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Limites ao poder econômico e agricultura: a regulação e a regulamentação do mercado de agrotóxicos no Brasil

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

DOLINA SOL PEDROSO DE TOLEDO

LIMITES AO PODER ECONÔMICO E AGRICULTURA: A REGULAÇÃO E A

REGULAMENTAÇÃO DO MERCADO DE AGROTÓXICOS NO BRASIL

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DOLINA SOL PEDROSO DE TOLEDO

LIMITES AO PODER ECONÔMICO E AGRICULTURA: A REGULAÇÃO E A

REGULAMENTAÇÃO DO MERCADO DE AGROTÓXICOS NO BRASIL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de mestre em Direito Político e Econômico.

Orientadora Profª. Drª. Solange Teles da Silva.

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T649L Toledo, Dolina Sol Pedroso de

Limites ao poder econômico e agricultura: a regulação e a regulamentação do mercado de agrotóxicos no Brasil. / Dolina Sol Pedroso de Toledo. – 2012.

155 f. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2012.

Orientadora: Solange Teles da Silva Bibliografia: f. 149-155

1. Agrotóxico 2. Poder Econômico 3. Regulamentação 4. Regulação 5. Sustentabilidade I. Título

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DOLINA SOL PEDROSO DE TOLEDO

LIMITES AO PODER ECONÔMICO E AGRICULTURA: A REGULAÇÃO E A

REGULAMENTAÇÃO DO MERCADO DE AGROTÓXICOS NO BRASIL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de mestre em Direito Político e Econômico.

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. Solange Teles da Silva Universidade Presbiteriana Mackenzie

Profa. Dra. Patricia Tuma Martins Bertolin Universidade Presbiteriana Mackenzie

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que me ajudaram e incentivaram a escrever esta dissertação, em especial à Profª Drª. Solange Teles da Silva que me despertou para as causas ambientais, me orientou e me acompanhou em todas as etapas deste trabalho.

Ao Instituto MACKPESQUISA pela bolsa de pesquisa no contexto do Projeto de Pesquisa “Direito e Desenvolvimento Sustentável: políticas públicas no Brasil (1990-2010)”, coordenado pela Profª. Drª. Solange Teles da Silva.

Ao escritório Salusse Marangoni Advogados pelo crédito educativo concedido.

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RESUMO

Nos últimos anos o Brasil tem figurado em primeiro lugar no ranking mundial de consumo de agrotóxicos. Entre os produtos químicos consumidos no País, diversos já estão proibidos nos Estados Unidos e na Comunidade Europeia, em virtude dos riscos cientificamente comprovados à saúde humana (poder carcinogênico, mutagênico, desregulador hormonal, entre outros) e ao meio ambiente (comprometimento da biodiversidade). Para agravar este cenário, já foi detectado por agências governamentais de regulação do setor que um terço dos alimentos consumidos pelos brasileiros estão contaminados com resíduos de agrotóxicos acima dos limites permitidos e/ou proibidos no próprio país, bem como que o trabalhador rural tem sido o maior prejudicado, em razão da falta de informação especialmente causada pela baixa escolaridade. Na realidade, a presente dissertação sustenta que o Estado deve regular e regulamentar o mercado de agrotóxicos, mediante ações de controle, minimização e exclusão dos riscos advindos dos agrotóxicos, bem como através de imposição de limites ao Poder Econômico quanto ao controle da produção, da comercialização, do uso e do consumo dos agrotóxicos.

Assim, o objetivo geral deste trabalho consistiu na análise das normas jurídicas que tratam da questão da produção, comercialização e utilização de agrotóxicos, bem como das formas de atuação do Estado Brasileiro na regulação deste mercado, ambas atualmente fundadas em um paradigma de crescimento econômico para atender aos anseios do agronegócio, a fim de apontar perspectivas de transição desse paradigma para o paradigma da sustentabilidade. Para tanto, o primeiro capítulo, partiu de uma análise do surgimento do mercado de agrotóxicos, do desenvolvimento da economia brasileira baseada na agricultura e assim foi estudada a questão da segurança alimentar que deve permear as políticas públicas ambientais. No segundo capítulo, foram abordadas as normas que compõem a regulamentação dos agrotóxicos no Brasil e os principais incentivos fiscais e financeiros, demonstrando-se que o Estado brasileiro ainda incentiva o modelo do agronegócio fundado no uso intensivo de agrotóxicos. No terceiro capítulo, foram abordados os caminhos filosóficos a serem percorridos com a indicação dos obstáculos decorrentes da lógica capitalista a serem enfrentados para que haja a necessária mudança para o paradigma da sustentabilidade. Complementando esse estudo, no capítulo quatro foram tratadas as formas e os instrumentos à disposição do Estado para a regulação e a regulamentação do mercado de agrotóxicos, mediante a análise da atuação de cada um dos poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – no exercício desse poder-dever do Estado, bem como para traçar alternativas ao modo de produção agrícola atual, como a agricultura orgânica, e apontar as condutas que devem ser incentivadas pelo Poder Público na busca de uma sociedade sustentável.

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ABSTRACT

In the past years, Brazil has been ranked number one in pesticides consume and among the chemical products consumed in Brazil, many have been forbidden in United States and Europe because of its cientifically proved high potential to compromise human health and to damage the enviroment(biodiversity compromise). It’s been detected that one third of the food comsumed by brazilians is contamined with levels of pesticide above the limits set by the country or even forbidden by Brazil regulatory agents. Because of lack of information and education, the rural population of Brazil suffers deeply from the heavy pesticide use.

This thesis idea is that the State needs to regulate and setup the required norms for pesticides market, taking away the control of this market based solely on economic ground, and to create a controled market where there’s a minimization and perhaps a total exclusion of the risks that pesticides can bring to the society.

The focal point of this work was to analyze the norms that dictate the comercialization, production and use of pesticides as well as how Brazil’s State currently regulates this market based on a paradigm that economic growth has to foster agrobusiness needs at any price. Then it will be suggested a change of Brazil’s State regulation mechanisms to a new paradigm focusing on sustentability.

In the first chapter, it’s explained the rise of pesticide market, the development of brazilan economy based on agriculture and it was analyzed the topic of how public environmental policies need to prevail when food and heath are discussed. In the second chapter, it was studied how the current norms and fiscal and financial incentives executed in Brasil still follows the agrobusiness model. In the third chapter, it’s discussed how to path the way towards the sustentability paradigm, overcoming the required capitalists obstacles that may be needed. In the fourth chapter, it’s finally discussed the ways and instruments available in the Executive Branch, Legislative Branch and Judiciary Branch that should be followed by Brazil’s State, in order to reach the sustentability paradigm mainly focusing on organic agriculture.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1. AGRICULTURA NO BRASIL E AGROTÓXICOS: MITOS E REALIDADE ... 17

1.1. A REVOLUÇÃO VERDE, A INTRODUÇÃO DE AGROTÓXICOS NO BRASIL E O PANORAMA ATUAL DO MERCADO DE AGROTÓXICOS ... 17

1.2. O DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA NO BRASIL E O USO DOS AGROTÓXICOS NA ATUALIDADE ... 25

1.3. OS AGROTÓXICOS SOB A ÓTICA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS E DA SEGURANÇA ALIMENTAR ... 33

2. REGULAMENTAÇÃO DOS AGROTÓXICOS NO BRASIL E OS PRINCIPAIS INCENTIVOS RELACIONADOS AO MERCADO DE AGROTÓXICOS ... 43

2.1. A REGULAMENTAÇÃO DOS AGROTÓXICOS NO BRASIL ... 43

2.2 INCENTIVOS RELACIONADOS AO MERCADO DE AGROTÓXICOS ATUALMENTE VIGENTES NO BRASIL ... 50

3. ENTRE MERCADO E SOCIEDADE CIVIL: A DISCUSSÃO SOBRE AGROTÓXICOS E OS CAMINHOS E OBSTÁCULOS PARA UMA MUDANÇA DE PARADIGMA ... 55

3.1. SOCIEDADE DE RISCO E AGROTÓXICOS ... 55

3.2. LÓGICA DO MERCADO DISSOCIADA DA SOCIEDADE DE RISCO ... 58

3.3. CAMPANHA PERMANENTE CONTRA OS AGROTÓXICOS E PELA VIDA, MOVIMENTO DA SOCIEDADE CIVIL. ... 66

3.4. ENTRE LÓGICA CAPITALISTA E LÓGICA SOCIOAMBIENTAL: O CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL APLICADO AO MERCADO DE AGROTÓXICOS 70 4. PAPEL DO ESTADO BRASILEIRO NA IMPOSIÇÃO DE LIMITES AO MERCADO DE AGROTÓXICOS ... 81

4.1. MEIO AMBIENTE E PAPEL DO ESTADO ... 82

4.1.1. Princípio da Precaução e o Mercado de Agrotóxicos ... 83

4.1.2. Princípio da Reparação ou do Poluidor Pagador e a Responsabilidade pelos Danos advindos do Emprego de Agrotóxicos na Agricultura ... 87

4.2. FORMAS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NO MERCADO DE AGROTÓXICOS ... 93

4.2.1. Instrumentos de Persuasão ... 97

4.2.2. Comando e Controle ... 99

4.2.3. Instrumentos Econômicos ... 101

4.3. PODER EXECUTIVO E O PAPEL DA ANVISA NA REGULAÇÃO DO MERCADO DE AGROTÓXICOS ... 103

4.4. PODER LEGISLATIVO E A REGULAMENTAÇÃO DO MERCADO DE AGROTÓXICOS ... 109

4.5. O PODER JUDICIÁRIO E O MERCADO DE AGROTÓXICOS ... 113

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 133

ANEXO A ... 135

ANEXO B ... 145

ANEXO C ... 147

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INTRODUÇÃO

O uso indiscriminado e intensivo dos agrotóxicos na agricultura, sob o fundamento de controlar pragas e doenças, gera impactos ao meio ambiente e problemas graves e irreversíveis à saúde pública. Nos Estados Unidos, Raquel Carson denunciou em 1962, com a obra “Primavera Silenciosa”, os riscos causados a todos os seres vivos do planeta Terra pelo DDT1 e outros produtos químicos utilizados na agricultura, o que ensejou, tempos depois, a proibição do uso do DDT nos cultivos realizados naquele País. O DDT, no entanto, continuou sendo produzido por empresas norte-americanas e comercializado, principalmente, para os países em desenvolvimento, entre os quais o Brasil, que só veio oficialmente a proibir o produto em 20092. Desde então, outros produtos químicos têm sido produzidos e muitos deles já apresentam riscos comprovados para a vida humana, animal e vegetal e, não obstante, a proibição de determinados agrotóxicos em diversos países3, a produção e a comercialização continuam no Brasil.

Outra revelação importante sobre os efeitos dos agrotóxicos, especialmente em relação à saúde humana, decorreu do livro “Nosso Futuro Roubado”, escrito por Theo Colborn, Dianne Dumanoski e Pete Myers4, em que se comprovou a atuação dos agrotóxicos atuando no corpo humano em substituição aos hormônios naturais e transtornando os processos normais de reprodução e desenvolvimento, os chamados “disruptores endócrinos5”.

1InCARSON, Raquel. “Primavera Silenciosa”. 1a edição. São Paulo: Gaia, 2010.

DDT: Dicloro-Difenil-Tricloroetano. Este composto químico foi largamente utilizado durante a II Guerra Mundial, em princípio para controlar piolhos em soldados e, posteriormente, utilizado como um praguicida na agricultura e na eliminação de carrapatos e vetores de diferentes moléstias. Foi sintetizado por Ottmar Zeidler, químico alemão, em 1872 e teve a confirmação de sua forte ação pesticida em 1939, pelo químico suíço Paul Muller, o que lhe conferiu o prêmio Nobel de medicina em 1948, pela descoberta da eficiência do DDT para a erradicação de vários tipos de artrópodes. In BEDOR, Cheila Nataly Galindo Bedor “Estudo do Potencial

Carcinogênico dos Agrotóxicos Empregados na Fruticultura e sua Implicação para a Vigilância da Saúde”.

26.04.2008. 115f. Tese (Doutorado em Saúde Pública). Fundação Osvaldo Cruz. Recife, 2008. Disponível em: [http://www.cpqam.fiocruz.br/bibpdf/2008bedor-cng.pdf]. Acesso em 07.08.2012.

2 Com o advento da Lei nº. 11.936, de 4 de maio de 2009, o DDT foi proibido no Brasil. 3Cf infra ANEXOS A e C.

4COLBORN, T; DUMANOSKI, D.; MYERS, J. P. “Our Stolen Future”. New York: Penguin Books, 1996.

Versão em português: “O Nosso Futuro Roubado” (Tradução de Isabel Vasconcelos), Lisboa: Dinalivro, 1999.

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10 De acordo com o último Relatório de Atividades (2010)6 do Programa de Avaliação de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), do total das amostras analisadas, somente em 37% delas não foram detectados resíduos de agrotóxicos, o que significa que a grande maioria (67%) dos alimentos possuía algum tipo de resíduo de agrotóxico, dos quais 28% foram considerados totalmente insatisfatórios, em razão de conterem resíduos acima dos limites máximos autorizados ou resíduos de produtos não autorizados (agrotóxicos proibidos no Brasil).

Não bastassem os riscos advindos à saúde humana decorrentes da ingestão diária de alimentos com resíduos de agrotóxicos, outro problema tem sido a falta de informação dos trabalhadores rurais quanto aos riscos decorrenes da exposição direta com os agrotóxicos na agricultura. O Censo Agropecuário do IBGE de 20067, ao analisar as práticas agrícolas no Brasil, manejo e conservação do solo e o uso de agrotóxicos, identificou como um possível indicador dos riscos aos quais estão expostos os trabalhadores o fator escolaridade. Segundo dados obtidos com a pesquisa 56,3% estabelecimentos onde houve o emprego de agrotóxicos não recebeu orientação técnica e 15,7% dos produtores responsáveis por aplicação de agrotóxicos não sabiam ler e escrever, fator que dificultava o acesso à informação correta sobre os agentes químicos.

Diversos estudos8 apontam, ainda, para o potencial carcinogênico9 dos agrotóxicos empregados na agricultura, de modo que o Poder Público tem um poder-dever de regular e regulamentar o mercado de agrotóxicos.

Importa destacar, desde já, que a regulação distingue-se da regulamentação. De acordo com Marçal Justen Filho10, por um lado, a “regulação econômico-social” consiste na atividade estatal de intervenção indireta sobre a conduta dos sujeitos públicos e privados, de modo permanente e sistemático, com um duplo objetivo, qual seja, “a implementação das políticas de governo e a realização dos direitos fundamentais”. Por outro lado, o autor afirma que a expressão ‘regulamentação’ corresponde ao desempenho da função normativa

6Disponível em:

http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/b380fe004965d38ab6abf74ed75891ae/Relat%C3%B3rio+PARA+2 010+-+Vers%C3%A3o+Final.pdf?MOD=AJPERES. Acesso em 15 de agosto de 2012

7Disponível em:

http://www.mma.gov.br/estruturas/sds_dads_agroextra/_arquivos/familia_censoagro2006_65.pdf. Acesso em 07.08.2012.

8In, BEDOR, Cheila Nataly Galindo Bedor., (Ibidem).

9Segundo o dicionário Houaiss “carcinogênico”: relativo a carcinógeno; “carcinógeno”: agente que provoca o

desenvolvimento de um carcinoma no organismo; “carcinoma”: tumor maligno epitelial ou glandular, que tende

a invadir tecidos circundantes originando metástases.

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11 infraordenada, pela qual se detalham as condições de aplicação de uma norma de cunho abstrato e geral.

Logo, a regulamentação pressupõe a existência de uma lei, o que significa que todo regulamento está subordinado a uma lei, que emana de autoridade administrativa ou de determinado ente no desempenho da sua função político-normativa. Em resumo, a regulamentação implica em um ato administrativo normativo, cujo escopo é o dar execução e uma lei stricto sensu (princípio da legalidade), como é o caso do Decreto nº. 4.074, de 4 de janeiro de 2002 que regulamenta a Lei nº. 7.802, de 11 de julho de 198911 - Lei sobre Agrotóxicos, objetos da análise do presente trabalho.

Não se pode negar a existência de discussão doutrinária sobre a possibilidade de regulamentos independentes ou autônomos, todavia, no Brasil os doutrinadores12 defendem a impossibilidade de regulamentos restringirem ou extrapolarem os limites estabelecidos em lei stricto sensu. Hely Lopes Meirelles13, ao tratar do decreto independente ou autônomo como aquele “que dispõe sobre matéria ainda não regulada especificamente em lei”, assevera que a doutrina só o admite para suprir omissões do legislador, desde que não invada as reservas de lei, isto é, as matérias que só por lei podem ser reguladas. Diego de Figueiredo Moreira Neto14, por exemplo, defende a possibilidade do poder político impor regras secundárias em complemento das normas legais com o objetivo de explicitá-las e de lhes dar execução, porém assevera que o regulamento não pode definir quaisquer interesses públicos específicos, nem criar modificar ou extinguir direitos subjetivos.

O que importa para o presente trabalho, no tocante a essa discussão, é ter em mente que a regulação pode ser diferente da regulamentação em um determinado campo, por exemplo, se consideramos que as agências reguladoras possuem certa margem de liberdade técnica de interpretação, o que significa que as agências podem determinar condições de atuação dos setores por elas fiscalizados. A grande questão, no entanto, é saber se as agências

11A Lei nº. 7.802, de 11 de julho de 1989 dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências.

12MEIRELLES, Hely Lopes, “Direito Administrativo Brasileiro”, 35ª edição, São Paulo: Malheiros, 2009, pp.

182/183; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, “Direito Administrativo”, 23ª edição, São Paulo: Atlas, 2010,

467/473; MELLO, Celso Antônio Bandeira de, “Curso de Direito Administrativo”, 21ª edição, São Paulo: Malheiros, 2006, pp. 321/352; JUSTEN FILHO, Marçal, “Curso de Direito Administrativo”, 5ª edição, São

Paulo: Saraiva, 2010, 355/356; MEDAUAR, Odete, “Direito Administrativo Moderno”, 10ª edição, São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2006, pp. 116/117. 13Ibidem, pp. 182/183.

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12 reguladoras podem impor restrição total de direitos (por exemplo, direito de produzir, de comercializar e/ou de utilizar determinado agrotóxico), isto é, proibir totalmente determinada atividade (como a produção, a comercialização e o uso de determinado agrotóxico) com base na sua competência para estabelecer normas e padrões sobre limites de contaminação ou, ainda, regulamentar os produtos e serviços de interesse para o controle de risco à saúde da população – ressalte-se, quanto a este segundo caso, que há lei específica15 que estabelece a necessidade de regulamentação dos produtos para o controle de riscos a saúde da população.

A regulação insere-se no campo da função administrativa que, conforme explica Moreira Neto16:

“(...) não decorre, assim, do exercício de uma prerrogativa do poder político, mas muito

pelo contrário, decorre de uma abertura, pela lei, de um espaço decisório reservado a uma ponderação politicamente neutra de interesses concorrentes em conflitos setoriais,

potenciais ou efetivos.”

Feitos estes esclarecimentos iniciais, o que presente trabalho pretende demonstrar é que o Poder Público deve regular e regulamentar o mercado de agrotóxicos17, mediante ações de controle, minimização e exclusão dos riscos advindos dos agrotóxicos, bem como através de imposição de limites ao Poder Econômico quanto ao controle da produção, da comercialização, do uso e do consumo dos agrotóxicos, inclusive com a realização periódica de reavaliações toxicológicas dos agrotóxicos presentes no mercado (sejam eles proibidos ou não proibidos pela legislação vigente), visto que é a vida humana, animal e vegetal que está comprometida em razão da exposição a estes produtos e isso fundamentado em bases normativas – constitucional e infraconstitucional.

A realidade, entretanto, demonstra que o Estado Brasileiro, ao longo da história, pautou-se e pauta-se em um modelo de concentração de terras (grandes latifúndios)18 e tem

15Lei nº. 9.782, de 26 de janeiro de 1999: Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências. “Art. 8 Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública.”

16Ibidem

17Note-se que a ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária só institui uma Agenda Regulatória em 2009, a qual corresponde a um conjunto de temas regulatórios que são priorizados pela Agência num determinado período, incluindo tanto a previsão dos novos regulamentos quanto aqueles que demandam revisão.

Disponível em:

http://portal.anvisa.gov.br/wps/portal/anvisa/anvisa/agencia/!ut/p/c4/04_SB8K8xLLM9MSSzPy8xBz9CP0os3hn d0cPE3MfAwMDMydnA093Uz8z00B_A3cPQ_2CbEdFALjii_4!/?1dmy&urile=wcm%3Apath%3A/anvisa+por tal/anvisa/agencia/publicacao+agencia/agenda+regulatoria. Acesso em 13.08.2012

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13 sua política econômica pautada na exportação de commodities, existindo uma intensa associação entre poder político, indústria de agrotóxicos e agribusiness (ruralistas)19 o que, associado ao desmantelamento de determinados setores da Administração Pública, acaba por conduzir a uma dificuldade na regulação do mercado de agrotóxicos para impor limites à atividade de produção, comercialização e utilização dos agrotóxicos com vistas à preservação do meio ambiente e da saúde pública.

Há uma flexibilização das regras para a produção, o uso, a comercialização, o registro dos agrotóxicos, com vistas a proteger o crescimento econômico. E há, inclusive, incentivos fiscais nesse campo. Daí, como se pretende demonstrar neste trabalho, a necessidade de mudança de paradigma quanto à regulação deste segmento de mercado, considerando-se todos os interesses em jogo e, certamente igualmente os interesses públicos.

A regulação e a regulamentação do mercado de agrotóxicos com base nos princípios do direito ambiental e na proteção à saúde humana demandam uma mudança de paradigma, notadamente em relação à conduta que o Estado deve manter frente a este segmento do mercado, aos interesses da população brasileira e da própria conservação da biodiversidade.

Isto significa que o meio ambiente equilibrado e a saúde humana devem ser considerados em relação ao mercado dos agrotóxicos e os ideais dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil devem permear a atuação do Poder Público. Assim, o desenvolvimento nacional deve compatibilizar-se com a promoção do bem-estar de todos, compreendendo-se que não há como assegurar o bem-estar da população sem a regulação de produtos que provocam riscos à saúde humana e ao meio ambiente: produtos cancerígenos ou, ainda, que influam no sistema endocrinológico da população, devem ser proibidos.

Com base nestas premissas, o objetivo geral deste trabalho consiste na análise das normas jurídicas que tratam da questão da produção, comercialização e utilização de agrotóxicos, bem como das formas de atuação do Estado Brasileiro na regulação deste mercado, ambas atualmente fundadas em um paradigma de um crescimento econômico para

ocupavam 75,7% da área ocupada. A área média dos estabelecimentos familiares era de 18,37 hectares, e a dos

não familiares, de 309,18 hectares. Disponível em:

http://www.mma.gov.br/estruturas/sds_dads_agroextra/_arquivos/familia_censoagro2006_65.pdf. Acesso em 07.08.2012.

19A bancada ruralista no Congresso Nacional é composta atualmente por 214 deputados federais e 14 senadores, conforme dados obtidos da FPA – Frente Parlamentar da Agropecuária. Disponível em

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14 atender aos anseios do agribusiness, a fim de apontar perspectivas de transição desse paradigma para outro paradigma, o da sustentabilidade.

Os objetivos específicos deste trabalho consistem em demonstrar quais os paradigmas até então foram adotados (fundados no crescimento econômico) e quais os paradigmas podem e devem ser adotados pelo Estado Brasileiro (fundados na sustentabilidade) na regulação e na regulamentação do mercado de agrotóxicos para conduzir a um desenvolvimento sustentável.

Para tanto, adotou-se como procedimento metodológico a análise das discussões legislativas no período de 1989 a 2012, das discussões travadas pelos setores interessados a partir do advento da Lei nº. 7.802/89, especialmente a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, bem como uma análise jurisprudencial, no período de 1990 até 2012, justamente para verificar a atuação do Estado e o posicionamento da sociedade civil no tocante às mudanças trazidas pela Lei nº. 7.802/89 quanto ao mercado de agrotóxicos, bem como após a criação da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, em 199920.

Para o presente trabalho foi adotado o conceito de agrotóxico contido na Lei nº. 7.802, de 11 de julho de 1989, que assim dispõe:

“Art. 2º Para os efeitos desta Lei, consideram-se:

I - agrotóxicos e afins:

a) os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos;

b) substâncias e produtos, empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e

inibidores de crescimento;”

Outros termos, tais como, “defensivos agrícolas”, “pesticidas”, “agroquímicos”, “praguicidas” ou “produtos fitossanitários” expressam as várias denominações dadas a um mesmo grupo de substâncias químicas, mas no presente trabalho o termo que será utilizado é agrotóxico, termo legal que permite, inclusive, enfatizar os riscos que estas substâncias representam para todas as formas de vida. Interessante observar que as empresas, produtores, importadores e comerciantes em geral evitam o termo “agrotóxico”, justamente para omitir a informação de sua periculosidade ao consumidor, seja ele o agricultor ou até mesmo aquele

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15 que consome o alimento final produzido mediante o uso do agrotóxico, de modo a impedir que se faça a correlação entre o produto químico utilizado na lavoura e uma possível doença adquirida em razão do uso do agrotóxico no cultivo dos alimentos.

Diversas são as possibilidades de classificação dos agrotóxicos21, porém para o presente trabalho, importa destacar a classificação em razão da origem (biológicos ou químicos22), das pragas atingidas (inseticidas, fungicidas, herbicidas, raticidas, etc.) e da família química a que pertencem (organoclorados, organofosforados, etc.) 23.

Como bem aponta o Professor do Departamento de Genética e Morfologia da Universidade de Brasília, Cesar Koppe Grisolia24, os agrotóxicos em geral são biocidas por natureza, o que significa que são “venenos utilizados na agricultura para exterminar alguma forma de vida, aquelas que para o homem constituem uma praga agrícola”. Não há, portanto, agrotóxico inofensivo, entretanto, alguns fungicidas, inseticidas e herbicidas se destacam por serem extremamente agressivos ao meio ambiente e à saúde humana (e o trabalhador é quem está na ponta do iceberg25), o que demanda a atuação do Estado na imposição de limites a este segmento de mercado, bem como na promoção de alternativas para a produção agrícola livre de agrotóxicos, em prol da sociedade.

21In FERRER, A.. “Intoxicación por plaguicidas”. Anales Sis San Navarra, Pamplona, 2012 . Disponível em http://scielo.isciii.es/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1137-66272003000200009&lng=pt&nrm=iso. Acesso em 16.08.2012; Organização Pan-Americana da Saúde/Ministério da Saúde/UNICAMP, “Manual de Vigilância

da Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos”, 1997. Disponível em:

http://www.opas.org.br/sistema/arquivos/livro2.pdf .Acesso em 16.08.2012

22Os agrotóxicos de origem química são subdivididos em naturais (a maioria são extratos de plantas do tipo alcaloide – estricnina, nicotina – ou não-alcaloides – piretrina, rotenoa) e sintéticos (entre os quais se destacam os organoclorados, os organofosforados, os carbamatos, nitrofenólicos, etc). In, PEREZ, Frederico; e

MOREIRA, Josino Costa. “Saúde e ambiente em sua relação com o consumo de agrotóxicos em pólo agrícola do

Estado do Rio de Janeiro, Brasil”. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23 Sup 4: S612-S621, 2007. Disponível em: [http://www.scielo.br/pdf/csp/v23s4/13.pdf]. Acesso em 18.08.2012.

23Os agrotóxicos do grupo químico organoclorado possuem a capacidade de se acumular nas células gordurosas do organismo humano e de outros animais, o que pode vir a determinar uma série de efeitos indesejados à saúde. Tais agentes químicos são muito estáveis e podem persistir no organismo e no meio ambiente por mais de trinta anos. O DDT pertence a esse grupo químico e, apesar de proibido há mais de vinte anos, ainda é empregado na agricultura brasileira, em virtude de contrabando e comércio ilegal. Os agrotóxicos do grupo químico organofosforado, bem como os carbamatos, atuam no organismo humano inibindo uma enzima denominada acetilcolinesterase. Essa enzima atua na degradação da acetilcolina, um neurotrasmissor responsável pela transmissão dos impulsos no sistema nervoso (central e periférico). Uma vez inibida, essa enzima não consegue

degradar a acetilcolina, ocasionando um distúrbio chamado de “crise colinérgica”, principal responsável pelos

sistemas observados nos eventos de intoxicação aguda por esses produtos. In, PEREZ, Frederico; e MOREIRA, Josino Costa. Ibidem. Disponível em: [http://www.scielo.br/pdf/csp/v23s4/13.pdf]. Acesso em 18.08.2012. 24In“Agrotóxicos - Mutações, Câncer e Reprodução”, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2005, p. 123. 25In SILVA, Jandira Maciel da; NOVATO-SILVA, Eliane; FARIA, Horácio Pereira and PINHEIRO, Tarcísio

Márcio Magalhães. “Agrotóxico e trabalho: uma combinação perigosa para a saúde do trabalhador rural”. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2005, vol.10, n.4, pp. 891-903. ISSN 1413-8123.

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(18)

1. AGRICULTURA NO BRASIL E AGROTÓXICOS: MITOS E REALIDADE

A discussão sobre os limites ao poder econômico e a agricultura no Brasil através da análise da regulação e regulamentação do mercado de agrotóxicos demanda uma análise dos mitos e realidades sobre a agricultura e os agrotóxicos no país. Para tanto, em um primeiro momento será realizado um estudo da introdução dos agrotóxicos no Brasil frente ao mercado global (Revolução Verde) e observado como se encontra o panorama atual do mercado de agrotóxicos no âmbito interno (1.1). Em uma segunda etapa destacar-se-á o desenvolvimento da agricultura no Brasil e o uso dos agrotóxicos, indicando em que contexto social e econômico o agrotóxico passa a ser introduzido na agricultura brasileira (1.2). E, finalmente, será analisado como as políticas públicas ambientais e a segurança alimentar influenciam na regulação e na regulamentação dos agrotóxicos no Brasil (1.3).

1.1. A REVOLUÇÃO VERDE, A INTRODUÇÃO DE AGROTÓXICOS NO BRASIL E O PANORAMA ATUAL DO MERCADO DE AGROTÓXICOS

O modelo de agricultura contemporâneo, baseado no uso intensivo de agrotóxicos, tem origem na segunda metade do século XX, no período pós-segunda Guerra Mundial, com a denominada “Revolução Verde”, cujo objetivo era incrementar a agricultura dos países em desenvolvimento (entre os quais, o Brasil).

A “Revolução Verde” consistiu na invenção e na disseminação de novas sementes e práticas agrícolas que permitiram um aumento significativo na produção agrícola nos países ditos subdesenvolvidos. Com a “Revolução Verde” difundiu-se no mundo, notadamente nos países em desenvolvimento, o ideal de produção agrícola em larga escala, mediante mecanismos de melhoramento genético de sementes, uso intensivo de insumos industriais, mecanização e redução do custo de manejo. Tal ideal passou a englobar as políticas econômicas destes países em desenvolvimento como meio de incrementar as economias em ascensão, a exemplo do Brasil, que hoje fundamenta seu crescimento econômico praticamente na exportação de commodities26.

O modelo agrícola difundido pela “Revolução Verde” está baseado no uso intensivo de sementes geneticamente melhoradas (particularmente sementes híbridas), de

26 Só em comparação entre o 1º e o 2º trimestre de 2012, o PIB cresceu 0,4% e o destaque positivo foi justamente o setor agropecuário que no mesmo período cresceu 4,9% . Disponível em:

(19)

18 insumos industriais (fertilizantes e agrotóxicos), na mecanização da lavoura e na diminuição do custo de manejo. Também é creditado à “Revolução Verde” o uso intenso de tecnologia no plantio, na irrigação e na colheita, assim como no gerenciamento de produção. O “slogan” da “Revolução Verde” era acabar com a miséria no mundo, o que, de fato, até hoje não aconteceu, tendo em vista que mais de um bilhão de pessoas ainda vivem em situação de pobreza e/ou extrema pobreza, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU)27, de modo que tal slogan pode ser caracterizado com um verdadeiro mito. Ademais, não se discutiram os riscos advindos da introdução destas práticas agrícolas para a natureza, cuja existência, desde então, tem sido ameaçada em virtude da degradação ambiental e cultural dos agricultores tradicionais, o que é uma realidade inegável e precisa ser analisada de acordo com novos paradigmas (o da sustentabilidade, conforme será trabalhado adiante). Paradoxalmente, em vez de dirimir o problema da fome, as novas práticas agrícolas desencadearam o aumento da concentração fundiária, a dependência de sementes modificadas e a alteração significativa da cultura dos pequenos proprietários.

A introdução das novas técnicas de cultivo, com o uso maciço de agrotóxicos, provocou um aumento brutal na produção agrícola de países “não industrializados”, como Brasil e Índia durante as décadas de 1960 e 1970. A discussão que se travou, desde então, reside na possibilidade e na necessidade de aceitar o uso de agrotóxicos, bem como de estabelecer regras que garantam a proteção das diferentes formas de vida (“uso seguro”). Na realidade, a evolução do mercado de agrotóxicos está diretamente ligada ao processo de modernização da agricultura, desencadeado após a II Guerra Mundial, circunstância em que os agricultores passaram a utilizar de forma intensiva insumos químicos, biológicos e mecânicos.

No Brasil, este período é marcado por uma política liberal por parte dos diversos órgãos governamentais envolvidos, entre os quais a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC) e o Conselho de Política Aduaneira (CPA), sendo que este último nada mais fez do que referendar as listas de ingredientes ativos e produtos formulados através de Portarias do Ministério da Agricultura, o que favoreceu a importação de agrotóxicos neste primeiro

27Projeto do Milênio das Nações Unidas 2005. Investindo no Desenvolvimento: Um plano prático para atingir

os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Visão Geral.” Disponível em:

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19 período28. Não há dúvida, portanto, de que o Estado desempenhou um papel ativo na introdução dos agrotóxicos no Brasil.

E, aliás, o Estado brasileiro continua desempenhando um papel preponderante na expansão do mercado e uso de agrotóxicos já que, neste processo de modernização e formação do capital industrial, o Estado tem atuado de modo a subsidiar a economia, seja de forma direta, por meio de isenções e reduções de impostos e tarifas aduaneiras (a exemplo do antigo ICM, do IPI incidente sobre maquinários e da política aduaneira seletiva29) e de incentivos fiscais para desenvolvimento industrial em regiões menos desenvolvidas, seja de forma indireta, por meio de investimentos à indústria (investimentos do BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento). Foi de crucial importância para o desenvolvimento do mercado de agrotóxicos no Brasil a criação do Sistema Nacional de Crédito Rural em 1965, que possibilitou a oferta de recursos necessários para a criação de uma demanda em larga escalda de insumos para a agricultura. Esse desenvolvimento do mercado de agrotóxicos também foi acompanhado pela falta de regulamentação expressiva para o registro de substâncias agrotóxicas no País, uma vez que vigia, até então, o Regulamento de Defesa Sanitária Vegetal de 193430.

Após a Segunda Guerra Mundial os agrotóxicos organossintéticos31 dominaram o mercado mundial, inclusive o brasileiro. O início da produção de organossintéticos no país, no entanto, data de 1946, quando a empresa Eletroquímica Fluminense iniciou a fabricação de BHC. Em seguida, no ano de 1948 a Rhodia passou a produzir no país o inseticida Parathion e, em 1950, uma fábrica de armas químicas do exército no Rio de Janeiro começou a fabricar o DDT32.

28In SILVEIRA, José Maria F. J. da, e FURTINO, Ana Maria. “O Plano Nacional de Defensivos Agrícolas e a

Criação da Indústria Brasileira de Defensivos”, Boletim Técnico do Instituo de Economia Agrícola, Ano 37,

Tomo 3, 1990, pp 129/146. Disponível em: ftp://ftp.sp.gov.br/ftpiea/rea/1990/asp15-90.pdf. Acesso em 01.03.2012.

29Ibidem. No período de 1974 a 1980 “há uma política aduaneira seletiva, onde se combinam isenções para as

importações de princípios ativos com a proteção às formulações feitas no local, através de taxas ad valorem.”

30Decreto nº. 24.114, de 12 de abril de 1934.

31Os agrotóxicos organossintéticos são uma subespécie dos agrotóxicos químicos e são os mais utilizados na atualidade. Entre eles destacam-se: compostos inorgânicos e organometálicos (derivados de As, Ag, Ta, Pb, P e Hg); compostos organoclorados (O-C: DDT, HCH, aldrín e toxafén); compostos organfosforados (O-P: parathion, malathion, diclorvos, mevinfos, diazinon e demeton); carbamatos; compostos nitrofenólicos; piretroides de síntese (aletrina, resmetrina, bioaletrina). In, PEREZ, Frederico; e MOREIRA, Josino Costa. (2007), Ibidem.

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20 Em meio ao processo de modernização, a indústria de agrotóxicos é favorecida pelo II Plano Nacional de Desenvolvimento33 (II PND) e pela criação em 1975 do Programa Nacional de Defensivos Agrícolas (PNDA) 34, este último utilizado para a correção das distorções entre o aumento do consumo e o fraco desempenho da produção nacional de agrotóxicos, os quais proporcionaram o aporte de recursos financeiros para a criação de empresas nacionais e a instalação de subsidiárias de empresas transnacionais por todo o território brasileiro, bem como para o custeio da agricultura no País35.

O II PND foi desenvolvido entre 1975/1979 e delineou medidas efetivas para aumentar a participação da agricultura no Produto Interno Bruto (PIB) do País, com o objetivo de reduzir o déficit público e aumentar suficientemente a renda do setor a fim de torná-lo um comprador potencial de bens e materiais de consumo.

Por meio de políticas setoriais, o II PND instituiu a indústria de insumos básicos no Brasil e fundamentou a produção de agrotóxicos, com a instalação do PNDA em 1975. Entre as principais estratégias do II PND destacam-se: a expansão da fronteira agrícola em direção às regiões pioneiras e incorporação de novas áreas nas regiões tradicionais de produção; o estímulo à especialização da produção, com a intenção de aumentar a eficiência global da agricultura; e o uso intenso de instrumentos científicos e tecnológicos de desenvolvimento, com a finalidade de maximizar a produtividade.

Segundo Kageyama36, a modernização da agricultura nacional, ocorrida entre 1945 e 1985, baseou-se na imposição do uso de agrotóxicos e no emprego da mecanização na base técnico-produtiva da agricultura. Isto significa que a modernização da agricultura nacional implicou na utilização de insumos de origem industrial no processo produtivo da agricultura, de sorte que a agricultura passou a ser vista como um mercado consumidor da indústria, no interior de um processo geral de industrialização da economia brasileira.

33O II Plano Nacional de Desenvolvimento, também chamado II PND (1975 -1979), foi um plano econômico

brasileiro, lançado no final de 1974, instituído durante o governo do general Ernesto Geisel e tinha como finalidade estimular a produção de insumos básicos, bens de capital, alimentos e energia.

34In SILVEIRA, José Maria F. J. da, e FURTINO, Ana Maria. (1990) Ibidem, pp 129/146.

35Importante destacar que desde o I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND) (1972/1974) plano econômico instituído durante o governo Médice (Lei nº. 5.727, de 4/11/1971) já havia o aporte financeiro para preparar a infraestrutura necessária para o desenvolvimento do Brasil e uma política de crédito de custeio da agricultura, porém foi com o II PND e com a PNDA que os investimentos se intensificaram para o setor agrícola e para o setor industrial (a década de 1970 foi marcada pelo aceleramento da indústria).

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21 Como bem apontam Terra e Pelaez37, a modernização da base técnico-produtiva da agricultura nacional, que levou à utilização maciça de insumos industriais e, dentre estes os agrotóxicos, decorreu de fartos recursos públicos disponíveis para o financiamento da atividade agrícola e à expansão da economia, decorrente também de investimentos maciços das empresas líderes do mercado mundial de agrotóxicos, que viram no Brasil uma promissora oportunidade de incrementar os seus negócios.

Embora nos países desenvolvidos as grandes empresas produtoras de agrotóxicos enfrentassem legislações cada vez mais restritivas sobre os agrotóxicos como um dos fatores principais de determinação da rápida obsolescência de seus produtos, o mesmo não se verificou no Brasil. Mesmo em um cenário de incremento extraordinário no consumo e na produção, o marco regulatório dos agrotóxicos não foi atualizado para acompanhar a realidade que se constituía.

Conforme sublinham Terra e Pelaez38:

“O programa, que vigorou até 1979, tinha como instrumentos básicos de operacionalização a concessão de incentivos fiscais, de financiamentos para construção de plantas e de benefícios tarifários para a importação de máquinas e equipamentos. Foi privilegiada a construção de plantas industriais para a etapa final de fabricação de agrotóxicos, mas não para a produção de suas matérias-primas. Neste contexto, dados de Naidin39 (1985) mostram que, entre 1965/1974 os investimentos para a produção de agrotóxicos no Brasil foram, em média, de US$ 761 mil ao ano, enquanto que entre 1975/1979, período do PNDA, este valor passou a US$ 37.902 milhões ao ano, em média. Ainda de acordo com dados da autora, a produção nacional de agrotóxicos que em 1961 foi de 2.242 toneladas, atingiu 52.430 toneladas em 1980.

Além disso, o PNDA forneceu incentivos fiscais e financeiros que contribuíram para o desenvolvimento no Brasil da produção de agrotóxicos pelas grandes indústrias multinacionais. Soma-se a isto o fato de que as empresas de agrotóxicos em nível mundial começavam a enfrentar as dificuldades impostas pela obsolescência de seus produtos, o que as induzia a buscar novos mercados consumidores. A soma destes fatores conduziu à constituição da indústria de agrotóxicos no Brasil.

Nas décadas de 1980 e 1990, no contexto da crise macroeconômica que assolava o País, não obstante a política de corte de recursos inclusive para o setor agrícola, o

37In TERRA, Fábio Henrique Bittes; PELAEZ, Victor. (2008) Ibidem, p.6. 38Ibidem (2008), p.8.

39In NADIN, L. C. “Crescimento e competição na indústria de defensivos agrícolas no Brasil”. 269 f. Dissertação de mestrado. Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento Agrícola da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1985. Apud TERRA, Fábio Henrique Bittes Terra; PELAEZ, Victor. “A História da Indústria de Agrotóxicos no Brasil: das primeiras fábricas na década de 1940 aos anos 2000”.

Simpósio de Pós-Graduação em História Econômica da USP. 3 a 5 de setembro de 2008. Disponível em:

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22 crescimento agrícola foi significativo e contribuiu para o superávit da balança comercial, com um aumento de mais de 200% do valor exportado40. O crescimento do setor agrícola permaneceu também durante os anos 2000, com uma expansão no período 2000-2007 de 4,15% contra uma taxa média de crescimento do PIB de 3,06%41. Fato é que o Brasil se caracteriza como um grande mercado consumidor de agrotóxicos. Em 2004, este consumo representou 13,5% do faturamento da indústria mundial, terceiro maior índice em nível global, atrás apenas dos Estados Unidos e do Japão. Durante o período 1975/2007 o Brasil permaneceu entre os seis maiores mercados de agrotóxicos do mundo42.

Entretanto, se por um lado é possível demonstrar os ganhos econômicos, por outro lado, o desenvolvimento desse mercado de agrotóxicos é acompanhado igualmente de impactos negativos à saúde humana e ao meio ambiente. De acordo com o último relatório da ANVISA43, do total de amostras analisadas 35% apresentaram resíduos abaixo do Limite Máximo de Resíduo (LMR) autorizado e 28% foram consideradas insatisfatórias por apresentarem resíduos de produtos não autorizados ou, autorizados, mas acima do LMR. As principais irregularidades detectadas no tocante às amostras consideradas insatisfatórias foram: (i) presença de agrotóxicos em níveis acima do LMR (1,7% do total); (ii) constatação de agrotóxicos não autorizados (NA) (24,3% do total); (iii) resíduos acima do LMR e NA simultaneamente em 47 amostras, correspondendo a 1,9% do total.

Conforme aponta o Relatório de Atividades de 2010 da ANVISA44, as amostras insatisfatórias com níveis de agrotóxicos acima do LMR evidenciam sua utilização em desacordo com as determinações presentes nos rótulos e bulas: maior número de aplicações, quantidades excessivas de agrotóxicos aplicados por hectare, por ciclo ou safra da cultura, e não cumprimento do intervalo de segurança ou período de carência45.

No tocante aos resultados insatisfatórios devido à utilização de agrotóxicos não autorizados, constatou-se que resultaram de dois tipos de irregularidades: (i) aplicação de

40Apud TERRA, Fábio Henrique Bittes; PELAEZ, Victor; SILVA, Leticia Rodrigues da. “A Regulamentação dos Agrotóxicos no Brasil: entre o poder de mercado e a defesa da saúde e do meio ambiente”, Revista de

Economia, Editora UFPR v. 36, n. 1 (ano 34), p. 27-48, jan./abr. 2010. 41Disponível em www.ipeadata.gov.br. Acesso em 09.09.2012.

42In TERRA, Fábio Henrique Bittes. “A Indústria de Agrotóxicos no Brasil”. 2008. 156 f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Econômico) - Universidade Federal do Paraná, Santa Catarina, 2008

43Relatório de Atividades (2010) do Programa de Avaliação de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Disponível em:

http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/b380fe004965d38ab6abf74ed75891ae/Relat%C3%B3rio+PARA+2 010+-+Vers%C3%A3o+Final.pdf?MOD=AJPERES. Acesso em 01.04.2012.

44Ibidem, pp. 9-23

(24)

23 agrotóxico não autorizado para determinada cultura, mas cujo ingrediente ativo (IA) está registrado no Brasil e com uso permitido para outras culturas; (ii) aplicação de agrotóxico banido do Brasil ou que nunca teve registro no país, portanto, sem uso permitido em nenhuma cultura46.

Das amostras insatisfatórias, 16% apresentaram resíduos em quantidade inferior a 0,010 mg/kg, que devem ser provenientes de aplicação ou de contaminação indireta, em razão de aplicação em áreas contíguas, por plantio em solo contendo resíduos remanescentes de cultivo anterior, ou por uso de água contaminada. No entanto, tal como apontado no Relatório da ANVISA, mesmo que em pequenas quantidades, estes resíduos podem representar fatores de risco à saúde47.

Os ingredientes ativos (IA) e grupos químicos com uso irregular detectados nas amostras insatisfatórias foram representados no Relatório da ANVISA48 como segue abaixo nos gráficos 1 e 2:

Gráfico 1 – Principais Ingredientes Ativos com uso irregular detectado em amostras insatisfatórias

Fonte: PARA, 2010.

Gráfico 2 – Principais Grupos Químicos com uso irregular detectado em amostras insatisfatórias

46Ibidem, pp. 9-23

(25)

24

Fonte: PARA, 2010.

Esses gráficos demonstram que, dentre os principais ingredientes ativos detectados nas amostras consideradas insatisfatórias (devido à utilização de agrotóxicos não autorizados e/ou proibidos), destaca-se o carbendazim (grupo químico organofosforado) presente em 176 amostras (de um total de 694 amostras consideradas insatisfatórias), das quais 90 são provenientes da cultura do pimentão e as demais provenientes de outras sete culturas agrícolas: abacaxi, alface, beterraba, couve, mamão, morango e repolho49.

Outros ingredientes ativos do grupo químico organofosforado que foram detectados em elevado número de amostras tidas como insatisfatórias são o clorpirifós, o metamidofós e o acefato. Conforme os gráficos acima, eles contribuíram com 154, 125 e 76 resultados de amostras insatisfatórias, respectivamente.

Com base nos dados obtidos, foi possível constatar que do total das amostras insatisfatórias identificadas, (30%) apresentaram resíduos de IA (Ingrediente Ativo) que estão em processo de reavaliação toxicológica ou em etapa de venda descontinuada programada no Brasil50.

Conforme apontado no Relatório da ANVISA51:

“em números absolutos, esses IA em reavaliação ou em fase de descontinuidade programada correspondem apenas a 2,8% do total de 431 ingredientes ativos autorizados para o uso agrícola no Brasil. Entretanto, eles representam parcela significante, quando se considera o volume de alguns deles utilizado no campo. Isto é confirmado pelos dados registrados no Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX), onde se verifica

49Ibidem, pp. 13-14

(26)

25

que os produtos que estão em reavaliação continuam sendo importados em larga escala pelo Brasil, assim como pelos dados de fabricação nacional, segundo o relatório de

comercialização de agrotóxicos fornecidos pelas empresas à ANVISA.”

Quanto ao uso indiscriminado e ilegal de um ou mais agrotóxicos em culturas para as quais eles não estão autorizados, sobretudo daqueles em fase de reavaliação ou de descontinuidade programada por conta de sua alta toxicidade, a ANVISA aponta duas consequências negativas:

“A primeira é a exposição ocupacional desnecessária do trabalhador rural (se ele não

cultiva nenhum produto agrícola para a qual o IA está permitido) ou o aumento da exposição (se ele já usa o IA em lavoura para qual o ingrediente está autorizado). A segunda é o aumento do risco dietético para os consumidores que ingerem o alimento contaminado (entre os quais o próprio trabalhador pode estar incluído), uma vez que esse uso não foi considerado no cálculo da Ingestão Diária Aceitável (IDA) e que este risco se agrava à medida que esse agrotóxico é encontrado em um número maior de alimentos comercializados. Os principais IA de agrotóxicos que se enquadram nessa situação são o metamidofós, o endossulfam e o acefato.” 52 (grifei)

Importa destacar ainda, do Relatório da ANVISA de 201053, os fatores que potencializam o risco de uso inadequado dos agrotóxicos e a contaminação dos alimentos, decorrente da análise dos dados do Censo Agropecuário do IBGE de 200654: (i) 56,3% dos estabelecimentos em que houve utilização de agrotóxicos não receberam orientação agronômica e dos estabelecimentos que receberam tal orientação, 76,7% usam agrotóxicos; (ii) cerca de 85% da mão de obra agrícola está alocada nas pequenas propriedades e mais de 80% dos proprietários rurais, bem como 37,5% dos trabalhadores com laços de parentescos com estes proprietários, é analfabeta ou sabe ler e escrever, mas não tem escolarização formal ou, no máximo, possui o ensino fundamental incompleto.

Com base nestes dados é possível concluir que falta discernimento suficiente para um uso responsável dos agrotóxicos, de sua produção ao uso efetivo.

1.2. O DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA NO BRASIL E O USO DOS AGROTÓXICOS NA ATUALIDADE

A história da colonização do Brasil traduz o modelo econômico adotado pelo País, fundado numa política agrícola de máxima prioridade ao agronegócio e numa política econômica preponderantemente de exportação de “commodities”. De acordo com Caio Prado

52Ibidem, p. 22

53Ibidem, p. 23

54IBGE. Censo Agropecuário IBGE 2006. Disponível em:

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26 Junior55, a agricultura representa para o Brasil, desde a época da colonização, a válvula propulsora da economia do País, porém sempre vinculada aos interesses dos países europeus colonizadores, isto é, o desenvolvimento da agricultura no Brasil está ligado, desde o início, na máxima exploração das riquezas do País para atender, também ao máximo, os interesses dos países europeus.

Citando as palavras de Caio Prado Junior:

“Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde, ouro e diamante; depois algodão e, em seguida, café para o comércio europeu. Nada mais que isso. É com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileiras. Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura social, bem como as atividades do país.” (grifei)

Ultrapassada a primeira metade do século XVI, em que as atividades desenvolvidas no Brasil se concentraram basicamente na extração rudimentar do pau-brasil, sob o domínio da Coroa Portuguesa, os colonizadores portugueses passam, então, a explorar a atividade de agricultura de cana-de-açúcar (1530-1640), ocasião em que se dá a ocupação efetiva do País.

Em princípio, dividiu-se a costa brasileira em 12 (doze) setores lineares com extensões que variavam ente 180 e 600 km, denominados “capitanias”, as quais foram doadas pela Coroa Portuguesa a titulares que gozavam de grandes regalias e poderes soberanos. O regime de posse da terra foi o da propriedade alodial e plena e os titulares eram grandes senhores e latifundiários, os quais aspiravam ao novo mundo para a implantação das grandes plantações de cana-de-açúcar. Como bem aponta Caio Prado Junior56: “São estas circunstâncias que determinarão o tipo de exploração agrária adotada no Brasil: a grande propriedade” (grifei).

Sem ingressar no histórico detalhado do desenvolvimento econômico do Brasil, o que não é o foco deste trabalho57, fato é que a economia do Brasil se originou, e ainda hoje

55PRADO, Caio Jr. “História Econômica do Brasil”. São Paulo: Brasiliense, 2008, p. 23

Caio Prado Jr foi um dos principais intelectuais agrários do Partido Comunista Brasileiro, juntamente com Ignácio Rangel e Alberto Passos Guimarães. Os três protagonizaram teórica e politicamente o debate da questão agrária nos anos 1960 no campo marxista.

56Ibidem p.23

57Sobre essa temática cf. Celso Furtado, “Formação Econômica do Brasil”, São Paulo: Companhia das Letras,

(28)

27 está fundamentada, na agricultura de exploração, leia-se, grandes latifúndios, monocultura, máxima exploração do solo e privilégio dos interesses dos grandes proprietários de terras58.

O debate sobre a questão agrária no Brasil ocorre sob circunstâncias diversas, porém, tal como aponta Guilherme C. Delgado59 é possível traçar uma linha de continuidade nas discussões, qual seja, a reprodução da estrutura altamente desigual de posse e uso da terra ao longo de todo o ciclo industrial (1930-1981) e também no período subsequente de relativa estagnação (1982-2003).

Durante o Regime Militar o debate agrário gira em torno das questões relativas à oferta e à demanda de produtos agrícolas, seus efeitos sobre os preços, o emprego e o comércio exterior, omitindo-se as questões sobre a estrutura fundiária e as suas consequências para o País.

Como bem observado por Guilherme C. Delgado 60:

“A imaginação dos economistas conservadores da época, e também de alguns críticos do

sistema, está impregnada das chamadas cinco funções da agricultura: i) liberar mão de obra para a indústria; ii) gerar oferta adequada de alimentos; iii) suprir matérias-primas para indústrias; iv) elevar as exportações agrícolas; e v) transferir renda real para o setor

urbano.”

Este pensamento econômico conservador é encabeçado por Delfim Neto (textos publicados entre os anos de 1962 e 196561) e pressupõe a negação da questão agrária (desconsideração da estrutura fundiária e das relações de trabalho no meio rural) como um problema econômico relevante e a determinação das cinco funções da agricultura no desenvolvimento econômico citadas no parágrafo anterior. De acordo com o pensamento conservador do grupo de economistas da Universidade de São Paulo (USP) liderado por Delfim Neto (explícito nas teses de 1963/1964) a expansão do setor agrícola depende de

58De acordo com o Censo Agropecuário 2006, foram identificados 4 367 902 estabelecimentos da agricultura familiar, o que representa 84,4% dos estabelecimentos brasileiros. Este numeroso contingente de agricultores familiares ocupava uma área de 80,25 milhões de hectares, ou seja, 24,3% da área ocupada pelos estabelecimentos agropecuários brasileiros. Estes resultados mostram uma estrutura agrária ainda concentrada no País: os estabelecimentos não familiares, apesar de representarem 15,6% do total dos estabelecimentos, ocupavam 75,7% da área ocupada. A área média dos estabelecimentos familiares era de 18,37 hectares, e a dos

não familiares, de 309,18 hectares. Disponível em:

[http://www.mma.gov.br/estruturas/sds_dads_agroextra/_arquivos/familia_censoagro2006_65.pdf]. Acesso em 17.08.2012.

59DELGADO, Guilherme C.. “A Questão Agrária no Brasil, 1950-2003”. In “Questões Sociais e Políticas Sociais no Brasil Contemporâneo”. Brasília: IPEA, 2005. Pp. 51/52. Disponível em:

http://desafios.ipea.gov.br/sites/000/2/livros/questaosocial/Cap_2.pdf. Acesso em 17.08.2012. 60Ibidem (2005), p. 56.

61InDELFIM NETTO, A. “Problemas econômicos da agricultura brasileira”. São Paulo, Faculdade de Ciências

(29)

28 quatro fatores: a) do nível técnico da mão de obra; b) do nível de mecanização; c) do nível de utilização de adubos; e d) de uma estrutura agrária eficiente.

Com este ideal Delfim Neto assume o Ministério da Fazenda em 1967, durante o governo do Marechal Artur da Costa e Silva (1967/1969), e implementa o Sistema Nacional de Crédito Rural62 como principal estrutura de fomento à produção agropecuária, de modo a aprofundar as relações técnicas da agricultura com a indústria e de ambos com o setor externo (exportação). É neste cenário interno de “modernização” da agricultura que a produção, a importação e a comercialização de agrotóxicos serão viabilizados e disseminados por todo o território brasileiro, com incentivo financeiro maciço do setor público. Isto porque o tão defendido processo de modernização técnica da agricultura está pautado essencialmente na mudança da base técnica dos meios de produção utilizados no setor agrícola, materializado na utilização crescente de insumos industriais (fertilizantes, agrotóxicos, corretivos do solo, sementes geneticamente modificadas, combustíveis líquidos, etc.) e de máquinas industriais (tratores, colhedeiras, implementos, equipamentos de irrigação, etc.).

Além da modernização técnica da agricultura ocorre uma integração da agricultura com a indústria (integração variável entre a produção primária de alimentos e matérias-primas e os diversos ramos industriais), o que, segundo Guilherme C. Delgado63 constituirá blocos de capital os quais serão as bases do agronegócio que dominará a política agrícola brasileira. Em suma, perseguiu-se com essa política agrícola um planejamento induzido dos mercados de produtos rurais, mediante a desoneração dos riscos estruturais (de produção e de preço) do processo produtivo e a estimulação da adoção de pacotes tecnológicos da “revolução verde”, então considerados sinônimos de modernização, tudo amparado por subvenções financeiras do setor público aos grandes empresários rurais (latifundiários).

62In FÜRSTENAU, Vivian. “A Política de Crédito Rural na Economia Brasileira Pós 1960”. Porto Alegre: Ensaios Fundação de Economia e Estatística. 8(1):139-154, 1987. Disponível em: [http://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/viewFile/1075/1416

http://www.cebrap.org.br/v2/files/upload/biblioteca_virtual/o_sistema_de_credito_rural.pdf]. Acesso em

17.08/2012; DELGADO, Nelson; LEITE, Sergio Pereira; WESZ, Valdemar Júnior. “Nota Técnica sobre

Financiamento Rural no Brasil”, Rio de Janeiro: Observatório para Políticas Públicas para a Agricultura. 2011.

Disponível em:

[http://reporterbrasil.org.br/mapasocial/wp-content/uploads/2012/05/nota_financiamento_rural_ufrrj.pdf]. Acesso em 18.08.2012; BITTENCOURT, Gilson

Alceu. “Abrindo a Caixa Presta: O financiamento da agricultura familiar no Brasil”. Data da defesa. 213 f.

Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento, Espaço em Meio Ambiente) . Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Campinas. 2003. Disponível em: [http://datasites.cresolcentral.com.br/cresolcentral/publicacoes/1305904670670_bittencourt.pdf]. Acesso em 18.08.2012.

(30)

29 Citando Guilherme C. Delgado 64:

“A passagem do período de crise agrária da primeira metade da década de 1960 para a

modernização agrícola encontra-se fortemente documentado na formulação da política econômica do período. Percebe-se nela a grande evidência na liberalidade da política de crédito rural, a prodigalidade dos incentivos fiscais – principalmente nas desonerações do imposto de renda e do imposto territorial rural –, e ainda o aporte direto e expressivo do gasto público na execução das políticas de fomento produtivo e comercial dirigidas às clientelas das entidades criadas ou recicladas no período (SNRC65, Políticas de Garantia

de Preço, Proagro, Pesquisa e Extensão Rural, etc.)”

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (Censos Agropecuários de 1960, 1970, 1975 e 1980) entre as décadas de 1960 e 1980, o consumo de fertilizantes NPK66 aumentou de 198.400 toneladas em 1960 para 4.066.000 toneladas em 1980, no mesmo período, a frota de tratores agrícolas aumentou de 61.345 tratores para 545.205 tratores em 1980. Interessante observar também que no período compreendido entre 1964 e 1990, houve um aumento do consumo de agrotóxicos no país de 276,2% frente a um aumento de 76% na área plantada, o que demonstra a intensificação do modelo de produção agrícola lastreado no uso intensivo dos agrotóxicos67.

Como bem aponta Guilherme C. Delgado 68 houve um aumento significativo nos indicadores técnicos de modernização agropecuária, aumento da produção e sua diversificação, além de significativa mudança no padrão técnico do setor rural, o qual passa a abastecer-se crescentemente de meios de produção oriundos da indústria, para o que contribui fortemente a política de crédito rural vigente à época.

Após o Regime Militar, o debate sobre a reforma agrária só é retomado no Primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), aprovado pelo Decreto nº. 91.766, de 10 de outubro de 198569. Com o advento da Constituição de 1988 tal discussão insere-se no contexto do ciclo econômico neoliberal – privatista e desregulamentador dos anos 1990, em que a função do Estado no cumprimento dos direitos sociais agrários inscritos na Constituição

64Ibidem (2005), p. 59.

65O Sistema Nacional de Crédito Rural (SNRC) foi instituído em 1967 e o Programa de Apoio à Atividade Agropecuária (Proagro) foi instituído em 1974.

66Os fertilizantes que constituem o denominada NPK, decorrem da mistura de fertilizantes nitrogenados, fosfatados e potássicos.

67In, PEREZ, Frederico; e MOREIRA, Josino Costa. (2007) Ibidem, S612. 68Ibidem (2005), p. 60.

69Disponível em

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Gráfico 1  –  Principais Ingredientes Ativos com uso irregular  detectado em amostras insatisfatórias
Tabela Comparativa de Agrotóxicos Proibidos em outros Países

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