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O controle social como instrumento para efetivação da cidadania no Brasil: um estudo a partir das redes Observatório Social do Brasil (OSB) e Amigos Associados de Ribeirão Bonito (AMARRIBO)

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃOEM DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO

HELIETE RODRIGUES VIANA

O CONTROLE SOCIAL como instrumento para efetivação da cidadania no Brasil: um estudo a partir das redes Observatório Social do Brasil (OSB) e Amigos Associados

de Ribeirão Bonito (AMARRIBO)

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HELIETE RODRIGUES VIANA

O CONTROLE SOCIAL como instrumento para efetivação da cidadania no Brasil: um estudo a partir das redes Observatório Social do Brasil (OSB) e Amigos Associados de

Ribeirão Bonito (AMARRIBO)

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Direito Político e Econômico do Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito Político e Econômico.

Área de Concentração: Direito Político e Econômico

Orientador: Professor Doutor Hélcio Ribeiro

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V614c Viana, Heliete Rodrigues

O controle social como instrumento para efetivação da cidadania no Brasil: um estudo a partir das redes Observatório Social do Brasil (OSB) e Amigos Associados de Ribeirão Bonito (AMARRIBO). / Heliete Rodrigues Viana. – 2016.

263 f. : il. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2016.

Orientador: Hélcio Ribeiro Bibliografia: f. 230-236

1. Democracia. 2. Cidadania. 3. Controle social. 4. Accountability. I. Título

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HELIETE RODRIGUES VIANA

O CONTROLE SOCIAL como instrumento para efetivação da cidadania no Brasil: um estudo a partir das redes Observatório Social do Brasil (OSB) e Amigos Associados de

Ribeirão Bonito (AMARRIBO)

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Direito Político e Econômico do Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito Político e Econômico.

Área de Concentração: Direito Político e Econômico

Aprovada em de de .

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________________________________________

Professor Doutor Hélcio Ribeiro – Orientador Universidade Presbiteriana Mackenzie – São Paulo

Professor Doutor Arthur Capella

Universidade Presbiteriana Mackenzie – São Paulo

_____________________________________________________________________________________

Professor Doutor Pietro de Jesus Alarcon

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Aos meus queridos pais e irmãos pelo incentivo e apoio à realização deste projeto de vida.

A todo aquele que compartilha dos mesmos valores e ideais que motivam a realização deste trabalho...

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AGRADECIMENTOS

É com imenso júbilo e gratidão que chego a esse tão esperado momento da jornada do Mestrado em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie; uma jornada rica em aprendizagem, conhecimento e compartilhamento de experiências que manterei sempre acesos na memória da minha mente e do meu coração.

Este, pois, é o momento de agradecer a tudo e a todos que, na trajetória, se revelaram especiais para que este momento se tornasse real; e, na singularidade de cada um, contribuíram para o êxito da jornada. Assim:

À Deus, primeiramente, que concede a todos a vida e a sabedoria para que, através dela, busquemos a realização pessoal, espiritual e coletiva; e que me concedeu a graça da grande experiência em que se resume esta formação acadêmica.

Agradeço, de modo especial, ao meu orientador, o Professor Doutor Hélcio Ribeiro, pela constante disponibilidade para compartilhar os seus conhecimentos, auxiliando-me com sabedoria e clareza na articulação das idéias e dos referenciais da pesquisa que ora se materializam neste trabalho último do Mestrado.

Honra-me, ainda, para o aprimoramento do meu trabalho de pesquisa, a contribuição do ilustre examinador Professor Doutor Pietro de Jesus Alarcón das bancas de qualificação e defesa do Mestrado, assim como do examinador Professor Doutor Arthur Capella.

Especial agradecimento também dirijo aos nobres Professores Doutores do Mestrado em Direito Político e Econômico, que com muita competência, mas também com a humildade que enobrece o ser, compartilharam os seus mais elevados conhecimentos, auxiliando-me também a trilhar tão importante jornada, especialmente os Professores Doutores Alysson Leandro Mascaro, Gianpaolo Smanio e Felipe Chiarello.

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Aos queridos funcionários da Coordenação da Pós-Graduação em Direito, Cristiane e Gabriel, pela atenção e carinho constantes no atendimento das demandas dos alunos.

Aos queridos colegas do curso de Mestrado, em especial aqueles com quem tive a honra e a alegria de compartilhar cada importante etapa do curso e com os quais pude construir valiosas amizades: Homero Fornari, Sylvia Mellín e Pedro Vitor Costa.

Ao colega de importantes disciplinas no curso de Mestrado, o doutorando Luiz Ismael, o qual jamais poupa esforços para auxiliar os demais colegas.

Aos amigos Diorlene Silva e Karl Erik Pristed pela colaboração especial que me prestaram na busca do conhecimento.

Ao colega e amigo querido André Luiz Magalhães, Procurador do Estado da Bahia, de quem recebi especial força e incentivo para concretizar esse valoroso projeto de vida.

Aos membros das organizações não governamentais OSB e AMARRIBO Brasil, estudadas neste trabalho, pela receptividade e confiança em mim depositadas durante todas as etapas da pesquisa.

A todos os amigos que a vida me concedeu, mesmo não estando aqui nominados, por simplesmente serem amigos sempre.

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O poder é sempre um potencial do poder, não uma entidade imutável, mensurável, e confiável como a força. Enquanto a força é a qualidade natural de um indivíduo isolado; o poder existe entre os homens enquanto eles estão juntos. Todo aquele que por algum motivo se isola e não participa dessa convivência renuncia ao poder e se torna impotente, por maior que seja a sua força ou por mais válidas que sejam suas razões.

Hannah Arendt1

A democracia é uma conquista muito importante, e é uma conquista que tem que ser feita praticamente todos os dias.

Boaventura de Souza Santos2

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RESUMO

O presente trabalho de pesquisa teve por objetivo investigar, por meio de um estudo de casos múltiplos, como vem se desenvolvendo no Estado brasileiro, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a forma de controle da Administração Pública concebida como

controle social. Escolheu-se para o estudo de casos as organizações não governamentais e redes de controle e fiscalização da gestão pública Observatório Social do Brasil (OSB) e Amigos Associados de Ribeirão Bonito (AMARRIBO Brasil). O estudo de casos envolveu uma análise qualitativa, de caráter descritivo, das ações desenvolvidas pelas duas organizações da sociedade civil, selecionadas pela contribuição prestada ao fortalecimento do

controle social em nosso país, o que possibilitou uma base mais abrangente para estudo. As principais técnicas para a coleta dos dados do estudo foram o recurso a fontes documentais, entrevistas semi-estruturadas com atores-chave e observações, auxiliados pela análise de conteúdos obtidos por meio da incursão nos sites das entidades. O estudo partiu da análise da disciplina constitucional e infraconstitucional acerca das possibilidades de exercício do

controle social, cotejada com pesquisa bibliográfica e jurisprudencial acerca do tema. Os referenciais teóricos da pesquisa foram obtidos por meio da análise de teorias contemporâneas acerca da democracia e da participação social, com destaque para o papel e as iniciativas da esfera social a que se denomina sociedade civil, bem como dos fundamentos teóricos do controle da administração pública, buscando-se obter possíveis respostas para os problemas da pesquisa, a partir de uma análise crítica. Constatou-se que as organizações estudadas buscam desenvolver práticas condizentes com os objetivos estatutários, através de ações voluntárias, mas dotadas de elevado profissionalismo, encontrando limites tão somente no reduzido número de atores-sociais envolvidos e de recursos financeiros disponibilizados. O estudo de caso possibilitou, ainda, constatar que o ordenamento jurídico brasileiro prevê instrumentos hábeis a permitir o exercício do direito à participação e ao controle social, carecendo os mesmos, todavia, de um lado, de urgente implementação por parte dos entes e respectivos agentes públicos responsáveis e, de outro, do interesse dos titulares desses direitos, os cidadãos, individual e coletivamente, em exigi-los e exercê-los.

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ABSTRACT

The present research aimed to investigate the form of control of public administration conceived as social control through a study of multiple cases, as it has been developed in the Brazilian State after the promulgation of the Constitution of 1988. Social Observatory of Brazil (OSB) and Friends of Ribeirão Bonito Associates (AMARRIBO Brazil) were the non-governmental organizations and networks of control and supervision of public management which were chosen for the case study. The case study involved a qualitative and descriptive analysis of the actions developed by both civil society organizations, selected by their contribution to the strengthening of social control in our country, which enabled a more comprehensive basis for study. The main techniques used for the collecting of the study data were the use of documentary sources, semi-structured interviews with those who played a key role in the study and observations, aided by the analysis of the contents obtained by the incursion into the entities websites. The study was based on the analysis of the constitutional and infra-constitutional discipline about the possibilities of exercising social control, in contrast to bibliographical and jurisprudential research on the subject. The research theoretical framework was obtained by the analysis of contemporary theories about democracy and social participation, highlighting the role and initiatives of the social sphere that is called civil society, as well as the theoretical foundations of the public administration control, seeking possible answers to the problems of the research, from a critical analysis. It was found that the studied organizations seek to develop practices consistent with the statutory objectives through their voluntary actions, but endowed with high professionalism, finding limits only on the small number of social actors involved and on available financial resources. The case study also made it possible to see that the Brazilian legal system provides skilled instruments to allow the exercise of the right to participation and social control, lacking, however, on the one hand the urgent implementation by the entities and their responsible public officials and on the other, the interests of the holders of these rights, the citizens, individually and collectively, to require those rights and exercise them.

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LISTA DE FIGURAS

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LISTA DE ABREVIATURAS

ABRACCI Articulação Brasileira de Combate à Corrupção e à Impunidade AMASA Associação Amigos Associados de Analândia – São Paulo AMARRIBO Associação Amigos Associados de Ribeirão Bonito ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento BSC Big Society Capital

IACC Conferência Internacional Anticorrupção CAE Conselho de Alimentação Escolar

CNJ Conselho Nacional de Justiça

CNMP Conselho Nacional do Ministério Público CF Constituição Federal

CGU Controladoria Geral da União EC Emenda Constitucional

ENOS Encontro Nacional de Observatórios Sociais

ENCLA Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro ESFN European Social Franchising Network

OSE European Social Observatory

IGP-CP Indicadores de Gestão Pública de Curto Prazo IGP-LP Indicadores de Gestão Pública de Longo Prazo ICF Instituto de Cidadania Fiscal

IFC Instituto de Fiscalização e Controle

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira LC Lei Complementar

LAI Lei de Acesso à Informação

MCCE Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral OS Observatório Social

OSSJC-SP Observatório Social de São José dos Campos – São Paulo OSB Observatório Social do Brasil

OSP Observatório de Segurança Pública da UNESP ONG Organização Não Governamental

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GESPÚBLICA Programa de Qualidade na Gestão Pública

PROMOEX Programa de Modernização do Sistema de Controle Externo dos Estados e Municípios Brasileiros

STN Secretaria do Tesouro Nacional SIC Serviço de Informação ao Cidadão SESI Serviço Social da Indústria

SCF Sistema de Contabilidade Federal

SIM Sistema Informatizado de Monitoramento das Licitações STF Supremo Tribunal Federal

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...16

1. DEMOCRACIA, PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA ATIVA: O QUE INFORMAM ESSES CONCEITOS PARA O CONTROLE SOCIAL NO BRASIL...23 1.1 A urgência e emergência de uma cidadania plena e ativa...23 1.2 A Democracia: para onde caminha?...34 1.3 Participação social e cidadania ativa como aliados do controle social a partir de uma perspectiva habermasiana...38

2. O CONTROLE SOCIAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL: MITO OU REALIDADE JURÍDICO-INSTITUCIONAL...45 2.1 Algumas notas introdutórias sobre o controle da administração pública...45 2.2 Controle Administrativo do Estado ou Controle do Estado-Administrador ou Controle administrativo da Administração Pública. ...49 2.3 Controle interno e controle externo: a importância do agente controlador nos processos de controle da Administração Pública...53 2.3.1 Controle de resultado ou avaliação da função pública: uma nova tendência no controle externo das contas públicas. ...63 2.4 O controle social como mecanismo de participação da sociedade na Administração Pública: um instrumento democrático para a efetivação da cidadania...66 2.4.1 A perspectiva institucional do controle social na ordem jurídico-institucional brasileira...72 2.5 Transparência, controle social e accountability. ...77 2.5.1 Um diagnóstico da Transparência Pública no Brasil a partir de três iniciativas...81 2.5.1.1 Projeto Transparência nas Contas Públicas do Ministério Público do Estado da Bahia. ...81 2.5.1.2 O “Índice de Transparência” desenvolvido pela Associação Contas Abertas...89 2.5.1.3 A Escala Brasil Transparente da Controladoria-Geral da União ...93

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3.3 A Organização da Sociedade Civil de Interesse Público Amigos Associados de Ribeirão Bonito – AMARRIBO: o pioneirismo associativo no combate à corrupção nas Prefeituras

do Brasil. ...147

3.3.1 Apresentação...147

3.3.2 A Rede AMARRIBO: um caso de sincronicidade de ideais e objetivos...148

3.3.3 O combate à corrupção na Administração Pública pela AMARRIBO Brasil: um movimento em favor da “accountability” no Brasil. ...158

3.3.3.1 Associação Amigos Associados de Analândia – AMASA: uma heróica batalha de combate à corrupção que se repete na história da Rede AMARRIBO Brasil. ...167

4. RESULTADOS DOS TRABALHOS DE CAMPO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA PERCEPÇÃO DOS ATORES-CHAVE DAS ORGANIZAÇÕES SELECIONADAS E DAS CATEGORIAS TEMÁTICAS ESTRUTURADAS. ...182

4.1 Notas introdutórias. ...182

4.2 Participação social na administração pública: iniciativa social, incentivo oficial e realização de audiências públicas...183

4.3 Articulação entre o Estado (Poder Público) e a sociedade e receptividade da Administração Pública local às intervenções das organizações...199

4.4 Transparência e acesso à informação: a questão do orçamento público, das receitas e despesas públicas...208

4.5 Efetividade dos mecanismos e ferramentas de controle social da Administração Pública. ...219

CONCLUSÃO...223

REFERÊNCIAS ...230

APÊNDICE A – PROTOCOLO DE ESTUDO DE CASOS...237

APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE) ...259

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INTRODUÇÃO

A Constituição Brasileira de 1988 nasceu vocacionada para afirmar os valores e princípios fundamentais inerentes à democracia que nela estão insertos e que devem, ou, ao menos, deveriam orientar intérpretes e aplicadores do Direito, bem como o comportamento da sociedade brasileira como um todo. Para algumas expressivas correntes do pensamento jurídico e político trata-se da constitucionalização do direito3. Para as mais críticas, entretanto, não é bem isso o que vem acontecendo. É sob essa perspectiva mais crítica que pretende se orientar o presente trabalho.

A referência a expressão constitucionalização do direito é utilizada, no universo do Direito, predominantemente para significar o fenômeno da expansão das normas constitucionais, enquanto conjunto de valores, regras e princípios com força normativa, por todo o sistema jurídico, condicionando a validade do ordenamento infraconstitucional,4 e reflete a importância que tal fenômeno passou a exercer sobre a atuação dos Poderes Públicos Constituídos e, no particular, do poder de administração do Estado.

A nova ordem constitucional, por seu turno, democrática e social, também inaugurou um novo capítulo na construção do conceito de cidadania: a cidadania participativa, que ostenta a prerrogativa de exigir novas posturas ativas e efetivas do Estado, quanto à viabilização das condições necessárias ao estabelecimento do ambiente social e econômico propício ao desenvolvimento das plenitudes humanas e sociais, e, especialmente, possibilitar a participação de todos os cidadãos e da sociedade civil organizada na construção desse novo e esperado ambiente social e econômico.

3 No BRASIL: STRECK, Lênio Luiz et al, ANDRADE, André (Org.). Constitucionalização do Direito: a Constituição como locus da hermenêutica jurídica. 2. tir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003; BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003, pp 123-127, no qual, embora não dito de modo expresso pelo autor, fica claramente subtendido, pela leitura apenas dessas páginas referenciadas, a conformidade do seu discurso ao modelo jurídico; BARROSO, Luiz Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2.tir., 2009. Nesse livro o autor dedica um capítulo (Capítulo V) à exposição do tema da constitucionalização do Direito, que considera como um fenômeno na evolução do direito constitucional na Europa e no Brasil nas últimas décadas.

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Afinal, não basta se falar em direitos civis, políticos, sociais se tais não passarem de uma garantia formal, que na linguagem técnico-jurídica se traduz na expressão “perante a lei”. É preciso que condições sejam criadas, ações sejam planejadas e promovidas, objetivando a materialização desses direitos e a sua livre fruição pela pessoa humana, possibilitando a satisfação das suas reais necessidades. É, enfim, a conquista de uma cidadania que pode, assim, chamar-se de plena. Ali, uma cidadania formal, aqui, uma cidadania substancial.

Como registra Alysson Leandro Barbate Mascaro, em prefácio à obra de Oliveira,5 nem a cidadania institucional e formal, sozinha, foi capaz de barrar o nazismo, em tempos de vigência da avançada Constituição da República de Weimar.

Importa assinalar que não somente o tema controle social, como também o tema mais amplo da cidadania, com o qual as práticas sociais de controle da administração dos Poderes do Estado guardam estreita conexão, partindo das palavras de Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky, vem carecendo, não apenas aqui no Brasil, mas pelo mundo afora, de estudos mais aprofundados e maior produção bibliográfica,6 embora não tenha sido a proposta deste trabalho de pesquisa uma abordagem da questão para além dos limites necessários ao trato do seu problema central.

Vive-se, é certo, sob a égide de um modelo de Estado calcado sobre as bases do liberalismo econômico; um modelo de sociedade maleável e hábil o suficiente para produzir tanto e quanto - e reproduzir-se em - regimes políticos democráticos e ditatoriais. Certo, também é que se encontra distante – ao menos na imensa maioria das nações da atualidade - uma experiência política e econômica menos contraditória e mais igualitária. Todavia, essa realidade não impede de se vislumbrar e se reconhecer a existência de caminhos, institucionalizados ou não – como se verá na continuidade da presente abordagem - capazes de promover justiça, dignidade e desenvolvimento humano, superando, gradativamente o emaranhado de contradições e desigualdades que vêm campeando a sociedade contemporânea.

5 OLIVEIRA, Marcos Alcyr Brito de. Cidadania Plena. A cidadania modelando o Estado. São Paulo: Alfa-Omega, 2005, p.14.

(18)

Nesse sentido, traz-se para o âmbito discursivo do presente estudo a contribuição teórica de Jürgen Habermas, que, partindo da combinação dos pressupostos fundamentais das concepções liberal e republicana da política, na forma como se consagrou no debate norte- americano, propõe um modelo de democracia pautada em uma concepção procedimental e deliberativa, fundada na teoria do discurso e do agir comunicativo. Essa concepção é apresentada por Habermas em artigo intitulado “Três Modelos Normativos de Democracia”7 e, mais inteiramente, em Faktizität und Geltung. Beiträge zur Diskurstheorie dês Rechits und dês demokratische Rechitstaats, publicado na Alemanha, em 1992, para aqui traduzida sob o título de Direito e democracia: entre facticidade e validade, em 1994.8

Portanto, já no primeiro capítulo do presente trabalho serão perpassados os principais pressupostos do pensamento habermasiano, expostos principalmente nas acima destacadas referências bibliográficas do autor que, associados aos casos trazidos para o estudo e às abordagens que se seguirão nos capítulos 2, 3 e 4, conduzirão à compreensão do tema da pesquisa, sob uma perspectiva inovadora.

No presente trabalho importa, ainda, promover uma reflexão acerca das concepções de cidadania e democracia a partir dos marcos históricos que inauguram a formação do Estado moderno. Também, refletir como a repercussão da dimensão e força das normas e princípios fundamentais insertos no texto constitucional possibilita, no Estado Democrático de Direito brasileiro, o reconhecimento das condições legitimadoras para o exercício do controle social, em especial, daquele tido como controle não institucionalizado.9

Outro ponto relevante para o tema da pesquisa, e que será abordado no capítulo segundo deste trabalho, é o tema da transparência pública, na medida em que esta guarda estreita relação com as possibilidades de exercício do controle do poder administrativo do Estado, em qualquer de suas modalidades.

7 HABERMAS, Jürgen. Três modelos normativos de democracia. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ln/n36/a03n36.pdf . Acesso em: 30 jun. 2015.

8 Id. Direito e democracia: entre facticidade e validade. 2.ed./1.ed. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2 volumes, 2012/2011.

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A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, já trazia, em seu art. 15, pode-se assim dizer, as sementes do instituto do controle que deve incidir sobre as atividades da Administração Pública ao afirmar que “a sociedade tem o direito de pedir conta, a todo agente público, quanto à sua administração”.10

Abrindo o Texto Constitucional de 1988 são apresentados, no art. 1º e seu parágrafo único, os alicerces que definem o Estado Democrático de Direito em que se constitui a República Federativa do Brasil, orientando a nova ordem jurídica no sentido da busca incessante da afirmação dos princípios fundamentais ali estabelecidos.

O trabalho de pesquisa realiza uma investigação científica de cunho predominantemente jurídico acerca dos pressupostos teóricos constitucionais e administrativos que orientam e legitimam o exercício da cidadania ativa e participativa no âmbito da atuação do exercício dos Poderes Públicos, com ênfase para a sua função administrativa; mas com elementos da Política da História e da Sociologia, esta especialmente, na medida em que se colhem dados empíricos a partir de estudos de casos concretos de práticas de participação e exercício do controle social, atualmente desenvolvidas no Brasil, de modo a oferecer uma contribuição no caminho da construção de uma cidadania plena no Estado democrático e social de Direito brasileiro.

Propõe-se a pesquisa a favorecer a análise do tratamento constitucional e infraconstitucional que é dado ao tema, em toda a plenitude do seu alcance, seja no tocante às formas e instrumentos pelos quais o controle social se torna realizável; seja na dimensão em que o mesmo é um instrumento de realização de direitos e garantias fundamentais e sociais e, portanto, de efetivação de políticas públicas; seja, enfim, na medida em que o mesmo impulsiona e, ao mesmo tempo, reflete a amplitude da democracia participativa. Sobre este aspecto, aliás, no desenvolvimento da pesquisa, reafirma-se, faz-se especial incursão na temática da democracia, bem articulada com os pressupostos da concepção republicana de exercício do poder político - ao lado do conjunto de órgãos e instituições legalmente incumbidos do exercício do controle dos atos da Administração Pública, compreendida no âmbito de todos os Poderes Públicos Constituídos - vem fortalecer, legitimar e justificar o

10 DECLARAÇÃO DE DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO (1789). Disponível em

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exercício de novas práticas de conformação do processo democrático por atores outros como indivíduos, associações e demais instituições da sociedade civil, em face das quais emerge o que se vem a denominar controle social.

Na sequência, o projeto de pesquisa se propõe a contribuir para que o tema “controle social” seja inserido na temática técnico-jurídica mais ampla das formas de controle da Administração Pública11, enquanto exercício legal do poder para o alcance de finalidades públicas, sempre tão bem tratada por administrativistas pátrios e alienígenas, de modo a merecer uma maior atenção tanto por parte da doutrina jurídica quanto do operador do direito e, assim, contribuir para a legitimação e o aprimoramento dos processos democráticos que emergem da evolução dos direitos fundamentais e do amadurecimento das sociedades politicamente organizadas no sentido de uma reivindicação cada vez maior de amplitude e institucionalização de espaços de participação nas decisões políticas e administrativas dos interesses coletivos.

A metodologia escolhida para o desenvolvimento do estudo partiu da análise da disciplina constitucional e infraconstitucional acerca das possibilidades de exercício do

controle social, cotejada com pesquisa bibliográfica e jurisprudencial acerca do tema. Os fundamentos teóricos, por seu turno, privilegiam as análises críticas acerca da democracia, especialmente no contexto atual, que muito têm a oferecer na compreensão do fenômeno sócio-político objeto da pesquisa, dentre outras fontes de conhecimento aqui tomadas como subsidiárias, a exemplo da História.

Os dados de cunho empírico foram investigados por meio de uma análise qualitativa – procedida através de estudo de casos múltiplos - de caráter descritivo, de ações desenvolvidas por duas organizações da sociedade civil, a saber, a rede Amigos Associados de Ribeirão Bonito - AMARRIBO e o Observatório Social do Brasil - OSB - selecionadas pela aparente contribuição que vêm prestando ao fortalecimento do controle social neste país,

11 Quando da pesquisa teórica, pode-se constatar que pouca, ou quase nenhuma, atenção vem sendo dada à questão nos clássicos manuais de Direito Administrativo – base dos primeiros passos do acadêmico em Direito -, os quais se limitam a abordar, predominantemente, as conhecidas, e já densamente regulamentadas e caracterizadas formas de controle da Administração Pública, assim classificadas como de controle interno e

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agregando, cada uma delas, um significativo número de entidades afiliadas e identificadas por um mesmo propósito de exercer, no âmbito dos municípios onde estão sediadas, práticas de controle da gestão pública; o que possibilita uma base mais abrangente para estudo e, portanto, uma visão mais global da hipótese pesquisada - e cujos objetivos estão voltados ao exercício do controle social da Administração Pública, através de ações estratégias previstas em seus respectivos estatutos e consoantes com o ambiente social e institucional específicos do âmbito de atuação das entidades. Cuidou-se de observar os modi operandi de atuação dessas organizações e as competências da Administração Pública mais visadas por suas iniciativas, buscando-se avaliar o grau de interferência das provocações decorrentes desses

modi operandi de atuação nas decisões administrativas produzidas, em face dos interesses públicos envolvidos, aqui tomados como aqueles voltados à efetivação de direitos fundamentais do indivíduo e da sociedade, em outras palavras, os indicadores sociais de resultados das iniciativas das organizações estudadas.

As principais técnicas para a coleta dos dados científicos de estudo dos casos selecionados a que se procedeu no trabalho de pesquisa foram o recurso a fontes documentais, entrevistas e a observações, auxiliados pela análise de conteúdos previamente levantados junto aos sites institucionais, bem como documentos relevantes que foram coletados nos respectivos trabalhos de campo. As entrevistas foram do tipo semi-estruturadas, seguindo, assim, o formato aberto e, por vezes, informal; as observações, por sua vez, seguiram a modalidade sistemática e, prioritariamente, voltaram-se para o comportamento dos fenômenos e dos fatos pesquisados;12 e as análises de documentos se deram mediante consulta a documentos disponibilizados nos sítios eletrônicos das organizações selecionadas, suas publicações e materiais publicados em jornais e revistas, bem como, mediante o consentimento da organização, documentos institucionais e administrativos.

Pretende-se, ainda, complementarmente ao estudo de caso, enriquecer a pesquisa com dados a serem obtidos junto à Controladoria Geral da União, que criou e desenvolve o projeto “Escala Brasil Transparente”, ao Ministério Público do Estado da Bahia, através do projeto institucional “Transparência nas Contas Públicas” – com destaque para a metodologia “Índice de Transparência”, desenvolvida pela Associação Contas Abertas, utilizada na execução desse projeto institucional, o que se fará em um dos subtítulos do Capítulo 2, dedicado à abordagem do controle social. Esta etapa da pesquisa justifica-se porque,

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conforme assinalado anteriormente, esses programas têm entre seus objetivos o fomento ao exercício, pelo cidadão, do controle social através do fomento à transparência e à participação na gestão pública.

Assim, no presente trabalho de pesquisa buscou-se analisar como práticas de controle do Estado-Administrador desenvolvidas, no Brasil, por organizações da sociedade civil, com eventual apoio e participação de terceiros, têm contribuído para a efetivação dos direitos inerentes à cidadania, além de prevenir a corrupção, consubstanciando-se em uma modalidade de controle da Administração Pública denominada por controle social.13

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1. DEMOCRACIA, PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA ATIVA: O QUE INFORMAM ESSES CONCEITOS PARA O CONTROLE SOCIAL NO BRASIL.

1.1 A urgência e emergência de uma cidadania plena e ativa.

Fala-se, atualmente, em um conceito de cidadania plena14 como a efetiva fruição dos direitos de liberdade do homem, dos direitos sociais, difusos e coletivos para além da dimensão formal desses direitos, única até então assegurada pelos Estados-nação do mundo - ainda que com singulares exceções -, como uma herança do contexto histórico, político, econômico e jurídico- filosófico que ensejou a formação e consolidação do Estado Moderno, e seu desenvolvimento até hoje.

Urge, assim, falar em uma cidadania plena, o que é falar de efetivação dos direitos fundamentais inseridos nos textos constitucionais, como também da participação dos cidadãos na formação da vontade político-administrativa, na construção dos programas de governo; enfim, na legitimação do exercício do poder político e administrativo a partir de processos democráticos.

Sob o enfoque da análise crítica fundada no pensamento marxista,15 um olhar diverso, e que se fez projetar para além da concepção clássica e formal de cidadania, permitiu que novas reflexões surgissem em torno desse conceito. Estas estavam alavancadas, principalmente, nas contradições reveladas pela qualidade da cidadania desfrutada pelo homem em suas relações sociais que se apresentava longe daquele ideal desenhado formalmente pelos juristas e pelos pensadores políticos da modernidade.

A concepção de cidadania, como hoje a conhecemos e interpretamos, teve sua construção histórica no Estado Absolutista, base do Estado Moderno, analisada a partir das primeiras formulações conceituais da época16, construídas a partir da nova relação que emergia entre o indivíduo, como sujeito de direito (cidadão), frente a esse Estado, enquanto

14 OLIVEIRA, Marcos Alcyr Brito de. Cidadania Plena. A cidadania modelando o Estado. São Paulo: Alfa-Omega, 2005; BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral da Cidadania: a plenitude da cidadania e as garantias constitucionais e processuais. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 9.

15 BARRACHO, José Alfredo de Oliveira. Op. cit., p. 20.

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poder instituído. Entretanto, somente no século XVIII, com o resgate da cidadania clássica, aquela fundada na instituição da comunidade política e na participação política dentro dela, despontou uma nova perspectiva para a cidadania, saindo da verticalização (Estado/Indivíduo) para uma concepção horizontal de cidadania, fundada no contrato social.17

A sociedade feudal entra em crise, já no século XIV, preparando o terreno para que, na Idade Moderna, as revoluções burguesas dos próximos séculos XVII e XVIII fizessem emergir os valores da universalidade, da individualidade e da autonomia humana, em contraponto ao excesso de dogmas religiosos, principalmente vontade divina, a até então incontestável. Estes impregnavam o pensamento e as instituições políticas na Idade Média, alimentados pela Igreja Católica Romana, e que pretendiam justificar todos os fatos e acontecimentos, em especial, os privilégios de nascença de uma minoria estamental. Nessa transição, a emergência de uma consciência das desigualdades sociais chega para ficar e mudar os rumos da história da humanidade. Nas palavras de Mondaini,

Essa historização da desigualdade servirá de pano de fundo para uma das mais importantes transformações levadas a cabo na trajetória da humanidade: a do citadino/súdito para o citadino/cidadão.18

A partir de então, a Europa-ocidental passa a experienciar um desenvolvimento dos direitos dos cidadãos à custa de muitos conflitos sociais, ressalte-se, que do século XVIII até o século XX evoluem dos direitos civis aos direitos sociais, passando pelos direitos políticos, constituindo, assim, o que passou a ser concebido como as gerações dos direitos humanos. Porém, esse processo histórico, político e social é devedor daquela que é considerada a primeira revolução burguesa da história, a saber, a Revolução Inglesa do século XVII, que teve início em 1640.

O cenário de transformações que se refletem, primeiramente, no modo de produção econômico, abrindo espaço para as formas capitalistas de produção e relações sociais, gradualmente vai sepultando o sistema feudal e alcançando o sistema político de então, dominado pelo Estado Monárquico Absolutista, concebido, e que ganhou hegemonia, na transição do feudalismo para o Estado Moderno, base dos modelos de Estado que se

17 SMANIO, Gianpaolo Poggio. As Dimensões da Cidadania. São Paulo: Revista da ESMP – ano 2, p 13-23, janeiro/junho – 2009, p. 14.

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desenvolveram a partir do século XIX. Opera-se, desta forma, “a estabilidade política sob a nova direção de uma classe burguesa que toma para si o poder estatal, fortalecendo-o nas suas relações internas com outras classes sociais e nas suas relações externas com outras nações”.19

Essas considerações acerca da formação do Estado Moderno e sua evolução se mostram relevantes para a pesquisa na medida em os dados históricos demonstram a importância do papel do Estado na consolidação dos direitos de cidadania ao longo da história moderna e pós-moderna. O Estado passou a se constituir na forma política essencial para a sobrevivência e reprodução das infraestruturas sociais nas sociedades politicamente organizadas e garantidor das liberdades públicas. Em verdade, é o Estado que formalmente os reconhece como tal, garante-os e assegura a sua aplicação universalmente a todos, partindo das palavras de Vieira, para quem “os direitos e as obrigações de cidadania existem, portanto, quando o Estado valida as normas de cidadania e adota as medidas para implementá-las”.20

Deve-se a Thomas H. Marshall,21 na primeira metade do século XX, a primeira proposta teórico-sociológica a respeito da cidadania, a qual se tornou clássica, sendo reconhecida até hoje como referência e ponto de partida para qualquer estudo acerca do tema. Partindo da análise da sociedade inglesa da época, de onde o capitalismo veio a se impor para o resto do mundo com a sua evolução de comercial para industrial, Marshall instituiu uma tipologia para os direitos de cidadania, classificando-os em civis, aqueles ali conquistados no século XVIII; em políticos, aqueles conquistados no século XIX, embora não em caráter universal, posto que em muitas nações, mesmo aquelas mais desenvolvidas, as mulheres somente vieram a conquistá-los no século seguinte; e, em sociais, conquistados a duras lutas de classes a partir do século XX. Os dois primeiros tipos são considerados direitos de primeira geração; os direitos sociais, direitos de cidadania de segunda geração.22 A cidadania de que se está a falar aqui ainda é aquela fundada essencialmente na teoria e na experiência Liberal que vem dominando, política e economicamente, os países centrais do capitalismo e se impondo na periferia do sistema, onde as liberdades individuais ainda são a maior preocupação para os

19 MONDAINI, Marco. O respeito ao direito dos indivíduos. In: PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla Bassanezi, orgs. História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2013, p. 120.

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seus defensores e para as instituições políticas concebidas a partir do correspondente modelo político e econômico.

E, se as derrocadas sofridas pelo sistema capitalista, já na primeira metade do século

XX, e que vieram a abalar as economias ocidentais, com fortes reflexos no Estado Liberal Clássico, impulsionaram o surgimento de um novo modelo de Estado: o do Welfare State

norte-americano, ou do Estado de Bem-Estar Social, na conformidade pela qual se expandiu para o

mundo. A verdade é que os direitos sociais conquistados pela classe trabalhadora, ainda que

resultantes das lutas emancipatórias dessa classe social frente às imposições e exigências sofridas para a conservação e o desenvolvimento do capitalismo, fizeram parte de um ajuste (o New Deal, nos EUA) engendrado pelo próprio Estado para salvar a economia capitalista,

que logo veio a se expandir pelo mundo, o que vem a revelar a habilidade desse sistema

econômico e suas correspondentes formas sociais, jurídicas e políticas na superação das próprias crises.

A cidadania liberal foi o grande passo para o reconhecimento do homem como um sujeito de direitos e não somente deveres frente ao soberano e ao Estado que nele se corporificava, enquanto afirmadora de liberdades individuais, não reconhecidas ao homem em sua dimensão individual e social até o século XVIII, em torno das quais as teorias contratualistas23 pautaram as suas reflexões. Este é, pois, o grande contributo do liberalismo, a saber, a formulação da ideia de uma cidadania universal, baseada na concepção de que todos os indivíduos nascem livre e iguais, nas palavras de Vieira.24 Entretanto, ela é uma cidadania excludente: inicialmente quando promovia uma diferenciação entre “cidadão ativos” e “cidadãos passivos”, “cidadãos com posses” e “cidadãos sem posses”, reservando as prerrogativas políticas aos “livres proprietários de terra”;25 e, posteriormente, quando, embora reconhecendo a “igualdade de todos perante a lei”, passa a revelar as intrínsecas limitações do sistema político-econômico sob o qual se assenta, para permitir o acesso a todos os cidadãos, aqui não mais, ao menos, formalmente diferenciados em razão de posses, gênero, raça ou cor, aos bens materiais ou imateriais que consubstanciam a plena fruição dos direitos fundamentais de cidadania.

23 Refere-se aqui às teorias acerca do Estado, fundadas na ideia do contrato social, cujos expoentes foram os pensadores políticos Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau

24 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 71.

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Smanio observa ainda que a concepção liberal conservadora de cidadania, a qual a define como um status concedido pelo Estado aos seus membros, embora os confira direitos políticos de participar das decisões políticas do Estado, pouco acrescenta em relação às garantias sociais.26 Para o mesmo, é preciso reconhecer o valor da dignidade humana e o papel de cada cidadão no interior do seu próprio Estado27, acrescentando que:

A dimensão da cidadania que deve ser desenvolvida é a dimensão horizontal, uma condição objetiva de acesso a direitos, mas também de comprometimento com os interesses da comunidade, como, por exemplo, a defesa ambiental, a responsabilidade social, a transparência nos negócios públicos, a distribuição da renda e a inclusão social.28

Em defesa também de uma cidadania horizontal, Santos a vincula ao princípio da comunidade, responsável pelo maior equilíbrio entre o Estado e as forças do mercado, e fundamento das lutas sociais de classe que constituíram a base da conquista dos direitos sociais no século XX, acrescentando que “a comunidade assenta na obrigação política horizontal entre indivíduos ou grupos sociais e na solidariedade que dela decorre, uma solidariedade participativa e concreta, isto é, socialmente contextualizada”.29

No Brasil, o processo de redemocratização do país que culminou com a promulgação da Constituição de 1988 veio dar um impulso ao desenvolvimento da cidadania, no país, agora já sob a égide de um Estado Constitucional Democrático de Direito, onde os direitos e garantias fundamentais do cidadão e da sociedade ocupam um lugar de relevo no texto da Constituição. A esperança de construção da democracia no país também nasceu junto com a Constituição de 1988. Liberdades individuais e públicas, bem como direitos políticos e sociais que antes haviam sido conquistados em momentos históricos distintos, foram integralmente absorvidos e tutelados por, e para, uma nova ordem constitucional, ao ponto de se conferir à Constituição de 1988, o título de Constituição Cidadã.

Antes da vigência da nova ordem constitucional democrática de Direito, o Brasil experienciou o surgimento dos direitos de cidadania em meio a uma alternância de períodos

26 SMANIO, Gianpaolo Poggio. A conceituação da cidadania brasileira e a Constituição Federal de 1988. MORAIS, Alexandre de (Org.). Os 20 anos da Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Atlas, 2008, p.336.

27 Loc. cit.

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históricos democráticos e ditatoriais, aqueles, mínimos, e estes com maior ou menor supressão de liberdades, sendo o pior deles o que resultou do golpe militar de 1964.

Estabelecendo um paralelo entre o surgimento histórico dos direitos da cidadania no Brasil e a clássica teoria desenvolvida por T. H. Marshall30 acerca do desenvolvimento dos direitos de cidadania, o historiador José Murilo de Carvalho observa que:

Houve no Brasil pelo menos duas diferenças importantes. A primeira refere-se à maior ênfarefere-se em um dos direitos, o social, em relação aos outros. A segunda refere-se à alteração na sequência em que os direitos foram adquiridos: entre nós o social precedeu os outros.31

E diz mais: “como havia uma lógica na sequência inglesa, uma alteração dessa lógica afeta a natureza da cidadania”,32 sem que se possa deixar de salientar que os direitos sociais por nós primeiramente conquistados, assim o foram em plena vigência do Estado Novo, implantados que foram pelo Governo de Getúlio Vargas.

Outro ponto destacado por Carvalho é a relação das pessoas com o Estado e com a nação, como fatores que particularmente informam a construção da cidadania em um país. Como se verá da leitura do capítulo 3, este ponto guarda estreita relação com o comportamento do cidadão e da sociedade brasileira, frente aos assuntos de interesse coletivo, em particular o seu envolvimento com iniciativas voltadas ao controle social da administração pública,

Assim, no Brasil, o que a História registra de significativo, no período que compreende a Declaração da Independência e a Proclamação da República foi a abolição da escravatura, fator mais negativo para a cidadania no Brasil, segundo Carvalho,33 a qual conferiu direitos civis aos ex-escravos; uma concessão, todavia, mais formal do que real.34 Ao final do período colonial, o Brasil contava com a maioria da população excluída dos direitos

30 Conforme assinalado acima e em obra referida na nota 21.

31 CARVALHO, José Murillo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 17. ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013, pp.11 e 12.

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civis e políticos e sem qualquer sentido de nacionalidade.35

Carvalho também realça o quanto o latifúndio e a escravidão constituíram um ambiente desfavorável à formação de futuros cidadãos ao destacá-los como traço marcante da economia brasileira durante séculos. Lembra, inclusive, o fato de que o Estado, funcionários públicos, ordens religiosas, padres, e até mesmo escravos libertos, eram proprietários de escravos. Inclusive, no próprio quilombo dos Palmares havia escravos, concluindo o autor que não existiam linhas geográficas separando a escravidão da liberdade”.36 Afinal, aqui se está a falar de um direito civil básico – talvez o mais fundamental depois da vida, a saber, a liberdade humana.

O fato é que, como assinalou Carvalho, a escravidão estava, e pode-se arriscar a afirmação de que ainda está, tão enraizada na sociedade brasileira que não foi colocada em questão, com a seriedade que o fato demandava, até o final da guerra contra o Paraguai, um dos poucos e importantes eventos da história do Brasil capaz de criar alguma identidade nacional. Isto porque se travara guerra contra inimigos estrangeiros, fator primordial, na compreensão de Carvalho, para o desenvolvimento dessa identidade. Para o autor, em verdade, teria sido precisamente a Guerra do Paraguai o principal fator de produção de identidade brasileira que até então se resumia ao “nativismo antiportuguês”, que produzia revoltas regenciais localizadas em cidades.37

Porém, sob um outro ângulo que se pode considerar confluente para as conclusões de Carvalho sobre os reflexos da escravidão na construção da cidadania brasileira, Schwarcz e Starling escrevem:

Um sistema como o escravismo moderno só se enraiza com o exercício da violência. Da parte dos proprietários, a sanha contínua que visava à sujeição e obediência cegas para o trabalho. Da parte dos escravos, a reação se dava a partir de gradações que iam das pequenas insubordinações diárias e persistentes até as grandes revoltas e os quilombos.38

E prosseguem:

35 CARVALHO, José Murillo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 17. ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013, p.25.

36 Id. Ibid., p.48 37 Id. Ibid., pp.77e 78.

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De todo modo, a escravidão se enraizou de tal forma no Brasil, que costumes e palavras ficaram por ela marcados. Se a casa-grande delimitava a fronteira entre a área social e a de serviços, a mesma arquitetura simbólica permaneceria presente nas casas e edifícios, onde, até os dias que correm, elevador de serviço não é só para carga, mas também, e sobretudo, para os empregados que guardam a marca do passado africano na cor.39

As liberdades civis, e não menos assim o seria com a consciência coletiva delas, também foram profundamente afetadas pelo modelo da grande propriedade rural, ou latifúndio. Uma herança colonial onde a lei que vigia não era a lei do Estado, mas sim a do seu senhor e proprietário, geralmente também proprietários de escravos. Uma herança ainda viva em muitas regiões rurais do país, onde, ao modelo agrário soma-se a triste realidade do culto a práticas escravagistas travestidas em aparentes “relações de trabalho”.

E eram esses grandes proprietários de terras que sustentavam o coronelismo, um sistema político que persistiu mesmo após a Proclamação da República, especialmente durante a Primeira República, conhecida como “república dos coronéis”, passando a constituir as poderosas oligarquias que ainda insistem em se perpetuar no comando do poder político, especialmente nas regiões menos desenvolvidas do país.

Sobre a estreita relação entre a grande propriedade rural e a política dos coronéis, recorrer-se, mais uma vez, às felizes observações do historiador José Murilo de Carvalho:

O coronelismo não era apenas um obstáculo ao livre exercício dos direitos políticos . Ou melhor, ele impedia a participação política porque antes negava os direitos civis. Nas fazendas, imperava a lei do coronel, criada por ele, executada por ele.40

Os direitos políticos no Brasil, embora regulados desde a Constituição do Império, de 1824, como dito anteriormente, também foram profundamente comprometidos, em seu exercício, pela ação da política dos coronéis. E mais, dos brasileiros tornados cidadãos com direito ao voto pela Constituição de 1824, 85% eram analfabetos, entre os quais se incluíam

39 CARVALHO, José Murillo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 17. ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.

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grandes proprietários rurais e, nas cidades, muitos dos votantes eram funcionários públicos controlados pelo governo. As mulheres e os escravos não eram considerados cidadãos.41

Conforme assinalado anteriormente, nos países centrais do capitalismo a conquista dos direitos de cidadania seguiu a trajetória das transformações sociais impulsionadas pelo capitalismo: direitos civis, seguidos dos direitos políticos e, mais tarde os direitos sociais, na fase industrial do modelo econômico.

No Brasil, somente com a implantação do mercado livre de trabalho em fins do século XIX, com a tardia abolição da escravatura, despontou-se o cenário apropriado ao surgimento da classe trabalhadora nos moldes como a modernidade a concebeu. Isso ocorreu pela emergência do processo de industrialização do país no início do período republicano, inicialmente na região Centro-Sul e, com ela, o movimento político operário. É o que informa Luca no seguinte registro:

A vasta bibliografia a respeito do tema tem analisado, com riqueza de detalhes, a composição da nascente classe operária, os vários leitos da alta porcentagem de mulheres e crianças nas industrias, os padrões salariais, as péssimas condições de vida e trabalho vigentes nas primeiras décadas do século passado, além de enfatizar as formas de atuação da liderança, as ideologias abraçadas, os embates travados com o capital, o esforço de organização, expresso em associações mutuais, ligas, uniões, centros, sindicatos, federações, partidos, congressos, boletins, manifestos, panfletos, jornais, escolas, comemorações, produção teatral e literária, enfim, o processo de construção de uma identidade operária, evidenciando que os assalariados estiveram longe de aceitar pacificamente o padrão de exploração que lhes era imposto.42

Em que pesem os fortes argumentos e fontes históricas a informar, como assinalou Carvalho,43 a dianteira no Brasil dos direitos sociais em face dos direitos civis e políticos, em virtude da criação das legislações previdenciária e trabalhista na vigência do Estado Novo, após o movimento revolucionário de 1930, o fato é que elas resultaram do crescimento do movimento operário que reivindicava, desde fins do século XIX, a edição de leis protetivas em favor do trabalhador assalariado, chegando mesmo à conquista de algumas,

41 CARVALHO, José Murillo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 17. ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013, pp. 32-33.

42 LUCA, Tânia Regina de. Direitos sociais no Brasil. In: PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla Bassanezi, orgs.

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v.g., a lei de acidentes do trabalho de 1919, a lei de férias de 1925 e o Código de Menores de 1927, este a proibir o trabalho de crianças menores de 14 anos.

Como assinala Luca, pois, “a entrada do Estado como regulador das relações entre capital e trabalho fez-se num contexto marcado por grande mobilização e foi concomitante e sistemática à ofensiva contra os sindicatos e as principais lideranças operárias”.44 Levando-se em consideração o contexto político ditatorial da época em que Consolidação das Leis do Trabalho foi aprovada, constata-se que os direitos sociais vieram à custa da supressão de direitos civis e políticos, o que põe em cheque o caráter democrático dessa conquista e sua contribuição para o desenvolvimento de uma cidadania ativa.45

A História é farta em elementos e rica em narrativas e interpretações capazes de propiciar uma compreensão do caminhar da cidadania no Brasil, como se pode apreender a partir da incursão nas obras dos autores anteriormente referenciados.46 Urge assim, como aspecto relevante da abordagem que ora se desenvolve acerca do controle social como instrumento para a efetivação da cidadania no Brasil, que se dirija a atenção para o novo momento político-institucional inaugurado com a promulgado da Constituição de 1988, a qual foi editada com o firme propósito de fazer prevalecer no Estado Brasileiro os valores democráticos e republicanos que haviam sucumbido pelas mãos dos mentores da ditadura militar e seus algozes.

O primeiro aspecto a observar acerca da cidadania na Constituição de 1988 é que essa nova ordem constitucional ampliou o sentido até então conferido pelas constituições brasileiras anteriores ao instituto. Se antes o seu sentido era limitado à ideia de pertencimento a uma comunidade nacional, restringindo-o, assim, ao conceito de nacionalidade, a Constituição de 1988, concebida nos moldes do Estado Constitucional de Direito Democrático e Social, ampliou o sentido de cidadania, vinculando-a aos direitos e garantias fundamentais. Ou melhor, definiu-a como um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil. Portanto, para a sua compreensão, no contexto da nova ordem constitucional, deve-se atentar para, além dos direitos inerentes à nacionalidade, das

44 LUCA, Tânia Regina de. Direitos sociais no Brasil. In: PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla Bassanezi, orgs.

História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2013, p.478.

45 CARVALHO, José Murillo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 17. ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013, p.110.

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liberdades civis e dos direitos políticos de votar e ser votado, as garantias fundamentais, a ampliação de direitos sociais a categorias de trabalhadores até então excluídos e os direitos sociais de dimensão coletiva. Enfim, o conceito de cidadania e sua amplitude concebidos a partir da Constituição de 1988 refletem a escolha, ao menos simbólica, pelos princípios e valores republicanos, em especial a solidariedade, a supremacia do interesse público e a dignidade da pessoa humana.

Ao tomar por referência a Constituição brasileira de 1988, José Alfredo de Oliveira Baracho oportunamente assinala, na apresentação de sua Teoria Geral da Cidadania – A plenitude da cidadania e as garantias constitucionais e processuais, o quão importa mostrar a nova concepção que se pode ter de cidadania, ali significativamente ampliada em seu conteúdo, e seus reflexos na vida das pessoas, demonstrando que eles não se esgotam apenas na clássica participação política, através dos instrumentos criados pela democracia representativa e pela democracia direta,47 sinalizando, pois, para a estreita ligação existente entre a temática da cidadania e da democracia.

Nessa nova ordem constitucional, os direitos políticos foram universalizados, estendo-se o direito de voto, ainda que como uma faculdade, aos maiores de 16 anos, bem como aos analfabetos. A democracia deixou de ser tão somente representativa para constituir-se ativa e participativa, nas apenas nos limites do contorno deconstituir-senhado no art. 14 de Constituição Federal, mas, e principalmente, a partir do exercício do poder soberano pelo povo, nos expressos termos do seu art. 1º. Houve ampliação dos direitos civis ao longo do art. 5º da Constituição e, principalmente, os direitos sociais, somados às garantias fundamentais, ganharam dimensão digna de se considerar, a Constituição Brasileira de 1988, uma das mais avançadas constituições que o Estado de Direito, Democrático e Social da pós-modernidade, veio a conhecer.

Ocorre que, e isto se constituiu em das preocupações que motivaram a presente pesquisa, toda a gama de direitos e garantias fundamentais expressos na Constituição Federal e por ela recepcionados não vem bastando para torná-los efetivos e acessíveis a todos os cidadãos brasileiros, o que nos faz crer que de fato há entre nós indivíduos e cidadãos: os

(34)

primeiros, aos quais cabe a luta pela sobrevivência; e os últimos, a aspiração pela realização pessoal e social.

Hoje, no Brasil, a aspiração pela conquista da cidadania move-se do respeito às liberdades individuais do cidadão, perpassa as relações de trabalho lícito no âmbito das quais o mesmo se insere e se consolida com a plenitude do acesso à moradia, à educação, à saúde, ao lazer, à Justiça, ao meio ambiente sustentável e ao desenvolvimento social. Mas, ainda é uma aspiração, mesmo que já constitucionalmente legitimada.

A pesquisa aqui desenvolvida lança um olhar sobre as possibilidades de empoderamento e efetivação da cidadania a partir da participação social na Administração Pública, especialmente aquelas que vem projetando o olhar no sentido da fiscalização dos recursos públicos, na eficiência da sua aplicação e no combate à corrupção nos respectivos setores.

1.2 A Democracia: para onde caminha?

Falar de democracia, na atualidade, não se constitui em uma tarefa fácil, especialmente se a opção consistir em sair-se do campo de análise dos seus pressupostos formal para os de ordem material ou substancial.

Também não se pode vinculá-la ao seu nascedouro no contexto das civilizações greco-romanas da antiguidade, posto que a democracia que se vivencia hoje é herança do Estado Moderno cunhado sob as bases das revoluções burguesas do século XVIII. Nasceu no Estado Moderno, transitou pelo modelo de Estado de Direito Liberal, daí para o Estado de Direito Social e resgatou raízes liberais no modelo do Estado Neoliberal, o qual reconhecidamente vive constantes embates de forças estruturantes da sociedade – a política, o direito, o mercado, a cultura e os movimentos sociais - não respondendo satisfatoriamente às necessidades sociais, de modo a confrontar a exclusão social.

(35)

Ainda que distante do modelo de Estado da antiguidade clássica é nele que a democracia moderna foi buscar os seus alicerces da participação popular nos destinos da coletividade, da soberania do povo e da liberdade individual. Pode-se, assim, afirmar que, enquanto regime político, a democracia vem definir o exercício do Poder Estatal sobre tais alicerces. E sobre os mesmos também se definiu o Estado Constitucional de Direito: aquele que racionalmente conforma o Estado de Direito às bases da separação de poderes e funções do Estado e se dirige à efetividade dos direitos fundamentais.48

Importa assinalar, entretanto, que, ao longo do caminhar evolutivo do Estado de Direito, foram as reivindicações sociais por novas liberdades públicas e garantias institucionais as mesmas que alavancaram o modelo do Estado de Direito Constitucional.

É nas Constituições – em seu conjunto de normas e princípios que informam todo o funcionamento do Estado e asseguram aos cidadãos os direitos e deveres fundamentais à satisfação das necessidades individuais e coletivas -, portanto, que se encontrarão os pressupostos principiológicos, formais e materiais da experiência democrática a ser vivenciada por cada Estado, e sua coletividade, particularmente.

Trazendo esses conceitos para o Estado de Direito Brasileiro, desenhado pela Constituição Federal de 1988 como um Estado Democrático de Direito, pode-se observar que diversos princípios e disposições normativas, ao longo do Texto Constitucional, informam a opção institucional pela democracia e seus correspondentes valores da igualdade, da dignidade humana, da liberdade, da soberania e da participação popular e do republicanismo, haja vista que, como assinala Comparato,49 a democracia constitui o complemento necessário da república.

Tem-se hoje uma Constituição que enseja princípios e normas que asseguram, para além da democracia clássica representativa, condições para que a sociedade brasileira, por seus cidadãos isoladamente ou através de movimentos sociais ou associações legalmente constituídas, participem dos processos de formação da vontade política e administrativa do

48 Id. Ibid., p.117.

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Estado, seja através dos institutos da iniciativa popular, do referendum e do plebiscito, seja através de procedimentos administrativos que prevêem a participação popular na discussão e deliberação de políticas públicas governamentais, do orçamento público, da política pública, dentre outras hipóteses que serão tratadas no Capítulo 2.

Entretanto, a realidade brasileira, ou melhor, a democracia substancialmente vivenciada no interior do Estado Democrático de Direito Brasileiro não vem correspondendo à gama de possibilidades formalmente previstas na Constituição. E, como percebem alguns estudiosos do assunto, este quadro é preocupante. E especialmente quando se está a tratar de uma forma democrática, por excelência, de controle da Administração Pública, as reflexões merecem atenção.

Vive-se, aqui, o que Capella sinalizou em fins do século passado em relação ao que ele denomina “sistemas políticos do Norte”, quando afirma que:

Uma das características dos sistemas políticos do “Norte”, acentuada nos últimos decênios, é a contenção crescente do processo de democratização. Essa contenção é, no substancial, consequência de que as exigências políticas feitas ao Estado (ou aos Estados, ainda que aqui se obviará essa consideração) pelas estruturas do capital são incompatíveis com as pulsações democráticas da população.50

Para Rancière vive-se hoje um ódio à democracia, cujos porta-vozes habitam todos os países que se declaram não apenas Estados democráticos, mas democracias tout court. Segundo o mesmo:

A mecânica das instituições que encantou os contemporâneos de Montesquieu, Madison e Tocqueville não lhes interessa. É do povo que e de seus costumes que eles se queixam, não das instituições de seu poder. Para eles, a democracia não é uma forma de governo corrompido, mas uma crise da civilização que afeta a sociedade e o Estado através dela.51

Mais adiante ainda assinala que:

A palavra democracia não designa propriamente nem uma forma de sociedade nem uma forma de governo. A “sociedade democrática” é apenas uma pintura fantasiosa, destinada a sustentar tal ou tal princípio do bom

Imagem

Figura 4.  0,000,501,001,502,002,503,003,504,004,505,00 Médi a 1ª aval iação Média 2ª aval iação Médi a 3ª aval iação
Figura 8.     Fonte: relatorios.cgu.gov.br/Visualizador.aspx?id_relatorio=9  Figura 9

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