Protocolo de Cartagena (instrumento legal independente desenvolvido em conformidade
com a Convenção sobre Diversidade Biológica em 2000, Montreal) influenciou na
formulação e na implementação da Política Nacional de Biossegurança (PNB) brasileira
(com base na Lei nº 11.105) no que se refere aos alimentos transgênicos no período de
2000-2009. Para isto, foi realizada uma pesquisa documental sobre o tema de estudo e
uma pesquisa empírica por meio de entrevista com pessoas que participam diretamente
ou indiretamente na PNB e que, se não participam atualmente, já atuaram nesta Política
ou acompanharam seu processo de formulação. Os resultados revelaram que é possível
concluir que houve a existência de um processo de transferência de política do
ABSTRACT
The globalization process of recent years showed that the state activities are
disaggregated in favor of a structure of relationships between different actors operating
in a global context. Following this line of reasoning, this research argues that what can
be precisely understood as truly "global" as evidenced in the last decades of the
twentieth century is the transformation of the environmental changes in global
challenges. When examining specifically the issue of biosafety, it is important to
highlight in this context of globalization, aspects of global governance (process
in which different actors are involved), more specifically the policy transfer, in which
the formulation of public policies for social development is influenced by experiences
in different political contexts. Therefore, it was defined as the objective of this research
the analysis of how the Cartagena Protocol (independent legal instrument designed in
compliance with the Convention on Biological Diversity in 2000, Montreal) influenced
the formulation and implementation of the Brazilian National Policy on Biosafety
(NPB) (based on Law No. 11.105) concerning the genetic modified food in the period
2000-2009. For this, it was conducted a documentary research on the theme and a
empirical research through interviews with people involved directly or indirectly in the
NPB. Some interviewees do not currently participate, but have worked in this Policy or
took part in the process of formulation. The results revealed that it is possible to
conclude that a process of policy transfer from the Cartagena Protocol to the NPB
SUMÁRIO
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ... 3
LISTA DE TABELAS ... 5
1 INTRODUÇÃO ... 6
1.1 Problema de Pesquisa... 6
1.2 Objetivos ... 9
1.2.1 Objetivo Final ... 9
1.2.2 Objetivos Intermediários ... 9
1.3 Proposições teóricas... 9
1.4 Delimitação do estudo... 10
1.5 Relevância do estudo ... 11
2 REFERENCIAL TEÓRICO ... 13
2.1 Globalização ... 13
2.2 Governança global e transferência de política ... 19
2.3 Biossegurança e Transgênicos ... 29
2.4 Convenção sobre Diversidade Biológica e Protocolo de Cartagena... 40
2.5 Política Nacional de Biossegurança... 46
3 METODOLOGIA... 50
3.1 Estratégia de pesquisa ... 50
3.2 Coleta e tratamento dos dados... 51
3.3 Limitações metodológicas ... 56
4 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ... 58
4.1 Resultados da Análise de Conteúdo do Protocolo de Cartagena e da PNB 58 4.2 Resultados da Pesquisa de Campo ... 59
4.2.1 Resultados da Análise de Conteúdo ... 60
4.2.1.2Motivações dos atores para engajamento no processo de transferência de política
...63
4.2.1.3Conteúdo transferido ... 63
4.2.1.4De onde parte o aprendizado ... 67
4.2.1.5Graus de transferência ... 68
4.2.1.6Restrições e/ou facilitadores do processo de transferência de política... 69
4.2.1.7A transferência de política ... 74
4.2.1.8O processo de transferência de política: sucesso ou falha política ... 76
4.2.2 Resultados da Análise do Discurso... 77
4.3 Análise comparativa ... 80
5 CONCLUSÕES E SUGESTÕES PARA FUTURAS PESQUISAS ... 83
REFERÊNCIAS ... 86
APÊNDICES ... 93
Apêndice 1 – Roteiro das entrevistas presenciais ... 93
Apêndice 2 – Roteiro das entrevistas por telefone... 95
Apêndice 3 – Análise de Conteúdo da Primeira Etapa de Análise ... 98
ANEXO 1 – PROTOCOLO DE CARTAGENA DA CONVENÇÃO SOBRE DIVERSIDADE BIOLÓGICA... 108
3 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AC – Análise de Conteúdo
AD – Análise do Discurso
Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária
CDB – Convenção sobre a Diversidade Biológica
CIBio – Comissão Interna de Biossegurança
CNBS – Conselho Nacional de Biossegurança
COP1-CDB – Primeira Reunião Ordinária da Conferência das Partes da
Convenção sobre a Diversidade Biológica
COP-MOP – Conference of the Parties serving as the Meeting of the Parties
CTNBio – Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
ExCOP1-CDB – Primeira Reunião Extraordinária da Conferência das Partes da
Convenção sobre a Diversidade Biológica
FAO – Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
FMI – Fundo Monetário Internacional
FNC – Forest Nutrition Cooperative
LMO – Living Modified Organisms
LMR – Limite Máximo de Resíduo
MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
MCT – Ministério da Ciência e Tecnologia
MMA – Ministério do Meio Ambiente
MOP – Meeting of the Parties
MP – Medida Provisória
MRE – Ministério das Relações Exteriores
NBSAPs – National Biodiversity Strategies and Action Plans
OGM – Organismos Geneticamente Modificados
OMC – Organização Mundial do Comércio
ONGs – Organizações Não-Governamentais
ONU – Organização das Nações Unidas
PNB – Política Nacional de Biossegurança
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Rio-92 – Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
4 SINDAG – Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola
TRIPS – Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights
5 LISTA DE TABELAS
Tabela 1.0 – Argumentos do setor privado a favor da utilização dos OGM na agricultura
Tabela 2.0 – Categorias de análise com base no Protocolo de Cartagena
Tabela 3.0 – Relação dos sujeitos entrevistados
Tabela 4.0 – Categorias da primeira Análise de Conteúdo
Tabela 5.0 – Categorias da segunda Análise de Conteúdo
6
1 INTRODUÇÃO
De forma a introduzir o leitor no tema da pesquisa, neste capítulo serão apresentados o
problema da pesquisa, o objetivo final, os objetivos intermediários, as proposições
teóricas, a delimitação e a relevância do estudo.
1.1 Problema de Pesquisa
O fenômeno da globalização e os avanços tecnológicos intensificaram o processo de
transferência de política no qual a formulação de políticas públicas para o
desenvolvimento social é influenciada por experiências em contextos políticos
diferentes. Para melhor compreendermos este processo analisaremos o seu significado
no presente contexto de governança global utilizando como base empírica a formulação
da Política Nacional de Biossegurança1.
As relações entre meio ambiente e políticas públicas datam de séculos passados, no
entanto é no século XX que estas irão se intensificar. Para isto, deve-se analisar o que
John Bennet (1976) classificou como Transição Ecológica que teve início com a
domesticação de animais e plantas durante a Revolução Agrícola. Suas principais
características podem ser identificadas sob os aspectos tecnológicos - incremento
acelerado dos processos tecnológicos; ecológicos - incorporação da natureza na cultura
e rompimento das relações de subsistência local com o ambiente; sociológicos - maior
complexidade das redes de comunicação e organização social existentes; filosóficos -
instrumentalização e materialização do mundo natural; e por fim; políticos - necessidade
de novos ajustes de poder dada as novas formas de organização social e utilização da
tecnologia. Tais mudanças ocasionaram a adoção de novos padrões de desenvolvimento
e consumo com base na acumulação de excedentes de capital por meio da utilização
7 extensiva dos recursos naturais, da ampliação dos mercados consumidores e do avanço
tecnológico a qualquer custo (GUIMARÃES, RUNTE e FONTOURA, 2009).
Portanto, compreende-se que a Transição Ecológica chegou ao seu auge,
principalmente, após a Revolução Industrial no século XIX, assim como nas
Revoluções Energética e da Informática no século XX. Dentre estes processos de
grande transformação da história da humanidade, encontra-se o processo de
globalização. Ainda sem consenso acadêmico sobre a sua conceituação e ocorrência, a
globalização nos últimos trinta anos proporcionou mudanças significativas para a
sociedade civil, os sistemas políticos, os governos, a governança, a administração
pública e para o meio ambiente. No entanto, é notável que nem todas as implicações
deste fenômeno foram positivas e homogêneas ao redor do mundo. Os conceitos de
desenvolvimento econômico e tecnológico prevaleceram sobre o conceito de
desenvolvimento sustentável o que acarretou em um agravamento das desigualdades
sociais e da degradação ambiental (MEAD, 1970; GUIMARÃES, RUNTE e
FONTOURA, 2009; GUIMARÃES, 2008).
O discurso pró-globalização dos anos 1990 voltou-se para produção global através de
fábricas globais o que significava produzir em qualquer lugar, utilizando recursos
provenientes de qualquer lugar, por uma companhia de qualquer lugar, para ser vendido
em qualquer lugar do mundo (FARAZMAND, 2001). Por outro lado, esta nova fase do
capitalismo não resolveu os principais problemas sociais da humanidade, como a
mortalidade infantil, a fome e a miséria. Pelo contrário, intensificou o desenvolvimento
econômico desigual, ampliando a distância entre ricos e pobres e a degradação do
ecossistema comprometendo desta forma as vidas futuras. Ressalta-se ainda que, no que
se refere às mudanças ambientais globais, aplica-se fielmente o conceito de
“globalização”, uma vez que todos os países, sem exceção, sofrerão as consequências
da crise de sustentabilidade. Neste sentido, o que distingue a etapa atual da
“mundialização” é a característica de interdependência de processos de
internacionalização que se intensificaram na fase do capitalismo comercial no século
XIX.
De forma a ampliar o debate em torno da proteção ambiental e da biodiversidade
mundial, destaca-se o papel dos organismos internacionais (como as Organizações das
Nações Unidas - ONU) no papel de definição de uma agenda de desenvolvimento
8 supranacionais, como Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e Organização
Mundial do Comércio exercem forte contribuição para o processo de globalização
através de práticas de transferência política e governança global. A criação de regimes
internacionais no marco sistema ONU estabelece e legitima normas, princípios, regras e
procedimentos, de forma a institucionalizar um conhecimento consensual sobre
necessidades domésticas e internacionais de responsabilidades políticas, com a
finalidade de fomentar o desenvolvimento dos governos nacionais (STONE, 2004;
KEOHANE e NYE, 2001; HELD, 2004).
Tais regimes se inserem no processo de transferência de política no qual o
conhecimento a respeito de políticas públicas, arranjos administrativos, instituições e
idéias em um cenário político (passado ou presente) são utilizados como modelo para o
desenvolvimento de políticas, arranjos administrativos, instituições e idéias em outro
ambiente político (DOLOWITZ e MARSH, 2000). Por outro lado, a transferência de
política também compreende a transferência de idéias ou programas, muitas vezes,
sustentada por um profundo e precedente processo de aprendizagem (STONE, 2004).
Diante deste contexto, a ONU promoveu em dezembro de 1994, na cidade de Nassau,
Bahamas, a Primeira Reunião Ordinária da Conferência das Partes da Convenção sobre
a Diversidade Biológica (COP1-CDB) assinada durante a Conferência das Nações
Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio-92), realizada no Rio de
Janeiro, em junho de 1992. A biossegurança representou uma das questões abordadas
no evento, pois está diretamente associada aos elementos conflitantes e em amplo
debate mundial, como a proteção da saúde humana e do meio ambiente de possíveis
efeitos adversos provenientes de Organismos Geneticamente Modificados (OGM)
resultantes da biotecnologia moderna, além disto, pela necessidade de promover o
acesso à alimentação para toda a população global.
Neste sentido, no ano 2000 em Montreal (Canadá) foi aprovado o Protocolo de
Cartagena durante a Primeira Reunião Extraordinária da Conferência das Partes da
Convenção sobre a Diversidade Biológica (ExCOP1-CDB). O Protocolo estabelece
diretrizes que criam um ambiente propício para a aplicação de biotecnologia
“ambientalmente amigável” tornando possível maximizar as vantagens da biotecnologia
e minimizar os possíveis riscos à saúde humana e meio ambiente (ONU, 2000).
Este Protocolo representa o principal documento da Convenção sobre a Diversidade
9 medidas internas para cumprir com os acordos previamente estabelecidos. Diante de um
compromisso dessa magnitude, surge a necessidade de se questionar de que forma o
Protocolo de Cartagena influenciou na formulação da Política Nacional de
Biossegurança (PNB) brasileira no que se refere aos alimentos transgênicos no período
de 2000-2009.
1.2 Objetivos
1.2.1 Objetivo Final
Este estudo objetiva analisar como o Protocolo de Cartagena influenciou na formulação
e na implementação da Política Nacional de Biossegurança brasileira no que se refere
aos alimentos transgênicos no período de 2000-2009.
1.2.2 Objetivos Intermediários
a) analisar o Protocolo de Cartagena para identificar sua influência na
formulação e na implementação da PNB brasileira;
b) analisar os documentos da CDB referentes aos Organismos
Geneticamente Modificados;
c) analisar a formulação da PNB no que se refere aos Organismos
Geneticamente Modificados.
1.3 Proposições teóricas
Embora a política de biossegurança em relação aos OGM tenha sofrido diversas
alterações ao longo de dez anos, entre 2000 e 2009, verifica-se que ela sofreu forte
influência de regimes internacionais e mais especificamente do Protocolo de Cartagena
(iniciativa multilateral elaborada pela Convenção sobre Diversidade Biológica, CDB, no
ano 2000) (KEOHANE e NYE, 2001).
Propõe-se diante disto que a PNB foi elaborada aos moldes da CDB mediante as
decisões acordadas na Conferência das Partes, configurando-se desta forma um
processo de transferência de política (DOLOWITZ e MARSH, 1996; 2000; STONE,
10 Brasil adotasse a nível nacional um plano de ação para que a biotecnologia moderna,
mais especificamente os OGM, não prejudicassem a biodiversidade por meio do
controle e do gerenciamento das matrizes transgênicas em práticas agropecuárias e
alimentares brasileiras de forma a contribuir para uma agricultura sustentável e para a
segurança alimentar da população (BENSUSAN, 1998; MOREIRA, 2000; FAO, 2010).
1.4 Delimitação do estudo
Devido à complexidade que engloba o tema de biossegurança tanto para o Brasil como
para todo o mundo, uma vez que suas repercussões negativas afetarão toda a
humanidade, este estudo se aprofundará, exclusivamente, na realidade brasileira, no
período de 2000 a 2009, de forma a demonstrar como esta questão está sendo analisada
e adotada no país.
A biodiversidade corresponde à variação que ocorre nos materiais genéticos de todas as
espécies de plantas e animais, juntamente com a variação que acontece no ecossistema
em que estes se encontram (RAO e HODGKIN, 2002). Diante de um conceito amplo e
com várias esferas possíveis de estudo, esta dissertação pretende abordar de que forma o
Protocolo de Cartagena influenciou na formulação da PNB apenas no que se refere aos
OGM, dada a sua limitação temporal.
No que se refere às diferentes formas de governança global, como por exemplo: ações
estatais unilaterais dentro do próprio Estado; ações unilaterais fora dos territórios dos
Estados; cooperação regional; criação de regimes internacionais (KEOHANE e NYE,
2001); o presente estudo fixar-se-á atenção no que diz respeito à transferência de
política, analisando quais aspectos referentes aos OGM no Protocolo foram adotados no
Brasil.
Para isto, o estudo ficará restrito a analisar teoricamente os principais aspectos da
transferência de uma política internacional para o nível nacional, não analisando
isoladamente as políticas públicas de biossegurança de cada estado da federação dada a
complexidade de fatores específicos influentes no processo de cada um juntamente com
as limitações de tempo de pesquisa.
Por fim, a dissertação privilegiará os atores públicos em sua análise final, uma vez que a
pesquisa encontra-se voltada para uma análise de transferência de política que se refere
11 1.5 Relevância do estudo
O processo de globalização dos últimos anos ocasionou um conjunto de mudanças cujos
efeitos repercutiram ao redor do mundo, impulsionando a percepção de que todos fazem
parte de uma “comunidade global”, o que reforçou também a idéia de interdependência,
o compromisso com a partilha dos valores universais, assim como a visão de
solidariedade entre os povos (OIT, 2004). Entretanto, existe uma divisão entre os
teóricos que defendem este processo como sendo uma força poderosa no que se refere à
distribuição de riqueza e redução de pobreza e os que não concordam com esta
afirmação e acreditam que a globalização provoca ainda mais empobrecimento e
desigualdade ao redor do mundo (HELD, 2004). Para a presente dissertação, o que pode
ser visto como notoriamente “global” evidenciado nas últimas décadas do século XX
são as transformações das mudanças ambientais em desafios globais. Neste caso, com o
objetivo de ampliar este debate, o estudo será relevante ao buscar desvelar a
globalização sob a perspectiva da sustentabilidade (GUIMARÃES, RUNTE e
FONTOURA, 2009).
A partir da globalização, da complexidade da sociedade contemporânea e da
importância das relações entre os diferentes atores que atuam no âmbito mundial,
surgiram questões a respeito da necessidade da resolução de problemas que atingem a
todos os povos e nações, como: crescimento populacional; miséria, terrorismo, conflitos
étnico-religiosos; desenvolvimento econômico; proteção da biodiversidade. Assim
sendo, a comunidade internacional passou a reforçar e a defender uma tentativa de
governança em âmbito global (LOHBAUER, 1999).
Logo, a governança global pode ser definida como um sistema de valores, políticas e
instituições que possibilitam que a sociedade se organize para tomar decisões
coletivamente e para exercer ações de ordem política, econômica, sociocultural e
ambiental por meio da interação entre Estado, sociedade civil e do setor privado
(UNDP, 2002). Tal processo de governança global pode ser realizado de diferentes
formas, a saber: ações estatais unilaterais dentro do seu próprio território; ações
unilaterais fora dos Estados; cooperação regional e multilateral por meio da criação de
regimes internacionais; assim como; cooperação transnacional e transgovernamental
sem que tenham a ação do Estado (KEOHANE e NYE, 2001). Dentro deste contexto,
observa-se o processo de transferência de política no qual a formulação de políticas
12 políticos externos às fronteiras do Estado (DOLOWITZ e MARSH, 1996; 2000;
STONE, 2004; HULME, 2006; EVANS, 2004; 2006). Neste caso, considerando tanto a
governança global quanto a transferência de política temas amplos e com repercussões
diretas para a academia de Administração Pública, este estudo torna-se relevante ao
efetuar uma análise sobre de que forma uma política internacional impacta na
formulação de uma política nacional.
Acrescenta-se a isto, o fato de que, para atingir tal objetivo, a dissertação buscou
analisar a PNB e a influência do Protocolo de Cartagena em sua formulação. Para a
autora desta dissertação, a análise destes objetos de pesquisa são relevantes para um
maior aprofundamento na Administração Pública a respeito dos temas de biodiversidade
e biossegurança. A busca pela preservação da biodiversidade e dos ecossistemas é
fundamental para a garantia da vida humana e também para assegurar que a população
mundial adote um estilo de vida e de crescimento econômico que seja sustentável e que
reflita a importância de conhecer os limites estabelecidos pela dinâmica da biosfera à
vida humana (MOREIRA, 2000). Portanto, o estudo também torna-se relevante por
suscitar a necessidade de biossegurança, mais especificamente, no que tange à
introdução e a liberação de OGM e seus produtos nos ecossistemas. Outro aspecto que
reforça este argumento é o fato de que em 2010 o Brasil passou a ocupar a segunda
posição da produção de cultivos transgênicos no mundo com 25,4 milhões de hectares
plantados (SINDAG, 2011), o que demonstra ser ainda mais relevante o tema para a
13
2 REFERENCIAL TEÓRICO
Este capítulo tem por finalidade fazer uma revisão da literatura no qual se insere o
problema de pesquisa, buscando discorrer sobre assuntos importantes relacionados com
o tema, a saber: globalização; governança global e transferência de política;
biossegurança e transgênicos; Convenção sobre Diversidade Biológica e Protocolo de
Cartagena; e; por fim; Política Nacional de Biossegurança.
2.1 Globalização
Ao longo dos últimos anos, tanto governos quanto sociedades civis sofreram grandes
transformações que impactaram significativamente o modo de governar, os modelos de
governança e de administração pública, além de influenciarem as relações entre Estado
e sociedade. A primeira foi a inovação tecnológica. Os avanços em tecnologia da
informação, internet e satélites de comunicação proporcionaram maior integração
mundial, redução de barreiras de aprendizado entre diferentes povos e culturas, bem
como facilitaram a comunicação instantânea ao redor do globo (FARAZMAND, 2007).
Já a segunda grande mudança é uma extensão da primeira. Compreende os avanços
tecnológicos nas áreas militar e espacial. Os Estados Unidos como maior potência
hegemônica militar instituíram uma doutrina ideológica de “hegemonia global” por
meio de sua política militar e espacial. No que se referem às intervenções militares, elas
não apenas reforçam, internacionalmente, o poderio bélico do país, mas representam, ao
mesmo tempo, uma cruzada ideológica que promove as idéias e culturas ocidentais,
além do judaísmo cristão, com valores e instituições do capitalismo (FARAZMAND,
2007).
A terceira, e talvez a mais importante mudança do final do século XX, foi o colapso da
União Soviética como superpotência mundial. A ordem mundial, que era bipolar, foi
finalizada junto com a problemática da Guerra Fria. Porém, imediatamente uma nova
ordem mundial foi proclamada pelas potências capitalistas ocidentais, especialmente
pelos Estados Unidos, que passaram a assumir a liderança global e a promover o
capitalismo como a forma mais avançada de sistema econômico (FARAZMAND,
2007).
Tais transformações fizeram com que as últimas décadas passassem por sucessivas
14 avançadas de transporte. Estas, por sua vez, ampliaram os canais de comunicação que
atravessam as fronteiras nacionais, aumentando o alcance e o tipo de comunicação em
diferentes regiões do mundo, criando uma maior intensidade no que tange aos
conceitos, imagens e símbolos compartilhados, em uma velocidade muito maior do que
em períodos anteriores. Os novos sistemas globais de comunicação passaram a ser
utilizados não apenas para fins pessoais, mas também para fins comerciais e
profissionais. Ou seja, apesar das disparidades em relação à densidade de informação,
acessibilidade e velocidade em diferentes partes do globo, torna-se cada vez mais difícil
para as pessoas se isolarem do resto do mundo. Logo, o novo sistema de comunicação
cria novas experiências e modos de compreensão de referência política. Isto pode ser
evidenciado com a velocidade com que o acontecimento do 11 de Setembro nos Estados
Unidos repercutiu, instantaneamente, pelo mundo e suscitou o debate em torno do
terrorismo em massa como uma questão global (WOODS e HURRELL, 2002; HELD,
2004; CARDOSO, F. H., 2008).
Sendo assim, o início da globalização contemporânea ocorreu a partir do barateamento
dos meios de transporte, assim como quando as comunicações instantâneas por meio
dos meios eletrônicos reduziram a diferença entre tempo e espaço. Os avanços
tecnológicos e as redes de comunicação globais possibilitaram também a multiplicação
dos fluxos de capital e o surgimento de novos “produtos financeiros” (derivativos,
mercados a futuro, hedge funds, entre outros). O acesso rápido e aberto às informações
altera não apenas o sistema produtivo, como também a cultura das sociedades que
absorvem as inovações, impactando, por conseguinte, a mobilização política e a tomada
de decisões (CARDOSO, F. H.; 2008). A capacidade adaptativa dos países passou a ser
uma condição para o crescimento econômico, fazendo com que a rigidez influencie
negativamente no que se refere ao equilíbrio socioeconômico (CASTELLS e
KISELYOVA, 2003; CARDOSO, F. H., 2008).
Este fato reforça o traço distintivo da atual forma de globalização que é um amálgama
específico entre sociedade, política e cultura que, apesar de não representar o modelo
ocidental de democracia (vide o exemplo da China e de Cingapura que é uma
cidade-estado), pressupõe uma determinada flexibilidade por parte das instituições políticas e
sociais. Por outro lado, compreende-se que, atualmente, com o objetivo de avançar na
chamada “ordem econômica global”, os Estados se basearão cada vez menos na força
15 diplomática para obter acordos comerciais ou benefícios advindos dos espaços abertos
pelas divergências entre os grandes parceiros possibilita maiores alternativa aos menos
poderosos (NYE, J., 2004; CARDOSO, F. H., 2008).
No entanto, o debate em torno da globalização e suas repercussões para o mundo é
bastante extenso, visto que não existe uma definição única, padronizada e aceita
universalmente para o termo. Existem diferentes perspectivas sobre o que é a
globalização nas diferentes áreas do saber, por exemplo: sociólogos, economistas,
cientistas políticos, administradores públicos possuem definições próprias e sob
diferentes paradigmas (FARAZMAND, 2007).
Para Farazmand (2007), as seis principais definições acadêmicas para o termo
“globalização” são:
a) globalização como internacionalização – expansão das relações
internacionais, principalmente, no âmbito comercial, político e
tecnológico;
b) globalização como o mundo sem fronteiras – a internet e outros meios de
tecnologia da informação contribuíram para esse significado;
c) globalização como um processo contínuo de acumulação e concentração
de capital – uma continuidade das estratégias de mudança do capitalismo;
d) globalização como uma ideologia – uma força maior que direciona as
idéias e os sistemas, incluindo o capitalismo;
e) globalização como um fenômeno – considera uma relação de causa e
efeito do capitalismo do novo milênio na sua busca pela acumulação de
excedente de capital;
f) globalização como um processo e como um fenômeno – processo de
acumulação pelo capitalismo global que ao mesmo tempo se expande
para novas fronteiras e oportunidades para aumentar essa acumulação.
Embora não exista um consenso no que se refere ao conceito de globalização, esta pode
ser definida como um processo de propagação do capitalismo do novo milênio e de seus
princípios de acúmulo e concentração de capital que representa, simultaneamente, um
fenômeno multidimensional impulsionado por forças de diferentes naturezas (ex:
16 do mundo em todas as áreas do saber, inclusive na Administração Pública
(FARAZMAND, 2007). Para este estudo, o fenômeno da globalização é definido como
“um processo pelo qual as atividades estatais são desagregadas em favor de uma
estrutura de relações entre diferentes atores que operam em um contexto que é global”
(GUEDES, 2006, p. 337).
De acordo com a World Comission on the Social Dimension of Globalization –
WCSDG, estabelecida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2004), a
globalização inicia um processo de mudanças que afeta a todos, impulsionando a
percepção de que todos fazem parte de uma comunidade global. Esta visão reforça a
idéia de interdependência, compromisso com a partilha dos valores universais, bem
como da solidariedade entre os povos. A WCSDG (OIT, 2004) acredita que os
benefícios da globalização podem ser estendidos para mais pessoas e melhor
distribuídos entre os países e dentro deles. Esta defende ainda que a economia de
mercado global tem demonstrado grande capacidade produtiva e que gerenciada da
melhor forma pode proporcionar um progresso material sem precedentes, gerar
empregos mais produtivos, além de contribuir significativamente para a redução da
pobreza no mundo. Tais afirmações corroboram um discurso a favor da globalização
devido aos seus benefícios.
Em contrapartida, muitos questionamentos são levantados quanto ao tema
“globalização” ao redor do mundo. Banerjee e Linstead (2001) destacam que, para os
críticos da globalização, esta retórica está diretamente vinculada à natureza de duas
promessas:
• se "nós" vivemos em um mundo global, exatamente quem constitui esse "nós"? A quem este discurso se direciona e por quem foi feito?
• quais são os custos e benefícios da globalização e como ocorre a distribuição destes entre países, povos e regiões?
Held (2004) reforça este debate ao defender que a principal divisão a respeito da
globalização se dá entre os teóricos que entendem a desigualdade global como um
resultado inevitável dos dois séculos de industrialização no ocidente e que a interpretam
como uma força poderosa para a distribuição de riqueza e redução de pobreza, em
contrapartida àqueles que argumentam que a globalização provoca o efeito contrário,
17 aspecto que demonstra a desigualdade em torno da globalização é o comércio
internacional. Embora existam evidências do aumento significativo do comércio
mundial, há claras evidências de que este é fortemente concentrado nas trocas
comerciais entre os países industrializados (WOODS e HURRELL, 2002).
Muitas pessoas estão excluídas do processo de globalização, vivendo à beira da
economia informal, sem o reconhecimento de seus direitos e em uma faixa de países
pobres que subsistem precariamente às margens da economia global. Até mesmo em
países bem sucedidos economicamente é possível identificar trabalhadores e
comunidades prejudicados pela globalização. Ao mesmo tempo, a revolução das
comunicações globais eleva a consciência destas disparidades. Ou seja, o atual processo
de globalização está gerando resultados desequilibrados (OIT, 2004).
Neste sentido, argumenta-se a importância das instituições no que se refere à análise
profunda da política nacional, garantindo desta forma o cumprimento dos acordos
assinados internacionalmente pelos países, que vão desde temas como meio ambiente
até o comércio e o controle de armas. Para que isto seja feito de forma eficaz é
necessária a participação e o empenho de diferentes atores (Estados, empresas,
sociedade civil, organizações internacionais). A associação entre estes diferentes
agentes sociais se deve pelo fato da globalização ter sido fortemente moldada por
aqueles que têm o poder de elaborar e fazer cumprir as regras que são aplicáveis. Os
tomadores de decisão dependem cada vez mais de um grupo amplo de atores e uma
ampla gama de instituições(WOODS e HURRELL, 2002).
Nota-se, entretanto, que tanto na ótica liberal ortodoxa quanto em uma visão crítica
radical estão presentes traços deterministas. Para ambos, a globalização é apresentada
como um fenômeno que se submete ao império das leis econômicas e suas instituições.
Como consequência, os governos nacionais passam a ser analisados como objetos
passivos que são vítimas de forças incontroláveis, sendo, portanto, reduzidos à
impotência. Ou seja, a ação política se anula em relação à supervalorização dos
mecanismos econômicos e reduz a responsabilidade dos governantes pelos erros e
acertos das políticas adotadas (DINIZ, 2007).
Visto isto, para muitos teóricos a globalização constitui um constructo cujo foco está
nos meios e nos fins da sua elaboração, nas instituições interessadas no discurso, e nos
discursos provenientes de suas consequências. Como, por exemplo, o fato de que a
18 expansão por novos mercados e na integração internacional dos capitais e dos meios de
produção. No entanto, a internacionalização das trocas econômicas, o avanço
tecnológico, a expansão das empresas transnacionais e os avanços dos meios de
comunicação não justificam o argumento de que estas relações são nitidamente
“globais” (BANERJEE e LINSTEAD, 2001).
Pelo contrário, para este estudo, o que precisamente pode ser compreendido como
verdadeiramente “global” evidenciado nas últimas décadas do século XX são a
transformações das mudanças ambientais em desafios globais. Logo, com o objetivo de
incrementar ainda mais este debate, torna-se de suma importância desvelar a
globalização sob a perspectiva da sustentabilidade (GUIMARÃES, 1991;
GUIMARÃES, 2004; GUIMARÃES, RUNTE e FONTOURA, 2009).
Primeiramente, nos últimos anos o debate em torno do desenvolvimento foi intenso,
entretanto, o termo estava associado a “crescimento econômico”. De fato, crescimento
econômico é uma das formas de se medir o desenvolvimento, mas está longe de ser o
único parâmetro existente. O foco neste modelo desenvolvimentista disseminado ao
redor do mundo com base no consumismo e na acumulação crescente de excedentes de
capital acarretou em um afastamento do seres humanos da ética da preservação do
patrimônio natural, bem como da qualidade de vida da população mundial
(GUIMARÃES, 1991; GUIMARÃES, 2004; GUIMARÃES, RUNTE e FONTOURA,
2009).
Diante deste contexto, Guimarães (2007) aprofunda o debate em torno desse novo
paradigma de desenvolvimento quando nos adverte que ele deve ser sustentável em
quatro dimensões: ambiental (preservação de recursos naturais e da biodiversidade),
social (promovendo qualidade de vida, justiça e equidade), cultural (preservação das
diferentes formas de manifestação cultural através dos tempos), e político (na garantia
da democracia, do acesso e da participação da sociedade na tomada de decisão).
É importante destacar que tal modelo de desenvolvimento, com foco no crescimento
econômico ascendente e ilimitado, ainda predominante na sociedade contemporânea
mundial, acarreta graves problemas ambientais que somente assumem o caráter de
preocupação internacional quando manifestam os seus impactos globais. Soma-se a isto
o fato de que os recursos naturais são essenciais para que qualquer atividade econômica
se estabeleça, seja diretamente ou indiretamente. Logo, este processo de “globalização
19 fauna, flora e fontes não renováveis de energia, assim como também ocasiona a
deterioração de processos naturais cruciais para a existência de vida na Terra
(GUIMARÃES, 1991; GUIMARÃES, 2004; GUIMARÃES, RUNTE e FONTOURA,
2009).
Após a análise acima, pode-se afirmar que o aspecto ambiental é, por definição, também
o único aspecto inteiramente global, uma vez que nenhum país deixará de sofrer os
efeitos das mudanças ambientais globais que alteram os ciclos vitais da natureza.
Processos como o aumento do buraco da camada de ozônio, a aceleração das mudanças
climáticas e a redução da camada de gelo nos pólos planetários afetam o mundo inteiro,
até mesmo aqueles que não contribuem para o seu acontecimento. Deste modo, é
preciso uma ação conjunta para responder à crise de sustentabilidade global
(GUIMARÃES, 1991; GUIMARÃES, 2004; GUIMARÃES, RUNTE e FONTOURA,
2009).
Tanto com o viés econômico quanto com o viés da sustentabilidade é importante
compreender que a globalização proporcionou uma nova distribuição do poder entre
Estados, mercados e sociedade civil. Junto a isto, novos modelos de tecnologias de
informação auxiliaram a expansão das redes de empresas, cidadãos, sindicatos,
organizações internacionais e organizações não-governamentais (ONGs), que
atualmente compartilham aspectos de poder com os governos. Como consequência
disto, o locus do poder político efetivo não é mais exclusivo dos governos nacionais. Ao
contrário, este poder político é compartilhado, trocado e contestado por diversas forças e
organismos, públicos e privados que atravessam os domínios nacionais, regionais e
internacionais (HELD, 2004), compreendendo desta forma um novo modelo de
governança global. Tal conceito será abordado na próxima seção de forma a analisar os
principais aspectos da governança global e o processo de transferência de política,
diretamente relacionado com o tema da pesquisa.
2.2 Governança global e transferência de política
Para aprofundar a análise em torno da questão ambiental, mais especificamente, no que
se refere à biossegurança, torna-se de suma importância uma melhor compreensão do
que vem a ser governança global e transferência de política dentro do contexto de
20 aspectos relevantes destes conceitos para o tema da pesquisa em questão e de que forma
tais processos impactam nas decisões e no futuro do meio ambiente.
Dada a complexidade da sociedade contemporânea e da importância das relações entre
os diferentes atores que a constituem a nível mundial emergem questionamentos quanto
a necessidade da resolução de problemas que atingem a todos os governos nacionais.
Questões como o crescimento populacional e da pobreza, conflitos étnico-religiosos
com repercussões internacionais, terrorismo, desenvolvimento econômico e a proteção
dos recursos naturais ultrapassam as barreiras nacionais. Neste sentido, a comunidade
internacional passou a enfatizar e defender uma tentativa de governança em âmbito
global (LOHBAUER, 1999).
Atrelado a essas discussões, retoma-se o pensamento de Immanuel Kant em duas das
mais influentes obras da segunda metade do século XVIII: a primeira, Idéia para uma
História Universal com um Propósito Cosmopolita, escrita em 1784 e a segunda, Para
uma Paz Perpétua, em 1795. Nestes ensaios, Kant analisou os caminhos para “a paz
perpétua” permanente (eliminação de qualquer hostilidade) e efetuou o exame das ações
e dos comportamentos dos Estados que dificultam sua realização. Para Kant os
caminhos se dariam pelo ideal cosmopolita característico de uma federação entre
independentes repúblicas na qual todos respeitariam os direitos básicos dos cidadãos e
por meio do estabelecimento de um espaço público que garantisse a liberdade de toda a
população como parte de uma cidadania mundial governada pelo império da lei como
um determinante da razão. Neste sentido, o ideal de paz permanente entre os povos se
desenvolve em dois planos. Primeiramente pela interconexão da população global
impulsionada pela “mão invisível” da prática do livre comércio (“espírito de comércio”)
na qual todos os indivíduos seriam absorvidos e as probabilidades de guerra seriam
reduzidas e incompatíveis com esta realidade. Já no segundo plano Kant ressalta que o
caráter multidimensional e positivo da paz requer a existência de instituições advindas
de um direito acima das leis nacionais, ou seja, um “Direito global” de forma a
homogeneizar a comunidade humana na crença de que um modelo de federalismo
mundial correspondesse à necessidade vislumbrada de paz definitiva entre os Estados
(CAMARGO, 1999).
Portanto, o filósofo alemão foi basicamente um dos precursores da necessidade de uma
governança global como mecanismo para a adoção de uma forma democrática de
21 sistema de Direito Institucional universal. Ao transportar os ideais liberais kantianos
para os dias atuais, constata-se que a paz permanente está longe de ser alcançada por
vários motivos como, por exemplo, o efeito contrário do “espírito de comércio” que se
transformou em “espírito de competição” definido pelo individualismo e pelo excesso
de hierarquia, ressaltando também que as possibilidades de guerra não foram evitadas e
que a diversidade cultural e as identidades humanas não foram homogeneizadas, pelo
contrário, foram exacerbadas, propiciando o surgimento de conflitos étnicos e
fundamentalismos religiosos. No entanto, a ótica kantiana permitiu a ampliação do
debate em torno de novas formas de governança global para a solução de problemas que
afetam o planeta e a humanidade (CAMARGO, 1999). Acrescenta-se a isto, a obra
Power and Interdependence: World Politics in Transitions (2001) de Robert Keohane e
Joseph Nye na qual os autores evidenciavam a crescente importância da complexa
interdependência entre os Estados, bem como a existência de múltiplos canais de redes
de relacionamento sociais e políticas entre os países.
Ao longo do processo de globalização, torna-se mais evidente para os Estados e para os
demais atores sociais que seus valores são cada vez mais afetados pela ação uns dos
outros. Com isto, eles buscam regular os efeitos dessa interdependência. Isto é,
“governar a globalização”. Neste caso a governança se dá por meio de diferentes
formas, como por exemplo: ações estatais unilaterais dentro do seu próprio território;
ações unilaterais fora dos territórios dos Estados e dos blocos; cooperação regional para
aumentar a efetividade das políticas; cooperação multilateral em nível global por meio
da criação de regimes internacionais; e; cooperação transnacional e transgovernamental
sem que envolvam a ação do Estado (KEOHANE e NYE, 2001).
Para Keohane e Nye (2001), no processo de negociação política, faz-se necessário
compreender como e por que mudam os regimes internacionais. A complexidade deste
tema se deve ao fato de que algumas das regras desta interdependência entre os atores
estatais e não estatais no cenário global são nacionais, algumas internacionais e outras
de áreas privadas. Após a Segunda Guerra Mundial conjuntos específicos de regras e
procedimentos foram desenvolvidos para orientar os estados e os atores transnacionais
em diversas áreas, tais como: ajuda aos países menos desenvolvidos; proteção do meio
ambiente; conservação da pesca; política alimentar internacional; coordenações
meteorológicas internacionais; política monetária internacional; regulação de
22 transporte marítimo internacional; comércio internacional; entre outras.
Destacam-se neste processo de governança global o papel das instituições nos Estados,
uma vez que estabelecem quais assuntos são de competência dos Estados e quais são
definidos como questões geopolíticas. Os problemas globais se devem em função da
riqueza e da complexidade das interconexões que agora transcendem os Estados e as
sociedades na ordem global. Como descrito anteriormente, de acordo com esta nova
fase do capitalismo, a política global está ancorada não apenas nas tradicionais
preocupações geopolíticas (comércio, energia, segurança), mas também em outras
questões sociais e ecológicas. Temas como poluição, abastecimento de água,
organismos geneticamente modificados e drogas encontram-se entre um número
crescente de questões políticas que exigem uma cooperação internacional para a sua
resolução. Isto justifica o fato de existirem nos últimos anos múltiplas esferas políticas e
de autoridade nesta nova configuração internacional (KEOHANE e NYE, 2001; HELD,
2004).
Muitas são as definições para governança global (quais atores estariam envolvidos?,
qual seria o papel dos Estados?), porém nenhum consenso foi alcançado na esfera
acadêmica, embora não seja eliminada a importância que o tema requer. De acordo com
o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) governança é definida
como um sistema de valores, políticas e instituições pelo qual a sociedade organiza uma
tomada de decisão coletiva e as ações de ordem política, econômica, sociocultural e
ambiental ocorrem por meio da interação entre Estado, sociedade civil e do setor
privado. Soma-se a isto o fato de que para este programa a governança compreende os
mecanismos, processos e instituições pelas quais os cidadãos e grupos organizados
articulam seus interesses individuais, avaliam suas diferenças e exercem seus direitos e
obrigações legais, tendo como princípios fundamentais para a “boa governança” o
respeito pelos direitos humanos, a abertura política, a participação de diferentes atores
da sociedade, a tolerância, a capacidade administrativa e burocrática, além da eficiência
(UNDP, 2002).
Camargo (1999) amplia o debate no conceito de governança ao relatar que a forma
como as principais instituições liberais internacionais (Banco Mundial, Organização das
Nações Unidas - ONU, Fundo Monetário Internacional - FMI, entre outras) definem
governança representa uma forma de legitimar suas orientações e seus projetos, além de
23 evidenciar este argumento a autora descreve que, a partir de 1989, algumas
organizações internacionais, como Banco Mundial, fizeram o uso do termo governança
para qualificar a situação precária do continente africano como uma “crise de
governança” (CAMARGO, 1999).
Embora seja um conceito incorporado por diferentes percepções e ideologias, Lohbauer
(1999, p.42) defende a hipótese de que a idéia de governança global implica em “pensar
caminhos para tornar o mundo um local melhor para a convivência dos povos”. Muito
mais do que a criação utópica de um “governo mundial” a governança global implica
em medidas que garantam a segurança dos povos, a organização da economia mundial,
além do fortalecimento das leis universais, ou seja, prover instituições globais que
melhor atendam as necessidades do mundo após a Guerra Fria. Isto não significa uma
ênfase na uniformidade, ao contrário, prevalecem valores como diversidade,
cooperação, colaboração, em um sistema descentralizado sob as bases de valores
compartilhados (LOHBAUER, 1999).
A governança global é um sistema de várias partes envolvidas, multidimensional e com
múltiplos atores. Ela também é multifacetada na medida em que o desenvolvimento e a
implementação de políticas globais envolvem um processo de coordenação política
entre as agências supraestatais, transnacionais, nacionais e, em alguns casos, agências
dentro do próprio Estado. Sendo assim, a governança global é um complexo de
múltiplos atores na qual atuam diversas agências no desenvolvimento de uma política
pública global. Ressalta-se, entretanto, que esta concepção essencialmente pluralista de
governança global não pressupõe que todos os Estados ou grupos de interesse possuam
a mesma voz, ou seja, a mesma influência nas agendas ou nos programas que atuam. As
redes globais de política pública estão remodelando a base sobre a qual as normas
nacionais e internacionais são feitas e operam nos sistemas de regulação. Já não existe
uma separação rígida entre o público e o privado, o nacional e o internacional, no que
tange aos procedimentos e aos mecanismos legais de legislar e de executar, não
seguindo a lógica única dos Estados (HELD, 2004).
Já para Ronit (2001) dois aspectos estão internalizados no conceito de governança
global. O primeiro é que existem inúmeros problemas mundiais que nem os países
sozinhos ou em cooperações regionais podem resolver satisfatoriamente. O segundo é
que a solução desses problemas não está em uma maior cooperação entre os países, e
24 envolver instituições globais para que estes problemas sejam resolvidos. Diferentes
atores também podem contribuir em áreas onde a cooperação entre governos esteja
funcionando e em áreas onde os conflitos tornaram tal cooperação impossível ou pouco
eficiente (RONIT, 2001). Ou seja, o fator “cooperação” deve ser enfatizado como meio
para a resolução de problemas pela participação não apenas do Estado, mas de uma
complexa rede social, composta principalmente por organizações governamentais e
não-governamentais, tanto nacionais quanto internacionais, além da contribuição direta de
comunidades epistêmicas.
Para isto, as políticas governamentais requerem não apenas a mobilização de
instrumentos institucionais técnicos, organizacionais e de gestão, sob controle dos
burocratas para obterem êxito em suas ações, mas precisam também de estratégias
políticas, de articulação e de coalizões para conseguirem sustentabilidade e legitimidade
nas tomadas de decisões, o que deve ser efetuado por quem quer que ocupe o poder,
independente do grupo, partido ou ideologia a que esteja vinculado (BENTO, 2003).
Com o objetivo de compreender melhor como se dá o processo de governança global, é
preciso distinguir os termos “governança” e “governabilidade”. Em primeiro lugar,
governança se refere aos pré-requisitos institucionais necessários para a otimização do
desempenho administrativo, ou seja, ao conjunto dos instrumentos técnicos de gestão
que garante tanto a eficiência quanto a democratização das políticas públicas (BENTO,
2003). Isto é, o conceito está ligado à ação estatal na execução de políticas e suas metas
coletivas por meio de mecanismos e procedimentos que abranjam os aspectos plurais e
participativos da sociedade, o que acarreta, por sua vez, ampliar e aperfeiçoar os meios
de interlocução e administração da gama de interesses (BENTO, 2003; DINIZ, 1996).
Por outro lado, a governabilidade está relacionada com as condições do ambiente
político que ocorrem (ou devem ocorrer) as ações administrativas em relação à
legitimidade, credibilidade e imagens públicas da burocracia e do governo. Neste caso,
a governabilidade se refere às condições materiais do exercício do poder, bem como à
legitimidade e sustentação política de cada governo. Já a governança está relacionada
com os aspectos mais instrumentais do exercício do poder e no cumprimento das metas
governamentais definidas a priori (BENTO, 2003).
Sendo assim, em uma escala maior de governabilidade, a governança global reflete uma
nova forma de organização entre os arranjos de autoridade já existentes e o processo de
25 Pierre (1998), surge na governança uma nova forma de governar, em contraponto à
administração pública tradicional, que emerge a partir de modificações na relação entre
governo e o setor privado. Tais alterações nos levam a refletir sobre o papel do Estado
no novo contexto democrático. Nesta conjuntura, o Estado passa de ator central das
decisões democráticas para mediador e árbitro das articulações políticas, sociais e
econômicas intergovernamentais e transnacionais, na qual se destaca o papel da
sociedade civil organizada, organismos internacionais e empresas transnacionais.
Portanto, para o processo de governança global as instituições sociais representam um
conjunto de múltiplos papéis interligados reconhecidos por regras comuns ou
convenções que regem e governam tais interações. Neste sentido, ressalta-se o fato de
que as instituições internacionais influenciam diretamente a interação entre os membros
da sociedade, os padrões de consumo, e consequentemente, as forças demográficas,
além de atuarem tanto por forças subjacentes quanto imediatas (YOUNG, 1989; 2008).
No entanto, Kehoane e Nye (2001) defendem que a instituição-chave para o futuro da
governança global será o Estado-Nação. Em face à globalização, é possível que apenas
medidas unilaterais sejam insuficientes fazendo com que os Estados se disponham a
sacrificar parte de sua própria liberdade de ação legal, se restringindo e se tornando
mais previsível à ação dos outros, dando lugar à uma cooperação no nível regional. O
regionalismo atua tanto como uma resposta à política interna como também à
globalização. Com a “regionalização”, um grupo de Estados consegue alcançar uma
“massa crítica” suficiente para possibilitar maior eficácia frente às corporações globais e
outras entidades. A União Européia como um bloco, por exemplo, encontra-se mais
bem preparada em responder às políticas unilaterais estadunidenses do que,
individualmente, os países europeus.
Após análise anterior sobre as definições de governança, a presente dissertação a define,
como propõe Guimarães (2004), como a soma de indivíduos e instituições, sejam eles
públicos ou privados, gerenciando assuntos comuns ou como uma estrutura de sistemas
econômicos, sociais, políticos e legais por meio da qual a humanidade se organiza. Para
que ocorra um processo de governança global aceitável, toma-se os três critérios
processuais defendidos por Keohane (2001): accountability (responsabilização das
elites); participação (os princípios democráticos exigem que algum nível de
participação nas tomadas de decisões coletivas seja aberto para todos); e por fim;
26 para a comunicação, afastada significativamente do uso da força e das ameaças e
sanções, e, aberta para evitar a manipulação).
Ao analisar a questão da biossegurança, deve-se atentar que ela também se encontra
como parte de uma configuração de governança global na qual diferentes atores estão
envolvidos e que suas repercussões impactam os seres humanos como um todo. Isto se
deve ao fato de o acirramento da crise ambiental das últimas décadas e as
transformações naturais do Planeta despertarem a humanidade, principalmente, os
Estados, instituições e organizações, para uma necessidade de governança global cujo
foco encontra-se na garantia futura dos recursos naturais (bióticos e abióticos) existentes
e, concretamente, da espécie humana (GUIMARÃES, RUNTE e FONTOURA, 2009).
Neste contexto, observa-se o processo de transferência de política como um dos
instrumentos de governança global que vai influenciar diretamente na garantia do futuro
da biodiversidade ao redor do mundo. Para melhor compreender o que significa
transferência de política e suas repercussões dentro de um processo mais amplo de
governança global, faz-se necessário uma reflexão em torno deste tema.
Os processos de globalização, governança global e avanços tecnológicos intensificaram
o processo de transferência de política, na qual a formulação de políticas públicas para o
desenvolvimento social é influenciada por experiências em contextos políticos
diferentes (DOLOWITZ e MARSH, 1996; 2000; STONE, 2004; HULME, 2006;
EVANS, 2004; 2006). De acordo com Dolowitz e Marsh (2000) a transferência de
política é o processo pelo qual o conhecimento a respeito de políticas públicas, arranjos
administrativos, instituições e idéias em um cenário político (passado ou presente) são
utilizados como modelo para o desenvolvimento de políticas, arranjos administrativos,
instituições e idéias em outro cenário político.
Neste sentido, Stone (2004) defende que a transferência de idéias ou programas é,
algumas vezes, sustentada por um profundo e precedente processo de aprendizagem. Ou
seja, a transferência de política ocorre quando os formuladores de políticas ajustam seus
entendimentos cognitivos sobre o desenvolvimento político e modificam as políticas
adotadas à luz dos conhecimentos adquiridos de experiências anteriores. Para este tipo
27 aprendizagem2) no qual determinadas “lições” de um lugar e tempo específico resultam
em uma mudança política e institucional em outro local e tempo. De acordo com Rose
(1993), o processo de aprendizagem ocorre a partir do passado ou de experiências
externas à organização, além do adotante participar de forma ativa. Neste caso, as lições
mal sucedidas servem de exemplo de como não proceder (ROSE, 1991; 1993;
DOLOWITZ e MARSH, 1996; EVANS, 2006). Destacam-se como exemplos de
transferência de política no campo da Administração Pública, no que se refere a
aprendizado entre nações, a privatização e a propagação do conceito e das idéias
defendidas pelo New Public Management como estratégias de reformas do Estado
(MOSSBERGER e HAROLD, 2003).
O termo transferência de política abrange tanto a transferência voluntária quanto a
coerciva. Como exemplo, Evans (2006) destaca que a economia política de
desenvolvimento para países mais pobres se caracteriza pela adoção de políticas de
ajuste estrutural em troca de investimento do Fundo Monetário Internacional (FMI) ou
do Banco Mundial. Já em casos de coerção mais direta, os governos são obrigados a
adotar mudanças constitucionais, sociais e políticas contra a sua vontade e da
população. Este tipo de transferência foi mais expressiva em períodos imperialistas e
suas consequências podem ser observadas até hoje em países como Quênia, Índia,
Paquistão, Sri Lanka, África do Sul e Zimbábue (EVANS, 2006).
A figura 1.0 evidencia o conceito de transferência de política como um processo
contínuo que vai do aprendizado até a imposição direta de um programa, de uma
política ou de um arranjo institucional de um sistema político para outro.