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Raimundo Lúlio e as missões cristãs aos muçulmanos

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Academic year: 2017

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

RAIMUNDO LÚLIO E AS MISSÕES CRISTÃS AOS MUÇULMANOS por Raimundo Monteiro Montenegro Neto

(2)

RAIMUNDO MONTEIRO MONTENEGRO NETO

RAIMUNDO LÚLIO E AS MISSÕES CRISTÃS AOS MUÇULMANOS

Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie para a obtenção do grau de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Edson Pereira Lopes.

(3)

M777c Montenegro Neto, Raimundo Monteiro

Raimundo Lúlio e as missões cristãs aos muçulmanos /

Raimundo Monteiro Montenegro Neto - 2010. 114 f. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2010.

Bibliografia: f. 108-114.

1. Missões 2. Muçulmanos 3. diálogo inter-religioso 4. Cruzadas I. Lúcio, Raimundo II. Título

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Aprovado em ___ / ___ / ___

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________________ Prof. Dr. Edson Pereira Lopes

Universidade Presbiteriana Mackenzie

_________________________________________________________________ Prof. Dr. Antônio Máspoli de Araújo Gomes

Universidade Presbiteriana Mackenzie

_________________________________________________________________ Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva

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DEDICATÓRIA

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AGRADECIMENTOS

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RESUMO

MONTENEGRO NETO, R. M. – Raimundo Lúlio e as missões cristãs aos muçulmanos. Dissertação de Mestrado de Ciências da Religião. Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo, 2010.

Raimundo Lúlio, um cidadão catalão do séc. XIII, desenvolveu um projeto teórico-prático de missões (missiologia luliana) baseado em um vasto trabalho filosófico, literário e apologético em prol da cristianização do mundo a ser alcançada por intermédio da argumentação e demonstração racional da superioridade da fé cristã católica sobre as demais religiões. A missiologia luliana implicava primordialmente a conversão dos adeptos de outras religiões ao cristianismo, especialmente os muçulmanos, mas também incluía a restauração da cristandade através da educação nos seus próprios valores.

As tensões entre cristãos e muçulmanos eram grandes nos dias de Lúlio e ainda hoje as missões cristãs aos islâmicos continua sendo um grande desafio. A falta de um diálogo franco e de um debate objetivo de idéias que tenham mútuos respeito, audição e conhecimento ainda têm marcado a relação entre os seguidores de Cristo e os de Maomé.

A missiologia luliana buscou, no âmbito dos limites dos seus dias, vencer estas resistências através do diálogo e da alteridade e é aqui apresentada como um paradigma histórico relevante para a realização contemporânea de missões cristãs aos muçulmanos. O reconhecimento daquele distante cenário medieval é necessário para o devido entendimento das polêmicas e críticas à missiologia luliana, assim como para o reconhecimento da sua natureza vanguardista, como se busca demonstrar nesta pesquisa.

PALAVRAS-CHAVE

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ABSTRACT

MONTENEGRO NETO, R. M. – Raymond Lully and the Christian Missions to the Muslims. Dissertation for Master of Science of Religion, Mackenzie Presbyterian University. São Paulo, 2010.

Raymond Lully, a citizen of the thirteenth century, developed a missions’ theory which he put into practice, in here called Lullyany Missiology. His theory was based on a vast philosophic, literary and apologetic work sympathetic to the Christianization of the world. According to Lully, the people would be reached by the argumentation and demonstration of the superiority of the Catholic Christian faith above all others religions. Lullyany Missiology focused primarily on the conversion from other religions’ people to Christianity, especially Muslims. It also included the restoration of Christianity through educating the people in their own values.

During the days of Lully, there were many great conflicts between Christians and Muslims; much like the today’s Christian Missions to the Muslims continue to provide challenges. The lack of true dialog and objective debate of ideas that has a mutual respect, audition and knowledge still marks the relationship between the followers of Christ and Mohammad.

Lullyany Missiology sought to win the resistance through dialog and appreciation on the ambit and limitations of her days. It is presented here as an historic paradigm relevant to the realization of contemporary Christian Missions to the Muslims. The knowledge of that distant medieval scenery is necessary for the understanding of polemics and criticism to the Lullyany Missiology, as is the acknowledgement of the vanguard nature in the pursuit to demonstrate the next research.

KEY WORDS

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SUMÁRIO

Sumário ... 10

Introdução ... 12

1. O contexto das missões cristãs aos muçulmanos ... 21

1.1. Cronologia geral da época de Raimundo Lúlio ... 21

1.2. Missões cristãs na Idade Média ... 28

1.2.1 Missões medievais: a catolicização do mundo ... 28

1.2.2 O mau exemplo histórico da perda dos mongóis... 30

1.2.3 As condições religiosas do mundo medieval ... 31

1.2.4 A preocupação de Lúlio com a resposta da Igreja ... 32

1.3. A tensão entre cristãos e muçulmanos ... 34

1.3.1 O surgimento do Islã e a sua relação com os cristãos ... 34

1.3.2 A reação cristã à expansão islâmica ... 36

1.3.3 A tensão entre cristãos e muçulmanos na Europa ... 38

1.3.4 A situação mais específica na Espanha de Lúlio ... 39

1.4 Missões que influenciaram Raimundo Lúlio ... 41

1.4.1 As primeiras missões cristãs aos muçulmanos ... 42

1.4.2 A influência das ordens missionárias ... 43

1.4.3. A identificação com o cristianismo institucional ... 46

1.4.4 A influência de outros Raimundos em Lúlio ... 47

2. A missiologia luliana, teoria e prática de Raimundo Lúlio ... 50

2.1. A biografia missionária de Raimundo Lúlio ... 50

2.1.1 Apresentação sucinta de Raimundo Lúlio ... 51

2.1.2 A vida inicial de Raimundo Lúlio ... 51

2.1.3 A conversão e o chamado de Raimundo Lúlio ... 52

2.1.4 O preparo missionário de Raimundo Lúlio ... 53

2.1.5 A vida missionária de Raimundo Lúlio ... 54

2.1.6 Raimundo Lúlio, missionário até a morte ... 54

2.1.7 Dialogando com a biografia missionária de Raimundo Lúlio ... 55

2.2. A visão missionária de Raimundo Lúlio ... 56

2.2.1 O ideal de Raimundo Lúlio ... 57

2.2.2 O desconforto de Raimundo Lúlio ... 58

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2.2.4 Dialogando com a visão missionária de Raimundo Lúlio ... 63

2.3. As letras na missão de Raimundo Lúlio ... 64

2.3.1 As letras a serviço da evangelização ... 65

2.3.2 As letras para a glória de Deus ... 67

2.3.3 Dialogando com as letras de Raimundo Lúlio ... 68

2.4. O zelo missionário de Raimundo Lúlio ... 69

2.4.1 Os valores morais de Raimundo Lúlio ... 70

2.4.2 Missões como expressões da fé cristã ... 71

2.4.3 Dialogando com o zelo missionário de Raimundo Lúlio ... 74

3. Debatendo cruzada e missão em Raimundo Lúlio ... 77

3.1. As cruzadas cristãs e os muçulmanos ... 77

3.1.1 A origem das cruzadas ... 79

3.1.2 A natureza das cruzadas ... 80

3.1.3 As conseqüências das cruzadas ... 81

3.1.4 As cruzadas para os muçulmanos ... 83

3.2. As cruzadas para Raimundo Lúlio ... 85

3.2.1 A natureza militar das cruzadas para Lúlio ... 85

3.2.2 A natureza missionária das cruzadas para Lúlio ... 89

3.3. O diálogo inter-religioso em Raimundo Lúlio ... 93

3.3.1 Em diálogo e resposta à filosofia islâmica ... 94

3.3.2 Princípios de alteridade em Raimundo Lúlio ... 96

3.3.3 Uma proposta de missões com alteridade ... 99

3.3.4 Uma proposta de escolas missionárias ... 100

Considerações Finais ... 102

(12)

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem como foco estimular e produzir uma reflexão teórica sobre a atuação missionária cristã aos muçulmanos, tendo como paradigma histórico a missiologia luliana, ou seja, o projeto teórico e a subseqüente prática missionária decorrente desenvolvida pelo catalão Ramon Llull (forma original catalã do nome do personagem histórico em estudo; contudo, na presente pesquisa dá-se a preferência pela forma aportuguesada do seu nome, Raimundo Lúlio).

Lúlio viveu entre os séculos XIII e XIV, em pleno período medieval marcado por diversos e intensos conflitos religiosos, especialmente entre cristãos e muçulmanos, que disputavam terras não apenas no continente europeu, acentuadamente na península ibérica, mas também na região do Oriente Médio conhecida como Terra Santa. Tais tensões geográfico-religiosas foram vivenciadas intensamente no episódio das Cruzadas.

Desde o início da sua jornada espiritual de devoção cristã, Raimundo Lúlio passou a perseguir o ideal de ver o mundo convertido a Cristo; e com tal propósito ele buscou e desenvolveu um modelo missiológico-apologético que se concentrava no debate racional e comparativo do conteúdo das crenças religiosas dos grupos em questão, dando um destaque à mais tensa relação de então: a dos cristãos com os muçulmanos. Respeitando princípios de alteridade, Lúlio desenvolveu a sua missiologia argumentativa e engajada, que na presente pesquisa é nomeada como missiologia de Raimundo Lúlio, ou simplesmente, missiologia luliana, a qual é descrita e proposta como potencialmente útil e relevante tanto ao bom relacionamento inter-religioso, quanto à própria realização das missões cristãs na contemporaneidade.

Termos como Idade Média, Evangelização, Missões e Missiologia são recorrentes nesta pesquisa; e embora haja polêmicas em torno de muitos e um certo consenso sobre outros, na presente obra os mesmos são usados com os seguintes significados:

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e a Conquista do Novo Mundo, o continente americano (Bosch, 2002, p. 265). Este período recebe na presente pesquisa o foco na tensão entre o cristianismo e o islamismo.

Evangelização – adota-se na presente pesquisa o termo Evangelização conforme apresentado por Dayton, que assim o define associando natureza, propósito e alvo da evangelização: “A natureza da evangelização é a comunicação das boas-novas. [...] O propósito da evangelização é dar a indivíduos e grupos uma oportunidade válida de aceitar Jesus Cristo. [...] O alvo mensurável da evangelização é persuadir homens e mulheres a aceitar Jesus Cristo como Senhor e Salvador, e servi-Lo na comunhão de Sua Igreja.” (Dayton, 1982, p. 18). A presente pesquisa assume que o foco principal da missão cristã na vida e obra de Raimundo Lúlio foi a evangelização dos muçulmanos, ou seja, o esforço consciente de oferecer aos islâmicos uma comunicação compreensível do que ele entendia ser a mensagem racional do evangelho de Cristo.

Missões – adota-se na presente pesquisa o termo Missão e o seu derivativo plural, Missões, como uma combinação dos conceitos de Missão e Projeto Missionário conforme apresentados por Longuini Neto, para quem o “ponto de partida para entender a missão é afirmá-la como o testemunho do amor e da presença de Deus na história pelos cristãos [...] e projeto missionário [é] entendido como o conjunto de esforços, métodos e estratégias para levar adiante a missão” (Longuini Neto, 2002, pp. 67, 68). Portanto, o termo missões é usado na presente pesquisa tão somente como indicadora das ações cristãs que visam o cumprimento da missão da Igreja de dar testemunho aos não-cristãos, através de palavras e ações, sobre a mensagem do Evangelho, conforme compreendida pelos cristãos, e assim se tornar participante da ação redentora de Deus, dirigida aos homens através da sua Igreja.

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neste personagem, teoria e prática caminham lado-a-lado; sendo assim, considere-se o uso aqui da seguinte expressão nesta pesquisa.

Missiologia Luliana – esta expressão indica na presente pesquisa a proposta teórica e prática de missões cristãs aos muçulmanos apresentada por Raimundo Lúlio, cujo objetivo principal era a evangelização dos islâmicos através da demonstração racional da fé cristã, baseada no debate religioso que exige conhecimento e audição mútuos.

A metodologia aqui empregada foi a pesquisa bibliográfica, sendo as obras pertencentes aos seguintes principais sub-temas desenvolvidos no corpo deste: 1) obras de autoria do próprio Raimundo Lúlio; 2) obras que avaliam o legado de Raimundo Lúlio; 3) obras que discorrem sobre o Islamismo; 4) obras que debatem a relação entre o Cristianismo e o Islamismo; 5) obras que versam sobre as Cruzadas; 6) obras que abordam o tema do desafio do diálogo inter-religioso; 7) obras missiológicas analíticas sobre o cumprimento histórico da missão da Igreja; 8) obras que avaliam os desafios da comunicação intercultural; 9) obras que apresentam conceitos importantes à comunicação intercultural; e por fim, 10) obras que propõem caminhos e modelos ao cumprimento cristão da sua missão entre os muçulmanos.

O método empregado nesta pesquisa consiste em expor as propostas lulianas para o cumprimento da missão cristã entre os muçulmanos, apresentar avaliações destas propostas feitas por estudiosos da vida e obra de Raimundo Lúlio, debatendo criticamente estas avaliações e as próprias propostas originais lulianas, assim como levantar outras contribuições úteis ao cumprimento da missão cristã aos muçulmanos, sempre fazendo referência crítica ao pensamento de Lúlio, procurando identificar aspectos historicamente circunstanciais e, portanto, anacrônicos à missiologia moderna, mas principalmente demonstrar que em sua grande maioria, as propostas lulianas foram expressões de vanguarda, consideradas e aceitas nesta época contemporânea, assim como algumas outras que ainda teriam muito a colaborar caso fossem consideradas e observadas pelas pessoas nestes dias atuais.

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Sendo assim, o objetivo geral desta pesquisa é demonstrar que a missão apologética de Raimundo Lúlio pode ser útil às missões cristãs contemporâneas nesta época de diversidade e atividade inter-religiosa, enfatizando a atuação missionária cristã aos muçulmanos, tendo como foco de pesquisa o modelo da missiologia luliana. Aqui se pretende como objetivos específicos:

• Apresentar o contexto histórico e geográfico geral das missões cristãs aos muçulmanos até os dias de Raimundo Lúlio;

• Discorrer a respeito da visão missionária de Raimundo Lúlio aos muçulmanos, apresentando considerações próprias à perspectiva evangélica protestante;

• Expor criticamente a proposta de Raimundo Lúlio para as cruzadas e para a missão cristã aos muçulmanos.

A questão norteadora desta pesquisa pode ser expressa na seguinte questão: qual foi a relação entre Raimundo Lúlio e as missões cristãs aos muçulmanos? Esta questão central desdobra-se nos seguintes problemas condutores da pretendida pesquisa:

• Qual a relevância contexto histórico e geográfico geral das missões cristãs aos muçulmanos para a efetivação destas durante a Idade Média?

• Qual foi, em linhas gerais, a proposta apresentada e desenvolvida por Raimundo Lúlio para as missões cristãs aos muçulmanos?

• Quais foram as propostas de Raimundo Lúlio para as cruzadas e quais as propostas mais relevantes às missões cristãs aos muçulmanos na contemporaneidade?

A presente pesquisa se desenvolve sobre a hipótese central de que a missiologia proposta por Raimundo Lúlio ainda apresenta contribuições úteis à atuação missionária cristã aos muçulmanos; e ao se fazer algumas ressalvas históricas contextuais, a mesma continua relevante à contemporaneidade. Buscando a demonstração desta hipótese central, esta pesquisa se desenvolveu a partir das seguintes hipóteses secundárias:

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missionária de Raimundo Lúlio, frente ao desafio de levar o evangelho aos muçulmanos nos seus dias.

Esta pesquisa busca apresentar o contexto histórico-cultural-religioso do mundo no qual estava inserido Raimundo Lúlio, e demonstrar que apesar do cenário hostil ao convívio e ao debate inter-religioso, algum trabalho missionário foi feito e especialmente nos dias próximos a Lúlio, identificar aqueles que exerceram influência sobre este, de tal maneira que colaboraram para a formação da sua proposta teórica e modelo prático de missões cristãs aos muçulmanos.

• A segunda hipótese secundária desta pesquisa apresenta panoramicamente a proposta missionária de Raimundo Lúlio para as missões cristãs aos muçulmanos, tecendo algumas considerações sob a ótica cristã protestante. A hipótese levantada neste ponto é a de que a proposta de Lúlio foi vanguardista em muitos aspectos, adiantando-se no tempo, serve de modelo para as missões cristas aos muçulmanos em muitos pontos propostos; e foi fruto de uma visão que unia devoção a Deus, idealismo religioso, educação primorosa e dedicação intensa e comprometida com os ideais propostos.

Este ponto da pesquisa caminha sobre hipótese e tônica bastante positivas a respeito da missiologia luliana, não entrando nos mais intrincados debates e críticas. A segunda hipótese se desenvolve sob os auspícios de uma reflexão inspirativa para a Igreja protestante contemporânea, ao destacar os aspectos positivos da proposta luliana e apresentar a sua missiologia como um paradigma histórico digno de ser considerado e até mesmo seguido, com as devidas ressalvas necessárias.

• Por fim, a terceira e última hipótese secundária desta pesquisa se concentra em dois aspectos centrais da missiologia luliana, a saber: a polêmica a respeito das cruzadas; e depois a construção de uma missiologia que leve em consideração aquele a quem se dirige o esforço missionário, destacando disto a proposta de diálogo inter-religioso em Raimundo Lúlio e as relações entre os religiosos de distintas religiões neste mundo contemporâneo.

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conversionista. Já quanto às propostas de diálogo inter-religioso e da preparação dos missionários a serem enviados ao mundo para a evangelização dos não-cristãos, apresenta-se a hipóteapresenta-se de que aqui apresenta-se encontra a maior contribuição de Raimundo Lúlio para as missões cristãs aos muçulmanos.

Não apenas a proposta de qualidade no diálogo inter-religioso feita por Raimundo Lúlio se revela útil ao convívio religioso mais harmonioso, aproximando os diversos segmentos e promovendo um melhor conhecimento mútuo, assim como a construção de uma sociedade mais solidamente democrática, inclusive na esfera religiosa, mas a missiologia luliana se mostra relevante ao legítimo direito do cidadão moderno a: a posse, por convicção pessoal; o anúncio, pela proclamação livre; o debate, pela sincera exposição; a possibilidade de conversão, por decisão pessoal à outra matriz religiosa.

As idéias de Lúlio aplicam-se apropriadamente ao fato de que o convívio respeitoso de adeptos de crenças distintas não se dá pelo silêncio inibidor da exposição das convicções, nem pela tolerância apenas à explicitação de uns poucos e superficiais pontos de convergência universalmente aceitos pelas religiões em geral. Muito pelo contrário, Lúlio nos ensina sobre a importância da madura garantia do direito ao debate cordial de idéias e à liberdade de expressão que respeita, tolera, convive e aborda, até mesmo por conhecer melhor, a religião professada pelo outro.

Esta pesquisa termina por tentar demonstrar que pela natureza e conteúdo da missiologia luliana a mesma se revela útil e relevante ao mundo contemporâneo como um todo e não apenas à atuação missionária cristã aos muçulmanos, pois ensina a tolerância e o respeitoso convívio de distintos credos na sociedade atual, sem, no entanto, relativizá-los, rejeitá-los, impô-los ou no máximo tolerá-los, mas propõe o caminho da defesa do legítimo direito de existência, manifestação e atuação democrática do diversos credos na sociedade contemporânea, respeitando os direitos humanos básicos de liberdade de expressão, culto, circulação; e, acima de tudo, direito à vida.

O meu interesse por Raimundo Lúlio se iniciou por curiosidade, pois tendo este personagem histórico o mesmo nome que o autor deste projeto, o fato me chamou a atenção desde quando ainda no curso teológico (por volta do ano de 1999) eu li pela primeira vez a respeito de alguém homônimo na história das missões cristãs.

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ocorreu o conhecimento e o contato com o Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo Lúlio (Ramon Llull), ou simplesmente o IBFCRL. Esta instituição – especialmente através da pessoa do seu diretor, o também catalão Esteve Jaulent – passou a colaborar significativamente nas minhas pesquisas sobre Lúlio.

Embora com exigüidade de tempo, Lúlio foi o tema central do meu Trabalho Geral Interdisciplinar – TGI (equivalente ao TCC de outras universidades) na validação do curso de Teologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. O interesse na pesquisa sobre Lúlio já estava selado e mesmo tendo começado a investigar outras áreas do conhecimento enquanto cursava as disciplinas do mestrado em Ciências da Religião, agora se retornou aqui, na dissertação de mestrado, a este tema que tem me atraído aos exercícios da pesquisa acadêmica.

Esta pesquisa pretende justificar-se relevante a partir de várias colaborações que pode oferecer, dentre as quais se destacam as seguintes:

Proposta de diálogo inter-religioso. Ora, ainda neste século XXI a questão religiosa é um tema de importante consideração não apenas por motivos religiosos, mas também acadêmicos e até mesmo políticos e diplomáticos, pois persiste na contemporaneidade a dificuldade de se estabelecer um diálogo respeitoso e uma livre atuação e vivência religiosas entre adeptos de diversas religiões, como o Hinduísmo, o Budismo, inclusive as três grandes religiões monoteístas mundiais, o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo. Tensões em escolas na França devido ao uso do véu por parte das meninas muçulmanas ainda é um assunto presente na imprensa mesmo fora daquele país, como se pode verificar no artigo de Reinaldo Azevedo, colunista na Revista Veja, conforme ele postou em 23 de junho de 2009 (Azevedo, 2009, internet).

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Muitos outros exemplos poderiam ser apresentados que demonstram falta de diálogo inter-religioso, assim como a persistente presença da intolerância religiosa na atualidade, tal como se pode verificar pela notícia veiculada em 1º de setembro de 2008 no portal do jornal Gazeta do Povo sob o título: “Multidão queima casas em choque religioso na Índia” (Gazeta do Povo, 2008, Internet). Exemplos como estes ressaltam uma possível relevância da presente pesquisa como um elemento de contribuição ao atual diálogo inter-religioso.

Embora Raimundo Lúlio tenha sido autor de vasta obra literária e destacado filósofo e missionário, o mesmo ainda não goza do conhecimento devido na academia brasileira, especialmente entre os protestantes; no entanto, Lúlio tem muito a contribuir para o enriquecimento da vida acadêmica no Brasil, assim como o de vários espectros do cristianismo, e por que não dizer o de toda a humanidade, pois a sua vida e obra têm muito a contribuir a todos, em diversas áreas da nossa realidade e não apenas a academia, dentre as quais, se pode aplicar a:

A Contemporaneidade, devido à atual realidade sócio-cultural que vivemos, de tensão global entre o Ocidente e o Oriente, o Cristianismo e o Islamismo – mais claramente percebida após os atentados de 11 de setembro de 2001 – isto porque Lúlio viveu em dias de similar conflito e a sua atuação foi no meio da tensão, o que pode fazer dele uma lição viva da história, pois ainda que inúmeras vezes a sua presença e argumentação causaram alvoroço entre os seus oponentes, é inegável a superioridade de uma abordagem por argumentação que busca o debate e o diálogo do que aquela que dispensa tal diplomacia, como ocorre em ataques e guerras ainda hoje comuns;

A História, pois a pesquisa sobre este personagem da virada do séc. XIII para o séc. XIV pode resgatar algumas contribuições que o cristianismo medieval vivido por Lúlio deixou à posteridade, independente da matriz teológica específica (católica, ortodoxa, protestante, etc.). A riqueza, a diversidade e complexidade do momento histórico vivido por Lúlio justificam a História como ponto de relevância desta pesquisa;

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quem se atribui inclusive a destacada posição de poeta pioneiro que se tem conhecimento na língua catalã.

A presente pesquisa, que tem por título “A contribuição de Raimundo Lúlio para as missões cristãs aos muçulmanos” está dividida nos seguintes capítulos e conteúdos:

No capítulo 1, intitulado O contexto das missões cristãs aos muçulmanos, procura-se apreprocura-sentar o cenário histórico e geográfico medieval e como nele procura-se deprocura-senvolveram as missões cristãs medievais até os dias de Lúlio. Para tanto, esta pesquisa assim se estrutura: 1) cronologia geral da época de Raimundo Lúlio; 2) missões cristãs na Idade Média; 3) a tensão entre cristãos e muçulmanos; e 4) missões que influenciaram Raimundo Lúlio.

No capítulo 2, intitulado A Missiologia Luliana, teoria e prática de Raimundo Lúlio, busca-se apresentar uma visão panorâmica da proposta missionária desenvolvida por Lúlio, em sua teoria e prática, destacando os aspectos considerados positivos e sob uma avaliação protestante otimista e inspirativa. Para tanto, esta pesquisa assim se estrutura: 1) a biografia missionária de Raimundo Lúlio; 2) a visão missiológica de Raimundo Lúlio; 3) as letras na missiologia de Raimundo Lúlio; e 4) o zelo missionário de Raimundo Lúlio.

No capítulo 3, intitulado Debatendo cruzada e missão em Raimundo Lúlio, procura-se apreprocura-sentar uma visão crítica sobre o episódio das cruzadas e a visão que Lúlio tinha das mesmas – entendendo-as dentro do seu contexto histórico – e também se debruçar sobre as principais propostas missiológicas de Lúlio, dando destaque à sua missiologia como fruto de uma percepção sensível do princípio da alteridade. Para tanto, esta pesquisa assim se estrutura: 1) as cruzadas cristãs e os muçulmanos; 2) as cruzadas para Raimundo Lúlio; 3) O Diálogo inter-religioso em Raimundo Lúlio, destacando a sua relação com o Islamismo e o princípio de alteridade presente na sua proposta missiológica.

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O CONTEXTO DAS MISSÕES CRISTÃS AOS MUÇULMANOS

Raimundo Lúlio deve figurar como um dos maiores missionários da história da Igreja. Outros possuíram o mesmo desejo ardente de pregar o Evangelho aos infiéis e de, se necessário, sofrer por ele. Mas coube a Lúlio ser o primeiro a desenvolver uma teoria de missões, não apenas por desejo de pregar o Evangelho, mas para trabalhar com um cuidado pormenorizado na forma de fazê-lo. (Neill, 1997, p. 137).

Neill apresenta aqui a importância de Raimundo Lúlio, já o relacionando com a sua contribuição em foco, que foi o seu projeto missionário. No entanto, considerando a distância histórica que separa o presente da época em estudo, inicia-se esta pesquisa com um capítulo que expõe objetivamente ao leitor Lúlio em seu contexto histórico-geográfico, no qual foi desenvolvida a missiologia luliana.

1.1 Cronologia geral da época de Raimundo Lúlio

A cronologia apresentada a seguir ambienta o leitor no contexto histórico-geográfico vivido por Lúlio e foi encontrada na internet, no site do Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo Lúlio (IBFCRL). Com poucos acréscimos, em geral, esta cronologia está baseada nas obras de Hillgarth e Natllori, tendo recebido a forma final aqui apresentada por Badia e Bonner:

1229 Jaume I de Aragão ocupa Maiorca.

1230-50 Entrada de Averroes nas universidades do Ocidente. 1232 Nascimento de LÚLIO em Maiorca.

1235-84 Sigério de Brabante.

1240 Roberto Grosseteste traduz a Ética de Aristóteles.

1243 Nascimento, em Montpellier, de Jaume de Maiorca, segundo filho de Jaume I de Aragão. LÚLIO tornar-se-á seu amigo, primeiro como preceptor, depois como senescal.

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1248-55 Magistério de São Boaventura em Paris. 1252-59 Magistério de São Tomas de Aquino em Paris.

1257 Casamento de LÚLIO com Blanca Picany com a qual tem dois filhos: Domingos e Madalena.

1260-327 Mestre Eckhart.

1262 Jaume de Aragão decide fundar o Reino de Maiorca, que inclui o Roussillon e o Senhorio de Montpellier, para seu segundo filho.

1263 Os Papas Urbano IV e Gregório XI publicam decretos proibindo o ensino de Aristóteles nas universidades.

1263 Conversão de LÚLIO. Peregrinação a Santiago de Compostela e Rocamdor. 1265(66) Nasce em Maxton-on-Tweed Duns Scot.

1265-321 Dante.

1265-74 Anos de formação de LÚLIO em Maiorca e na Abadia cirtercense da Real. LÚLIO estuda árabe com um escravo que se suicidará.

1266-68 Rogério Bacon escreve o Opus majus, opus minus, opus tercium.

1271-74 Escreve as primeiras obras: a Lógica de Gatzel, em versão metrificada, e o Libre de contemplació en Déu. As duas obras foram escritas primeiro em árabe e depois em latim.

1274 Revelação na montanha de Randa. LÚLIO concebe um método ou sistema de unificação de todos os saberes que chamará de Arte. A primeira

denominação da Arte foi Ars abreujada d'atrobar veritat, Arte breve para encontrar a verdade. LÚLIO tem aproximadamente 42 anos.

1275 Jaume de Maiorca convoca LÚLIO a Montpellier e submete suas obras a um perito franciscano que as aprovará.

1275-76 LÚLIO separa-se definitivamente de sua esposa.

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Maiorca.

1276 No dia 17 de outubro uma bula do Papa confirma a fundação do Mosteiro de Miramar, em Maiorca, subvencionado por Jaume de Maiorca. Nele, treze franciscanos estudam a Arte e a língua árabe. Provavelmente 1275-85 LÚLIO escreve o Livro do amigo e do Amado.

1276-87 Anos sem documentação.

1277 Condenação no dia 7 de março das doutrinas tomistas e averroístas por Estêvão Tempier, bispo de Paris. Kilwardby, arcebispo da Cantuária, algumas semanas mais tarde, condena as mesmas teses.

1282 Vésperas sicilianas.

1283 LÚLIO escreve a Ars demonstrativa, segunda formulação da Arte a base de combinações de quatro elementos. Escreve também a primeira novela de reforma social, o Llibre d'Evast i Blaquerna.

1285 Jaume II perde Maiorca, que não recuperará até 1298. Durante este período, traslada a Corte a Perpignan e a Montpellier. LÚLIO freqüentará essas cidades.

1287 Primeira visita de LÚLIO à Corte Papal. Não consegue nada, porque o Papa Honório IV morre no dia 3 de abril.

1275-85 LÚLIO escreve o Livro da Ordem de Cavalaria, a Doutrina pueril, o Blaquerna.

1287-89 Primeira estadia de LÚLIO em Paris. lê publicamente a Ars e visita a Corte de Felipe IV o Belo. Tomás Le Myésier torna-se discípulo de LÚLIO, que agora está com 55 anos. Redige o Felix ou Livro das Maravilhas, narrativa das viagens em parte alegóricas de um homem que procura a verdade entre as confusões deste mundo.

1289 LÚLIO reside em Montpellier e envia una coleção de escritos seus ao duque de Veneza.

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de manipular. Escreve a Art inventiva, baseada num sistema combinatório de três elementos.

1289 No dia 26 de outubro o general dos franciscanos, Raimon Gaufredi, autoriza LÚLIO a pregar nos conventos italianos. Contatos de LÚLIO com os espirituais.

1291 A Cristandade perde São João de Acre.

1291-2 LÚLIO traslada-se a Roma e dedica ao Papa Nicolau IV seu primeiro livro sobre as cruzadas.

1292 Morre o Papa Nicolau IV o dia 4 de abril.

1292-3 Viagem a Gênova, onde, aos 60 anos, LÚLIO sofre uma forte crise psicológica. Empreende sua primeira viagem a África, na Tunísia.

1293-4 LÚLIO na Tunísia. A viagem termina com a expulsão de LÚLIO do país. 1293-7 Duns Scot na Universidade de Paris. Segundo uns historiadores, deixou

Paris no mês de julho; segundo outros, no dia 25 de fevereiro de 1298. 1294 Estadia de em Nápoles durante o breve pontificado e abdicação do Papa

Celestino V. LÚLIO dirige-lhe a Petição a Celestino V. Redige também a Tabela general, nova formulação da segunda versão da Arte. Eleição do Papa Bonifácio VIII.

1295-6 LÚLIO em Roma e Agnani. Redige a Petição a Bonifácio VIII , o Árvore da Ciência, e o Desconhort.

1297 LÚLIO em Montpellier. Bonifácio VIII canoniza o avô de Felipe o Belo, o rei São Luis.

1297-9 Segunda estadia de LÚLIO em Paris. Dedica a Felipe IV o Belo e à rainha Joana o Árvore da filosofia do Amor, tratado místico que contém fragmentos novelados de grande interesse literário. Também tem um tom místico a Contemplatio Raimundi. Ao público universitário dirige a Declaratio per modum dialogi edita contra aliquorum philosophorum opiniones, o

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breve poema lírico que explica o drama e as esperanças de que então estava com 65 anos.

1299 LÚLIO em Barcelona dedica o Dictat de Ramon e o Libre d'Oració a Jaume II. A Corte aragonesa emana um documento a favor de LÚLIO.

1300 Nasce Guilherme de Ockham no condado de Surrey.

1300-3 Duns Scot volta como professor a Paris. Seus contemporâneos: Guilherme de Falgar, Pedro João Olivi, Ricardo de Middleton, Rogério Marston, Pedro de Trabibus e Ghilhermo de Ware. Duns Scot deixa Paris o dia 28 de junho. 1300-68 João Buridan.

1300-1 Primeira longa estadia em Maiorca depois de muitos anos.

1302 LÚLIO em Chipre. Fracasso na sua tentativa de atrair o rei para seus projetos. Encontra-se com o Grão Mestre dos Templários.

1302 Visita em janeiro a Pequena Armênia. Possível visita a Jerusalém. e retorno a Gênova.

1303 O dia 7 de setembro Nogaret e os aliados de Felipe IV o Belo atacam Bonifácio VIII em Agnani.

1304-7 Duns Scot volta a Paris onde fica até setembro de 1307. 1303-5 LÚLIO alterna Gênova e Montpellier.

1303 Escreve o Liber de ascensu et descensu intellectus, redigido em Montepellier no mês de março. Em abril escreve o Liber de fïne, onde coloca ao rei Jaume II de Aragão a necessidade de uma cruzada contra os muçulmanos. A partir do dia 24 de junho começa a receber uma pensão deste rei. Permanece em Barcelona até setembro. Está presente na entrevista que se celebra em Montpellier entre o novo Papa Clemente V e Jaume II de Maiorca. O dia 14 de novembro LÚLIO assiste à coroação de Clemente V em Lião e dirige em vão novas petições a este Papa.

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1306 Terceira visita de LÚLIO a Paris. Está com 74 anos. 1306-7 Permanece em Maiorca.

1307 Segunda missão em Bugia, na África. É encarcerado por seis meses e finalmente expulso. Naufraga perto de Pisa.

1307 O dia 13 de outubro Felipe IV da França apodera-se da Ordem dos Templários.

1308 Morre Duns Scot em Colônia.

1308-9 LÚLIO entre Pisa e Montpellier. Termina a Ars generalis ultima , a versão definitiva de sua Arte, e a mArs brevis. Escreve o Liber clericorum, dirigido à Universidade de Paris. Intenta promover uma cruzada desde Gênova. Em maio dedica desde Montpellier a Ars Dei a Clemente V e a Felipe IV da França. Provável encontro de com Arnau de Vilanova em Marsella. 1309 O Papa Clemente V se instala em Avignon.

1309 LÚLIO permanece em Montpellier. Carta a Jaume II de Aragão. Escreve o Liber de perversione entis removenda e o Liber de acquisitione terrae sanctae. LÚLIO aceita a política de Felipe IV da França sobre as cruzadas. Fracassa uma visita de LÚLIO a Clemente V. Fracassa a cruzada de Jaume II de Aragão em Almeria.

1309-11 Quarta e última estadia de LÚLIO em Paris. Luta contra o averroísmo. Escreve umas trinta obras de caráter polemico, muitas delas endereçadas ao rei da França e com temas antiaverroístas. Redige o Liber natalis parvi pueri Iesu, com tons literários natalinos, e o Liber lamentationis philosophiae.

1310 Quarenta mestres e bacharelandos em Artes e Medicina aprovam a Ars brevis. Cartas de recomendação de Felipe IV para LÚLIO. Escreve o Liber de modo naturali intelligendi contra os que negam que Deus tenha infinito vigor e que o mundo seja criado. Neste ano escreve também o Liber reprobationis aliquorum errorum Averrois, em julho, e a Disputatio Raimundi et Averroista, de outubro a dezembro.

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compilação de obras lullianas na cartuxa de Vauvert. LÚLIO dita sua Vita coetanea, documento autobiográfico de importância capital. O chanceler da Universidade de Paris aprova o pensamento lulliano. Escreve a Petitio in concilio generali. A caminho do Concílio de Vienne redige o poema Lo concili e o Phantasticus, opúsculo onde se defende das acusações que lhe dirigiam.

1311-12 LÚLIO, aos 80 anos, assiste ao Concílio de Vienne. 1312 Permanece em Montpellier. Dante escreve o Inferno. 1313-14 Permanece em Messina.

1314-15 Última estadia de LÚLIO em África do Norte. Traslada-se à Tunísia, onde dedica obras ao rei e pede a Jaume II de Aragão um frade franciscano para que o ajude a traduzir seus escritos ao latim.

1316 LÚLIO morre, aos 84 anos, perto de Maiorca voltando da Tunísia. Uma lenda piedosa, não desmentida, supõe que foi lapidado.

1323 Estêvão Borrète, bispo de Paris, anula a sentença de Tempier. 1324-28 Ockham é encarcerado em Avignon.

1329 Condenação de mestre Eckhart.

1350 Guilherme de Ockham morre em Munique.

1450 Gutemberg abre uma oficina de impressão em Magúncia. 1450-537 Lefèvre d'Etaples.

1463-94 Pico della Mirandola. 1466-536 Erasmo de Roterdã.

1470 Introdução da imprensa na Universidade de Paris.

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1.2 Missões cristãs na Idade Média

Há quarenta anos, raras eram as obras de autores da Idade Média vertidas para o português. Escasseavam até mesmo os bons estudos sobre a Idade Média que, desde o fim do século passado, se multiplicaram na Europa e Estados Unidos. No Brasil, [...] pela difusão de manuais escolares com ranço anticlerical, pesava sobre o período histórico da Idade Média a caliginosa nuvem de preconceito, adensada no século XVIII pela logorréia anticristã dos enciclopedistas (Nunes, 1989, p. 7).

Como se pôde verificar, após a virada do século permanece o desafio de se pesquisar sobre a Idade Média, pois para a realização de tal estudo além de se ter que levar o pesquisador a um mundo um tanto quanto distante no tempo, é preciso vencer uma série de imagens preconceituosas que se costuma manter quanto a este período da História, que não por acaso também recebeu a alcunha de “Idade das Trevas”. Tal preconceito apenas reforça uma imagem caricata desta época, assim como uma considerável ignorância sobre tal período e suas contribuições, como bem destaca Nunes, o qual assevera ainda que os países que tiveram uma certa influência da educação francesa, como o Brasil, acabaram absorvendo muito deste preconceito para com a Idade Média, fruto da filosofia iluminista predominante na cultura francesa pós-revolução. (Nunes, 1989, pp. 7,8). Pesquisar sobre Raimundo Lúlio, portanto, é tanto um desafio, quanto uma tentativa de resgatar valores e contribuições oriundas de uma época ainda pouco estudada tendo em vista o reconhecimento das suas contribuições positivas.

Embora na presente época e contexto cultural e religioso tenha-se facilidade em se buscar, reconhecer e até mesmo exacerbar a importância do indivíduo, destacando-o do grupo e do contexto, não era assim na Idade Média dos dias de Lúlio. Aquela época foi marcada por uma cultura que promoveu uma vida coletiva, baseada na agricultura, pecuária e artesanato, segundo Comblin (2002, p. 315), a qual destacava e valorizava o bem comum, não havendo muito espaço para o individualismo.

1.2.1 Missões medievais: a catolicização do mundo

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Segundo Castagnola e Padovani, o rei Carlos Magno pretendia dar uma unidade interior e espiritual ao seu vasto império e, para tanto, empenhou-se em educar intelectual, moral e religiosamente os bárbaros que o constituíam. Para isto, precisaria se implantar paralelamente civilização, religião, cultura clássica e catolicismo. Sendo assim, escolas foram organizadas no Sacro-Império, e sendo o clero a classe mais apta para o magistério, serviu de docente num projeto de amplos objetivos, que envolvia uma educação popular simples e uma educação especial para a classe dirigente em geral, assim como os funcionários do império. Nesta tarefa de implantar escolas no império carolíngio, estes autores destacam a figura de Alcuíno, que vindo da Inglaterra – o viveiro da cultura naquela época – ditou o programa educacional predominante no império, o qual perdurou invariado praticamente por toda a Idade Média. (Castagnola e Padovani, 1962, pp. 171,172).

O Império Carolíngio do Séc. VIII ilustra o desafio da unidade no mundo medieval. Assim, os povos recém-conquistados deveriam ser educados tanto para a coroa, quanto para a fé católico-romana, dentro da cultura herdada dos povos clássicos e adaptada à nova ordem. Tal tarefa recaiu basicamente sobre a igreja institucional.

Contudo, pensar em alcançar pessoas que professavam uma fé distinta do cristianismo e que vivesse fora dos limites geográficos e das influências lingüísticas e culturais das “terras cristãs” era desconsiderado pela igreja institucional como algo de alto risco, portanto desnecessário, a ponto de alguns terem condenado o esforço de Lúlio de buscar alcançar muçulmanos para Cristo, segundo Tucker (1996, p. 59).

Os islâmicos há muito já foram se mostrando uma ameaça numérica ao cristianismo institucional, isso sem mencionar o desconforto e a tensão sentidos por muitos cristãos que conviveram por séculos com a considerada inconveniente presença islâmica na península Ibérica, inclusive nos dias e terra natal de Lúlio, pois a ocupação muçulmana destas deixou a região em estado de tensão por muito tempo, como se verá mais adiante.

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A ordem dos franciscanos seguiu o exemplo dos dominicanos e se instalou também nas universidades, chegando a ter professores de grande renome. O destino acadêmico dos franciscanos foi assegurado em 1236 com um professor da Universidade de Paris, Alexandre de Hales, o qual decidiu se unir à ordem; desta forma, os franciscanos passaram a contar com sua primeira cátedra universitária. Viu-se então que “poucos anos depois havia mestres franciscanos em todas as principais universidades da Europa ocidental”, afirma Gonzalez (1986, pp. 121,122).

Apesar do fato de que a teologia cristã católica estava se aprimorando intelectualmente, desenvolvendo-se no modelo escolástico de refinada filosofia e debates, e assim, respondendo às alterações ocorrentes no mundo de então, a igreja cristã praticamente abandonou os muçulmanos como um grupo preterido por Deus e não se preocupou em alcançá-los, restringindo-se basicamente a educar os antigos bárbaros e povos primitivos na periferia do mundo cristão europeu, tarefa feita principalmente pelas ordens monásticas dos dominicanos e franciscanos. Lúlio foi uma brilhante exceção a este pensamento, engajado no alcance dos seguidores de Maomé, como se poderá verificar no desenvolvimento desta pesquisa. Tal enfoque na catolicização dos europeus conquistados levou a cristandade a perder de vista os povos do Oriente, como os mongóis, cuja negligência missionária descrita a seguir ilustra bem a visão do cristianismo medieval.

1.2.2 O mau exemplo histórico da perda dos mongóis

A apatia e a indiferença missionárias encontram na perda histórica da oportunidade da evangelização dos mongóis um triste exemplo. Marco Polo chega a registrar que o grande senhor dos mongóis havia pedido ao “pontífice que lhe enviasse seis homens sábios e castos para revelar aos idólatras e aos adeptos de outros credos da região – todos obras do diabo – a superioridade e a eficácia da religião cristã” (Polo, 2003, p. 18).

Embora a referida narrativa de Polo seja tida como fantasiosa, Alem afirma que havia maior oposição dos mongóis aos muçulmanos do que aos cristãos, posto que já estavam sob maior influência cristã, tendo muitos se associado ao cristianismo nestoriano, mas visto que os cruzados se recusaram a se aliar aos mongóis, pois assim “êsses ter-se-iam convertidos ao cristianismo, e a face do mundo teria mudado. Mas os cruzados recusaram, a maioria dos mongóis se tornou muçulmana” (Alem, 1961, p. 36).

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subjugavam um povo; desta forma, segundo ela, através da expansão do povo mongol já na virada do século XIII para o XIV, “todos os quatro impérios mongóis tinham se convertido ao Islã. Os mongóis tornaram-se, portanto, o principal poder muçulmano na importante região islâmica central” (Armstrong, 2001, p. 147).

A conversão em massa dos mongóis ao islamismo tendo em face à inicial simpatia para com o cristianismo mostra a grande insensibilidade missionária do cristianismo naqueles dias, especialmente a inabilidade dos cruzados de olharem para o contato com outros povos mais como oportunidades de evangelização do que como ocasiões de guerra a serem travadas e vencidas, assim como revelam também à intolerância quanto às outras segmentações cristãs, distintas da hegemonia católica.

Esta cegueira quanto à necessidade dos mongóis revelavam também uma falta de interesse na evangelização dos outros povos e até mesmo de uma aproximação e debate da fé cristã com aqueles que ainda não a professam. Tal indiferença se mostrava ainda mais aguda quando se tratava da relação entre cristãos e muçulmanos, a ponto de se verificar que entre eles não houve na Idade Média um verdadeiro e proveitoso diálogo inter-religioso, sendo uma fantasia a busca de evidências neste sentido, conforme as seguintes palavras de alerta de Brague:

Assim, na Idade Média, os verdadeiros diálogos entre o Islã e o cristianismo são muito escassos, e, entendendo-se por tais aqueles diálogos que nos parecem desejáveis, simplesmente inexistentes. A literatura polêmica dirige-se a pessoas já convencidas. O diálogo é antes um gênero literário mais do que uma realidade. Os ensaios para tratar ao outro com equidade são de antemão, compreendendo-se bem, uma exceção. Temos o direito de sonhar com tais diálogos entre religiões para o futuro. Mas nada nos autoriza a projetar este sonho no passado medieval. Nossa empreitada é talvez nobre, mas não deve a sua nobreza a quaisquer dos ancestrais (Brague, 2010, internet).

1.2.3 As condições religiosas do mundo medieval

Apesar da maior parte da Europa ocidental neste período ter estado sob a influência da religião cristã, Lúlio, lamentava o desinteresse generalizado na evangelização dos não cristãos, pois, segundo ele, o interesse dos reis, cavaleiros e até mesmo dos clérigos não era com a missão aos gentios, mas sim apenas com diversões e banquetes; e esta indiferença quanto à ignorância espiritual dos outros o incomodava profundamente (Lúlio, 2009a, pp. 153,154).

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combatidas por Lúlio, o filósofo árabe e muçulmano Averróis, era defensor de uma vivência dupla da religião islâmica: aos mais cultos, caberia pensar a própria religião de maneira mais filosófica e aos demais, restava-lhes uma crença crédula, até mesmo fanática. Esta dicotomia foi assim expressa por Saranyana: “Seria uma religião que, nos sábios, cede à filosofia, ou a ela se orienta, e no vulgo cede à boa cidadania, ao bom comportamento, tanto individual como social. A religião do vulgo é uma espécie de ‘fideísmo’ – para não dizer fanatismo – sem conteúdos inteligíveis” (Saranyana, 2006, p. 239).

De formas distintas, tanto o cristianismo, quanto o islamismo viviam dias de agudas distinções na própria vivência de suas religiosidades, o que na verdade, acabava por expressar os intensos contrastes morais vividos naqueles dias medievais, os quais não eram percebidos apenas em lugares distintos do mesmo país, mas muito próximos, até em uma mesma pessoa, a qual poderia demonstrar “uma fé sublime e uma superstição degradante, uma pureza angelical e uma sensualidade grosseira” (Zwemer, 1977, p. 7).

Devido a sua preocupação com o declínio moral e religioso da cristandade, Lúlio escreve ao rei Filipe da França uma dedicatória, na qual roga ao mesmo a que assumindo o seu papel de magistrado cristão, venha a defender a fé cristã nos limites do seu reino, velando pela condição espiritual de todos, removendo os vícios e promovendo as virtudes, de tal maneira que o seu reino fosse “espelho e exemplo para todos os reis cristãos em todas as virtudes próprias do ofício real” (Lúlio, 2001a, p. 115). Desta maneira, Lúlio demonstra tanto a sua preocupação com o estado moral e religioso da cristandade, como também revela e apela à visão vocacional religiosa para o magistrado civil, que teria responsabilidades e competências cívicas de manter e assegurar a qualidade espiritual da sociedade sobre a qual foi por Deus constituído governo. Esta é uma visão que reflete a compreensão de cristandade, tão arraigada em Lúlio, que será mais adiante estudada.

1.2.4 A preocupação de Lúlio com a resposta da Igreja

Diante deste quadro religioso e moralmente crítico da cristandade, que demonstra uma pobreza espiritual predominante nos dias de Lúlio, ele expressa o seguinte lamento:

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A carência generalizada de uma vida cristã autêntica era percebida e denunciada como blasfêmia por Lúlio pelo fato de existirem nos seus dias tantos grandes doutores de teologia, que apenas se banqueteavam nos seus refeitórios e, não demonstrando nenhum interesse missionário, eram indiferentes ao fato de sendo tantos, “Deus tivesse falta de louvadores, sendo em tantos lugares blasfemado, desonrado, ignorado e menosprezado pelos ídolos, que são mais amados e louvados que Ele” (Lúlio, 2009b, pp. 194,195). Lúlio se incomodava com o baixo padrão moral e espiritual da cristandade dos seus dias, mas também com a frivolidade e indiferença missionária dos mais capacitados a fazê-lo.

Contudo, é importante se perceber que antes de Lúlio propor um projeto missionário visando o alcance dos não-cristãos para a fé cristã, o trabalho missionário que a Igreja conhecera até então, e que fora responsável pela adesão ao cristianismo de praticamente todo o continente europeu consistiu naquilo que se costuma chamar de cristianização dos povos dominados, visto que predominantemente na Idade Média a “conversão” de povos ao cristianismo e a expansão da própria igreja cristã de então se deu quase somente através destas adesões coletivas dos súditos de um reino à religião cristã professa pelo seu monarca, conforme narra Tucker (1996, p. 44). Nestas circunstâncias, restava à missiologia basicamente regular a educação cristã oferecida aos novos “conversos” ao cristianismo num processo de catolicização dos povos, o que gerou o que será mais adiante estudado como a cristandade, uma amálgama resultante da combinação de um modelo estatal social com traços culturais próprios à Europa Ocidental que tem como substrato ideológico a teologia cristã desenvolvida até então.

De fato, uma aproximação pacífica e respeitosa, próprias do diálogo inter-religioso atualmente proposto não foi possível naqueles dias medievais. Agora a pesquisa busca descrever a qualidade da relação que havia entre cristãos e muçulmanos nos dias de Lúlio.

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invasores do antigo Império Romano e depois da consolidação de um novo império, o Sacro Império Cristão, sob Carlos Magno, subjugando ou “convertendo” pagãos e opositores, assim como educando a todos sob o catolicismo papal ocidental, segundo Gonzalez (1981, pp. 37,141,149) num modelo que consolidaria o conceito de cristandade. Esta era idéia majoritária de missão dominante na Idade Média, com pouca ou quase nenhuma visão para povos e modelos que não se encaixassem neste processo civilizatório cristão ocidental, como ocorreu com os muçulmanos, com quem a relação se tornaria crescentemente tensa, como se há de observar a seguir.

1.3 A tensão entre cristãos e muçulmanos

Em retrospectiva, podemos ver que era impossível qualquer presença islâmica duradoura no continente. [...] Com certeza, resistir a esses inimigos era trabalhar por Deus. O papa Leão IV, pedindo ajuda contra os sarracenos1 em 853, disse que qualquer um que perdesse a vida

naquele conflito iria par ao céu. [...] Por vezes a pressão se tornou intensa. Perto do final do século X, foram atribuídas a um soberano de al-Andalus 57 campanhas militares contra cristãos em 21 anos. Isso incluiu um ataque a um dos mais sagrados santuários da cristandade no Ocidente, a tumba do apóstolo são Tiago, em Santiago de Compostela, em 997. (Fletcher, 2004, pp. 54,55).

Das diversas possíveis relações inter-religiosas do cristianismo católico com outras manifestações de crença, a presente pesquisa passa a considerar e a se concentrar agora com o relacionamento que historicamente foi sendo construído entre os seguidores de Cristo e os seguidores de Maomé. Como o subtítulo já indica, esta foi uma relação crescentemente tensa, chegando às manifestações mais intensas de oposição beligerante possivelmente nos dias vividos por Lúlio.

1.3.1 O surgimento do Islã e a sua relação com os cristãos

Embora se costume referir à tensa relação entre os cristãos e os muçulmanos na Terra Santa como se reportando às cruzadas, Runciman inicia o primeiro volume que compõe a trilogia da sua pesquisa histórica descrevendo o impacto causado nos cristãos pela entrada do Califa Omar em Jerusalém em fevereiro de 638 d.C., visitando lugares tradicionalmente sagrados para judeus e cristãos e reivindicando para o Islã aqueles onde

1 Sobre o termo sarraceno, referência comum aos muçulmanos, Fletcher comenta: “Aqui, Isidoro de Sevilha,

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ele orava. “Isso estava de acordo com os termos de rendição da cidade” (Runciman, 2003a, p. 17). A citada descrição indica a vocação histórica de tensão entre estes que são atualmente os mais numerosos grupos religiosos do mundo, os cristãos e os muçulmanos. Agora, a presente pesquisa estuda este conflito, de essencial compreensão para o devido entendimento do tema em estudo.

Além da diferença quanto à compreensão sobre Deus, o Islã não difere tanto do cristianismo medieval pela sua proposta teocrática, pois assim como segundo a instrução corânica, a ordem divina se estende também à sociedade civil, o modelo medieval de cristandade era uma encarnação da realidade civil como expressão da influência e do domínio eclesiástico da fé cristã no mundo. Contudo, para o Islã, até a própria guerra (Jihad) é um serviço religioso e a principal delas é a luta para submeter todas as paixões da alma do fiel a Deus, pois o muçulmano deve se empenhar a defender e estender a fé islâmica, combatendo por Alá, visto que o Corão lhes ordena até a matarem ou serem mortos, conforme registra Mata (2006, p. 21). De fato, é inegável a afirmação do Corão Sagrado no verso 111 da sua 9ª Surata do julgamento e promessa feitos por Alá aos fiéis quanto à disposição destes a matarem e a morrerem pela sua fé, como se lê:

Deus cobrará dos crentes o sacrifício de suas pessoas e seus bens em troca do Paraíso. Combaterão pela causa de Deus, matarão e serão mortos. É uma promessa infalível, que está registrada na Tora, no Evangelho e no Alcorão. E quem é mais fiel à sua promessa do que Deus? Regozijai-vos, pois, da troca que haveis feito com Ele. Tal será a bem-aventurança (Alcorão Sagrado, 1975, p. 142).

No entanto, houve no início da expansão da fé islâmica uma considerável tolerância dos muçulmanos em seu meio quanto à presença tanto de judeus quanto de cristãos e suas respectivas religiões, desde que pagassem uma taxa anual de imposto, a jizya; no entanto, não tinham permissão para construir seus templos ou manifestarem publicamente seus atos litúrgicos, como sinos e cânticos; também não podiam possuir certos equipamentos militares, homens não muçulmanos não podiam ter relações com mulheres muçulmanas, não se podia manifestar desrespeito ao Islã, nem buscar a conversão de um muçulmano a quaisquer outras religiões (Fletcher, 2004, p. 35).

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impingida aos cristãos, eram muito menores que nos tempos dos bizantinos –, mostravam-se pouco inclinados a questionar mostravam-seu destino”, mostravam-segundo Runciman (2003a, p. 31).

No entanto, as tensões entre cristãos e muçulmanos que no Oriente Médio não pareciam ser grandes no início da expansão do Islã, foram se intensificando especialmente na Europa Ocidental. Lúlio afirma que um certo sarraceno, nomenclatura comum para os muçulmanos na referência européia, havia escrito a reis cristãos questionando a luta armada dos cristãos tentando reconquistar as terras que antes haviam sido alcançadas pela pregação apostólica, pois ao apelarem às armas, eles estavam usando o caminho descrito pelo profeta Maomé e não aquele ensinado por Cristo (Lúlio, 2009a, p. 100). Desta forma, vê-se não apenas que os conflitos se tornaram bélicos, aguçados pelas cruzadas, como se verá em seguida, mas também destacava a tensão religiosa em si.

O período compreendido entre os anos 1050 e 1300 d.C. foi marcado por tensões constantes entre cristãos e muçulmanos; o domínio cristão que havia sido estabelecido na Síria, Palestina, Sicília e península Ibérica estava sendo passo a passo substituído pela expansão islâmica, o que resultou numa guerra permanente entre os dois grupos religiosos no mundo mediterrâneo, segundo Fletcher (2004, p. 94). Esta grande expansão do islamismo, dominando todo o Oriente Médio, o norte da África, a Europa Oriental, estendendo-se pela Ásia adentro, mas especialmente indo ao Ocidente alcançando as ilhas mediterrâneas e encravando-se na península Ibérica através do Estreito de Gibraltar geraria reações adversas nos cristãos europeus ocidentais, como se pode verificar.

1.3.2 A reação cristã à expansão islâmica

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A visão que a maioria dos cruzados, que eram cristãos ocidentais com um senso de vocação diante dos não católicos, tinha para com os infiéis era a do seu extermínio, posto que inimigos da verdade divina; ou aos que fosse permitido viver, restava a escravidão, já que estavam destinados ao inferno; poucas vozes se opuseram a esta visão restrita de tratamento de juízo, dado especialmente aos muçulmanos, segundo Neill (1997, p. 118).

Zwemer denuncia que na época, quase todas as descrições dos islâmicos eram recheadas de ignorância e ódio. No entanto, ele destaca o trabalho pioneiro e sensível de Pedro Venerabilis, visto que teria sido o primeiro a traduzir o Corão e estudado o Islamismo com entendimento e erudição, procurando traduzir ao árabe versículos bíblicos fundamentais à exposição da fé cristã àqueles, assim como afirmou que o próprio Corão continha as armas necessárias a se atacar a fortaleza islâmica, contudo, continua Zwemer, ele se negou à tarefa missionária, alegando não ter tempo para isto visto que vivia ocupado com os seus livros. O sinal de um novo caminho a ser abordar os muçulmanos foi indicado pelo venerável Pedro, que claramente defendia a idéias do não uso das armas, força ou ódio, mas sim das palavras, da razão e do amor, ainda segundo Zwemer (1977, pp. 38,39).

Apesar da relação hostil entre cristãos e muçulmanos, especialmente na Europa, do contato resultou contribuições ao mundo cristão ocidental, assim como no início da expansão islâmica o contrário havia se dado, por exemplo, através do funcionalismo público ocupado pelo povo do livro (cristãos), mais acostumado à vida burocrática e urbana, em contraste com a origem tribal e semi-nômade dos árabes (etnia majoritária e classe exclusiva na formação inicial do povo muçulmano), e pouco a pouco muitos destes cristãos foram se aculturando ao Islã, absorvendo costumes, padrões de vestimentas e culinária, assim como se acomodando aos benefícios garantidos aos seguidores do Islã e acabaram migrando de religião, tendo trazido aos maometanos a cultura oriental helenística e persa, traduzindo especialmente para o sírio muitos destes escritos, entre eles os trabalhos de Aristóteles, posteriormente revertidos ao árabe, segundo Fletcher, (2004, p. 50). Curiosamente, o contrário se deu com o contato posterior da cristandade ocidental com os árabes, posto que muito da antiga erudição cristã havia se perdido com a queda de Roma, e veio a ser reintroduzida ao meio cristão através do caminho de retorno, de tal maneira que muitos destes clássicos foram re-introduzidos no cenário da academia cristã através da pena árabe, quando do tenso contato com os cruzados.

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1.3.3 A tensão entre cristãos e muçulmanos na Europa

É necessário que se tenha em mente que a percepção do europeu cristianizado acerca da expansão do islamismo sobre o seu continente natal é consideravelmente mais reativa do que a daqueles que não carregam consigo a memória da ocupação islâmica sobre o seu território. Para o homem moderno, globalizado, e especialmente para os filhos do novo continente, a percepção e o peso histórico-geográfico destes acontecimentos não têm a mesma força que têm para os povos do velho continente que conviveram com a histórica e conflituosa correlação entre geografia e religião. Com isto em mente, observe-se a descrição da tensão inter-religiosa em debate por parte dos seguintes estudiosos do tema, todos europeus, os quais revelam maior sensibilidade a devidas percepções a respeito desta questão.

Uma bem detalhada descrição da expansão do Islã é feita por Fletcher e é apresentada na sua obra aqui em uso, na qual ele descreve a rápida e eficiente expansão militar e geográfica do Islã sobre as terras antes ocupadas pelos diversos segmentos do cristianismo (Fletcher, 2004, pp. 28-30). Cooperaram para esta expansão a estratégica estrutura militar islâmica, que associada aos relativos benefícios concedidos aos povos jurisdicionados, à simplicidade requerida à conversão à nova fé, às graves restrições ao abandono da mesma, à unidade da realidade sob esta crença; e, finalmente, às constantes, complexas e intermináveis questões teológicas que fragmentaram e puseram em estado de tensão e guerra os diversos segmentos do cristianismo. Fato é que uma a uma as regiões de antiga predominância cristã, agora estavam sendo islamizadas, começando pelo Oriente Médio, estendendo-se a Oriente e a Ocidente, tomando o norte da África e indo até a península Ibérica, cercando assim a Europa a Leste e a Oeste com a fé maometana.

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mútuas ainda perduram entre os seguidores de Cristo e os de Maomé e elas não estão relacionadas apenas aos textos considerados sagrados pelos dois grupos.

Decorrentes de tantas tensões, que têm por fundo questões não somente de fé e de autoridade escriturística religiosa, mas também conflitos culturais, tensões sociais e fatores econômicos, como as devidas posses de terra, um grande choque de culturas se estabelecia e ainda se estabelece nesta relação entre cristãos e muçulmanos; e como resultado deste choque, está a dificuldade da conversão dos muçulmanos à fé cristã nos dias e nas terras pátrias de Lúlio, como expressa Jaulent:

A conversão dos muçulmanos, porém, não era bem vista pelos senhores de Maiorca em virtude de certos prejuízos econômicos. O batismo devolvia ao escravo a condição de livre e melhorava sua condição de alforria. Por estes motivos, a conversão dos cativos muçulmanos não era muito favorecida e, sem qualquer dúvida, pode-se afirmar que os esforços de Lúlio para promover a cristianização dos muçulmanos contrariaram os interesses de boa parte da sociedade cristã e também das poderosas ordens militares do Templo e do Hospital. [...]

Tenha-se em conta também a natural dificuldade que Lúlio encontraria na conversão dos muçulmanos, por possuírem estes uma tradição filosófica e científica que, ainda no século XIII, inexistia no Ocidente. Lúlio, visto por alguns historiadores como antimuçulmano, era, antes de mais nada, um homem de seu tempo, e tinha viva consciência da importância do Islã na vida cultual dos cristãos. (Jaulent, 2001b, pp. 11,12).

1.3.4 A situação mais específica na Espanha de Lúlio

Como a citação anterior já começou a apresentar, é preciso se destacar do todo, a percepção da tensão islâmico-cristã particularmente na península ibérica, não apenas porque lá ela ocorreu de forma particularmente mais intensa e longa, mas por ser a macro-região contextual de Lúlio, a sua terra natal. Observe-se a descrição desta tensão através do relato de Zwemer:

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Esta longa ocupação resultou em muitas revoltas por parte dos cristãos que estavam sob o governo de muçulmanos que dominaram a Espanha. Escritos ofensivos ao profeta Maomé e ao islamismo foram produzidos e, embora os cristãos tivessem sido capazes de viver sob o novo regime e domínio islâmico, “secretamente insultavam aqueles que estavam no comando”, comenta Fletcher (2004, p. 41).

A série de favorecimentos aos convertidos ao Islã, assim como a constante pressão que o governo muçulmano caracteristicamente exerce sobre os não islâmicos têm sido instrumentos poderosos tanto de conversão quanto especialmente de manutenção na fé maometana entre os seus seguidores. Houve inúmeras conversões de cristãos ao islamismo especialmente no contexto espanhol e catalão em virtude destes favorecimentos, muitas vezes casos de apostasia consciente por parte de cristãos mais preocupados com as condições de sua vida, do que em suportar o preço de permanecer firme em sua confissão de fé cristã, ainda que a julgasse superior, afirma Fletcher, que em seguida corrobora o destaque que se costuma dar à nobreza do líder muçulmano Saladino frente a tensão com os cristãos cruzados: “Os cruzados eram capazes de respeitar tanto o valor moral quanto o marcial dos seus oponentes. Saladino é o principal, mas não o único exemplo, um homem de palavra, pio e sábio, clemente e justo, terrível apenas com aqueles como Renaud de Chântillon, que desprezou as leis da guerra” (Fletcher, 2004, p. 98).

Neste ínterim, a Maiorca natal de Lúlio, estava à sombra das tensões vivenciadas pelo rei Jaime I, de Aragão, as quais não sendo apenas de ordem cívico-militar com os islâmicos, mas também de ordem político-pessoais relativas a questões matrimoniais intrincadas. Tendo recebido auxílio do príncipe português Pedro nestas últimas questões, o referido rei aragonês acabou por recompensar a este em 1231 d.C. com o comando da ilha de Maiorca, reconquistada recentemente dos muçulmanos, segundo Fletcher (2004, p. 97); sendo este o contexto histórico no qual surge Lúlio.

Referências

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